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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
GRAVAÇÃO DA AUDIÊNCIA
DEFICIENCIA
PENA ÚNICA
TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
Sumário
I - Não havendo disposição própria no processo penal sobre o prazo de junção dos documentos para prova de factos que só possam ter sido alegados depois do julgamento, recorre-se às normas supletivas contidas nos artigos 425º e 651º do CPC. II - As deficiências de gravação das declarações prestadas em julgamento constituem nulidade, nos termos dos artigos 101º e 363º do CPP, cujo regime se encontra definido pelo AUJ 13/2014 (publicado no DR 1ª série, de 23/9/2014), III - Qualquer argumentação aduzida visando contestar o cometimento de um crime, sem reporte para factos concretos contidos no provado é absolutamente inviável para o fim visado. IV - Recorrendo o arguido apenas da pena fixada em cúmulo, as circunstâncias a aferir são, única e exclusivamente, o conjunto dos factos e a personalidade do agente por eles revelada e não os argumentos que são de considerar para a fixação da medida da pena concreta pela prática de cada crime, nos termos do artigo 71º/CP. V - Quando todas as questões colocadas neste recurso são manifestamente improcedentes, não por inabilidade técnica, mas porque são manifestamente falsas, inconcebíveis segundo regras de experiência comum e contrárias às regras processuais aplicáveis, estando o arguido devidamente patrocinado impõe-se a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional, prevista nos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC, e 10.º do RCP, que visa reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o recorrente que intencionalmente o desvirtua.
Texto Integral
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material, nas seguintes penas:
a) de 160 dias de multa à taxa diária de 7,00€, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.º n.º 1 do Código Penal (CP);
b) de 120 dias de multa à taxa diária de 7,00€, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 a 3, do CP;
c) de 80 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º n.º 1 do CP;
d) de 130 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º n.º 1 do CP;
e) Em cúmulo jurídico, na pena única de 430 dias de multa, à taxa diária de 7,00€.
Mais foi condenado a pagar:
- à assistente CC a quantia de 1.000,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde o trânsito em julgado desta sentença até efetivo e integral pagamento;
- ao demandante BB, a quantia de 119,07€ a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento.
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II- Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia ... de ... de 2020, o arguido emprestou um veículo automóvel que lhe pertencia a CC.
2. Após a devolução do referido veículo ao arguido, este veio a ter um acidente rodoviário com o mesmo, alegando, na sequência, que CC havia interferido com os mecanismos de segurança do veículo.
3. No dia ... de ... de 2020, pelas 17 horas e 10 minutos, na ..., junto ao ..., em ..., o arguido dirigiu-se ao veículo automóvel no interior do qual CC se encontrava e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe, com uma das suas mãos fechadas, um murro na face esquerda.
4. Na sequência, CC sofreu dores na zona atingida.
5. Entre os dias ... e ..., a horas não concretamente apuradas, mas inclusive durante a madrugada, o arguido, através do telemóvel ..., efetuou um número não determinado de chamadas e procedeu ao envio de um número não apurado de mensagens para o telemóvel de CC, com o n.º ....
6. O arguido sabia que a conduta descrita no ponto 3 era adequada a molestar o corpo e a saúde de CC.
7. Quis, não obstante, agir da forma descrita, com o propósito, concretizado, de lhe provocar dores na zona atingida.
8. O arguido sabia ainda que, ao efetuar chamadas e ao enviar mensagens escritas a CC, inclusive durante a noite, perturbava a vida privada, a paz e o sossego da mesma.
9. Quis, contudo, atuar da forma descrita.
10. O arguido atuou, em todas as condutas descritas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei penal.
11. O arguido manteve uma relação afetiva com a mãe do companheiro da ofendida.
12. O arguido teve um acidente de viação, em finais de ... de 2020.
13. Depois desse episódio a ofendida e o companheiro cortaram relações com o arguido.
14. No dia ... de ... de 2020 a assistente foi levar a mãe do seu companheiro ao domicílio desta, que era propriedade do arguido, este, sem que nada o fizesse prever, chamou-a de “abutre”, “ladra”, “puta”, “chula”, “fodeste-me o carro”.
15. No dia ... de ... de 2020, o arguido publicou na sua página do Facebook a seguinte publicação: "Atenção pessoal andao pôr aí destruidores de lares familiares vajjao quem mantém em vacas casas, natence na vida dos casais, amiha casa já foi mas mesmo assim continuo a dar problema com a minha ex-companheira".
