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DECLARAÇÕES DE PARTE
LIVRE APRECIAÇÃO
HOMEBANKING
PHISHING
PHARMING
ÓNUS DE PROVA
Sumário
I. As declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal quando não constituam confissão (n.º 3 do art. 466), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes. II. Nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação. III. O homebanking é um serviço prestado pelo Banco Réu através do qual dá ao cliente a possibilidade de efectuar operações bancárias via Internet, nomeadamente, pagamentos e transferências, razão pela qual é àquele que cabe diligenciar pela segurança do mesmo e que o cliente nele possa confiar; no reverso, o cliente deverá utilizar esse serviço seguindo as regras de segurança que lhe tenham sido comunicadas pelo Banco e aquelas que, segundo um padrão de normalidade o comum utilizador sabe que devem ser observadas, de que é exemplo paradigmático a não divulgação de códigos. IV. De nada releva a circunstância de existirem terceiros envolvidos em toda o encadeamento de actos que levou a que a Autora ficasse desapossada de € 9500,00 – como aliás é apanágio no “phishing” e no “pharming” com a introdução de pessoa não autorizada na rede informática - na medida em que o Réu Banco é convocado face à relação contratual que estabeleceu com a Autora. V. Porque o funcionamento do sistema informático homebanking pertence à esfera de risco do prestador de serviços, pelo que, na concretização do critério de distribuição do ónus da prova, é este quem está em melhores condições de fornecer aos autos a respectiva factualidade demonstrativa (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra novo banco s.a. pedindo a condenação do Réu:
a) A pagar à Autora, a título de danos de natureza patrimonial, a quantia de € 9.500,00;
b) A pagar pelos danos de natureza não patrimonial a quantia de € 2.500,00
c) Ainda, ser a Ré condenada em custas e procuradoria condigna.
Alega, em síntese, que:
- abriu uma conta bancária de depósitos à ordem junto da Ré, com o número ...021 e que é utilizadora dos serviços de homebanking da Ré, incluindo a aplicação do Novo Banco para telemóvel.
- no dia 29 de janeiro de 2024, terceiros de identidade desconhecida procederam à imediata transferência interna do saldo que a Autora tinha disponível, para uma outra conta com o ...723, cujo nome do titular da referida conta é “BB”, sem a sua autorização, causando assim, à Autora um prejuízo no montante de €9.500,00, montante este que não recuperou até ao momento.
- uma vez que não ocorreu qualquer negligência grosseira da sua parte, entende a Autora que a Ré se encontra obrigada ao pagamento da quantia de €9.500,00, o que peticiona nestes autos, a título de indemnização por danos patrimoniais.
- mais alega que o evento acima mencionado afetou de forma negativa a sua saúde mental e emocional, uma vez que, na sequência deste evento, se sentiu angustiada, frustrada e revoltada, se viu privada das poupanças que havia amealhado com o seu trabalho de enfermeira e impedida de concretizar os planos de vida que havia traçado para o ano de 2024 (aquisição de casa própria) e teve de passar a estar dependente economicamente dos seus pais para as despesas da vida diária, incluindo a alimentação, o vestuário e o combustível.
Termina assim concluindo pela procedência da acção e condenação do Réu no pedido.
Devidamente citado veio o Novo Banco S.A. contestar, por impugnação, alegando, em suma, que:
- a Ré comprometeu irremediável e negligentemente os elementos de segurança de acesso aos canais director, os quais são únicos, pessoais e instransmissíveis;
- a transferência efectuada da conta da Autora foi devidamente autenticada, registada e contabilizada, não tendo saído afe3ctada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência;
- a Ré cumpriu os seus deveres de informação divulgação de alertas de segurança junto dos seus clientes, , designadamente através da emissão de alertas de segurança e recomendações, no seu sítio da internet;
- o sucedido deveu-se a actuação gravemente negligente da Autora, que validou e autorizou uma transferência que agora alega não reconhecer;
Termina assim requerendo a improcedência da presente acção.
A 24-09-2024 foi proferido despacho em que (i) se dispensou a realização de audiência prévia, (ii) se fixou valor à presente acção, (iii) se proferiu despacho saneador tabelar, (iv) se fixou o objecto do litígio, (v) elencaram os termas de prova, (vi) se decidiu da admissibilidade dos requerimentos probatórios e (vii) designou data para julgamento.
O Réu Novo Banco veio reclamar dos temas de prova, tendo tal reclamação sido indeferida por despacho de 25-10-2024.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e em 11-12-2024 foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção procedente, e, em consequência, condenou a Ré “NOVO BANCO, S.A” no pagamento à Autora AA da quantia de €9.500 (nove mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, e da quantia de €1.250 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, no montante total de €10.750 (dez mil setecentos e cinquenta euros), no mais absolvendo a Ré do pedido.
Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. Por sentença datada de 11.12.2024, foi a presente acção julgada parcialmente procedente, tendo sido, em consequência, o Réu/ora Recorrente condenado no pagamento à Autora/ora Recorrida da quantia de € 9.500,00, a título de danos patrimoniais, e de € 1.250,00, a título de danos não patrimoniais.
B. Não se conformando com tal decisão, vem o Recorrente dela interpor Recurso de Apelação, nos termos e com os fundamentos seguintes.
C. No entender do Recorrente, a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo enferma de erros de julgamento quanto a determinados pontos da matéria de facto dada como provada, seja porque a prova produzida reconduzia para decisão diversa, seja porque inexistia prova concreta e suficiente para os declarar como provados,
D. Pelo que, com o presente recurso, pretende o Recorrente impugnar parte da decisão relativa à matéria de facto, requerendo a V. Exas. a sua reapreciação e, consequentemente, a reapreciação da decisão proferida quanto ao mérito da causa.
E. Face à pugnada alteração da decisão sobre a matéria de facto, a decisão de direito terá inevitavelmente que ser modificada, ou seja, deverá concluir-se que a Recorrida agiu, manifestamente, com negligência grosseira.
F. Ainda que o entendimento de V. Exas. fosse no sentido da não alteração da decisão sobre a matéria de facto, o que não se concede e por dever de patrocínio se equaciona, sempre deveria a decisão sobre a matéria de direito ser alterada, no sentido da absolvição do Recorrente quanto a todos os pedidos contra si formulados,
G. Porquanto é essa a decisão que se impõe face à prova produzida nos autos, bem como àquela que não foi produzida.
H. No essencial e em síntese, a impugnação sobre a matéria de facto incide sobre os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada:
i) N.º 11, no sentido em que não existe qualquer prova de que a mensagem recebida pela Recorrida no dia 29.01.2024, pelas 13h49m, foi remetida por um número pertencente ao Novo Banco, ao passo que não existe igualmente qualquer prova concreta e segura de que a página de internet acedida pela Recorrida tivesse aparência idêntica à página oficial do Novo Banco;
ii) N.ºs 15, 16 e 17, no sentido em que não é possível considerar provado, com razoável certeza, que a Recorrida tenha sido contactada telefonicamente por um número pertencente ao Novo Banco, nomeadamente do número ...700;
iii) N.º 26, na medida em que existe uma clara contradição entre este ponto e os factos provados n.º 24 e 25;
iv) N.º 29, na medida em que não existe qualquer prova concreta e segura de que um suposto funcionário do Balcão do Novo Banco tenha dito à Recorrida para não atender uma chamada do número ...700, por ser fraudulenta;
v) N.º 31, na medida em que não existe qualquer prova concreta e segura de que, em início de Fevereiro de 2024, o Recorrente tenha contactado a Recorrida através do número ...700.
I. Face à prova produzida nos autos, nomeadamente a prova obtida por meio das Declarações de Parte da Autora e dos depoimentos das testemunhas CC e DD, bem como àquela que não foi produzida (ausência de prova concreta e segura), impunha-se decisão diversa quanto aos pontos da matéria de facto dada como provada supra descritos,
J. Pelo que deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que altere a decisão sobre a referida matéria de facto, nos exactos termos requeridos no capítulo III supra – “Impugnação da matéria de facto”.
K. Por outro lado, relativamente à decisão sobre a matéria de direito, com o devido respeito, não andou bem o Douto Tribunal a quo porquanto considerou que a actuação da Recorrida não poderia ser entendida como negligência grave ou grosseira.
L. Em primeiro lugar, cumpre notar que ficou devidamente provado que a transferência reclamada pela Recorrida foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e não foi afectada por avaria técnica ou outra deficiência,
M. Bem como que o Recorrente cumpriu os seus deveres de informação e divulgação de alertas de segurança junto dos seus clientes e, mais concretamente, junto da Recorrida quanto a este tipo de fraude.
N. Não restam quaisquer dúvidas de que a Recorrida agiu com manifesta negligência grosseira, porquanto,
O. Contra todas as instruções / avisos / alertas de segurança do Banco, a Recorrida comprometeu todas as suas credenciais de segurança personalizadas (número de adesão, número de telemóvel e palavra-passe) num site acedido através de um link constante de uma mensagem SMS, bem como numa chamada telefónica com um terceiro desconhecido (coordenadas do cartão matriz), tendo, por fim, validado uma notificação push na sua App do Novo Banco para concretização de uma transferência no montante de € 9.500,00.
P. Os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto (datado de 21.11.2024, proferido no âmbito do processo n.º 434/23.2T8PFR.P1), bem como pelo Tribunal da Relação de Lisboa (datado de 19.12.2024, proferido no âmbito do processo n.º 15407/23.7T8LSB.L1-8), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, são de extrema relevância no sentido da densificação do conceito de negligência grosseira, tendo-se decidido, em casos semelhantes ao que se ajuíza nestes autos, pela existência de negligência grosseira na conduta dos respectivos utilizadores do serviço de homebanking.
Q. A incúria e actuação irrefletida demonstrada por parte da Recorrida neste caso concreto não é aceitável nem minimamente desculpável, não podendo o Direito dar respaldo a uma situação de incumprimento grave e flagrante dos seus deveres enquanto utilizadora dos serviços de homebanking,
R. Pelo que deverá considerar-se que esta actuou com manifesta negligência grosseira, devendo suportar as perdas resultantes da operação de pagamento realizada na sua conta – cfr. artigo 115.º, n.º 4 do RJSPME.
S. Por fim, relativamente à condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 1.250,00,
T. Sempre se diga que, não tendo existido qualquer actuação ilícita / incumprimento contratual por parte do Recorrente,
U. Nunca poderia este ter sido condenado nessa indemnização,
V. Falecendo igualmente o preenchimento do requisito do nexo de causalidade entre facto e dano.
W. Face a tudo quanto se deixou exposto, é forçoso concluir que o Douto Tribunal a quo incorreu em erro quanto à matéria de facto e de direito, ao decidir que a Recorrida não agiu com negligência grosseira,
X. Pelo que se impõe, salvo melhor entendimento, revogar a decisão ora recorrida e substituí-la por outra que julgue a acção interposta pela Recorrida totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolva o Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.”
A recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
“1. A Recorrente insurgiu-se contra a decisão que a condenou ao pagamento de €10.750,00, procurando escusar-se à responsabilidade pela operação bancária não autorizada que lesou a Autora, operação essa realizada por terceiros mediante um esquema fraudulento sofisticado, que imitava com aparente legitimidade os meios de contacto e atuação da própria Ré — mas sem que tenha logrado demonstrar qualquer comportamento culposo da Autora que justifique a reversão do decidido.
2. O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões apresentadas pela Recorrente, e incide, essencialmente, sobre a impugnação da matéria de facto dada como provada na 1.ª instância e sobre a alegada errónea aplicação do direito, por se entender, por parte da Recorrente, que a Autora teria agido com negligência grosseira.
3. No entanto, não pode a Recorrida conformar-se com tal alegação, porquanto a sentença recorrida se mostra correta, devidamente fundamentada, e resulta de uma apreciação criteriosa, rigorosa e global da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
4. A matéria de facto impugnada pela Recorrente – nomeadamente os factos provados n.ºs 11, 15 a 17, 26, 29 e 31 – foi corretamente julgada como provada com base em prova testemunhal direta, espontânea, coerente e credível, corroborada por prova documental, e em plena conformidade com o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 607.º, n.º 5 do CPC.
