1. Em ação fundada em acidente de viação, se o lesado consentiu à companhia de seguros a realização de peritagem ao veículo sinistrado e respetiva orçamentação, mas a companhia de seguros não autorizou a reparação proposta pelo perito, não era exigível ao lesado que interpelasse a companhia de seguros para proceder à reparação.
2. A ressarcibilidade do dano de privação de uso tem vindo a ser intensamente debatida na jurisprudência, localizando-se três orientações distintas a este respeito:
a) aquela que sustenta que a mera ablação de uma faculdade integrante do direito de propriedade é suficiente para se arbitrar indemnização por privação de uso, pelo que não se revela necessário, para este efeito, quer a demonstração da utilização habitual do veículo pelo lesado, quer a demonstração de que daquela privação resultaram prejuízos concretos para o lesado;
b) aquela que defende que para se reconhecer a existência do dano é suficiente a prova da utilização habitual do veículo pelo lesado, presumindo-se, a partir daqui, que a impossibilidade de utilizar o veículo é geradora de prejuízos, o que se constata ser a orientação jurisprudencial atualmente dominante;
c) aquela que entende que deve o lesado demonstrar que a privação do uso lhe causou prejuízos concretos, por constituir um dos pressupostos da obrigação de indemnizar.
3. A indemnização por dano de privação do uso não é arbitrada em abstrato, devendo ponderar-se casuisticamente o tempo por que se prolonga a impossibilidade de utilização, o tipo de utilização habitual e as soluções alternativas encontradas (ou não) pelo lesado para suprir a carência do veículo sinistrado.
4. Sem prejuízo, considerando que importa encontrar soluções globalmente congruentes para os múltiplos casos submetidos a juízo, em obediência ao disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, e atenta, designadamente, a taxa de inflação, que tem determinado a atualização das indemnizações, constata-se que na atualidade se mostram mais elevados os valores arbitrados a este título, situados aproximadamente nos € 20,00 diários.
(Sumário da Relator)
Sumário: (…)
(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I – Relatório
1. (…) intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…) – (…) Seguros, S.A., peticionando a condenação da R. a pagar-lhe indemnização pelos danos sofridos em consequência de acidente de viação cuja responsabilidade imputa ao segurado da R., no valor total de € 7.438,91, correspondente ao custo da reparação do veículo (€ 4.338,91), ao dano da privação de uso (€ 2.100,00) e a danos não patrimoniais (€ 1.000,00), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
2. Regularmente citada, a R. veio apresentar contestação, pugnando pela sua absolvição do pedido, com fundamento em que não é responsável pelo sinistro, para além de entender não serem devidas as quantias peticionadas.
3. Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julgando-se a ação parcialmente procedente, decide-se: a) Condenar a Ré (…) Seguros, S.A. a pagar à Autora, (…), a quantia de € 4.338,91 (quatro mil e trezentos e trinta e oito euros e noventa e um cêntimos), a título de indemnização correspondente ao preço da reparação do veículo sinistrado, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data de citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento; b) Condenar a Ré (…) Seguros, S.A. a pagar à Autora, (…), a quantia de € 900,00 (novecentos euros) a título de indemnização pela privação do uso do veículo, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data de citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento; c) Absolver a Ré (…) Seguros, S.A. do demais peticionado”.
4. Inconformada com a sentença, a R. interpôs recurso da mesma, em cujas alegações verteu as seguintes conclusões:
“1. Não se conformando com o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, vem a Recorrente, por via do presente recurso, contestar tal decisão.
2. É do entendimento da Recorrente que jamais deveria ter sido condenada ao pagamento da quantia de € 4.338,91 (quatro mil e trezentos e trinta e oito euros e noventa e um cêntimos), a título de indemnização em face do custo da reparação do veículo da Recorrida, com a matrícula (…) e, bem assim, ao pagamento da quantia de € 900,00 (novecentos euros), a título de indemnização pela alegada privação do uso da sobredita viatura.
3. Assim, considera a Recorrente que, por um lado, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo procedeu a uma inadequada apreciação e valoração das declarações de parte da Recorrente e dos depoimentos prestados pelas Testemunhas (…) e (…), o que, por sua vez, reflectiu, em conjugação com a restante prova produzida em sede dos presentes autos, uma incorrecta decisão quanto à factualidade dada como provada e não provada.
4. Por outro lado, o Tribunal a quo procedeu a uma inadequada interpretação e aplicação das normas legais e princípios jurídicos aplicáveis in casu.
5. Ora, primeiramente, cumpre, desde já, evidenciar que das declarações de parte da Recorrida (00:02:52 a 00:04:36 em sede da sessão de audiência de julgamento de 27.02.2024) e do depoimento prestado pela Testemunha … (00:27:59 a 00:28:11, 00:55:19 a 00:55:37 em sede da sessão de audiência de julgamento de 27.02.2024) resulta, de forma evidente, e sem margem para qualquer dúvida, que aquela nunca procedeu à interpelação da Recorrente com vista à reparação da viatura sinistrada.
6. Tendo, por iniciativa própria, optado por proceder à reparação parcial do veículo, juntamente com o seu marido e um amigo, independentemente do facto de existir um orçamento apresentado pela Recorrente para a reparação do aludido veículo.
7. Não obstante, a Recorrida peticionou a condenação da Recorrente no pagamento do custo da reparação da viatura sinistrada, ao invés de peticionar a sua respectiva reparação, sendo certo que tal possibilidade não se encontra prevista no nosso ordenamento jurídico.
8. Em conformidade com a doutrina e a jurisprudência, existente, reflecte-se, na conjugação entre os artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do CC, uma clara primazia entre a reconstituição in natura sob a indemnização em dinheiro.
9. Razão pela qual, tal indemnização só seria viável se, na eventualidade da demora na resposta da Recorrente, susceptível de ser considerada uma violação do dever de diligência a que se encontra adstrita, a Recorrida tivesse diligenciado pela interpelação da Recorrente, concedendo-lhe um prazo razoável para o cumprimento de tal obrigação, com a admonição de que, em incumprimento, assumiria a reparação do veículo sinistrado, exigindo, mais tarde o pagamento, do respectivo preço a título de indemnização.
10. Ora, considerando que tal não sucedeu in casu, e, consequentemente, não assistia à Recorrida qualquer direito de exigir uma indemnização, em face do suposto custo de reparação do veículo sinistrado, andou mal o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente nesse sentido.