16. Acresce que o arguido já tinha escrito esta comentário na página do Facebook de CC, companheiro da Assistente e logo abaixo de uma foto em que este dava os parabéns ao filho comum com a assistente: "Tenção pessoal tenhao cuidado de quem matém em vocas casas, andao destruidores de lares familiares matém-se na vida dos caseis, amiha casa já foi destruída e continua a dar problema com a minha ex- "
17. No dia ... de ... de 2021 a ofendida foi alertada por amigos que na página do arguido este havia publicado na sua página de Facebook, uma foto com peças de vestuário e com a pergunta "quem pagou?”.
18. O arguido também publicou um talão com movimentos de conta efetuados pela assistente, com o comentário: "Enquanto a sogra teve hospitalizada, tive um acidente, sua nora pelo código multibanco e dei-lhe conta".
19. Querendo afirmar que a assistente havia retirado aqueles valores sem a autorização da mãe do companheiro.
20. No entanto a assistente confirmou junto desta senhora que esta havia dito ao companheiro que durante os meses de internamento a assistente ficara na posse do seu cartão, dos seus pertences.
21. Também o informou que a assistente movimentou a sua conta bancária devidamente autorizada e que o foi a própria dar-lhe o código de acesso.
22. No dia ... de ... de 2021, a assistente recebeu uma mensagem com o seguinte conteúdo "puta de merda encanto não foderem o guito todo a Sogra não descansas já fizeste a vida toda".
23. Nesse mesmo dia, pelas 22:02 recebeu outra mensagem: “andas a meter os cornos ao teu marido, és uma grande vaca o teu marido grande cantão”.
24. Vindo-se a apurar que este número de telemóvel pertencia ao arguido.
25. O arguido sabia que, ao afirmar que a assistente se apropriou de valores conta da mãe do seu companheiro, imputava dolosamente à assistente factos que a serem provados, consubstanciam a prática de crime.
26. Ao afirmar que esta cometia adultério sabia que atentava contra o seu nome e afetava a sua relação.
27. O arguido previu e conformou-se com o resultado da sua conduta.
28. Com efeito, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
29. Tinha conhecimento que os comportamentos e os atos que imputava à assistente podiam causar danos à sua reputação e ao seu bom nome.
30. Que estes factos eram aptos a colocar em perigo a sua relação com o companheiro, mas não se absteve desse comportamento, pelo que agiu com dolo direto.
31. O arguido visou atingir a assistente na sua honra, bom nome e consideração social.
32. A assistente não praticou qualquer dos atos que lhe foram imputados pelo arguido.
33. O arguido sabia que a assistente movimentou essa conta bancária com a devida autorização da titular e que não praticou qualquer ato que possa atentar contra a propriedade da mãe do seu companheiro.
34. Sabia que o seu comportamento para com a assistente era censurável e punido por lei e não se absteve dessa conduta.
35. Em consequência da atuação do arguido a demandante, que era operadora caixa de uma grande superfície, passou a temer que o arguido se deslocasse ao seu local de trabalho para a injuriar ou difamar.
36. Viu-se obrigada a alertar a sua chefia e os seus colegas de trabalho, para esse risco, expondo a sua vida privada, para proteger a imagem da empresa.
37. Sentiu temor de ser insultada na presença dos ou das clientes ou na via pública.
38. Em consequência de todo o supra referido, a demandante sentiu-se triste, traída, revoltada, envergonhada e impotente.
39. Para além de temor psicológico de se ver confrontada com a pessoa que a agredira em ....
40. O filho da assistente que assistira a essa agressão e tomou conhecimento das mensagens publicadas pelo arguido nas redes socias tornou-se ansioso após, pelo que a demandante viu-se obrigada a recorrer a um psicólogo para o assistir.
41. Em consequência do suprarreferido, a demandante, passou a dormir poucas horas por noite, estava constantemente irritada, ansiosa, com pouca paciência pelo que o convício com o seu agregado familiar (composto, nessa data, pela própria, seu companheiro, seu filho, a mãe e a irmã deste) ficou alterado.