5. Ao contrário do alegado pela Recorrente, a atuação da Autora foi, em todos os momentos, diligente, razoável e conforme o comportamento expectável de um utilizador bancário médio, tendo sido vítima de um esquema de phishing altamente sofisticado, que envolveu o uso de técnicas de spoofing (como a apropriação do número oficial do Banco e a imitação da sua página oficial).
6. A jurisprudência dominante, designadamente o Acórdão do TRP de 16.05.2023 (Proc. n.º 659/22.8T8PNF.P1) e o Acórdão do STJ de 12.12.2023 (Proc. n.º 9240720.5T8LSB.L1.S1), tem reiteradamente afirmado que, nestas circunstâncias, não é de exigir ao utilizador um grau de vigilância que apenas especialistas possuem, não se podendo qualificar a sua atuação como negligência grosseira.
7. Foi ainda demonstrado que, à data dos factos, não existiam alertas públicos específicos por parte da Recorrente quanto à possibilidade de os seus próprios números oficiais serem usados por terceiros mal-intencionados, sendo, por isso, injustificada qualquer exigência reforçada de cautela por parte da Autora.
8. O Tribunal recorrido avaliou de forma cuidada toda a prova produzida e deu adequada resposta à factualidade essencial dos autos, concluindo com justiça pela responsabilidade da Recorrente nos termos do artigo 115.º do Decreto-Lei n.º 91/2018 e do artigo 796.º, n.º 1, do Código Civil.
9. Inexistem vícios de julgamento ou erro de subsunção jurídica que justifiquem a revogação da decisão recorrida, a qual se apresenta como um exercício ponderado, sério e profundamente ancorado na realidade factual e normativa.”
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir. *
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
a) Impugnação da matéria de facto:
- eliminação do facto 11 dos factos provados, para o elenco dos factos não provados;
- eliminação dos factos 15, 16 e 17 dos factos provados para o elenco dos factos não provados;
- contradição do facto 26 com os factos 24 e 25;
- eliminação da 2.ª parte do facto 29 do elenco dos factos provados;
- eliminação do facto 31 dos Factos provados.
b) Erro na aplicação do Direito - Da responsabilidade da Ré e consequente obrigação de indemnizar.
c) em caso de responsabilidade da Ré, aferir da justeza dos danos não patrimoniais arbitrados.
*
III. Factos
Na primeira instância foram considerados os seguintes
FACTOS PROVADOS
1. A Ré é uma instituição bancária e tem como objeto o exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa atividade e permitidas por lei.
2. A Autora é, desde 30 de maio de 2014, cliente da Ré, sendo titular de uma conta bancária de depósitos à ordem, identificada pelo número de contrato ...021 e aberta nessa data no balcão da Baixa da Banheira.
3. A Autora aderiu aos serviços digitais disponibilizados pela Ré, adesão esta à qual foi atribuído o n.º 9375876 e associado o número de telemóvel para segurança adicional ...149, tendo sequência, sido providenciadas à Autora o número de adesão e as chaves de acesso necessárias para a utilização desse serviço digital (PIN e cartão matriz), elementos estes pessoais e intransmissíveis, tendo aderido à aplicação do Novo Banco em 2021.
4. Os serviços digitais acima mencionados concedem à Autora a capacidade de realizar, por meio de dispositivos como computadores, tablets ou telefones com acesso à internet, diversas operações bancárias online relativas à sua conta, incluindo, mas não se limitando apenas a transferências e pagamentos de serviços.
5. No portal institucional da Ré, esta fornece diretrizes para a utilização segura dos serviços online, tanto no Novo Banco online ou na sua App, e destaca a relevância dos cuidados a serem observados pelos utilizadores dos Canais Digitais, visando assegurar a segurança das operações e proteção dos dados pessoais – mais concretamente, “(…) Para navegar na Internet é fundamental ter sempre presente os cuidados para garantir a sua segurança, a segurança das operações realizadas e a salvaguarda dos seus dados pessoais. (….) O novobanco garante-lhe a segurança no seu serviço de banco online. O que fazemos por si: Utilização do banco online; Códigos dos canais diretos como forma da sua autenticação e identificação como cliente novobanco (n.º de adesão, PIN e dígitos da matriz). Sistema de autenticação forte "segurança adicional", que exige a confirmação de operações extra património através da inserção de um código descartável, gerado e enviado em tempo real para o telemóvel do cliente, através de uma mensagem SMS. Sistema de suspensão de acesso após determinado número de falhas consecutivas dos códigos de identificação dos canais diretos (nº de adesão e PIN). Tempo máximo de sessão e cancelamento de sessão após determinado período de inatividade no novobanco Online. (…) Temos uma Equipa de Monitorização que analisa em permanência o sistema, os acessos e as operações realizadas nos Canais Diretos do novobanco. (…) O novobanco preocupa-se com a privacidade das suas informações, não utilizando ou divulgando os seus dados a nenhuma entidade externa ao banco, para qualquer fim comercial(...)”.
6. Desde 2014 até à atualidade, o número identificado como “novobanco” é o contacto utilizado pelos serviços da Ré para comunicar com a Autora, especialmente durante operações que exigiam códigos de validação.
7. Entre 2014 e janeiro de 2024, a Autora recebeu várias mensagens do número acima mencionado, inclusive com a indicação de códigos de validação de operações bancárias realizadas pela Autora ao longo deste período temporal, mensagens estas que foram sendo apagadas à medida que deixavam de ter qualquer efeito útil.
8. Em janeiro de 2024, da página oficial da Ré (https://www.novobanco.pt/particulares/linha-direta) constavam os números ...700 e ...021 como sendo 2 números de telefone de acesso nacional disponibilizados pela Ré para serviço de atendimento telefónico aos seus clientes.
9. Em janeiro de 2024, a Autora tinha ativado o sistema de autenticação forte por 3 posições aleatórias do cartão matriz e por via de “one time password push notification” (vulgo, notificação push), composta por 6 dígitos e enviada para o equipamento autorizado ...149, sistema este do qual dependia a realização de qualquer transferência bancária com origem na conta ...021 e efetuada através dos canais digitais da Ré.
10. Em 29 de janeiro de 2024, pelas 13h49, a Autora recebeu, no seu telemóvel, um “SMS” do contacto identificado como “novobanco”, com o seguinte conteúdo: “Um novo dispositivo (Xiaomi 13) foi associado a sua adesão pelas 13:48. Se desconhece, siga: https://novobanco- seguranca.com”1.
11. Em virtude de a mensagem provir do contacto associado à Ré e por utilizado em comunicações anteriores (e mesmo posteriores) com a Autora, esta confiou na legitimidade da mensagem e seguiu a hiperligação constante do SMS acima mencionada, tendo sido direcionada para uma página de Internet contrafeita por terceiros com o intuito de capturar ou comprometer as credenciais de acesso a instrumentos de pagamento do homebanking e que possuía uma aparência idêntica à página oficial de homebanking da Ré, onde lhe foi pedido que colocasse o seu número de utilizador, o seu número de telefone e a palavra passe.2
12. A Autora colocou o nome de utilizador, o número de telefone e a palavra passe na referida página.
13. Nesse instante, a Autora, através seu número de telemóvel ...149, contactou a Ré, para o contacto ...021, com o intuito de falar com um operador e confirmar a validade da operação acima mencionada, após ter visto que este contacto era um dos indicados pela Ré para contacto telefónico com os seus clientes.
14. Ao contactar a Ré através do número acima indicado, foi a Autora atendida por um agente automático, que lhe solicitou que adicionasse o seu número de adesão, tendo referido várias opções para direcionar a chamada.
15. Ao aguardar que a sua chamada fosse devidamente direcionada ao departamento em causa, a Autora recebeu, no seu telemóvel com o número ...149, uma chamada do número ...700.
16. A Autora confirmou muito rapidamente que aquele contacto era um número de telefone de acesso nacional, disponibilizado pela Ré na sua página oficial para serviço de atendimento telefónico e só depois de confirmar este dado é que atendeu a referida chamada.
17. Ao atender a chamada do número ...700, encontrava-se do outro lado da linha um terceiro não identificado que se identificou junto da Autora como sendo um colaborador do Departamento de Cibersegurança da Ré, de nome EE.
18. Este terceiro comunicou à Autora que tinha sido identificada uma atividade suspeita na conta à ordem da ...021, existindo um pedido de transferência no valor de € 9.500,00 para a conta de um terceiro na zona da Covilhã, de nome “BB”.
19. De seguida, o terceiro identificado como EE colocou uma série de questões à Autora, incluindo se a Autora tinha estado fora do país, se tinha perdido o seu cartão de multibanco e se o cartão tinha sido roubado, e confirmou, junto da Autora, o seu nome completo, os seus extratos bancários e o seu número de contribuinte.
20. Após, o terceiro que se identificou como EE disse à Autora que iria bloquear o suposto “BB”, e que ao fazê-lo o valor de € 9.500,00 iria ficar cativo, para, assim, a Ré conseguir proceder à anulação da referida transação.
21. Para o efeito, solicitou que a Autora lhe indicasse o código da matriz, o que a mesma fez.
22. Momentos depois, o terceiro que se identificou como EE informou a Autora que iria aparecer uma notificação na aplicação do Novo Banco, no seu telefone.
23. Imediatamente a seguir, a Autora recebeu uma notificação da aplicação da Ré para que fosse autorizada uma transação, notificação esta que a Autora rejeitou, por entender que se deveria tratar de um lapso, uma vez que havia entretanto visto na aplicação que a quantia acima mencionada ainda não estava cativa.
24. Em consequência da recusa, a Autora recebeu novamente a mesma notificação, por via da aplicação do Novo Banco, tendo o terceiro que se identificou como “EE” solicitado que a Autora aceitasse aquela transação, justificando que só assim é que a quantia de €9.500,00 iria ficar cativa no banco e protegida, transação esta que a Autora acabou por aceitar, no seguimento do que lhe foi comunicado.
25. Após a referida autorização, o terceiro que se identificou como “EE” confirmou com a Autora que estaria tudo correto, e que o montante em causa iria ficar disponível no seu saldo contabilístico no prazo máximo de 30 minutos.
26. Na sequência do evento acima mencionado, terceiros não identificados procederam à imediata transferência interna, no dia 29 de janeiro de 2024, pelas 14h08m, da quantia de €9.500,00 da conta da Autora com o n.º ...021 para uma outra conta com o ...723, cujo nome do titular da referida conta é “BB”, sem a autorização daquela.
27. Até ao momento, a quantia de €9.500,00 não voltou a estar disponível na conta da Autora.
28. No dia 30 de janeiro de 2024, a Autora apresentou queixa-crime junto do Posto Territorial de Santo António da Charneca da Guarda Nacional Republicana, reportando o sucedido no dia anterior, a qual foi registada com o NUIPC 52/24.8GABRR.
29. Nesse dia, a Autora apresentou também reclamação junto da Ré, no balcão do Barreiro, pelos mesmos factos, tendo falado a este propósito com o gerente do balcão, DD, e outro funcionário e recebeu uma chamada do número ...700, que o mesmo funcionário lhe disse para não atender, por ser fraudulenta.
30. Nesse dia, a Ré procedeu ao cancelamento do acesso da Autora aos canais de homebanking, tendo a Autora passado a poder apenas fazer transferências por multibanco, situação esta resposta em maio do mesmo ano.
31. No início de fevereiro de 2024, a Ré contactou a Autora através do número ...700.
32. A quantia de €9.500,00 correspondia ao conjunto das poupanças auferidas pela Autora com o exercício da sua função profissional de enfermeira e encontrava-se afeto, em janeiro de 2024, à realização de obras na casa que a Autora havia adquirido em conjunto com o namorado, FF, habitação essa para ambos pretendiam mudar-se no ano de 2024.
33. Com a perda da quantia de €9.500, a Autora ficou sem quaisquer poupanças na sua conta e teve de atrasar o projeto de mudança de casa acima mencionado, continuando a viver em casa dos pais, por ter deixado de ter disponibilidade financeira imediata para suportar a realização das obras acima mencionadas.
34. Teve também a Autora de recorrer à ajuda financeira dos pais, para a satisfação das necessidades básicas, incluindo a alimentação, o vestuário e o combustível.