11. Por seu turno, cumpre evidenciar que, da conjugação do depoimento da Testemunha (…), entenda-se, o marido da Recorrente e condutor do sobredito veículo aquando da ocorrência do sinistro em apreço (00:26:31 a 00:26:56, 00:31:05 a 00:31:59, 00:32:45 a 00:32:53, em sede da sessão de audiência de julgamento de 27.02.2024), e do depoimento da Testemunha (…), que, por sua vez, assistiu a uma parte do acidente de viação in casu, resulta, de forma clara, lógica, e sem margem para qualquer dúvida, que o veículo da Recorrida não ficou imobilizado em consequência do embate.
12. Não tendo ficado inutilizável nos dois meses subsequentes.
13. Em bom rigor, jamais se poderá conceber que a reparação parcial do veículo era assim tão indispensável para aquele poder circular.
14. Caso contrário, a Recorrida teria sempre optado por interpelar a Recorrente com vista à reparação da viatura sinistrada, já que o respectivo orçamento apresentado estipulava um prazo de, tão só, 5 dias necessários para o efeito.
15. Ora, considerando o facto do veículo da Recorrida sempre se ter mantido em perfeitas condições para circular, jamais poderia a Recorrente ter sido condenada no pagamento do montante de € 900,00 (novecentos euros), a título de indemnização por um dano de privação do uso que, efectivamente, nunca existiu.
16. A par dessa questão, e sem prescindir, pese embora Tribunal a quo tenha determinado que os juros de mora respeitantes à supra identificada quantia se calculam desde a data de citação, a verdade é que, de acordo com o artigo 566.º/2, do Código Civil e em harmonia com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, tais juros só poderiam ser calculados desde a data da notificação da Sentença proferida.
17. Aqui chegados, cumpre concluir que Tribunal a quo, com o devido respeito, terá falhado, de forma manifesta, na apreciação da prova, razão pela qual resta ao Tribunal ad quem proceder à alteração da decisão de facto.
18. Neste sentido, os factos n.º 14 e 18 dos factos dados como provados sempre deveriam ter sido dados como não provados, o facto n.º 17 dos factos dados como provados deveria ser alterado para “17. Autora procedeu à reparação parcial do veículo com a matrícula (…)”, sempre deveria ser dado como provado o seguinte facto: “A Autora nunca interpelou a Ré no sentido daquela proceder à reparação do veículo com a matrícula (…)”, e, bem assim, deveria ser dado como não provado o seguinte facto: “O veículo automóvel com a matrícula (…) ficou imobilizado, pelo menos, pelo período de 2 (dois) meses”.
19. Por conseguinte, jamais poderia ter sido a Recorrente condenada ao pagamento de uma indemnização em face do custo de reparação da respectiva viatura e de uma indemnização pelo suposto dano de privação do uso desse veículo sinistrado.
20. Devendo, assim, a Sentença sub judice ser revogada, e, em consequência, a Recorrente ser absolvida do pagamento de tais quantias a que foi condenada.
NESTE TERMOS, E NOS QUE V. EXAS. MUITO DOUTAMENTE
Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e, consequentemente:
Os factos n.º 14 e 18 dos factos dados como provados deverão ser dados como não provados.
O facto n.º 17 dos factos dados como provados deverá ser alterado para “17. Autora procedeu à reparação parcial do veículo com a matrícula (…)”.
Deverá ser dado como provado o seguinte facto: “A Autora nunca interpelou a Ré no sentido daquela proceder à reparação do veículo com a matrícula (…)”.
Deverá ser dado como não provado o seguinte facto: “O veículo automóvel com a matrícula (…) ficou imobilizado, pelo menos, pelo período de 2 (dois) meses”.
Assim como,
Deve ser a Recorrente absolvida do pagamento de uma indemnização em face do custo de reparação da respectiva viatura e de uma indemnização pelo suposto dano de privação do uso desse veículo sinistrado.
Sem prescindir,
Sempre deveriam os juros de mora, respeitantes à quantia de €900,00 (novecentos euros), a título de indemnização pela alegada privação do uso, ser calculados desde a data da Sentença proferida, até efectivo e integral pagamento.”
5. A Autora apresentou contra-alegações, nas quais pugnou pela improcedência do recurso.
6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a Decidir
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço importa apreciar se:
a) deve ser alterada a decisão da matéria de facto;
b) deve ser revogada a condenação da Ré.
III – Fundamentação de Facto
A) Da impugnação da matéria de facto
1. No n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, norma atinente à “modificabilidade da decisão de facto”, prescreve-se que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
E no artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, estabelece-se que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A ideia fundamental que se extrai da norma transcrita é a de que deve o recorrente delimitar de forma clara o objeto do recurso, identificando os segmentos da decisão de facto que pretende impugnar e os meios de prova que impõem decisão diversa.
A razão desta exigência encontra-se na circunstância dos recursos se destinarem à reapreciação das decisões proferidas em 1ª instância e não à prolação de uma decisão inteiramente nova (entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.06.2018 (Jorge Teixeira), Processo n.º 123/11.0TBCBT.G1, e do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2021 (Fátima Andrade), Processo n.º 16/19.3T8PRD.P1, ambos in http://www.dgsi.pt/).
Constata-se que o Recorrente indicou os pontos de facto de cuja decisão discorda, bem como os meios de prova que, no seu entendimento, impõem decisão diversa, apontando ainda a decisão que se lhe afigura que seria a mais correta em face desses meios de prova.
Conclui-se, assim, que estão reunidas todas as condições para que deva ser apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto.
Importa ainda assinalar que, por força do atual regime de recursos compete ao Tribunal da Relação apreciar a prova sindicada pelo recorrente, de acordo com as regras legais pertinentes, em ordem a formar a sua própria convicção, “por isso, a Relação poderá e deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado.” (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Coimbra, 2022, pág. 348).
Não se trata, no entanto, de um poder de modificação irrestrito, precisamente porque não se visa proferir uma decisão inteiramente nova, mas apenas de reapreciar a decisão proferida pela 1ª Instância, assim, “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do Tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à correspondente modificação da decisão.” (Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 350).
No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.11.2017 (Maria João Matos) (Proc. n.º 501/12.8TBCBC.G1, in http://www.dgsi.pt/) que:
“I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).”
2. O Tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:
“Factos Provados
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Autora é proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula (…).
2. (…) é proprietário do motociclo com a matrícula (…).
3. A responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com o veículo referido em 2, em 19 de Dezembro de 2021, estava transferida para a Seguros (…), S.A., por contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…).
4. No dia 19 de Dezembro de 2021, pelas 15 horas, ao Km 717 da Estrada Nacional n.º 2, o veículo automóvel com a matrícula (…), conduzido por (…) e o motociclo com a matrícula (…), conduzido por (…), embateram.