42. Na sequência das lesões sofridas pela ofendida, o demandante DD prestou-lhe assistência hospitalar.
43. O custo da referida assistência é de 119,07€.
44. O arguido é … e aufere 1.300,00€ por mês.
45. Vive em casa arrendada, pela qual paga 130,00€ a título de renda mensal.
46. Despende com o seguro do carro 120,00€ de três em três meses.
47. Viaja muito a trabalho, despendendo cerca de 60,00€/mês.
48. Não tem filhos.
49. Tem o 6.º ano de escolaridade.
50. O arguido já foi julgado e condenado:
- no âmbito do processo n.º 86/17.9S9LSB, por sentença transitada em julgado em 02-06-2017, pela prática, em ...-...-2017, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348º, nº 1, al. do c. penal, por referência ao artigo 152.º, n.º 1, al.a), e n.º 3 do c. da estrada, na pena principal de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00€, perfazendo o total de 500,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses;
- no âmbito do processo n.º 1135/19.1PLLSB, por sentença transitada em julgado em 04-062021, pela prática, em ...-...-2019, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, previsto e punido pelo art. 187.º do c. penal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de 5,00€, perfazendo o total de 700,00€;
- no âmbito do processo n.º 357/20.7POLSB, por sentença transitada em julgado em 04-012023, pela prática, em ...-...-2020, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.º n.º 1 do c. penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 7,00€, perfazendo o total de 840,00€.
*** Factos não provados:
Não se provou que:
A. No dia e hora dos factos, a assistente ia levar a companheira do arguido a casa, encontrando-se o arguido à porta do prédio à espera da mesma.
B. Quando a assistente viu o arguido começou logo a falar.
C. O arguido para a fazer calar pediu à filha mais nova da companheira, que dissesse ali à frente de todos o que se tinha passado com o carro em ….
D. A jovem olha para a assistente e esta fixa-a com um ar muito zangado, fazendo com que aquela comece a chorar.
E. Vendo que a jovem estava com medo e não iria falar, a assistente começa a gritar com o arguido e este apenas lhe dizia para se calar. Porém,
F. A assistente continuava a gritar e a chamar nomes ao arguido, sendo que este em momento algum lhe chamou qualquer nome menos próprio, pelo que é falso o alegado em 7 da acusação particular.
G. Muito exaltada e fora de si, a assistente vira as costas ao arguido e vai para o seu carro.
H. O arguido vai atrás de si para que lhe explique a razão de o estar a injuriar na rua à frente dos vizinhos, ao que a assistente lhe respondeu que “não estava para o aturar!”
I. O arguido diz-lhe não te vais embora, vais ter que te explicar, uma vez que não te fiz mal e está a tratar-me mal e tenta tirar-lhe a chave do carro. Porém,
J. Em momento algum agrediu fisicamente a assistente.
K. O arguido não fez as publicações, a que se faz referência nos autos, no facebook.
L. Na verdade, tanto a companheira do arguido, como a filha mais nova do mesmo e consequentemente a assistente tinham acesso ao facebook do arguido.
M. A assistente tinha perfeito conhecimento que o arguido é uma pessoa de bem e que jamais faria tais publicações e que ficaria muito magoado e sentido quando visse as mesmas, não percebendo de onde teriam vindo.
N. O arguido não enviou mensagens, nem fez os telefonemas referidos nos autos.
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III- Fundamentação da aquisição probatória: O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
« No caso em apreço, a convicção do tribunal assentou na análise crítica das declarações da assistente em audiência de julgamento, bem como do depoimento das testemunhas e de toda a prova documental junta aos autos, tendo ainda relevado as declarações do arguido prestadas a final.
De facto, foi ouvida a assistente, que relatou que no dia ... o arguido e a sua então companheira, a mãe do companheiro da assistente, tiveram um acidente de viação e a sogra ficou internada, tendo tido alta a ....
Explico que durante o tempo em que esta esteve internada, ficou com os pertences da sogra.
Referiu que no dia ... tiveram um almoço em sua casa com a sogra e a filha desta (mas não com o arguido) e que no final as foi deixar a casa, sendo que o arguido nessa altura a chamou de “abutre”, “chula”, “puta”.
Explicou que quando isto se passou o seu filho de 11 anos estava dentro do carro a assistir a tudo, pelo que procurou ir-se embora.