35. Teve também a Autora, a partir do final de janeiro de 2024, de trabalhar mais horas para além do período normal de trabalho, com vista a auferir rendimento que lhe permitisse recuperar rapidamente a perda dos €9.500, evitando participar em eventos e convívios sociais com os familiares e os amigos que envolvessem o dispêndio de dinheiro, como almoços e jantares fora de casa.
36. A Autora sentiu-se frustrada, transtornada, enganada, ansiosa e revoltada, na sequência da perda da quantia monetária acima mencionada e da recusa da Ré em a restituir.
37. Desde o evento de 29 de janeiro de 2024, a Autora não confia na segurança dos canais digitais da Ré.
38. Em maio e junho de 2022, a Ré publicou, na sua página inicial, alertas para SMS com links e para contactos telefónicos de desconhecidos a propósito do cancelamento de transações, indicando que nunca aborda os clientes dessa forma e pedindo aos clientes que nunca forneçam através de chamada telefónica o cartão matriz ou códigos enviados por SMS para validação de operações.
39. Em junho de 2022, a Ré publicou, na sua página inicial, alerta para falsos SMS com o conteúdo “Um novo dispositivo não autorizado foi associado à sua conta”, alertando os clientes para a circunstância de nunca enviar SMS com links nem solicitar este tipo de ações.
40. Em agosto de 2022, a Ré publicou, na sua página oficial, um alerta para chamadas telefónicas fraudulentas, indicando aos clientes que nunca os iria contactar telefonicamente a solicitar dados pessoais e intransmissíveis de acesso aos canais digitais para cancelamento de transações.
41. Em setembro e novembro de 2022 e janeiro e maio de 2023, a Ré publicou, na sua página oficial, alertas para falsos SMS e chamadas telefónicas fraudulentas, onde indicava aos seus clientes que nunca enviava SMS com links e indicando que o site oficial da Ré era https://www.novobanco.pt.
42. A Ré alertou também, nessas ocasiões, para a circunstância de os clientes deverem ter cuidado com chamadas telefónicas inesperadas, mesmo que do outro lado afirmassem ser do Banco, e solicitando aos clientes que nunca fornecessem códigos do cartão matriz nem códigos SMS para validação nem cancelamento de operações.
43. No final do mês de janeiro de 2024, terceiros não determinados enviaram mensagens a um número limitado de clientes da Ré, sem o conhecimento e a autorização desta última, e que surgiam no telemóvel dos destinatários como provindas do número “novo banco”, normalmente utilizado pela Ré para comunicações com os mesmos clientes.
44. Tais mensagens indicavam que um novo dispositivo Xiaomi havia sido adicionado à conta dos clientes da Ré e continha em si um link que reencaminhava para páginas falsas.
45. A Ré colocou pela primeira vez, no dia 27 de janeiro de 2024, uma notícia na sua página inicial, acerca da circunstância de tais mensagens, embora surgirem no telemóvel dos destinatários como provindo do número “novobanco”, serem fraudulentas, alertando assim para a necessidade de os seus destinatários as eliminarem mal as recebessem.
46. Antes disso, a Ré não tinha qualquer alerta acerca da circunstância específica de mensagens deste teor, embora provindas de um número designado “novobanco”, serem fraudulentas nem sobre a circunstância de terceiros conseguirem apropriar-se de números de telefone de acesso nacional disponibilizados pela Ré para serviço de atendimento telefónico aos seus clientes, constantes da página oficial da Ré e ligarem aos clientes através dos mesmos números oficiais, fazendo-se passar por funcionários da Ré (técnica de spoofing).
47. Os alertas não surgem automaticamente na página oficial da Ré nem na aplicação da Ré, antes de ser efetuado o login.
48. Na cláusula 18.1 do título das Condições Gerais de Abertura de Conta da Ré, versão de 2 de janeiro de 2023, é estabelecido que “Sem prejuízo das regras aplicáveis a determinadas operações, o cliente pode comunicar com o Banco, incluindo para transmitir validamente ordens e instruções, por comunicação escrita, desde que associada ao cliente, pelos Canais Diretos ou por qualquer outra forma, incluindo meios telefónicos disponibilizados pela Ré e o cliente tenha os dados atualizados”.
49. Na cláusula 19.7 das Condições Gerais de Abertura de Conta da Ré, consta que “O Banco poderá, ainda, utilizar outros meios de comunicação, nomeadamente telefone, telemensagem, serviços de correio expresso ou de empresas que prestem serviços similares”.
50. Do Capítulo IV das Condições Gerais de Abertura de Conta da Ré consta, a propósito das Condições Gerais dos Canais Diretos, que o novobanco Online e as suas aplicações para smartphone ou tablet e a sua linha de atendimento telefónico constituem os canais diretos da Ré e que, para aceder aos canais diretos, o cliente tem de se identificar perante o banco, que, a pedido do cliente emitirá os seguintes códigos de segurança: 1- um cartão de acesso aos canais diretos, pessoal e intransmissível, do qual constam o número de adesão e uma chave alfanumérica constituída por 192 dígitos e distribuída por 64 posições (cartão matriz), nunca pedindo o banco mais do que 3 dígitos da chave alfanumérica, 2- um código secreto (PIN), pessoal e intransmissível, composto por 6 dígitos numéricos, apenas alterável por iniciativa do cliente ou a solicitação do banco, por razões de segurança e 3-Um Código de Validação de operação, que constitui a Segurança Adicional, composto por 6 dígitos, enviado por SMS, por notificação para o telemóvel ("push notification") ou, alternativamente, por chamada de voz, para o número de telemóvel previamente fornecido pelo Cliente, código este requerido sempre que o cliente efetue determinadas operações no novobanco Online ou nas aplicações para smartphone ou tablet e que incluem os detalhes da operação a autorizar.
51. A Autora fez 1.500 acessos nos canais do homebanking da Ré, normalmente e principalmente através da aplicação móvel.
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados com relevo para a boa decisão da causa.
*
IV. Direito
Impugnação da matéria de facto – generalidades e pressupostos
Dispõe o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil:
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287.
O actual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava, ficando claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
Sobre o ónus a cargo do(s) recorrente(s) que impugne(m) a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- A decisão alternativa que é pretendida.
A este respeito, cumpre recordar duas restrições a uma leitura literal e formal destes ónus processuais inerentes ao exercício da faculdade de impugnação da matéria de facto.
Deverá ter-se em atenção a tendência consolidada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640.º do CPC e de realçar a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “dando prevalência aos aspectos de ordem material”, na expressão de Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 171 (nota 279) e 174.
Em primeiro lugar, apenas se mostra vinculativa a identificação dos pontos de facto impugnados nas conclusões recursórias; as respostas alternativas propostas pelo recorrente, os fundamentos da impugnação e a enumeração dos meios probatórios que sustentam uma decisão diferente, podem ser explicitados no segmento da motivação, entendendo-se como cumprido o ónus de impugnação nesses termos.
No que tange à decisão alternativa, tenha-se em atenção o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I, de 14/11/2023, com o seguinte dispositivo:
Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Quanto aos restantes requisitos, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal, de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes), de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado), de 19/2/2015 (Tomé Gomes); de 22/09/2015 (Pinto de Almeida), de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados, citando-se o primeiro:
«(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»
Em segundo lugar, cumpre distinguir, quanto às explicitações exigidas ao impugnante e no que se refere à eficácia impeditiva do seu incumprimento, para a apreciação da impugnação, em dois graus de desvalor.
Se o incumprimento dos ónus processuais previstos no nº 1 do citado art. 640º implica a imediata rejeição da impugnação, já o incumprimento dos ónus exigidos no nº 2 do mesmo preceito (…indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso…) tem visto essa eficácia limitada aos casos em que essa omissão dificulte gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária ou o exame pelo tribunal de recurso, pela complexidade dos facos controvertidos, extensão dos meios de prova produzidos ou ausência de transcrição dos trechos relevantes.
A esse respeito, veja-se o Acórdão de 11/02/2021 (Maria da Graça Trigo) consultável em www.dgsi.pt:
I. O respeito pelas exigências do n.º 1 do art. 640.º do CPC tem de ser feito à luz do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4 da Constituição.
II. No caso dos autos, afigura-se que o fundamento de rejeição da impugnação de facto é excessivamente formal, já que a substância do juízo probatório impugnado se afigura susceptível de ser apreendida, tendo sido, aliás, efectivamente apreendida pelos apelados ao exercerem o contraditório de forma especificada.
III. Trata-se de uma acção relativamente simples, com um reduzido número de factos provados e de factos não provados, em que a pretensão dos réus justificantes é facilmente apreensível e reconduzível aos factos por si alegados para demonstrarem a usucapião e que encontram evidente ou imediato reflexo nos factos não provados que pretendem que sejam reapreciados, factos esses correspondentes, em grande medida, à matéria objecto da escritura de justificação.
De igual modo decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 29/10/2015 (Lopes do Rego), consultável em www.dgsi.pt:
1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) .
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso.
Veja-se, também do Supremo Tribunal, o Acórdão de 21/03/2019 (Rosa Tching), disponível em www.dgsi.pt:
«I. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º e 662.°, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, impõe- se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º l do citado artigo 640°, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n° 2 do mesmo artigo 640°, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640.°, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º l, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640.° implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o n° 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexactidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640°, n° 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.».
No mesmo sentido, o Acórdão de 19/1/2016 (Sebastião Póvoas), disponível na mesma base de dados:
“ (…)
5) A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.”
Por outro lado há ainda que ter em atenção que, qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo.
Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt:
“O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no art. 611.º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no art. 608.º, n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
Porque o recorrente observou os ónus que sobre si recaiam, neste particular - apreciar-se-ão todas as impugnações da matéria de facto da Ré / Recorrente. a.1) Alteração do Facto n.º 11 do elenco dos Factos provados
É o seguinte do teor do facto 11:
“ 11. Em virtude de a mensagem provir do mesmo número de contacto utilizado pela Ré em comunicações anteriores, a Autora confiou na legitimidade da mensagem e seguiu a hiperligação constante do SMS acima mencionada, tendo sido direcionada para uma página de Internet contrafeita por terceiros com o intuito de capturar ou comprometer as credenciais de acesso a instrumentos de pagamento do homebanking e que possuía uma aparência idêntica à página oficial de homebanking da Ré, onde lhe foi pedido que colocasse o seu número de utilizador, o seu número de telefone e a palavra passe.”
Entende a Ré que tal facto não resultou provado em virtude de inexistir qualquer histórico anterior no telemóvel da recorrida quanto à corrente de SMS com o Novo Banco. Não se podendo por isso dar por provado que a mensagem recebida pela recorrida em 29-01-2024 tenha sido enviada do mesmo número das anteriores mensagens recebidas do contacto que surge sob a designação “Novo Banco”.
Acresce que, continua o Réu, já há mais de 2 anos que alertava os seus clientes para as fraudes realizadas através do envio de sms com links, informando que nunca aborda os clientes dessa forma. Pelo que só um utilizar descuidado e leviano não conheceria estes alerta.
Conclui assim pela alteração do facto 11 para o elenco dos factos não provados.
Antes de apreciar a questão, vejamos como o Tribunal a quo fundamentou a resposta ao facto 11: “O facto 11 a 25 resultam, em primeiro lugar, das declarações de parte da Autora.
Também a testemunha GG confirma a circunstância de a Autora ter recebido uma chamada do número ...700, quando estava a contactar a Ré através do ...021, de a Autora ter recebido esta mensagem e ter estado a falar com uma pessoa que se identificou como sendo funcionário do Banco, tendo relatado que estava ao pé da Autora quando esta última chamada se iniciou e de a Autora não ter clicado em “Autorizar” com o intuito de autorizar a transferência de 9.500, mas antes com o objetivo de tornar tal quantia cativa, na sequência das indicações que lhe foram transmitidas na chamada telefónica.”
Para tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto desta concreta alínea ouviu-se integralmente as declarações de Parte da Autora e o depoimento de DD e CC. Consultou-se igualmente os documentos 1 e 4 juntos com a petição inicial, sendo que o doc. 1 consubstancia a concreta mensagem /SMS que a Autora recebeu no dia 29-01.