5. O veículo automóvel com a matrícula (…) circulava no sentido Barranco do Velho – São Brás de Alportel (Norte/Sul).
6. O motociclo com a matrícula (…) circulava em sentido contrário, São Brás de Alportel – Barranco do Velho (Sul/Norte).
7. O local onde ocorreu o embate trata-se de uma Estrada Nacional, composta por uma faixa de rodagem com duas vias (uma para cada sentido de circulação).
8. A via, na qual o motociclo com a matrícula (…) circulava, é uma recta prolongada à qual se segue uma curva para o lado direito.
9. Nas circunstâncias de tempo e lugar vertidas em 4, o piso da faixa de rodagem estava seco e as marcas rodoviárias de linha longitudinal contínua no eixo da faixa de rodagem e as linhas guias nos limites da faixa de rodagem eram visíveis.
10. Nas circunstâncias de tempo e lugar vertidas em 4, o tempo era bom, sendo inexistente qualquer tipo de obras ou obstáculos à data do embate.
11. (…), ao descrever a curva para a sua direita, não conseguiu controlar a trajectória do motociclo que conduzia, invadiu a via da faixa de rodagem contrária e acabou por embater com a parte frontal do motociclo na parte frontal esquerda do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (…).
12. (…) não teve tempo de efectuar qualquer manobra evasiva que pudesse evitar o embate.
13. (…), após a colisão, ficou gravemente ferido, tendo sido assistido no local pelo INEM e transportado para o Hospital de Faro.
14. Como consequência directa e necessária do embate, o veículo (…) sofreu estragos na parte frontal esquerda que determinaram a sua imediata imobilização e impossibilidade de circulação na via pública.
15. O orçamento relativo à reparação de tais estragos, apresentado pela própria seguradora Ré, ascendia ao montante global de € 4.338,91 (quatro mil e trezentos e trinta e oito euros e noventa e um cêntimos).
16. O orçamento de reparação aludido em 15 contempla os seguintes custos:
BANCO DE ENSAIO (Desmontagem) com 2.4 de tempo e € 81,02 de mão-de-obra;
Substituição CAPOT FRE com 0.3 de tempo e € 10,13 de mão-de-obra;
Reparação CAVE DE RODA FRE com 1.9 de tempo e € 64,14 de mão-de-obra;
Substituição CINTO DE SEGURANÇA FRD com 0.8 de tempo e € 27,01 de mão-de-obra;
Substituição CINTO DE SEGURANÇA FRE com 0.8 de tempo e € 27,01 de mão-de-obra;
Substituição CINTO DE SEGURANÇA FRENTE CENTRO com 0.4 de tempo e € 13,50 de mão-de-obra;
DIAGNÓSTICO (Desmontagem) com 0.4 de tempo e € 13,50 de mão-de-obra;
ENQUADRAMENTO PORTA FRE (Reparação) com 0.9 de tempo e € 30,38 de mão-de-obra;
Substituição FAROL FRD;
Substituição FAROL FRE;
Substituição FRISO PORTA FRE;
Substituição FRISO SUP PARA CHOQUE FR;
Substituição GRELHA FR;
Substituição GUARDA LAMA FRE com 1.1 de tempo e € 37,14;
Substituição MOLAS E REBITES;
Substituição PAINEL FR com 3.4 de tempo e € 114,78;
Substituição PARA CHOQUE FR;
Substituição PORTA FRE com 3.1 de tempo e € 104,66 de mão-de-obra;
PREPARAÇÃO MATERIAL PINTURA;
Substituição RESGUARDO GUARDA LAMA FRE;
Substituição RETRO E;
Substituição SUPORTE FD PARA CHOQUE FR;
Substituição SUPORTE FRE PARA CHOQUE FR;
Substituição TRAVESSA PARA CHOQUE FR com 0.3 de tempo e € 10,13 de mão-de-obra;
Substituição VIDRO PORTA FRE;
CAPOT FR no valor de € 146,70;
CINTO SEGURANÇA FRD no valor de € 197,56;
CINTO SEGURANÇA FRE no valor de € 298,75;
CINTO SEGURANÇA FRENTE CENTRO no valor de € 298,75;
FAROL FRD (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça) no valor de € 179,58;
FAROL FRE (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça) no valor de € 179,58;
FRISO PORTA FRE (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça PORTA FRE) no valor de € 17,45;
FRISO SUP PARA CHOQUE FR no valor de € 73,54;
GRELHA FR no valor de € 52,79;
GUARDA LAMA FRE (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça ENQUADRAMENTO PORTA FRE) no valor de € 128,67;
MOLAS E REBITES no valor de € 16,40;
PAINEL FR no valor de € 175,00;
PARA CHOQUES FR no valor de € 122,14;
PORTA FRE no valor de € 200,00;
RESGUARDO GUARDA LAMA FRE (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça GUARDA LAMA FRE) no valor de € 57,55;
RETRO E no valor de € 99,27;
SUPORTE FRD PARA CHOQUE FR (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça PARA CHOQUE FR) no valor de € 14,77;
SUPORTE FRE PARA CHOQUE FR (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça PARA CHOQUE FR) no valor de € 14,77;
TRAVESSA PARA CHOQUE FR (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça PARA CHOQUE FR) no valor de € 180,00;
VIDRO PORTA FRE (tempos de Desmont./Substit. incluídos na peça PORTA FRE) no valor de € 96,49;
Pintura CAPOT FR com 1.9 de tempo e € 64,14 de mão-de-obra;
Pintura CAVE DE RODA FRE com 0.55 de tempo e € 18,57 de mão-de-obra;
Pintura ENQUADRAMENTO PORTA FRE com 1.24 de tempo e € 41,86 de mão-de-obra;
Pintura FRISO PORTA FRE com 0.24 de tempo e € 8,10 de mão-de-obra;
Pintura FRISO SUP PARA CHOQUE FR com 0.4 de tempo e € 13,50 de mão-de-obra;
Pintura GRELHA FR com 0.32 de tempo e € 10,80 de mão-de-obra;
Pintura GUARDA LAMA FRE com 1.26 de tempo e € 42,54 de mão-de-obra;
Pintura PARA CHOQUE FR com 1.25 de tempo e € 42,20 de mão-de-obra;
Pintura PORTA FRE com 1.93 de tempo e € 65,15 de mão-de-obra;
Preparação material Pintura com 2 de tempo e € 67,52 de mão-de-obra.
17. O veículo automóvel com a matrícula (…) ficou imobilizado, pelo menos, pelo período de 2 (dois) meses, findo o qual a Autora procedeu à sua reparação parcial.