Contudo, e segundo explicou, quando já estava no banco do condutor, o arguido tentou mexer-lhe na chave que estava na ignição, não conseguiu e deu-lhe um soco na face esquerda. Sentiu dores e depois deslocou-se ao hospital para ser observada.
Referiu que alguém entretanto chamou a polícia e que quando esta chegou o levaram para cima, mas foi à janela e chamou-lhe novamente de “puta”.
Mais referiu que em meados de ... o arguido comentava tudo o que a assistente publicava nas redes sociais.
Assim, explicou que tinha comprado umas coisas online, tendo a vendedora pedido para publicitar e mencionar, o que fez – perante isto, o arguido republicou na sua página de Facebook e comentou “quem pagou?”.
E também, sob a fotografia do filho publicada no Facebook nos anos dele publicou o comentário que consta a fls. 231 dos autos.
Disse reconhecer a forma de escrever do arguido.
Também, segundo disse a assistente, publicou nos stories um extrato de conta da sogra a dizer que quando esta esteve no hospital lhe pegou no cartão e limpou-lhe a conta (esclareceu que isto foi detetado por terceiros, pois já estava bloqueada) – porém, esclarece, movimentou a conta porque a sogra pediu.
Mais explicou a assistente que recebeu também uma mensagem de um telemóvel desconhecido a dizer “és uma puta de merda, sempre fodeste o guito à tua sogra” e “andas a meter os cornos ao teu marido”. Ligando para tal número, a chamada era reencaminhada para o número da assistente, e disse que recebia chamadas, maioritariamente durante a noite (tanto que tinha de pôr o telefone no silêncio), de pessoas a dizer que ela lhe tinha ligado desse número.
Porém, referiu que recebeu uma chamada para esse tal número (que foi para si reencaminhada) por parte da ..., a pedir para falar com o arguido, EE.
Explicou que o arguido também se dirigiu à sua avó, e ficou com receio que se dirigisse também ao seu local de trabalho para a agredir e falar mal de si, pelo que teve de falar no trabalho (trabalhava no ...) para estarem alerta.
Mais explicou que esta situação teve consequência na sua relação, até porque a mãe do companheiro após o episódio de ... passou a viver com eles e havia discussões, porque estava revoltada por ter de passar por isto.
Ficou com medo, sentia-se exausta e não dormia, até por ver o sofrimento do filho, que assistira à agressão e ficara assustado, o que também lhe provocou sofrimento psicológico.
Segundo relatou, ainda nesta altura se sente mal, tendo ficado a tremer quando viu o arguido e pediu para o arguido não estar presente enquanto se identificava para não saber onde trabalha atualmente).
Foi ouvida a testemunha FF, mãe do companheiro da assistente e ex-companheira do arguido, que corroborou, no essencial, as declarações da assistente.
Assim, confirmou o acidente e o internamento, os acontecimentos do dia ... e as publicações do Facebook, que viu, bem como as chamadas recebidas, a que assistiu.
Desta forma, corroborou que no dia ... tinha ido almoçar com a nora e o filho e que a assistente depois do almoço a foi levar a casa, tendo passado antes pela escola do filho para o apanhar.
Disse que nessa ocasião, o arguido chamou a assistente de chula, puta, vaca, que o filho era um cabrão, que a assistente tinha aproveitado o tempo do internamento para roubar a sogra (na verdade, conforme explicou, a testemunha deu o seu cartão e código à assistente).
Disse que até aconselhou a assistente a ir-se embora para ver se as coisas acalmavam, mas quando esta entrou no carro, o arguido tentou tirar-lhe a chave da ignição, a assistente não deixa e o arguido dá-lhe um soco – apesar de a dada altura, após várias perguntas nesse sentido, mencionar que o soco foi na tentativa de tirar as chaves, a verdade é que foi também perentória ao afirmar que o soco foi intencional.
Esclareceu que durante esta situação estava a testemunha fora do carro, do lado do condutor.
Mais afirmou que o arguido esteve um tempo mais calmo, mas em ... recomeçaram as ofensas em publicações do Facebook.
Disse que chamou a assistente de puta, vaca, chula, a acusou de andar a roubar e publicou o extrato da sua conta (da testemunha) nesse contexto. Também publicou comentários alertando “atenção quem metem dentro das vossas casas, andam aí destruidoras de lares familiares” – tudo para atingir a assistente.