Afigura-se-nos que a impugnação da Ré acaba por se revelar uma falácia: isto porque é um facto que não sabemos qual o número em concreto de onde veio a mensagem…mas sabemos, isso sabemos pela simples análise do doc. 4 junto com a petição inicial, que a mesma proveio (ao menos aparentemente para um qualquer destinatário) do número associado ao contacto Novo Banco.
É um facto que a Autora não juntou prova de mensagens anteriores enviadas pelo Novo Banco, esclarecendo tal facto com a justificação de que tem por hábito apagar as mensagens anteriores. E por isso, a este respeito, restar-nos-ia a palavra e as declarações da Autora.
Deu o Tribunal excessivo peso às declarações de parte da Autora, como refere a Ré nas suas alegações? Afigura-se-nos que não, mas passamos a justificar.
O nó górdio coloca-se assim, num primeiro momento, num plano teórico.
O Código de Processo Civil de 2013 veio estabelecer no seu art. 466.º, sob a epígrafe “Declarações de parte”, que: “1. As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo. 2. Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior. 3. O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”
Trata-se de uma disposição inovadora que visa um tipo de prova diverso do previsto na Secção anterior que alude à prova por confissão e ao depoimento de parte (arts. 452 a 465 do C.P.C.).
O depoimento de parte continua a constituir o meio probatório através do qual se pretende conseguir que uma parte - o depoente - reconheça a realidade de um facto que lhe é desfavorável (de acordo com o disposto nos arts. 352 e seguintes do C.C. e 452 e seguintes do C.P.C.). Tal resulta do título da Secção onde se inserem os normativos citados do Código do Processo Civil: o depoimento de parte visa a prova por confissão.
Já as declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal quando não constituam confissão (nº 3 do art. 466), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes – neste sentido Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil- Lei nº 41/2013, Anotado”, Junho de 2013, pág. 169.
Em todo o caso, tais declarações devem ser encaradas como qualquer outro momento de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, não se justificando um tratamento diverso, designadamente daquele que têm os depoimentos de parte oficiosamente determinados pelo Tribunal já em sede de julgamento.”
Como aborda João Paulo Remédio Marques, in “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)favoráveis ao Depoente ou à Parte Chamada a Prestar Informações ou Esclarecimentos”, Revista “Julgar”, nº 16, 2012, págs. 137 e ss., este novo meio de prova por declarações de parte instituído no CPC/2013 veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte ainda que sem carácter confessório e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade.
Está hoje plasmado na lei processual que o tribunal apreciará livremente o depoimento de parte não confessório, podendo as partes requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo, e que também o tribunal o pode determinar oficiosamente – neste sentido Paulo Ramos de Faria, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, Vol. I, pág. 365, e Luís Filipe Pires de Sousa, “As Declarações de Parte. Uma Síntese”, CEJ, Abril de 2017, págs. 4/5.
Como meio de prova que é e sujeita à livre apreciação pelo tribunal, a validade das declarações de parte não pode ser desconsiderada nem antecipadamente nem postumamente.
Tal como se defendeu, aliás, no Ac. do STJ de 07-02-2019, o nº 3 do art. 466 do C.P.C. não dá cobertura à exigência de corroboração por outros meios de prova, resumindo-se no respetivo sumário: “Sendo as declarações de parte de livre apreciação pelo tribunal, podem determinar, por si sós, a convicção do julgador, sem necessidade de corroboração por outros meios de prova.”
Por último, e quanto à valoração das declarações de parte, diz-nos ainda Luís Filipe Pires de Sousa(publicação citada pág. 37): “(…) Num sistema processual civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fáticos trazidos a juízo, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação não pode estar condicionada a máximas abstratas pré-assumidas quanto à sua (pouca ou muita) credibilidade mesmo que se trate das declarações de parte. Se alguma pré-assunção há a fazer é a de que as declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.”
Conforme se refere no Ac. de 26-04-2022, “Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.(…).”
No caso em análise, as declarações de parte da Autora a este respeito foram prestadas de forma objectiva, consentânea com a normalidade dos factos e até confirmada pela realidade póstuma! Se dúvidas houvesse que era daquele contacto que a Autora costumava receber mensagens do Novo Banco, as mensagens posteriormente recebidas – para cancelamento e adesão aos canais directos – vieram demonstrar a veracidade das afirmações da Autora! O SMS fraudulento caiu na mesma janela de mensagens onde a Autora continuou a receber SMS (não fraudulentos) do contacto Novo Banco! O doc.4 não deixa qualquer margem para dúvidas. As próprias testemunhas do Réu, confrontadas com o documento 4, não conseguiram deixar de afirmar que na janela de mensagens de um único e mesmo contacto (o NovoBanco) caiu uma mensagem fraudulenta e as posteriores mensagens não fraudulentas enviadas pelo Banco à Autora quando a mesma se encontrava presencialmente no balcão a cancelar e pedir nova adesão aos canais directos.
Por todas estas razões acompanhamos a apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, relativamente a este facto 11 alterando, apenas por uma questão de preciosismo, a sua redacção para a seguinte:
“ 11. Em virtude de a mensagem provir do contacto associado à Ré e por utilizado em comunicações anteriores (e mesmo posteriores) com a Autora, esta confiou na legitimidade da mensagem e seguiu a hiperligação constante do SMS acima mencionada, tendo sido direcionada para uma página de Internet contrafeita por terceiros com o intuito de capturar ou comprometer as credenciais de acesso a instrumentos de pagamento do homebanking e que possuía uma aparência idêntica à página oficial de homebanking da Ré, onde lhe foi pedido que colocasse o seu número de utilizador, o seu número de telefone e a palavra passe.”
Em virtude da alteração do ponto 11. Necessário se torna – por forma a não evitar contradições -, por uma questão de coerência, alterar pontualmente a redacção do ponto 10.
Com efeito, do mesmo resulta que “Em 29 de janeiro de 2024, pelas 13h49, a Autora recebeu, no seu telemóvel, um “SMS” do número identificado como “novobanco”, com o seguinte conteúdo: “Um novo dispositivo (Xiaomi 13) foi associado a sua adesão pelas 13:48. Se desconhece, siga: https://novobanco- seguranca.com”.
Ora, como se referiu supra não podemos associar o SMS a um concreto número de telefone, na medida em que o mesmo não foi em momento algum identificado nos autos. Podemos, isso sim, associar o SMS a um contacto identificado pela Autora no seu dispositivo como sendo do “novobanco”, de onde a mesma recebeu no passado SMS do Réu e de onde continuou a receber nos dias seguintes.
Assim, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, altera-se oficiosamente a redacção do ponto 10 dos factos provados passando o mesmo a ter o seguinte teor:
10. Em 29 de janeiro de 2024, pelas 13h49, a Autora recebeu, no seu telemóvel, um “SMS” do contacto identificado como “novobanco”, com o seguinte conteúdo: “Um novo dispositivo (Xiaomi 13) foi associado a sua adesão pelas 13:48. Se desconhece, siga: https://novobanco- seguranca.com”.
Para além do exposto, é ainda de referir que é jurisprudência consolidada que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha, as declarações de parte, têm de ser conjugados com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – como a prova testemunhal e declarações de parte –, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efectivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
Ora, nos presentes autos, ouvidos os registos fonográficos, não só não ficou o Tribunal convencido de que não houve erro da 1.ª instância na apreciação dos factos, como ficou ainda convencido exactamente do contrário, isto é, que a prova produzida justifica a inclusão do facto 11 no elenco dos factos provados, com a redacção que lhe demos supra, foi efectivamente desconhecemos o numero de telefone de onde foi enviado o SMS. Sabemos apenas que o SMS proveio do contacto associado ao Novo Banco, de onde este enviava e continuou a enviar mensagens à Autora . a.2) Alteração dos factos 15, 16 e 17.
É o seguinte o teor dos factos em análise:
15. Ao aguardar que a sua chamada fosse devidamente direcionada ao departamento em causa, a Autora recebeu, no seu telemóvel com o número ...149, uma chamada do número ...700.
16. A Autora confirmou muito rapidamente que aquele contacto era um número de telefone de acesso nacional, disponibilizado pela Ré na sua página oficial para serviço de atendimento telefónico e só depois de confirmar este dado é que atendeu a referida chamada.
17. Ao atender a chamada do número ...700, encontrava-se do outro lado da linha um terceiro não identificado que se identificou junto da Autora como sendo um colaborador do Departamento de Cibersegurança da Ré, de nome EE.”
Entende a Ré que tal facto não resultou provado em virtude de:
- não se logrou analisar o registo de chamadas recepcionadas no telemóvel da Recorrida, nomeadamente através de um ofício à respectiva empresa de telecomunicações, ou por meio de uma perícia ao seu telemóvel;
- tal facto ter apenas resultado das declarações de parte da Recorrida e do depoimento da testemunha GG (seu pai), cujos testemunhos foram, salvo melhor opinião, manifestamente parciais quanto a esta questão;
- do depoimento da testemunha DD ter resultado que os contactos efectuados pelo Novo Banco para os seus clientes, por sua iniciativa própria, são exclusivamente para fins comerciais.
- do depoimento da testemunha CC resultar que no comércio bancário não existe a figura do bloqueio/cancelamento de transacções.
Antes de apreciar a questão, vejamos como o Tribunal a quo fundamentou a resposta aos factos 15, 16 e 17:
“O facto 11 a 25 resultam, em primeiro lugar, das declarações de parte da Autora.
Também a testemunha GG confirma a circunstância de a Autora ter recebido uma chamada do número ...700, quando estava a contactar a Ré através do ...021, de a Autora ter recebido esta mensagem e ter estado a falar com uma pessoa que se identificou como sendo funcionário do Banco, tendo relatado que estava ao pé da Autora quando esta última chamada se iniciou e de a Autora não ter clicado em “Autorizar” com o intuito de autorizar a transferência de 9.500, mas antes com o objetivo de tornar tal quantia cativa, na sequência das indicações que lhe foram transmitidas na chamada telefónica.”
Para tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto desta concreta alínea ouviu-se integralmente as declarações de Parte da Autora e os depoimentos de GG, DD e CC.
Em primeiro lugar cumpre referir que a prova deste facto não exige, necessária e peremptoriamente, prova documental, para que resulte demonstrada a sua facticidade.
É um facto que a Autora podia ter junto tal registo de chamadas. Tal como é facto que poderia a Ré ter solicitado ao Tribunal a notificação da Autora ou até mesmo da própria operadora para proceder a essa mesma junção. E o facto é que não o fez.
Certo é que o ónus da prova cabia à Autora. Pelo que é necessário, em face da prova produzida, aferir da sua suficiência para os mesmos factos terem merecido, por parte do Tribunal, o veredicto de facto provado. Ou se, ao invés, a prova produzida é frágil e carecia, para resposta conscienciosa, de prova documental que a reforçasse.
E ouvida a prova – declarações de parte e depoimento das testemunhas GG e DD – e ponderada a credibilidade que os mesmos ofereceram, afigura-se-nos que a decisão de 1.ª instância não é merecedora de qualquer reparo.
Em primeiro lugar, a testemunha DD referiu que os contactos telefónicos do Novo Banco são essencialmente (que não exclusivamente) para fins comerciais. Não afastou a testemunha a possibilidade de existirem contactos telefónicos por parte do Banco em situações pontuais ou ocasionais. Pelo que o depoimento desta testemunha por si só não é susceptível de afastar a possibilidade desses contactos ocorrerem ou de os tornar inverosímeis para quem os recebe. Mais, a determinado ponto do seu depoimento, a instâncias da mandatária da Autora, o mesmo acaba por admitir que “Não se recorda que o banco tenha tentado contactar. Mas pode acontecer nestas situações.”
Depois, a análise deste facto não pode ser desassociada de todo o contexto em que o mesmo ocorre: a Autora recebe a chamada quando ela própria estava em espera numa chamada para a linha de apoio do Novo Banco. E recebe-a depois de ter recebido um sms com o teor do referido em 10 e 11. Recebe-o logo após ter ido em busta dos números de apoio ao cliente do Novo Banco, tendo frescos na memória – e mais do que frescos na memória, abertos no computador à sua frente - os números de apoio ao cliente do Banco. Tendo referido expressamente ter conferido o numero da chamada a entrar no seu telemóvel, com o número de apoio ao cliente do Novo Banco, constante do respectivo site que tinha aberto naquele concreto momento.