18. A reparação aludida em 17 foi a estritamente necessária a voltar a poder utilizar-se o veículo com a matrícula (…), diariamente, para fins pessoais e profissionais, quer pela A., quer por (…).
19. A Ré foi citada para a presente acção em 14.09.2023.
Factos Não Provados
Com interesse para a boa decisão da causa, considera-se não provado:
A. O embate referido em 4 dos Factos Provados deu-se no eixo da faixa de rodagem.
B. A Autora despendeu o montante de € 4.338,91 (quatro mil e trezentos e trinta e oito euros e noventa e um cêntimos).
C. A Autora, na sequência do sinistro mencionado em 4 dos Factos Provados, sofreu perturbação e instabilidade, bem como ansiedade, stress e irritabilidade.”
3. Passamos à apreciação das questões suscitadas pelo Recorrente.
a) Relativamente ao Facto provado 14, pretende o Recorrente que se julgue tal facto não provado.
Sustenta a sua pretensão no depoimento do marido da A., que conduzia o seu veículo na data do sinistro, (…), e no depoimento do irmão do condutor do veículo seguro na Ré, (…).
Vejamos, antes de mais, o que consta da motivação da decisão sobre o facto em apreço:
“Relativamente à factualidade descrita em 14 e 15 – danos sofridos pelo veículo (…) e custo de reparação – deu-se a mesma como provada com base na participação de acidente de viação, registos fotográficos, orçamento elaborado pelo perito da Seguradora (…), S.A. e declarações de parte da Autora e depoimento das testemunhas (…), (…) e (…).
A testemunha (…) disse que o veículo por si conduzido, após imobilizado, foi por si empurrado uns metros para a frente e retirado do local pelo pronto socorro (vulgo reboque). A testemunha (…), apesar de dizer não se recordar do momento em que o pronto socorro levou o veículo (…), confirmou não ter visto o veículo (…) a circular pelos seus próprios meios após o embate.”
O Recorrente transcreveu os segmentos dos depoimentos das testemunhas que entendeu relevantes, sem prejuízo, procedemos à audição integral destes depoimentos.
Assim, no que se reporta a (…), este declarou que “para eu chegar a carrinha para a frente, eu não puxei logo toda para fora, porque a direção não ia, ou seja, a roda ficou a bater nos plásticos todos que entraram para dentro da direção, só torcia minimamente, e eu fui empurrando a carrinha devagarinho, devagarinho, até que ela ficou sem dar perigo, portanto, a partir daí isso foi de reboque porque a direção não torcia”.
Mais à frente no seu depoimento, a instâncias do Ilustre Mandatário da R., a testemunha voltou a abordar este tema, sendo confrontado com o orçamento de reparação da carrinha e, em particular, com as peças a substituir, de onde não decorre que a direção da carrinha apresentasse qualquer dano, tendo a testemunha, após intervenção da sra. Juíza, explicado que “o para-choques entrou para dentro da roda (…) toda essa parte entrou a bater na roda”, e acrescentado ainda que “a direção não tem nada, a direção está impecável”.
Expostas as respostas da testemunha de forma completa fica esclarecida a aparente contradição no seu depoimento, o que, aliás, foi de imediato percecionado pela sra. Juíza, pois em ato contínuo à última resposta da testemunha, questionou: “como a roda encontrou esse obstáculo, não conseguia virar?”, ao que a testemunha retorquiu: “exatamente.”
Inclusivamente, o Ilustre Mandatário da R. referiu, de seguida, em jeito de conclusão sobre a explicação dada pela testemunha: “as peças interiores estavam a raspar no pneu”.
Ou seja, ouvido na íntegra o depoimento da testemunha e analisado o mesmo na sua globalidade, dele se retira que a testemunha não afirmou que a direção estava estragada, antes disse que não conseguia virar a direção porque as peças que ficaram partidas entraram para dentro da roda e, nas palavras da sra. Juíza, “como a roda encontrou esse obstáculo, não conseguia virar”.
Sublinhe-se que esta explicação é verosímil, quer dizer, se houve peças que entraram para dentro da cava da roda e aí ficaram a interferir com a direção, a consequência natural é a dificuldade de movimentação do veículo, que encontra aí uma resistência.
Quanto a (…), que na ocasião do sinistro seguia atrás do seu irmão, a curta distância, também num motociclo, declarou que imediatamente a seguir ao embate a carrinha foi estacionada um pouco mais “para o sentido de (…). Afastou-a ainda mais do local do embate”.
Porém, no que tange à saída da carrinha do local do embate, as respostas da testemunha são sempre dubitativas:
- “A carrinha quando saiu de lá, deverá ter sido ele a conduzir a carrinha. A carrinha ficou conduzível.”
- “Não me recordo de ter visto um reboque a tirar a carrinha de lá”.
- “E eu acredito que o carro tenha saído dali pelo próprio condutor, não o vi, eu não me recordo, mas da maneira como ele tirou o carro e deslocou aqueles metros mais para a frente, o carro estava a circular na perfeição”.
No fim do seu depoimento, quando instado a dizer o que viu, respondeu “Vi o automóvel a circular em perfeitas condições para poder circular até casa.”
Ora, o que se retira do depoimento da testemunha apreciado na sua globalidade é que a testemunha não assistiu à saída da carrinha do local do acidente, desconhecendo os termos em que essa saída ocorreu, mas porque viu a carrinha a ser movimentada logo após o embate inferiu que esta podia circular e, com este fundamento, concluiu que a carrinha foi retirada do local pelo marido da Autora.
Contudo, o marido da A. explicou a movimentação da carrinha logo após o embate em termos que se afiguram coerentes e verosímeis e que contrariam a ideia avançada pelo irmão do condutor do veículo seguro na R. de que a carrinha estava a “circular em perfeitas condições”.
Assinalamos ainda que esta testemunha não terá tido a perceção da resistência oferecida pela direção, porquanto se trata de um facto só suscetível de apreensão por quem está a tentar movimentar o veículo.
Por outro lado, no relatório de peritagem elaborado por conta da R. foi vertida a indicação de que a carrinha não podia circular (doc. 6 junto com a p.i., fls. 16).
Este relatório mostra-se aceite por ambas as partes.
Ora, o veículo foi removido diretamente do local do acidente para a oficina e aí ficou a aguardar que passassem as festividades do Ano Novo, pois nessa ocasião a oficina fechou para férias, como indicado pelo marido da A. no seu depoimento.
Ou seja, o estado do veículo aquando da peritagem é aquele que resultou do acidente, pelo que se no relatório se indicou que o veículo não podia circular, conclui-se que foi esse o estado em que o veículo ficou logo após o acidente.