Esclareceu que o arguido não sabe escrever e que reconheceu o seu estilo, sendo que se tratava do perfil do Facebook do arguido e nego ter acesso à password dele.
Mais referiu que estava presente (aliás, tanto a testemunha como a sua filha GG passaram a residir com a assistente e companheiro após os acontecimentos de ..., segundo esclareceu) quando a assistente recebeu a chamada da ... a pedir para falar com o arguido – esta chamada não foi para o número da assistente, mas para um número cujas chamadas eram reencaminhadas para a assistente, sendo que esta recebia, por esta via, muitas chamadas a referir que lhes tinham ligado do mesmo (ao que a testemunha assistiu).
Explicou ainda que a assistente ficou muito perturbada, até pelas consequências para o neto, e teve uma fase difícil com o filho (companheiro da assistente), porque era muita coisa, havia muitas discussões, muito mal-estar. Corroborou que após o arguido se ter dirigido à avó da assistente, esta ficou com receio que fosse também ao seu local de trabalho, pelo que teve de expor a sua vida lá.
Ouvida a testemunha HH, a mesma nada revelou sobre os factos em apreço, a nada tendo assistido, segundo afirmou e apesar de ser vizinho do arguido. Porém, confirmou que por vezes carregava o telemóvel do arguido a seu pedido, a partir da sua conta no banco ..., confirmando que o 2.º número de fls. 159 (...) era do arguido, não recordado se carregou qualquer outro número do arguido.
Por sua vez, a testemunha CC, companheiro da assistente, referiu que no dia ... foi ter com a companheira e com a mãe á rua do arguido, mas quando chegou a polícia já lá se encontrava. Porém, confirmou que os insultos continuaram até se irem embora (recorda ter ouvido “puta”, “vaca”, “abutres”, “interesseiros”) e que a assistente tinha uma marca na cara.
Mais confirmou os telefonemas e publicações posteriores no facebook, tendo visto estes últimos – também esta testemunha refere que a forma de escrever do arguido é semelhante à das publicações/comentários.
Disse que a assistente, perante estes acontecimentos, sentiu raiva, injustiça, tinha medo de ir trabalhar e que o arguido lá aparecesse, sendo que o filho também tinha medo e sabia o que se passava. Explicou que no próprio dia do julgamento assistente começou a tremer e a chorar quando viu o arguido.
Foi ouvida a testemunha II, agente da PSP que se deslocou ao local no dia ..., sendo que não assistiu à agressão, que, segundo lhe fi relatado, já teria ocorrido, encontrando-se o arguido visivelmente alterado, aparentemente com álcool.
Explicou que, quando chegou o arguido não foi mal educado; porém tendo esta testemunha acompanhado a testemunha FF à casa do arguido para recolher os seus pertences, quando já tinham saído do prédio, o arguido, desde a varanda, chamou a assistente de “puta” e disse “fodeste-me o carro” (referiu que estava o arguido a olhar pra a assistente nesse momento).
Essas foram as palavras que recordou no momento, porém, confrontado com o teor do auto de notícia, confirmou que o elaborou e o respetivo teor, dizendo eu se escreveu, foi o que ouviu, verificando que escreveu que ouviu “fodeste-me o carro, sua vaca”.
A testemunha JJ, amigo do arguido, disse recordar o arguido ter-lhe pedido uma vez, há 4/5 anos, para fazer o carregamento do telemóvel, indicando que o número do arguido que tem gravado é o ....
Quanto aos factos, nada referiu.
A testemunha KK é vizinho de cima do arguido e relatou uma altercação em ...1.../2020 na altura do verão, quando estava bom tempo, em que quando se dirigia para casa viu a companheira da altura do arguido e duas senhoras loiras (que identificou como filha e nora da companheira do arguido, que nunca antes tinha visto no bairro) aos gritos com o arguido (diz que falaram num acidente qualquer, não sabe de que se trata), tendo-lhe chamado de ladrão e tentando dar-lhe pontapés, sendo que a testemunha se meteu no meio para os tentar separar. Disse que havia uma criança no carro, por isso interveio, e disse-lhes para se irem embora, sendo que entretanto o arguido subiu para a varanda.
Disse que a polícia foi chamada e que quando os agentes chegaram, foi identificado e foi-se embora.