Por isso a verisimilhança destes factos tem de ser encontrada dentro de todo este contexto e quadro de acontecimentos, em que a mesma gravitava. A órbita da Autora girava em torno da mensagem de alerta recebida como sendo do seu contacto Novo Banco.
Ao contrário da Ré afigura-se-nos que todas as declarações da Autora e depoimento do seu pai – GG – se revestem de maior credibilidade e espontaneidade que o depoimento de DD. Desde o primeiro momento e das primeiras respostas dadas por DD às perguntas da mandatária da Autora (e até mesmo às perguntas do mandatário do Réu) que aquilo que ressalta – pese embora a redução de imediatismo que a audição dos registos fonográficos comporta, por comparação à produção de prova em julgamento em 1.ª instância – é o aparente controlo do seu depoimento, das suas palavras e afirmações, ditas com pouca espontaneidade, aparentando serem palavras muito medidas, sempre no intuito de prevenir e assegurar-se que, quer a pergunta dirigida quer a resposta dada, não encerravam em si segundos sentidos ou interpretações enviesadas.
Quanto à relevância dada às declarações de parte da Autora, revisitamos e convocamos aqui o que referimos supra acerca da valoração permitida ao Tribunal e ao peso que o mesmo lhes pode conferir.
As declarações de parte da Autora revelam-se consentâneas com a normalidade dos factos e do exigível à normalidade dos destinatários em situações semelhantes: tinha recebido uma mensagem do Novo Banco, por provir desse mesmo contacto não lhe suscitou dúvidas, estava a tentar entrar em contacto com a linha de apoio do Novo Banco e entra uma chamada de um número que a mesma reconheceu como sendo um dos números do Novo Banco (na exacta medida em que tinha acabado de pesquisar quais esses números para ela própria fazer uma chamada). É por isso natural que reconhecesse o número e o associasse ao Novo Banco, da mesma forma que é natural que, no contexto da situação, não tivesse razões para não atender essa mesma chamada.
Quanto ao depoimento da testemunha CC não podemos olvidar que não o podemos colocar ao mesmo nível da Autora, enquanto destinatária de uma chamada, supostamente de uma instituição bancária! A Autora é uma vulgar e normal destinatária. A testemunha CC trabalha numa instituição bancária, conhece os seus meandros e os seus procedimentos. Será que o comum das pessoas sabe que não é possível, de imediato, bloquear ou cancelar uma operação bancária? É exigível que saiba que tal não é possível? A resposta, do ponto de vista do senso comum e da normalidade da vida, é, a nosso ver, negativa. Não é exactamente para essas situações que servem as linhas de apoio? Para dar apoio?
Mais uma vez convocamos o que referimos em a.1): quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – como a prova testemunhal e declarações de parte –, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efectivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância. O que a nosso ver não sucedeu no caso dos autos.
Improcede, por isso, a impugnação efectuada pela Ré à circunstancia de os factos 15, 16 e 17 constarem do elenco dos factos provados, aí se mantendo os mesmos. a.3) Alteração ao facto 26 dos Factos Provados
É o seguinte o teor do facto 26:
“ 26. Na sequência do evento acima mencionado, terceiros não identificados procederam à imediata transferência interna, no dia 29 de janeiro de 2024, pelas 14h08m, da quantia de €9.500,00 da conta da Autora com o n.º ...021 para uma outra conta com o ...723, cujo nome do titular da referida conta é “BB”, sem a autorização daquela.”
Entende a Ré a propósito deste facto que:
- este facto apresenta uma manifesta contradição com os factos provados n.º 24 e 25.
- Dos factos n.º 24 e 25 retiramos que a Recorrida “aceitou” e “autorizou” a transacção no valor de € 9.500,00, tendo validado a notificação push recebida no seu telemóvel (leia-se, na App), tendo, por isso, para todos os efeitos, sido a própria a validar a operação em apreço.
- razão pela qual o facto 26 deve ser alterado, eliminando-se o seu segmento final onde se faz alusão a “sem autorização daquela.
Antes de apreciar a questão da eventual contradição e, na afirmativa, forma de sanação da mesma, vejamos como o Tribunal a quo fundamentou a resposta ao facto 26.
A fundamentação ao facto 26 não é expressamente mencionada na fundamentação de facto. Não obstante, a alusão à operação em si e forma como foi efectuada encontra fundamento no § 4.º de fls. 12 da sentença recorrida - “Também a testemunha GG confirma a circunstância de a Autora ter recebido uma chamada do número ...700, quando estava a contactar a Ré através do ...021, de a Autora ter recebido esta mensagem e ter estado a falar com uma pessoa que se identificou como sendo funcionário do Banco, tendo relatado que estava ao pé da Autora quando esta última chamada se iniciou e de a Autora não ter clicado em “Autorizar” com o intuito de autorizar a transferência de 9.500, mas antes com o objetivo de tornar tal quantia cativa, na sequência das indicações que lhe foram transmitidas na chamada telefónica.” – bem como no § 1 de fls. 11.
Mais uma vez entendemos que a impugnação da Ré é tautológica, aproveitando-se de alguma imprecisão na redacção dos factos.
Vejamos:
Dos factos 24 e 25 resulta que:
24. Em consequência da recusa, a Autora recebeu novamente a mesma notificação, por via da aplicação do Novo Banco, tendo o terceiro que se identificou como “EE” solicitado que a Autora aceitasse aquela transação, justificando que só assim é que a quantia de €9.500,00 iria ficar cativa no banco e protegida, transação esta que a Autora acabou por aceitar, no seguimento do que lhe foi comunicado.
25. Após a referida autorização, o terceiro que se identificou como “EE” confirmou com a Autora que estaria tudo correto, e que o montante em causa iria ficar disponível no seu saldo contabilístico no prazo máximo de 30 minutos.
Do facto 26 resulta que:
26. Na sequência do evento acima mencionado, terceiros não identificados procederam à imediata transferência interna, no dia 29 de janeiro de 2024, pelas 14h08m, da quantia de €9.500,00 da conta da Autora com o n.º ...021 para uma outra conta com o ...723, cujo nome do titular da referida conta é “BB”, sem a autorização daquela.
A circunstância de no segmento final do facto 26 se encontrar a referência a “sem a autorização daquela” é absolutamente indiferente: não foi a Autora quem inseriu os dados para a transferência, o beneficiário da mesma, nem o valor da mesma. A Autora, conduzida num logro, autorizou – em termos puramente formais – uma operação. Mas a operação que a Autora, à distância, autorizou não foi a transferência de € 9 500,00, para uma conta terceira, de pessoa que desconhecia. Ela autorizou uma operação que lhe disseram ser o cancelamento de uma operação anómala, e não uma saída de numerário que foi exactamente o que a mesma quis evitar ou prevenir com a sua “autorização”, enquanto operação autómata.
Efectivamente, se nos quisermos apegar às palavras – como a Ré o faz -, a Autora não autorizou (entendendo esta como uma declaração de vontade séria, livre e esclarecida) a transferência de quantias suas para terceiros que a mesma desconhecia.
Foi isso que resultou das declarações de parte da Autora e foi isso que resultou do depoimento de GG que estava ao lado da Autora no momento em que a mesma esteve em contacto com o “suposto” Novo Banco e tentou entrar em contacto com o “verdadeiro” Novo Banco.
Improcede, por isso, a impugnação da Ré. a.4) Alteração ao facto 29
É o seguinte o teor do facto 29:
29. Nesse dia, a Autora apresentou também reclamação junto da Ré, no balcão do Barreiro, pelos mesmos factos, tendo falado a este propósito com o gerente do balcão, DD, e outro funcionário e recebeu uma chamada do número ...700, que o mesmo funcionário lhe disse para não atender, por ser fraudulenta.
Entende a Ré/Apelante que a segunda parte de tal facto deve ser eliminado do elenco dos factos provados.
Isto porque, no seu entendimento:
- não foi feita qualquer prova de que um outro suposto funcionário do Banco tenha dito à Recorrida para não atender uma chamada do número ...700, por a mesma ser fraudulenta.
- o tribunal se socorreu única e exclusivamente das declarações de parte da Recorrida e das testemunhas GG e HH, pais daquela;
- do depoimento da testemunha DD (gerente do Balcão), com quem a Recorrida falou ao Balcão, não resulta qualquer indício no sentido de que um outro funcionário do Banco tenha dito à Recorrida para não atender uma chamada do número ...700, por a mesma ser fraudulenta.
Em primeiro lugar cumpre referir que o depoimento de DD é espúrio para a resolução da questão, na medida em que aquilo que o mesmo refere é que “NÃO SE RECORDA” de tal ter sucedido, o que é substancialmente diverso de “NÃO TER ACONTECIDO”.
Se a referida testemunha tivesse dito peremptoriamente que não tinha acontecido, estávamos perante ponderação de prova e contra-prova.
Tendo a testemunha referido “não se recordar” a questão coloca-se apenas em termos de saber se as declarações de parte e o depoimento das testemunhas é suficiente para justificar a resposta “provado” a tal facto.
Revisitando a fundamentação do Tribunal a tal facto temos que o mesmo afirmou:
Os factos 28 a 31 resultam, em primeiro lugar, das declarações de parte da Autora.
(…) Também a testemunha DD, gerente da Ré no balcão do Barreiro, relatou o facto 29, tendo confirmado esta testemunha que a Autora esteve no balcão do Barreiro da Ré a relatar o ocorrido no dia 29 de janeiro de 2024 e a reclamar o pagamento da quantia de €9.500.
Mais uma vez o Tribunal procedeu à audição dos registos áudio das declarações de todas as testemunhas e das declarações de parte e reiterou a sua convicção da serenidade (embora salpicada de alguma emoção aqui e ali) espontaneidade e verosimilhança das declarações de parte da Autora, por contraposição ao discurso “medido” e “controlado” da testemunha DD.
E, seguindo a linha de entendimento de que nada obsta a que o Tribunal se alicerce nas declarações de parte da Autora, desde que as mesmas lhe transmitam confiança e segurança suficientes para formar o seu juízo de convicção, não vemos qualquer razão para não acompanhar a ponderação e apreciação da matéria de facto fixada pela 1.ª instância.
Reitera-se – uma vez mais - quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – como a prova testemunhal e declarações de parte –, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efectivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância, o que não resultou, nem de perto nem de longe, nos presentes autos.
Improcede assim esta concreta impugnação da matéria de facto. a.5) Alteração ao facto 31
É o seguinte o teor do facto 31:
31. No início de fevereiro de 2024, a Ré contactou a Autora através do número ...700.
Entende a Ré que tal facto deve ser eliminado do elenco dos factos provados, na sua versão integral.
Defende a Ré que:
- não existe qualquer prova concreta e segura de que a Autora tenha sido contactada, em início de Fevereiro de 2024, através do número ...700.
- Inexistem quaisquer registos de chamadas telefónicas que o comprovem,
- Sendo que o ónus da prova desse facto recaía sobre a Recorrida.
Mais uma vez que reafirma que nada exige que a prova das chamadas telefónicas apenas seja susceptível de ser levada a cabo documentalmente.
Basta ouvir os últimos minutos das declarações de parte da Autora para perceber que foi expressamente perguntado se a chamada destinada à Autora, feita – não para o seu telefone – mas para o telefone da sua mãe (conforme acordado com o balcão) o foi na semana seguinte ao dia em que a mesma se dirigiu ao balcão (30-01). Não obstante o contacto não ter sido feito para o telefone da Autora, o contacto dirigia-se à Autora e estava a ser efectuado, a seu pedido, para um contacto por ela fornecido, não se vendo por isso razão para alternar a sua redacção.
Não obstante se nos afigurar que o facto 31. é completamente inócuo para a decisão da causa, não vemos – depois de ouvida a prova produzida – qualquer razão para o eliminar e/ou alterar a sua redacção.