Mantém-se, assim, o facto 14.
b) Com respeito ao Facto provado 17, pretende o Recorrente que se julgue não provado que o veículo esteve imobilizado pelo período de 2 meses, até ser concluída a reparação.
No que tange ao Facto provado 18, advoga o Recorrente que se julgue o mesmo não provado.
Sustenta o Recorrente a sua impugnação na circunstância do orçamento prever o prazo de 5 dias para a reparação e do Recorrente não ter interpelado a R. para proceder à mesma, para além de que a A. e o seu marido não indicaram que peças usaram na reparação parcial que fizeram e qual o custo que suportaram com essa reparação.
O Tribunal a quo motivou assim a sua decisão:
“Os factos descritos em 17 e 18 obtiveram ganho de prova considerando as declarações de parte da Autora e o depoimento do condutor do veículo (…), coerentes em si e entre si, provando-se apenas a reparação parcial do veículo com vista a poderem circular com o mesmo na medida em que necessitavam do mesmo. A forma peremptória e assertiva com que disseram que o veículo não se encontrava reparado senão no essencial a voltar a circular foi suficiente.”
O Recorrente transcreveu os excertos das declarações da A. que entendeu relevantes, sem prejuízo, procedemos à audição integral destas declarações.
Ora, quer o prazo indicado no orçamento para a reparação, quer a falta de interpelação da R. para proceder à reparação constituem factos distintos daquele de que aqui se cura e que com ele não são incompatíveis, pois o que está em causa nos factos 17 e 18 é saber se foi a A. quem procedeu à reparação do seu veículo e quanto tempo demorou essa reparação.
Relativamente a estes aspetos, o Tribunal louvou-se nas declarações da Autora e no depoimento do seu marido, os quais confirmaram que a carrinha foi reparada pelo marido da Autora e por um amigo deste, tendo a Autora remetido a descrição mais pormenorizada dessa factualidade para o seu marido.
Por sua vez, o marido da A. aludiu especificamente a um para-choques emprestado e preso com arames, bem como a um farol emprestado e a outro comprado na sucata, explicando que recorreu a um amigo que reside em … para o ajudar nestes trabalhos.
No mais, a A. referiu que em fins de fevereiro /princípios de março a carrinha já circulava, o que é compatível com o depoimento do seu marido, pois este respondeu que a reparação demorou 2 meses ou 2 meses e pouco, tendo sido iniciada logo que retirou a carrinha da oficina. Assim, sabendo-se que o orçamento está datado de 13.01.2022 e tendo presente que o marido da A. declarou que foi levantar a carrinha à oficina 2 ou 3 dias depois do orçamento, os 2 meses apontados situam-nos em meados de março.
Adicionalmente, estas descrições afiguram-se coerentes e verosímeis, atendendo ao contexto de vida do casal, porquanto a A. explicou que o marido faz reparações nas casas das pessoas e trabalhos como mariscador, o que revela a maior disponibilidade e aptidão do marido da A. para as reparações referidas, mas ainda assim justifica a necessidade dessas reparações se prolongarem no tempo.
Por último, tanto a A. como o marido sublinharam que as reparações que fizeram assumiram natureza provisória, por terem usado, para o efeito, peças emprestadas que deviam devolver e peças usadas, pelo que pretenderam apenas pôr a carrinha a circular.
Efetivamente, ambos declararam não possuírem outro veículo e o marido da A. acentuou inclusivamente que não têm situação financeira para comprar outra viatura.
Mais sublinharam ambos que necessitam da carrinha para a sua vida diária, não só para as deslocações de trabalho, como para as deslocações familiares (visitar os netos e pais idosos).
A esta luz, não releva para o caso em apreço saber que concretas peças foram aplicadas no veículo da A., nem quanto custaram as peças usadas que adquiriram, porquanto nenhuma dessas reparações consubstanciou a realização de uma reparação definitiva da carrinha. Nas palavras do marido da A., “a carrinha não está arranjada, está desenrascada”.
Tudo visto, inexistem razões para divergir do juízo probatório do Tribunal a quo, sendo certo que, como se disse acima, a intervenção do Tribunal da Relação se cinge aos casos em que se apura a existência de erro na apreciação da prova, o que não se vislumbra no caso em apreço.
Devem, assim, manter-se os factos provados 17 e 18.
d) Por fim, requer o Recorrente que se adite à matéria de facto provada que a R. não foi interpelada para proceder à reparação do veículo.
Ora, a A. não alegou na petição inicial que tivesse interpelado a R., e em audiência também não o fez.
No entanto, a questão não se esgota aqui, porquanto a companhia de seguros não alegou também que tenha aceitado proceder à reparação nos termos propostos pelo perito.
Assinale-se ainda que à luz das regras da experiência comum não faria qualquer sentido que podendo a A. obter a reparação definitiva do seu veículo em 5 dias e sem qualquer custo, preferisse andar 2 meses a fazer reparações aos bocadinhos, com peças usadas, necessitando de incomodar um amigo que reside em (…) para o ajudar.
Assim, a afirmação de que a A. não interpelou a R. não é exata, pois inculca a ideia de que foi a A. quem não quis reparar o veículo nas condições propostas pela R., o que não está demonstrado que tenha sucedido.
Consequentemente, improcede também nesta parte a impugnação da decisão de facto.
III – Fundamentação de Direito
1. No caso em apreço discutem-se os danos alegadamente resultantes de um acidente de viação no qual estiveram envolvidos o veículo da A. e o veículo seguro na R..
Em sede de Sentença considerou-se ser o condutor do veículo seguro na R. o que o veículo da A. ficou danificado em decorrência do mesmo, pelo que se condenou a R. a pagar o custo da reparação único responsável pelo sinistro e mais se julgou provado do veículo, bem como uma indemnização por dano de privação do uso, tudo acrescido de juros de mora contados desde a citação.
No que tange à dinâmica do acidente e definição da responsabilidade pela sua ocorrência, não vem a mesma questionada no recurso, apenas dissentindo as partes quanto à matéria dos danos.
Assim, através do presente recurso almeja o Recorrente a revogação da sua condenação no pagamento do custo da reparação do veículo e de indemnização por privação do uso e, subsidiariamente, requer a alteração da Sentença no sentido de ser estimado o dano da privação do uso em € 10,00 diários, assim como requer que se calculem os juros de mora atinentes à indemnização por privação do uso apenas a partir da Sentença.
2. Reparação do veículo
Relativamente à reparação do veículo, entende o Recorrente que por não ter existido interpelação, não está a R. obrigada a pagar o custo da reparação do veículo, antes devendo ser incumbida a própria R. dessa reparação, atento o princípio da restauração natural.