Esclareceu que este episódio se passou de manhã, quando voltava do café cerca da hora de almoço, entre as 11h00 e as 14h00 (mas acha que não era próximo deste último limite temporal).
A testemunha LL também mora por cima do arguido e relatou igualmente um episódio em que, quando estava em casa ouve gritos, mais de senhora, tendo-se deslocado ao exterior e visto o KK (a anterior testemunha) a puxar o arguido para ele ir embora. Mais declarou te visto três senhoras, acha que uma delas era a nora, e acha que aconteceu de noite (acha que estava um bocadinho escuro), mas sem certeza.
De resto, afirma não ter visto a testemunha FF, não ter ouvido o que foi dito/gritado em concreto e que após ter saído e visto o KK a puxar o arguido, meteu-se dentro de casa e não viu mais nada.
Após ser ouvida esta última testemunha, o arguido prestou declarações, tendo afirmado que no dia do almoço, estava com um amigo e a companheira lhe ligou porque estava à porta e sem chave.
Assim, explicou que como quando chegou à porta do apartamento não vu ninguém, volta para baixo, onde está a sua vizinha LL à espera do padeiro e ficaram à conversa.
Foi nessa altura, segundou explicou, que apareceu a assistente com o carro e parou à sua frente, saindo do carro a GG, a assistente e a outra nora, a MM, que ia para lhe bater. Disse que a defender-se, mas o KK meteu-se no meio. Disse que ambas as noras ligaram para os respetivos companheiros e o arguido pediu ao KK para ligar para a polícia, tendo nesse momento ido ara casa e ficado à varanda.
Explicou que isto se passou de noite, que o padeiro vai entre as 19h e as 20h.
Quanto às publicações, referiu que era a testemunha FF que tinha a password e fazia publicações no seu perfil.
Disse que o seu número de telefone é o ..., que o tem desde ... e que tem vários telemóveis partidos em casa.
Ora, desde logo, verifica-se que a assistente prestou declarações de forma muito coerente, clara, circunstanciada e genuína, sendo, de restou, as suas declarações corroboradas pelas demais testemunhas da acusação e, em particular, pela testemunha FF, que também se revelou clara e genuína – atribuiu-lhes pois, o tribunal credibilidade, até porque os seus depoimentos encontram respaldo na prova documental junta aos autos e na declarações da testemunha agente da PSP, que prestou declarações de forma isenta, apenas quanto àquilo que presenciou, tendo sido considerado credível pelo tribunal.
Também a testemunha CC se afigurou credível, porque sincero e genuíno, também apenas tendo esclarecido quanto aos factos que presenciou.
Já as testemunhas KK e LL, não se revelaram credíveis. De facto, se por um lado, atendendo ao relatado pela testemunha KK e à sua veemência ao situar os factos que relatou no verão e no período da hora de almoço, estes factos parecem apontar para um episódio completamente alheio àquele que se discute nos autos (até, porque, note-se, esta testemunha não foi identificada pelo agente que elaborou o auto de notícia, e quanto ao episódio que relatou, afirmou a testemunha ter sido identificada pelos agentes que apareceram no local), por outro lado a verdade é que tanto a testemunha LL como o próprio arguido, que pareceram referir-se à mesma situação, também não a corroboraram totalmente.
Na verdade, a testemunha LL afirmou, embora sem certezas, mas relatando que estava um pouco escuro, que era de noite, e que pouco presenciou, sendo certo que, segundo afirmou, não interagiu com ninguém.
O arguido, por sua vez, relatou que era de facto de noite e que falou com a testemunha LL, que estava à entrada quando a assistente chegou.
Ou seja, estas três testemunhas divergem em vários pontos, de tal maneira, e recordando que o auto de notícia indica as 17h20 como hora da ocorrência, que não lhes atribui o tribunal qualquer credibilidade, sendo que, a ter ocorrido algum episódio com intervenção da testemunha KK, o mesmo não coincide com aquele descrito na acusação.
Por outro lado, e quanto às publicações com a conta do arguido, desde logo se refira que a prova documental junta aos autos confirma o seu teor e que foram de facto publicadas a partir do perfil do arguido. Conforme se referiu, as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas FF e CC revelaram-se credíveis, e a testemunha FF afirmou não ter a password da conta do arguido.