*
Em face do exposto, mantém-se inalterado o quadro factual fixado pela 1.ª instância. b) Errónea aplicação do direito b.1) Afastamento da Responsabilidade do Réu /Culpa grave e grosseira da Autora
No que respeita ao direito aplicável, a sentença recorrida discorreu nos seguintes termos:
“Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de abertura de conta bancária, aos quais estavam associados serviços de homebanking, permitindo a realização de determinadas operações bancárias online.
No que respeita ao depósito bancário, este traduz-se num «(…) depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro (…). Trata-se de uma operação que surge sempre associada a uma abertura de conta (…)» (CORDEIRO, António Menezes, Direito Bancário, Almedina, 6.ª Edição, p.622).
Quanto à natureza jurídica do contrato de depósito bancário, a doutrina e jurisprudência têm entendido que o mesmo é um depósito irregular, na aceção do artigo 1205.º, do Código Civil, o que significa que são-lhe aplicáveis, por força do disposto no artigo 1206.º, do mesmo Código, na medida do possível, as regras do mútuo, nomeadamente os artigos 1142.º e 1144.º, do mesmo diploma legal (Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, Processo n.º 1063/12.1TVLSB.L1.S1, Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt).
Como tal, nos termos do disposto do artigo 1144.º, do Código Civil, com tal contrato, o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um credor.
Assim sendo, o risco do que possa acontecer na conta do cliente recai sobre o banqueiro, a não ser que exista culpa do cliente (CORDEIRO, António Menezes, ob. cit., p. 623).
Não ilidindo a instituição bancária a presunção de culpa que sobre ela impende, mantém-se a obrigação de restituição a seu cargo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 540.º, do n.º 1 do artigo 796.º, do n.º 1 do artigo 799.º e do artigo 1144.º, todos do Código Civil (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-06-2013, processo n.º 374/10.5 TBMGR.C1, Maria Domingas Simões, disponível em www.dgsi.pt.).
O facto de o depósito bancário poder ser movimento através do serviço de homebanking não altera a sua natureza (BARREIRA, Carolina França, Homebanking: A Repartição dos prejuízos decorrentes de fraude informática, in Revista Electrónica de Direito, Outubro 2015, n.º 3, p. 7, disponível em https://www.cije.up.pt › download-file).
O Decreto Lei n.º 91/2018, de 12 de novembro, veio aprovar o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, transpondo a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de novembro de 2015, assim regulando o acesso à atividade das instituições de pagamento e a prestação de serviços de pagamento, bem como o acesso à atividade das instituições de moeda eletrónica e a prestação de serviços de emissão de moeda eletrónica.
Prevê-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 111.º do Decreto Lei n.º 91/2018, que: «1 - O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento deve: a) Assegurar que as credenciais de segurança personalizadas do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento, sem prejuízo das obrigações do utilizador do serviço de pagamento estabelecidas no artigo anterior;»
As obrigações do utilizador do serviço encontram-se previstas no artigo 110.º, do mesmo diploma legal e traduzem-se: a) na utilização do instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização, adotando as medidas razoáveis para preservar a eficácia das credenciais de segurança personalizados; b) na comunicação ao prestador de serviços logo que deles tenha conhecimento, a perda, roubo, apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento.
Por sua vez, estipula o artigo 113.º, do Decreto Lei n.º 91/2018, que « 1 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi corretamente efetuada, incumbe ao respetivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.
2 - Se a operação de pagamento tiver sido iniciada através de um prestador do serviço de iniciação do pagamento, recai sobre este último o ónus de provar que, no âmbito da sua esfera de competências, a operação de pagamento foi autenticada e devidamente registada, e não foi afetada por qualquer avaria técnica ou por outra deficiência relacionada com o serviço de pagamento por si prestado.
3 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, incluindo o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso, não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta, ou que não cumpriu, com dolo ou negligência grosseira, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º
4 - Nas situações a que se refere o número anterior, o prestador de serviços de pagamento, incluindo, se for caso disso, o prestador do serviço de iniciação do pagamento, deve apresentar elementos que demonstrem a existência de fraude, de dolo ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento.»
Em tais casos, em que se assiste a operações não autorizadas pelo utilizador do serviço, o artigo 114.º do Decreto Lei n.º 91/2018 obriga o prestador de serviços de pagamento a reembolsar o seu cliente pós ter tido conhecimento da operação ou após esta lhe ter sido comunicada e, em todo o caso, o mais tardar até ao final do primeiro dia útil seguinte àquele conhecimento ou comunicação.
Da conjugação destes normativos legais resulta que o legislador fez recair sobre o banco prestador do serviço: (i) o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema (como decorreria também do disposto no artigo 796º do Código Civil); (ii) o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência e/ou que houve culpa do cliente.
Assim, nos casos em que se assiste a operações não autorizadas pelo utilizador do serviço, resultantes da apropriação abusiva de instrumento de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados, urge apurar quem deve assumir a responsabilidade em caso de perecimento de fundos.
A este respeito, os n.ºs e, 4 e 5 do artigo 115.º do Decreto Lei n.º 91/2018, prevê que « 3 - O ordenante suporta todas as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas, se aquelas forem devidas a atuação fraudulenta ou ao incumprimento deliberado de uma ou mais das obrigações previstas no artigo 110.º, caso em que não são aplicáveis os limites referidos no n.º 1.
4 - Havendo negligência grosseira do ordenante, este suporta as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, ainda que superiores a (euro) 50.
5 - Se o prestador de serviços de pagamento do ordenante não exigir a autenticação forte do ordenante, este não deve suportar quaisquer perdas relativas a operação de pagamento não autorizada, salvo se tiver agido fraudulentamente. (…)»”
A este respeito, alega a Ré/Apelante que:
“No caso que nos ocupa, cremos que não restam quaisquer dúvidas de que foi a Recorrida quem incumpriu grosseiramente o seu dever de preservação da segurança das suas credenciais de segurança personalizadas – cfr. artigo 110.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do RJSPME,
Porquanto, contra todas as instruções / avisos / alertas de segurança do Banco, comprometeu todas as suas credenciais de segurança personalizadas num site acedido através de um link constante de um SMS, bem como numa chamada telefónica com um terceiro desconhecido,
Tendo, por fim, validado uma notificação push para concretização de uma transferência no montante de € 9.500,00.
Do lado do Banco, ficou devidamente provado que a transferência reclamada pela Recorrida foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e não foi afectada por avaria técnica ou outra deficiência,
Bem como que o Recorrente cumpriu os seus deveres de informação e divulgação de alertas de segurança junto dos seus clientes e, mais concretamente, junto da Recorrida.
Em todo o caso, para que o Banco não seja responsabilizado pela devolução da quantia retirada da conta da Recorrida, cumpre-lhe provar que esta actuou com negligência grosseira, nos termos do artigo 115.º, n.º 4, do RJSPME.”
A este propósito diremos que subscrevemos na íntegra a decisão recorrida quanto à relação contratual estabelecida entre Autora e Réu Banco, quer quanto à abertura de conta bancária, quer quanto ao sistema de homebanking disponibilizado.
O homebanking é um serviço prestado pelo Banco Réu através do qual dá ao cliente a possibilidade de efectuar operações bancárias via Internet, nomeadamente, pagamentos e transferências. Portanto, através desse serviço, o Banco transfere para o cliente a execução de actos que anteriormente estavam cometidos aos seus funcionários, dispensando-se a intervenção destes. Tem vantagens para o cliente, ao permitir-lhe realizar operações bancárias, comodamente, em sua casa, nos horários que lhe são mais convenientes. Mas também traz vantagens ao Banco pois o cliente efectua operações bancárias sem intervenção do seu pessoal, com a inerente diminuição de custos de funcionamento. O Banco deve assegurar, em todas as actividades que exerce, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência (art.º 73º do RGICSF aprovado pelo DL 298/92 de 31/12, na redacção do texto consolidado publicado em anexo ao DL 126/2008 de 21/7).
Sendo o Homebanking um serviço prestado pelo Banco ao Cliente, é àquele que cabe diligenciar pela segurança do mesmo e que o cliente nele possa confiar. DE outra banda, o cliente deverá utilizar esse serviço seguindo as regras de segurança que lhe tenham sido comunicadas pelo Banco e aquelas que, segundo um padrão de normalidade o comum utilizador sabe que devem ser observadas, de que é exemplo paradigmático a não divulgação de códigos.
Com efeito, com a proliferação deste tipo de contratos surgiu a necessidade de regulamentar tal actividade, o que, entre nós, se consagrou através do DL 317/2009, de 30 de Outubro (transpondo Directiva Comunitária), diploma que foi revogado e substituído pelo DL 91/2018, de 12/11, de acordo com o qual se estipulam obrigações quer para o utilizador dos serviços de pagamento quer para o seu prestador.
Assim, para o utilizador assume, designadamente, especial importância a obrigação de utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização; comunicar, atempadamente, a perda, roubo ou apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento e impondo-se-lhe que tome todas as medidas razoáveis, para preservar a eficácia dos dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento.
Ao prestador de serviços- conforme art. 68.º - impõe-se que assegure que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador. A ter, ainda, em conta, o disposto no artigo 70.º, n.º 2, de acordo com o qual, se um utilizador negar a regularidade de uma transferência executada, não é suficiente para provar que a mesma foi autorizada pelo ordenante, que este agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, alguma das obrigações que sobre si impendem (actualmente - art.º 113º, nº 3 DL 91/2018 que tem a seguinte redacção: - “Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, incluindo o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso, não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta, ou que não cumpriu, com dolo ou negligência grosseira, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º” acrescentando o nº 4 da mesma disposição legal: - “Nas situações a que se refere o número anterior, o prestador de serviços de pagamento, incluindo, se for caso disso, o prestador do serviço de iniciação do pagamento, deve apresentar elementos que demonstrem a existência de fraude, de dolo ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento.”).
Analisando o caso concreto o Tribunal recorrido discorre da seguinte forma:
“Descendo ao caso concreto, resultou demonstrado a celebração do contrato de depósito bancário entre as partes, no âmbito do qual foi contratualizado o serviço de homebanking.
No âmbito desse contrato, a Ré registou a operação que resulta provada, tendo permitido a movimentação da conta da Autora no montante de €9.500.
Provou-se, todavia, que a Autora não consentiu nas operações realizadas e que estas foram realizadas sem o seu conhecimento, uma vez que, aquando da chamada do número ...700, apenas clicou em “Autorizar” porque o terceiro que se identificou como sendo o funcionário “EE”, do Departamento de Cibersegurança de Ré, lhe disse que esta era a única forma de fazer que a quantia de €9.500 ficasse cativa na conta.
Provou-se também que a mensagem “Um novo dispositivo (Xiaomi 13) foi associado a sua adesão pelas 13:48. Se desconhece, siga: https://novobanco- seguranca.com”, recebida pela Autora no dia 29 de janeiro de 2024, pelas 13h49, provinha do contacto “Novobanco” e que o contacto “Novobanco” já tinha enviado à Autora mensagens a propósito da conta à ordem ...021, motivo pelo qual esta última confiou na legitimidade da mesma mensagem e clicou no link para averiguar o que se passava, tendo sido reencaminhada para uma página falsa, mas em tudo idêntica à página oficial da Ré. Resulta também provado que a Autora colocou o número de adesão, o número de telefone e a palavra passe exatamente por confiar na fidedignidade da mesma página e da mensagem enviada pelo contacto “novobanco”.
Resultou também provado que os números ...700 e ...021 constavam da página da Ré como números de telefone nacional disponibilizados pela Ré para serviço de atendimento telefónico aos seus clientes e que a Autora tentou entrar em contacto com a Ré através do número ...021 depois de colocar o número de adesão e o telemóvel na referida página e de se certificar de que aquele número constava dos contactos da página da Ré, e que a Autora confirmou que o número ...700 era um dos números oficiais da Ré antes de atender a chamada que recebeu.
Resultou ainda provado que a Autora falou com um terceiro que se identificou como sendo funcionário do Departamento de Cibersegurança da Ré, de nome EE, que lhe comunicou que tinha sido identificada uma atividade suspeita na conta à ordem da Autora ...021, existindo um pedido de transferência no valor de € 9.500,00 para a conta de um terceiro na zona da Covilhã, de nome “BB”, tendo esse terceiro colocado de seguida uma série de questões à Autora, incluindo se a Autora tinha estado fora do país, se tinha perdido o seu cartão de multibanco, se o cartão tinha sido roubado, e confirmou, junto da Autora, o seu nome completo, os seus últimos extratos e o seu número de contribuinte.