O Recorrente alicerça a sua pretensão na alteração da decisão da matéria de facto, concretamente, no aditamento de um facto relativo à aludida falta de interpelação, porém, como se viu já, aquela peticionada alteração não obteve acolhimento.
Mais invoca o Recorrente, em abono da sua pretensão, a orientação jurisprudencial contida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.01.2011 (Carlos Querido) (Processo n.º 265/09.2T2ALB.C1, in http://www.dgsi.pt/), que, porém, versa sobre um caso cuja factualidade o distingue do caso aqui em apreço, como resulta com evidência da leitura integral do respetivo sumário:
“I. Do confronto do artigo 562.º com o n.º 1 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, se conclui que no nosso ordenamento jurídico se encontra consagrado o princípio da reposição natural, traduzido no dever que impende sobre o lesante, de reconstituir a situação anterior à lesão.
II. A indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, tendo lugar apenas nas situações excepcionalmente previstas no n.º 1 do artigo 566.º: i) quando seja inviável a reconstituição da situação anterior à lesão; ii) quando não repare integralmente o dano; iii) ou quando seja excessivamente onerosa para o devedor
III. No nosso ordenamento jurídico, o princípio da reposição natural encontra-se estabelecido no interesse de ambas as partes, devedor e credor, daí decorrendo as seguintes consequências: i) se o credor reclama a reposição natural, o devedor só pode contrapor-lhe a indemnização pecuniária caso aquela seja impossível ou resulte excessivamente onerosa para ele, devedor; ii) se o devedor pretende efectuar a reposição natural, o credor apenas poderá opor-se com fundamento na impossibilidade fáctica ou na circunstância da reconstituição in natura não reparar todos os danos.
IV. A possibilidade de exigência do “custo da reparação” a título indemnizatório, não se encontra prevista na nossa ordem jurídica.
V. Tendo o lesado iniciado a reparação do veículo nas suas próprias instalações, decorridos dois dias úteis após a comunicação do acidente à seguradora, provando-se que esta pretendia peritar e reparar, às suas ordens e expensas, o veículo numa oficina por si garantida, terá que se concluir que a conduta do lesado inviabilizou a possibilidade de reposição natural por parte da seguradora, não lhe assistindo o direito a exigir a título de indemnização, o pagamento do “custo da reparação”.
VI. Tal indemnização apenas seria viável, caso se verificasse um atraso na resposta por parte da seguradora, susceptível de ser considerado violação do dever de diligência (actualmente consagrado no artigo 36.º do DL 291/2007, de 21.08), corolário do princípio geral de boa fé, devendo nessa eventualidade o lesado notificar a seguradora, dando-lhe um prazo razoável para o cumprimento da obrigação a que estava adstrita, com a admonição de que, caso incumprisse, assumiria a reparação, exigindo mais tarde o pagamento do respectivo preço a título de indemnização.
VII. Nessas circunstâncias específicas, poderia equacionar-se a legitimação do afastamento do princípio da primazia da reconstituição natural, por excessiva onerosidade, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, traduzida numa injustificada espera, susceptível de causar outros danos.”
Do exposto decorre, pois, que no caso abordado no aresto ficou provado que a companhia de seguros “pretendia peritar e reparar, às suas ordens e expensas, o veículo”, tendo sido esta a circunstância determinante para se considerar que “a conduta do lesado inviabilizou a possibilidade de reposição natural por parte da seguradora”.
Efetivamente, nos termos do artigo 36.º do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, a seguradora deve promover a averiguação do sinistro e a peritagem ao veículo sinistrado, em ordem a tomar posição sobre a sua responsabilidade, sendo este procedimento essencial para se produzir o vencimento da sua obrigação (artigos 102.º e 104.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro).
Todavia, na situação vertente a R. não alegou que pretendesse reparar o veículo, pelo contrário, na contestação a R. declinou a sua responsabilidade pelo sinistro, a qual imputou, em exclusivo, à A., posição esta de onde se extrai inequivocamente que a R. não pretendeu reparar o veículo.
Acresce que a orientação jurisprudencial acima exposta não é consensual, já tendo sido adotada uma perspetiva diferente sobre esta matéria, designadamente, no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.02.2025 (Paulo Ramos de Faria) (Proc. n.º 3411/20.1T8LRS.L1-7, in http://www.dgsi.pt/):
“1. Não é a natureza da prestação (pecuniária ou outra) que determina a natureza da via ressarcitória presente – reconstituição natural ou indemnização por equivalente –, mas sim o fim perseguido com essa prestação.
2. A prevalência da reconstituição in natura, estabelecida no n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, apenas significa que o lesante está obrigado – quando a reconstituição natural é possível, repara integralmente os danos e não é excessivamente onerosa – a custear o restauro da coisa parcialmente destruída.
3. Quando o lesado reclama o pagamento do custo da reparação do bem não está a reclamar uma indemnização “fixada em dinheiro”, com o sentido previsto no n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, isto é, calculada de acordo com a teoria da diferença. Está, sempre e só, a exigir que a reconstituição in natura seja feita à custa do lesante.
4. No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, não cabe à empresa seguradora escolher livremente o meio para satisfazer a sua obrigação, mesmo contra a vontade do lesado credor.
5. Quando a prestação pecuniária satisfaz o fim da indemnização in natura, não é o credor que tem de justificar a razão pela qual não quer que a coisa danificada seja objeto de nova intervenção por parte do lesante (ainda que esta vise a sua reparação). É o lesante que tem de justificar o seu interesse em intervir sobre a coisa alheia, por si ou adjudicando a reparação a terceiro, e que é fundada a sua recusa em satisfazer a indemnização in natura por meio de uma prestação pecuniária direta ao lesado.
6. Tratando-se da obrigação da empresa seguradora surgida no contexto de um seguro de responsabilidade civil automóvel, a lei identifica a prestação pecuniária como meio de satisfação da obrigação de indemnização – embora nos movimentemos sempre nos quadros da reconstituição natural, como fim.
7. A conduta do lesado que, à revelia da empresa seguradora, repara diretamente a sua viatura não tem um efeito extintivo do direito à indemnização, mas condiciona o seu ulterior exercício judicial.
8. Os prazos estabelecidos na alínea b) e seguintes do n.º 1 do artigo 36.º do RSORCA refletem o tempo que uma empresa seguradora necessita para, atuando diligentemente, tomar uma posição conscienciosa, desde que lhe seja permitido realizar a peritagem (quando esta deva ter lugar). Se o lesado inviabilizar a realização da peritagem, a empresa seguradora não pode ser sancionada pela ultrapassagem destes prazos.”