Acresce que tal testemunha, após o episódio de ..., foi viver com o filho e com a assistente, tendo tais publicações gerado desconforto no seu lar – não se afigura plausível que tais publicações fossem feitas pela testemunha FF nessas circunstâncias, até porque não se vislumbra qualquer benefício para a mesma.
No mesmo sentido, não se afigura minimamente plausível que fosse a testemunha FF a fazer as chamadas para a assistente. Aliás, conforme decorre de fls. 158 a 159, o telemóvel que enviou a mensagem a dizer "puta de merda encanto não foderem o guito todo a Sogra não descansas já fizeste a vida toda" pertencia ao arguido, pois constata-se que está associado, nessa mesma data, ao IMEI pertencente ao telemóvel do arguido (pois nele foi usado, por volta da mesma data, o número ..., que lhe pertence conforme corroborou a testemunha HH e o próprio arguido) o que, aliás, corrobora as declarações da assistente quanto à chamada que recebeu da ..., mais reforçando a sua credibilidade e, pelo contrário, não atribuindo qualquer credibilidade às declarações do arguido.
Desta forma, deu o tribunal como provado que o arguido praticou os factos constantes das acusações, e, bem assim, deu como provados os factos vertidos nos pedidos de indemnização civil, dando-se como não provados os factos constantes da contestação, porque em contradição com os factos provados.
Quanto às condições pessoais e socioeconómicas do arguido, o tribunal teve em atenção as declarações do mesmo, que neste aspeto se revelaram credíveis.
Quanto aos antecedentes criminais, resultam demonstrados do certificado de registo criminal junto aos autos. »
***
IV- Recurso:
O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
« 1ª O Arguido requereu ao Tribunal “a quo” que lhe disponibilizasse no citius o áudio das seções de audiência e julgamento por forma a poder recorrer da matéria de facto dada como provada na Sentença.
2ª Até hoje apenas foram disponibilizados cerca de 2 minutos dessa gravação, pelo que, se presume que as sessões de julgamento não foram gravadas e como tal ao Arguido está vedado o acesso ao recurso de tal matéria, o que o penaliza. Assim,
3ª A falta de gravação da audiência determina a nulidade da mesma, e põe em causa a defesa do arguido previsto na CRP e no CPP, pelo que, deve ordenar-se a repetição do julgamento. Porém, e se assim se não entender,
4ª O Direito Processual Penal concede todas as garantias de defesa ao Arguido (cfr. Art. 32.º, n.º 1 da CRP), uma vez que é o único sujeito processual vulnerável no Processo e como tal não pode ver o efetivo exercício dos seus direitos de defesa coartados, por mera inércia do Tribunal, o qual está vinculado ao estrito cumprimento da lei. Assim,
5ª Não podendo o Arguido recorrer da matéria de facto, o que o prejudica nos seus direitos fundamentais previstos na Constituição e por entender também que a medida da pena que lhe foi aplicada é elevadíssima, vai da mesma ora recorrer.
6ª O Arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, de um crime de perturbação da vida privada, de um crime de injúria e de um crime de difamação, na pena única, em cúmulo jurídico, de 430 dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), perfazendo o montante global de 3.010,00€ (três mil e dez euros). Para além disso,
7ª Foi ainda condenado ao pagamento de 1.000,00€ (mil euros) à Assistente, julgando o Tribunal o pedido de indemnização civil parcialmente procedente; e, ao pagamento de 119,07€ (cento e dezanove euros e sete cêntimos) ao DD
8ª Entende o arguido, com o devido respeito, que a pena que lhe foi aplicada é elevadíssima e desproporcional à sua culpa, razão pela qual, não concorda com a mesma.
9ª Diz-nos o artigo 71º nº 1 do CP que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
10ª O nº 2 desse mesmo artigo diz-nos também que, “na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
11ª Tendo em conta os factos dados como provados, dos quais não se pode recorrer por não ter acesso aos áudios do julgamento, bem andou o Tribunal “a quo” ao aplicar ao arguido uma pena de multa. No entanto,
12ª Ao aplicar ao arguido, em cúmulo, 430 dias de multa à taxa diária de 7,00€, o que perfaz 3.010,00€, o Tribunal “ a quo” não teve em conta todos os fatores atenuantes que deve de ter na determinação da medida concreta da pena. Pois,
13ª O Arguido encontra-se familiar, profissional e socialmente inserido, auferindo de salário mensal, como motorista de pesados 1.300,00€.