Resultou também provado que o terceiro que se identificou como EE disse à Autora que iria bloquear o suposto “BB”, e que ao fazê-lo o valor de € 9.500,00 iria ficar cativo, para, assim, a Ré conseguir proceder à anulação da referida transação, tendo, para o efeito, solicitado que a Autora lhe indicasse o código da matriz, o que a mesma fez.
Resultou ainda provado que, momentos depois, o terceiro que se identificou como EE informou a Autora que iria aparecer uma notificação na aplicação do Novo Banco, no seu telefone, que a Autora recebeu esta notificação e não a aceitou logo por entender que se deveria tratar de um lapso, por ter entretanto visto na aplicação que a quantia acima mencionada ainda não estava cativa.
Resultou também provado que, em consequência da recusa, a Autora recebeu novamente a mesma notificação, por via da aplicação do Novo Banco, tendo o terceiro que se identificou como “EE” solicitado que a Autora aceitasse aquela transação, justificando que só assim é que a quantia de €9.500,00 iria ficar cativa no banco e protegida, e que, após a referida autorização, o terceiro que se identificou como “EE” confirmou com a Autora que estaria tudo correto, e que o montante em causa iria ficar disponível no seu saldo contabilístico no prazo máximo de 30 minutos.
Provou-se ainda que nas condições contratadas entre as partes, vem prevista a obrigação do cliente que aceder aos canais digitais de cumprir os procedimentos estabelecidos pelo Banco para o efeito e que no acesso regular ao serviço de homebanking, a senha não é introduzida pelo registo de todos os carateres que a compõem, mas tão somente pela introdução de alguns (correspondentes a posições da password aleatoriamente solicitadas de modo dinâmico, em cada processo de autenticação).
Provou-se também que apenas em 27 de janeiro de 2024, 2 dias antes do evento de 29 de janeiro de 2024, veio a Ré alertar, pela primeira vez, os clientes para a circunstância de os números oficiais que constam da página da Ré poderem ser utilizados por terceiros para entrarem em contacto com os clientes e levarem a que estes lhes forneçam os dados de acesso às respetivas contas bancárias (técnica de spoofing), nunca tendo, antes, a Ré alertado os seus clientes para esta concreta circunstância. (…).
Após, conclui o Tribunal recorrido que “A Ré entende que a conduta da Autora constitui incumprimento das condições contratuais do serviço de homebanking e negligência grosseira da Autora na sua utilização, devendo, como tal, suportar as perdas daí resultantes.
Não cremos, contudo, que assim seja.
Desde logo não se comprovou nenhum facto que demonstre que a Autora atuou de modo fraudulento ou intencional.
A atuação da Autora também não pode ser entendida por negligência grave ou grosseira.
O facto de a Autora ter colocado o número de adesão, o número de telefone e a palavra passe na página falsa para a qual foi reencaminhada pela mensagem que recebeu no dia 29 de janeiro de 2024 não configura comportamento negligente grosseiro, uma vez que recebeu a mensagem “Um novo dispositivo (Xiaomi 13) foi associado a sua adesão pelas 13:48. Se desconhece, siga: https://novobanco- seguranca.com“” através do mesmo contacto (novobanco) que tinha sido utilizado pela Ré em comunicações anteriores, que apenas clicou nesse link por esse motivo e que apenas inseriu o número de adesão e o número de telefone por a página ser em tudo idêntica à oficial da Ré. De acordo com as regras da experiência comum, não era exigível à Autora que atuasse de outro modo, uma vez que a primeira informação acerca da utilização por terceiros do contacto “novobanco” para entrar em contacto com clientes em nome da Ré e enviar-lhes mensagens fraudulentas com links para páginas falsas apenas tinha sido emitida 2 dias antes e atendendo ainda ao facto de a Ré ter entrado em contacto com a Autora pela mesma via e pelo mesmo contacto em várias ocasiões anteriores.
Ademais, a página era em tudo idêntica à página oficial da Ré e a Autora não era uma utilizadora habitual do homebanking através do site na internet, mas apenas pela aplicação móvel, logo, não lhe era exigível que tivesse conhecimento pormenorizado da aparência da página do banco e que, a olho nu, a conseguisse distinguir da página verdadeira.
(…)
Assim, a circunstância de a Autora ter atendido a chamada do número ...700 e de ter clicado na segunda mensagem que lhe foi remetida também é insuscetível de configurar qualquer comportamento grosseiramente negligente da sua parte, uma vez que, como ficou provado, a Autora, antes de atender a chamada, confirmou que este número constava da página oficial da Ré e apenas atuou como atuou e clicou em autorizar na segunda mensagem que recebeu, porque confiou na legitimidade da chamada, na circunstância de o terceiro com quem estava a falar ser efetivamente um funcionário de Cibersegurança da Ré e de que, como lhe foi comunicado, com tal mensagem, necessitar de clicar em Autorizar para a quantia de €9.500 ficar cativa na sua conta. Era inexigível à Autora que desconfiasse da legitimidade da chamada efetuada e procedesse de outro modo, depois de confirmar que o número ...700 era um contacto oficial da Ré, e uma vez que não havia, à data, qualquer alerta acerca da utilização por terceiros de contactos oficiais da Ré para efetuarem chamadas fraudulentas a clientes da Ré.
Não está, portanto, verificado o incumprimento pela Autora das obrigações do utilizador do serviço previstas no artigo 110.º, do Decreto Lei n.º 91/2018, de 12 de novembro.
Acresce que o que se demonstrou foi que terceiros, não autorizados pela Autora, realizaram a movimentação que resultou provada, apropriando-se do contacto ...700, fazendo-se passar por funcionários do Departamento de Cibersegurança da Ré e induzindo em erro a Autora quanto ao objetivo da mensagem de onde constava a opção Autorizar, referindo que este era o único meio adequado a fazer com que o montante de €9.500 ficasse cativo na conta da Autora.
Assim, não se julga ser imputável a negligência grosseira exigível para responsabilizar a Autora pelas operações efetuadas contra a sua vontade.
Não se pode qualificar a conduta de quem fornece credenciais de segurança, no âmbito de uma prática fraudulenta, como sendo uma conduta gravemente negligente (Neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-01-2019, Processo N.º 5600/11.0TBLRA.C1,Moreira do Carmo, disponível em www.dgsi.pt).
Não se tendo provado que a Autora agiu fraudulentamente, ou que não cumpriu intencionalmente ou com negligência grave a sua obrigação de utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização, recai sobre a Ré a responsabilidade pelas movimentações fraudulentas das suas contas bancárias, através da aplicação móvel, por não estar verificada nenhuma das situações excecionais previstas no n.º 4 do artigo 113.º ou nos n.ºs 3 a 5 do artigo 115.º do Decreto Lei n.º 91/2018.
Assim sendo, termos do n.º 1 do artigo 114.º, do Decreto Lei n.º 91/2018, deve a Ré proceder ao reembolso da quantia indevidamente retirada da conta da Autora no dia 29 de janeiro de 2024, no montante de €9.500,00.”
E é exactamente relativamente a este entendimento que a Ré/Recorrente se insurge, defendendo e pugnando pela negligencia grosseira da Autora, referindo, por um lado, que cumpriu todas as suas obrigações contratuais e que o sistema não revelou qualquer galha técnica, nem foi alvo de qualquer quebra ou violação de segurança e, por outro, que cumpriu todos os deveres de informação e de alerta dos seus clientes para situações de utilização fraudulenta do serviço, dos quais a Autora não poderia ter deixado de tomar conhecimento.
No reverso, entende a Ré que está demonstrado o incumprimento da Autora, incumprimento esse que qualifica de grave e grosseiro, na medida em que facultou a terceiros dados pessoais e intransmissíveis de acesso à sua conta bancária, clicando numa hiperligação recebida por sms, facultando o telefone e o número do contrato de adesão, levando ainda em atenção que a Autora era utilizadora assídua da App.
Não obstante o Réu assentar este seu entendimento no pressuposto da alteração da matéria de facto – em função do âmbito do seu recurso –, o que não veio a suceder, não deixa o mesmo de referir que “(…)ainda que se entendesse que não seria de proceder à alteração da matéria de facto conforme se requereu supra no capítulo da impugnação da matéria de facto, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona, a conclusão jurídica a dar ao presente caso teria, salvo melhor opinião e pelas razões já aduzidas, de ser a de considerar que a Recorrida actuou com negligência grosseira.”
Considerando os vários passos que permitiam tal acesso e operações, entende a recorrente que é manifesto que foi ilidida a presunção de culpa prevista no artigo 799.º do C. Civil e logrou provar que a falta de cumprimento não procedeu de culpa sua, mas antes de culpa do seu cliente, ora A. Recorrida.
Aqui chegados importa apurar se, face aos factos provados, se antevê uma actuação negligentemente grave e grosseira por parte da Autora, pois só esta é susceptível de afastar a responsabilidade do Réu/Apelante, face às considerações jurídicas já supra expostas.
Começar-se-á por dizer que de nada releva a circunstância de existirem terceiros envolvidos em toda o encadeamento de actos que levou a que a Autora ficasse desapossada de € 9500,00, na medida em que o Réu Banco é convocado face à relação contratual que estabeleceu com a Autora.
Como se refere no Ac. da R.L. de 13-07-2023, “Não há dúvidas que os meios designados de Homebanking são frequentemente alvo de ataque, com o objectivo de se apropriarem, de forma ilícita, dos fundos existentes nas contas bancárias, através de diversos esquemas fraudulentos, como, entre outros, os designados “phishing” e o “pharming”.
Ambas as modalidades de fraude informática caracterizam-se pela introdução de uma pessoa não autorizada numa rede informática e consequente movimentação de fundos das contas bancárias dos clientes para contas de terceiros. De todo o modo, enquanto o “phishing” utiliza como “isco” uma mensagem de correio electrónico, no “pharming” (modalidade mais perigosa que a anterior, por surgir de forma quase imperceptível), o utilizador do serviço é enganado sem se aperceber, uma vez que, esta técnica passa pela instalação de um ficheiro oculto que, por sua vez, vai permitir a redirecção do utilizador para uma página forjada, sempre que digite o site do seu banco. (neste sentido Acórdão desta Relação datado de 13/10/2022, proc. nº 344/21.8T8AGH.L1-2, in www.dgsi.pt).
Na verdade, tem sido entendido que age, censuravelmente, demonstrando negligência grave – cometendo erro imperdoável, desatenção inexplicável, incúria indesculpável, vistos em confronto com o comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas que são pouco diligentes – e violação do seu dever de segurança e confidencialidade sobre os seus dispositivos, o utilizador que – embora sendo utilizador frequente do sistema de pagamento “homebanking” - não se limita a inserir as credenciais de segurança que habitualmente lhe são solicitadas pelo seu banco, mas disponibiliza as coordenadas do cartão matriz.
Porém, para aferir de tal culpa (grave e grosseira ) haverá que considerar todas as nuances do caso concreto, pois ao prestador de serviços, para se eximir de responsabilidade, “não basta que (…) prove que o utilizador desse serviço introduziu no instrumento de pagamento os seus dados confidenciais para acesso ao mesmo, para que se conclua pela culpa do utilizador nas subsequentes operações fraudulentas de homebanking efectuadas por terceiro” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2017, Pº 4761/15.4T8VNG-2, in endereço da net aludido).”
No que concerne à caracterização da negligencia grave do utilizador de instrumentos bancários, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a dar alguns contributos.
Assim, Raquel Sofia Ribeiro de Lima (in “A responsabilidade pela utilização abusiva on-line de instrumentos de pagamento electrónico na jurisprudência portuguesa”, in Revista Electrónica de Direito; Outubro 2016, n.º 3, p. 48) dá como exemplo o caso em que “O utilizador é constantemente alertado para os indícios de fraude, de maneira a estar, naturalmente, consciente de que os pedidos feitos nestas páginas falsas não são legítimos. Responder a um pedido incomum na página clonada, por exemplo com a indicação de todas as combinações do cartão matriz, demonstrará um enorme descuido e desatenção do titular do IP [instrumento de pagamento]”.