Assinala-se que mesmo à luz desta outra orientação jurisprudencial, aquilo que assume relevância, em termos de conduta exigível ao lesado, é que este permita à seguradora aferir os danos, em ordem a tomar posição sobre a reparação, o que sucedeu no caso em apreço.
Assim, tendo a A. facultado à A. a realização de peritagem ao veículo e tendo a R., nesta sequência, recusado autorizar a reparação proposta pelo perito, nada mais era exigível à A., designadamente, não lhe era exigível que interpelasse a R..
Em conclusão, improcede, nesta parte, o recurso.
3. Dano de privação do uso
Quanto à indemnização por dano de privação do uso, sufraga o Recorrente o entendimento de que o veículo da A. não ficou impedido de circular e de que só é devida esta indemnização quando o lesado demonstra que sofreu prejuízos com a imobilização do veículo, o que não sucedeu no caso em apreço.
No que tange ao facto do veículo não ter ficado impedido de circular, atenta a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, trata-se de fundamento que claudica.
Com respeito ao argumento da falta de demonstração de prejuízos pelo lesado, a sentença explana de forma desenvolvida a evolução da temática da indemnização do dano de privação do uso, apontando a circunstância de persistir alguma divergência na jurisprudência a este propósito e assumindo o posicionamento no sentido da ressarcibilidade deste dano assentar na mera demonstração da supressão da faculdade de uso associada à qualidade de proprietário, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil.
Trata-se, efetivamente, de uma das três orientações adotadas na jurisprudência a este propósito, as quais se podem enunciar assim (todos os arestos citados in http://www.dgsi.pt/):
a) Há quem sustente que a mera ablação de uma faculdade integrante do direito de propriedade é suficiente para se arbitrar indemnização por privação de uso, pelo que não se revela necessário, para este efeito, quer a demonstração da utilização habitual do veículo pelo lesado, quer a demonstração de que daquela privação resultaram prejuízos concretos para o lesado (Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.06.2021 (Lígia Venade), Processo n.º 2125/18.7T8VNF.G2; do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2024 (Luís Filipe Pires de Sousa), Processo n.º 211/21.5T8ALM.L1-7; e do Tribunal da Relação de Évora de 13.03.2025 (Maria João Sousa e Faro) (Processo n.º 610/23.8T8BNV.E1).
Afirma-se no indicado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa:
“IV. Na jurisprudência do STJ existem várias posições a propósito do âmbito da indemnização por privação do uso de veículo:
(i) corrente que exige a prova concreta dos prejuízos efetivamente sofridos em consequência da privação do uso (prejuízo concreto);
(ii) corrente que exige a prova da utilização normal do veículo, bastando-se com isso para determinar os danos, nomeadamente pela equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil) e
(iii) corrente que exige apenas a mera privação de uso, sem necessidade de demonstração de prejuízos concretos, podendo o dano ser calculado segundo a equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil; prejuízo abstrato).
V. Subscreve-se a corrente enunciada em (iii) porquanto o mero uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária que, a ser suprimida, tem um impacto negativo na esfera do titular do direito, sendo que a tese do prejuízo concreto implica uma interpretação restritiva do ius fruendi inerente ao direito de propriedade, sendo certo que se pode possuir um veículo para colecionismo e/ou recreio e não necessariamente para deslocações do dia-a-dia, merecendo também tutela a primeira situação. A essencialidade do uso pode majorar a indemnização, mas não é requisito da existência desta.”
b) Há também quem defenda, diversamente, que para se reconhecer a existência do dano é suficiente a prova da utilização habitual do veículo pelo lesado, presumindo-se, a partir daqui, que a impossibilidade de utilizar o veículo é geradora de prejuízos, o que se constata ser a orientação jurisprudencial atualmente dominante (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.2023 (Manuel Aguiar Pereira), Processo n.º 1290/20.8T8AVR.P1.S1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.03.2024 (Luís Cravo), Processo n.º 3106/20.6T8VIS.C2; do Tribunal da Relação do Porto de 22.04.2024 (Mendes Coelho), Processo n.º 18092/21.7T8PRT.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.06.2024 (Gabriela de Fátima Marques), Processo n.º 615/22.6T8ALQ.L1-6; e do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.01.2025 (Maria dos Anjos Melo), Processo n.º 151/22.0T8VPC.G1).
Escreveu-se na fundamentação do indicado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que:
“(…) no nosso ordenamento jurídico e no âmbito do instituto da responsabilidade civil, o direito a uma indemnização por factos ilícitos não prescinde da existência de um dano enquanto requisito essencial autónomo da ilicitude do facto.
No que ao caso da privação de uso diz respeito o dano só se concretiza, como salienta Paulo da Mota Pinto 7, ao nível das privações concretas das vantagens que a coisa proporciona e não antecipadamente ao nível da perturbação (ilícita) das possibilidades abstractas de uso que resultam para o proprietário derivadas da abrangência da tutela inerente ao direito de propriedade, pelo que releva para efeito da sua ressarcibilidade a “concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem–a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito) pode não ser concretizável numa determinada situação”.
14) Justifica-se, pelo exposto, a adopção de uma solução que não ignore – como se escreve no acórdão recorrido – os “prejuízos associados à frustração das utilidades que determinado bem propicia, ainda que essa frustração não se traduza numa perda de rendimentos ou num custo acrescido para o proprietário, mas não abdica da existência de um dano fundante da responsabilidade do lesante”, admitindo-se a possibilidade de a prova concreta dos danos sofridos se fazer de acordo com o regime legal das presunções, a partir dos factos alegados e demonstrados relativos à expectativa de utilização do veículo no período durante o qual se frustrou a sua utilização pelo titular do direito de propriedade ou de uso.”
Para esta orientação, competirá ao lesante demonstrar que, ainda que o lesado dispusesse do veículo, não o teria usado, o que constituirá, então, um facto impeditivo do direito do lesado (artigo 342.º, n.º 2, Cód. Civil), como se decidiu designadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06.06.2024 (Francisco Xavier) (Processo n.º 783/19.4T8PTG.E1).
c) Por último, há quem considere que por nos movermos na esfera do instituto da responsabilidade civil, deve o lesado demonstrar que a privação do uso lhe causou prejuízos concretos, por constituir um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2008, proferidos no Processo n.º 07B2131 (Salvador da Costa), e no Processo n.º 08B2662 (Bettencourt de Faria)).