Na mesma linha, Maria Raquel Guimarães (in “As operações fraudulentas de homebanking na jurisprudência recente: Ac. do STJ de 18.12.2013, Proc. 6479/08”, in Cadernos de Direito Privado, nº 49, pp. 9 – 33, ponto 3) aponta aqueles casos em que “o procedimento que tenha de levar a cabo seja muito distinto do habitual e o seu banco o tenha alertado para este tipo de fraude”, mas que, todavia, “já censurável o seu comportamento se fornece mais informações do que aquelas que habitualmente lhe é pedida – se, nomeadamente, facultar todas as coordenadas do seu cartão matriz, quando o banco enuncia que estas nunca são pedidas para a mesma operação”.
Igualmente neste trilho está o entendimento de Bruno da Silva Palhão (in “Operações não autorizadas e repartição dos prejuízos: O homebanking na jurisprudência do RSP, UCP, 2018, p. 44) quando expõe que “perante fraude informática qualificável como pharming, age de modo censurável, potencialmente com especial descuidado, o utilizador que não se limita a inserir as credenciais de segurança que habitualmente lhe são solicitadas pelo seu Banco mas, antes, divulga a quase totalidade das combinações do cartão matriz ou outras informações que o PSP não tenha por hábito solicitar aquando da confirmação da ordem de pagamento”.
Na jurisprudência, na aferição da negligencia grave do utilizador, tem igualmente sido entendido que a mesma se verifica quando o utilizador transmitir quer o número de contrato, código e a totalidade dos dados do seu cartão matriz ( v. g. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-10-2020, proc. nº 19530/17.9T8LSB.L-8, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2020, Pº 22158/17.0T8PRT.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-06-2020, Pº 51/18.9T8PRG.G1 todos in www.dgsi.pt).
A este propósito releva ainda o Ac. da R.L. de 11-04-2019 (Relator Adeodato Brotas) no qual, com todo o acerto, pertinência e sensatez se refere que “o prestador de serviços é quem está em melhores condições, do que qualquer outro (incluindo o consumidor), para trazer a factualidade demonstrativa do modo como as coisas se passaram. Isto porque o funcionamento do “sistema informático” homebanking pertencente à sua esfera de risco, funcionando como critério suplementar de distribuição do ónus da prova, de acordo com a denominada teoria das esferas de risco.”
Face aos factos provados há que considerar a actuação da Autora, assim como o comportamento do Réu Banco, na medida em que todas as decisões jurisprudências supra referidas – e que aludem à entrega das coordenadas do cartão matriz, como sendo consubstanciadores de negligencia grave do utilizador – não deixam de atender ao comportamento no seu todo, contextualizado no tempo e modo como ocorreram, afirmando que não é pelo simples facto de a utilizadora ter faculdado dados do cartão matriz que, automativamente, origina a tal negligencia grave ou grosseira.
Por um lado resultou demonstrado que a Autora utilizava essencial e maioritariamente a App e não o site do Novo Banco, sendo certo que é neste que surgem os avisos da entidade prestadora do serviço de homebanking.
Depois, não podemos desconsiderar que a mensagem fraudulenta, com a hiperligação, aparecesse associada ao contacto do Réu Novo Banco, no telefone da Autora. O doc. 4 é assustadoramente expressivo dessa mesma situação: no histórico de mensagens do contacto Novo Banco aparece tanto a mensagem fraudulenta, como mensagens enviadas pelo Novo Banco à Autora, quando a mesma se encontrava presencialmente no balcão.
Esta circunstância fez com que a Autora, alarmada pelo teor da mensagem, provinda não de um qualquer número não identificado, mas do próprio contacto associado ao seu banco, confiasse na mesma e carregasse na hiperligação que do SMS constava.
Foi este SMS, remetido alegadamente pelo Réu – com contornos de aparência que não suscitava nenhuma dúvida – que determinou que Autora acedesse à referida hiperligação e acedeu ao site graficamente semelhante ao do Banco Réu e, acreditando na veracidade da mensagem escrita recebida, tenha seguido os passos ali referidos, introduzindo, entre outros, o seu telefone. Nesta concreta afirmação concorrem não apenas o facto 11 dos Factos provados, mas ainda os factos 6. e 7, dos quais resulta que “Desde 2014 até à atualidade, o número identificado como “novobanco” é o contacto utilizado pelos serviços da Ré para comunicar com a Autora, especialmente durante operações que exigiam códigos de validação.(6) e que Entre 2014 e janeiro de 2024, a Autora recebeu várias mensagens do número acima mencionado, inclusive com a indicação de códigos de validação de operações bancárias realizadas pela Autora ao longo deste período temporal, mensagens estas que foram sendo apagadas à medida que deixavam de ter qualquer efeito útil. (7).
É por isso perfeitamente compreensível e aceitável que a Autora não duvidasse da origem daquela mensagem e não questionasse a sua genuinidade.
Mas o todo, a que se terá de atender, não se fica por aqui. Seguem-se os factos 13 a 27:
13. Nesse instante, a Autora, através seu número de telemóvel ...149, contactou a Ré, para o contacto ...021, com o intuito de falar com um operador e confirmar a validade da operação acima mencionada, após ter visto que este contacto era um dos indicados pela Ré para contacto telefónico com os seus clientes.
14. Ao contactar a Ré através do número acima indicado, foi a Autora atendida por um agente automático, que lhe solicitou que adicionasse o seu número de adesão, tendo referido várias opções para direcionar a chamada.
15. Ao aguardar que a sua chamada fosse devidamente direcionada ao departamento em causa, a Autora recebeu, no seu telemóvel com o número ...149, uma chamada do número ...700.
16. A Autora confirmou muito rapidamente que aquele contacto era um número de telefone de acesso nacional, disponibilizado pela Ré na sua página oficial para serviço de atendimento telefónico e só depois de confirmar este dado é que atendeu a referida chamada.
17. Ao atender a chamada do número ...700, encontrava-se do outro lado da linha um terceiro não identificado que se identificou junto da Autora como sendo um colaborador do Departamento de Cibersegurança da Ré, de nome EE.
18. Este terceiro comunicou à Autora que tinha sido identificada uma atividade suspeita na conta à ordem da ...021, existindo um pedido de transferência no valor de € 9.500,00 para a conta de um terceiro na zona da Covilhã, de nome “BB”.
19. De seguida, o terceiro identificado como EE colocou uma série de questões à Autora, incluindo se a Autora tinha estado fora do país, se tinha perdido o seu cartão de multibanco e se o cartão tinha sido roubado, e confirmou, junto da Autora, o seu nome completo, os seus extratos bancários e o seu número de contribuinte.
20. Após, o terceiro que se identificou como EE disse à Autora que iria bloquear o suposto “BB”, e que ao fazê-lo o valor de € 9.500,00 iria ficar cativo, para, assim, a Ré conseguir proceder à anulação da referida transação.
21. Para o efeito, solicitou que a Autora lhe indicasse o código da matriz, o que a mesma fez.
22. Momentos depois, o terceiro que se identificou como EE informou a Autora que iria aparecer uma notificação na aplicação do Novo Banco, no seu telefone.
23. Imediatamente a seguir, a Autora recebeu uma notificação da aplicação da Ré para que fosse autorizada uma transação, notificação esta que a Autora rejeitou, por entender que se deveria tratar de um lapso, uma vez que havia entretanto visto na aplicação que a quantia acima mencionada ainda não estava cativa.
24. Em consequência da recusa, a Autora recebeu novamente a mesma notificação, por via da aplicação do Novo Banco, tendo o terceiro que se identificou como “EE” solicitado que a Autora aceitasse aquela transação, justificando que só assim é que a quantia de €9.500,00 iria ficar cativa no banco e protegida, transação esta que a Autora acabou por aceitar, no seguimento do que lhe foi comunicado.
25. Após a referida autorização, o terceiro que se identificou como “EE” confirmou com a Autora que estaria tudo correto, e que o montante em causa iria ficar disponível no seu saldo contabilístico no prazo máximo de 30 minutos.
26. Na sequência do evento acima mencionado, terceiros não identificados procederam à imediata transferência interna, no dia 29 de janeiro de 2024, pelas 14h08m, da quantia de €9.500,00 da conta da Autora com o n.º ...021 para uma outra conta com o ...723 cujo nome do titular da referida conta é “BB”, sem a autorização daquela.
27. Até ao momento, a quantia de €9.500,00 não voltou a estar disponível na conta da Autora.
A operação fica completa com o fornecimento de código do cartão matriz e confirmação no telemóvel. E esse fornecimento ocorre em circunstância que, mais uma vez, mais uma vez afastam a negligencia grave e grosseira da Autora: ele dá-se num telefonema feito para a Autora a partir de um dos números do Réu, no momento em que a Autora estava a tentar contactá-lo, para outro dos seus números de apoio ao Cliente.
Mais uma vez, a chamada telefónica, assim como o SMS, não provém de um número não identificado ou desconhecido: a chamada telefónica que ficou em espera no telefone da Autora provinha de um dos números da Linha de Apoio do Réu, que a Autora se encontrava naquele mesmo momento a consultar no respectivo site.
Daí que sem qualquer sobressalto ou estranheza tenha atendido o telefonema e fornecido os dados pedidos.
De tudo o exposto, e ficando demonstrado que a actuação da Autora é alheia relativamente a todos os elos do modus operandi que permitiu a retirada de fundos da sua contas bancária, fica necessariamente afastada a sua negligencia grave.
Afastada a negligência grave, resta assim, confirmar a responsabilidade do Réu Novo Banco, na senda da bem fundamentada sentença.
b.2) Quantificação da indemnização por danos morais
Por último, alega a Ré/apelante que:
“Relativamente à condenação do Recorrente na indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 1.250,00,
Sempre se diga que, não existindo qualquer actuação ilícita / incumprimento contratual por parte do Recorrente,
Nunca poderia o pedido de condenação na indemnização por danos não patrimoniais ter sido julgado procedente,
Desde logo, por falta de verificação do primeiro pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos – facto ilícito e voluntário do agente.
O alegado prejuízo / dano sofrido pela Recorrida não decorre de qualquer actuação do Banco Recorrente, mas sim da sua actuação gravemente negligente, pelo que falece igualmente o preenchimento requisito do nexo de causalidade entre facto e dano.”
Como resulta à evidência, esta argumentação do Réu encontrava respaldo no afastamento da sua responsabilidade.
Ora, não tendo este Tribunal afastado a responsabilidade do Réu Novo Banco, decaí o argumento base, estruturante deste entendimento.
Assim, sem necessidade de outros considerandos resta concluir nos termos da sentença recorrida. Pelo que o recurso improcede.
*
Tendo decaído no recurso, é a Ré/Apelante responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
V. Decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida.
Custas pelo Réu/Apelante - art. 527.º do CPC
Notifique e Registe.
*
Lisboa, 05 de Junho de 2025
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Anabela Calafate
Nuno Gonçalves
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1. Alterado no ponto IV.a.1) do presente acórdão.
A redacção inicial era:
“10. Em 29 de janeiro de 2024, pelas 13h49, a Autora recebeu, no seu telemóvel, um “SMS” do número identificado como “novobanco”, com o seguinte conteúdo: “Um novo dispositivo (Xiaomi 13) foi associado a sua adesão pelas 13:48. Se desconhece, siga: https://novobanco- seguranca.com” .
2. Alterado no ponto IV. a.1) do presente acórdão.
A redacção inicial era:
”11. Em virtude de a mensagem provir do mesmo número de contacto utilizado pela Ré em comunicações anteriores, a Autora confiou na legitimidade da mensagem e seguiu a hiperligação constante do SMS acima mencionada, tendo sido direcionada para uma página de Internet contrafeita por terceiros com o intuito de capturar ou comprometer as credenciais de acesso a instrumentos de pagamento do homebanking e que possuía uma aparência idêntica à página oficial de homebanking da Ré, onde lhe foi pedido que colocasse o seu número de utilizador, o seu número de telefone e a palavra passe.”