Tudo visto, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por diversa orientação, que a consideração de uma efetiva utilidade do bem para o lesado é aquela que melhor se coaduna com o regime legal da responsabilidade civil extracontratual, o qual constitui o suporte dos pedidos indemnizatórios formulados em contexto de acidente de viação.
Ora, resulta da matéria de facto provada que o veículo sinistrado era utilizado pela A. nas suas deslocações familiares e profissionais, facto de onde se extrai que a impossibilidade de utilização do veículo é geradora de prejuízos, logo, trata-se de um dano ressarcível.
4. Relativamente ao cálculo da indemnização por privação do uso, advogou o Recorrente, subsidiariamente, que deve ser atendido apenas o período de tempo que o orçamento considerou necessário para a reparação, e que deve ser fixado o quantitativo diário em € 10,00.
Ora, se forem alegados prejuízos patrimoniais concretos, sejam danos emergentes ou lucros cessantes, deve aferir-se se o processo contém todos os factos necessários para a decisão e, caso assim não suceda, será a fixação da indemnização relegada para incidente de liquidação (artigo 609.º, n.º 2, do Código Processo Civil).
Nos casos em que se discute apenas a impossibilidade de utilização habitual do veículo, a indemnização será estimada com base na equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil).
Assim, começando pela questão do período de privação do uso, está provado que o mesmo foi de 2 meses (facto 18), pelo que deverá ser este o período a considerar, não relevando o prazo fixado no orçamento para a reparação, uma vez que esta não foi autorizada.
No mais, vem-se debatendo na jurisprudência o valor diário ajustado ao dano de privação do uso (todos os arestos citados in http://www.dgsi.pt/):
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.09.2024 (Maria Adelaide Domingos) (Processo n.º 2375/21.9T8ENT.E1):
“No caso, provou-se que o Autor usava o veículo para ir trabalhar diariamente, para ir ao supermercado e a consultas médicas e que o valor diário do aluguer de uma viatura de gama baixa é superior a € 30,00 por dia (factos provados 50 e 52).
O custo do aluguer da viatura de aluguer é apenas um indício a ter em conta e não pode ser tido como um critério definitivo nesta matéria.
Não se podendo olvidar que o valor do aluguer é um valor comercial, ou seja, fixado tendo em vista cobrir determinadas despesas com a circulação do veículo e, obviamente, tem um escopo lucrativo.
Por outro lado, o critério da equidade pressupõe que o julgador leve em conta todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).
(…) considerando as inúmeras decisões publicadas sobre esta questão (…) julga-se mais razoável e equitativo fixar o valor diário em € 20,00”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.09.2024 (Moreira do Carmo) (Processo n.º 318/23.4T8PMS.C1):
“i) O valor de 10 €/dia que tem vindo a ser fixado pela nossa jurisprudência quando não existe um aluguer de um veículo por parte do lesado, já vem desde a distante data de 2010 e assim mantido em acórdãos bem posteriores (por exemplo em Maio de 2019, ou seja com 9 anos de intervalo);
ii) Partindo desta base de € 10,00, importa atualizá-lo, decorridos 14 anos, atenta a inflação que tem grassado, especialmente mais severa nos últimos 5 anos, como é do conhecimento público.
iii) Estando tal valor perfeitamente desajustado, ponderando, a apontada desvalorização e um juízo de equidade, cremos ser muito mais adequado e justo, afastando-nos do imobilismo jurisprudencial, o valor diário de privação de uso do veículo o montante de € 20,00”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.11.2024 (Paulo Reis) (Processo n.º 23/23.1T8PTL.G1):
“V - Considerando o período em que o autor/dono da obra não dispôs do veículo para as suas deslocações, vendo-se impedido de o utilizar, cujo início não foi posto em causa pela recorrente (desde o dia ../../2022), porém, temporalmente limitado pela data em que o autor passou a dispor de uma nova carrinha, a qual adquiriu em 09 de novembro de 2022, uma vez que necessitava de uma viatura para os seus afazeres diários, factos estes que não podem deixar de relevar na quantificação do dano em análise, mostra-se conforme à equidade o valor diário de 10 € para compensar o dano decorrente da privação do uso do veículo ainda que limitado ao período de 83 dias durante o qual a utilização que era dada ao veículo não foi suprida por outro meio.”
Deste breve excurso jurisprudencial decorre que a indemnização pelo dano de privação do uso tem vindo a ser atualizada, aliás, à semelhança do que sucede com as indemnizações dos demais danos, atenta, designadamente, a taxa de inflação.
Por outro lado, tem-se presente, como se assinala nos arestos citados, que importa encontrar soluções globalmente congruentes para os múltiplos casos submetidos a juízo, em obediência ao disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil:
“Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”
Assim, o valor diário de € 10,00 tendencialmente arbitrado nos casos respeitantes a veículos ligeiros mostra-se atualmente estabelecido em € 20,00.
Não se trata, porém, como também se afirma nos arestos citados, de fixar um valor em abstrato, devendo atender-se às circunstâncias do caso concreto, maxime, a duração da privação do uso e o tipo de utilização habitual do veículo, bem como as soluções alternativas encontradas (ou não) pelo lesado para suprir a carência do veículo sinistrado.
Sob esta perspetiva, mostra-se provado que a A. ficou privada do uso do veículo pelo período de 2 meses e que o veículo era usado nas suas deslocações pessoais e profissionais (facto provado 18), nada constando da matéria de facto provada sobre a forma como foi ultrapassada a falta do veículo.
Assim, afigura-se ajustado o valor encontrado pelo Tribunal a quo, o qual se situa num ponto intermédio no caminho percorrido nos últimos anos em termos de valorização do dano de privação do uso.
Improcede, assim, o recurso também nesta parte.
5. Finalmente, requer o Recorrente que os juros de mora atinentes à indemnização pelo dano da privação do uso sejam contados apenas da data da decisão, e não da data da citação, como foi decidido pelo Tribunal a quo.
Ora, encontra-se firmada jurisprudência obrigatória no sentido de que “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação” (AUJ n.º 4/2002, de 27.06, in DR n.º 146/2002, I-A).
Assim, atendendo a que a indemnização por privação do uso foi arbitrada com fundamento na equidade, os respetivos juros de mora devem ser calculados a partir da Sentença.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
6. As custas são suportadas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV – Dispositivo
Em face do exposto e tudo ponderado, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a decisão recorrida quanto à condenação da R. no pagamento de juros de mora atinentes à indemnização pelo dano da privação do uso, os quais se calculam a partir da sentença, e mantendo, no mais, a sentença recorrida.
Custas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique e registe.
Sónia Moura (Relatora)
António Marques da Silva (1º Adjunto)
Maria Adelaide Domingos (2ª Adjunta)