14ª Tem a sua casa morada de família e paga sozinho todas as despesas inerentes à mesma, bem como suporta todas as suas despesas de higiene e alimentação, nunca gastando menos de 1.000,00€ por mês com as mesmas. Para além disso,
15ª Tem uma viatura e suporta todos os encargos com a mesma.
Assim,
16ª O que aufere mal chega para as suas despesas.
17ª O Tribunal “a quo” andou mal na determinação da medida da pena, ao desconsiderar por completo as despesas mensais do arguido, pondo em causa o Principio da Dignidade Humana. Pois,
18ª Esta desconsideração é ainda mais manifesta, na medida em que, o Tribunal não questionou, o arguido sobre a sua situação socioeconómica.
19ª Resulta do art. 370.º nº 1 do CPP, se não existir um relatório social sobre essa situação, o Tribunal pode, em qualquer altura do julgamento, interrogar o arguido sobre as mesmas.
20ª A verdade é que não estamos perante uma mera possibilidade, estamos perante um verdadeiro dever do Tribunal, uma vez que, nos termos do art. 71.º nº 2, al. d) do CP, “na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra ele, considerando, nomeadamente: d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica”.
21ª Refere o Ac. do STJ de 02/10/1997, CJ/ASTJ, Tomo III, pág. 187, que” o montante diário da multa deve de ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar”.
22ª Ora, uma pena fixada, nos termos em que foi, para além de representar um sacrifício excessivo para o arguido, face à sua situação financeira, representa uma verdadeira violação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Assim sendo,
23ª Considera-se justo, adequado e proporcional fixar o quantitativo diário da multa junto do limite legal de 5,00€. Por outro lado,
24ª Não se pode dizer que o Arguido agiu com dolo direto e que tenha representado os factos que preenchem os tipos de crime em causa, tendo agido com intenção de os realizar.
25ª Apesar de o Arguido ter antecedentes criminais, os eventuais factos remontam todos a um período entre ... e ... e volvidos que são 4 anos, o Arguido não se revê de todo nos mesmos.
26ª O Arguido é um cidadão cumpridor e está inserido socio profissionalmente, mas tal como qualquer outro cidadão português para sobreviver precisa de trabalhar.
27ª Tendo em conta que a moldura penal abstrata do concurso, no caso concreto, tem um limite máximo de 490 dias e um limite mínimo de 160 dias de multa, considera-se que a pena única de 430 dias de multa fixada pelo Tribunal “a quo” se revela excessiva por se encontrar perto do limite máximo.
28ª Com o devido respeito pela opinião em contrário e não tendo como recorrer da matéria de facto, considera-se que seria mais adequado, se não se revogar a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” absolvendo-se o arguido, tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial, aplicar-se-lhe uma pena mediana, naquilo que é a moldura penal no caso, ou seja entre os 245 e os 260 dias de multa. Porém,
Não concedendo,
29ª Sempre se dirá que o Arguido deveria ter sido absolvido da prática dos crimes de que era acusado.
30ª Quanto ao crime de ofensa à integridade física, o Tribunal “a quo” deu como provado em 3 dos factos provados da Sentença: “No dia ... de ... de 2020, pelas 17H10M, na ..., junto ao nº 3, em Lisboa, o arguido dirigiu-se ao veículo automóvel, no interior do qual CC se encontrava e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe, com uma das mãos fechadas, um murro na face esquerda”.
31ª Na motivação da matéria de facto, 2º paragrafo, fls. 10 da Sentença, o Tribunal “a quo” entra em contradição com a matéria que deu como provada e supra referida, dizendo que “e segundo explicou (a assistente), quando já estava no banco do condutor, o arguido tentou mexer-lhe na chave que estava na ignição, não conseguiu e deu-lhe um soco na face esquerda”.
32ª Não é feita qualquer referência ou prova a como aconteceu tal facto, a existir, nem ficou esclarecido se a porta da viatura estava aberta, qual das portas, se o Arguido acedeu ao interior da viatura através do vidro que estava em baixo e se o ato foi intencional ou não.
33ª Não tendo sido feita tal prova, nem se verificado se se tratou de um acto intencional, não poderia o Arguido ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física.
34ª No que diz respeito ao Crime de Perturbação da Vida Privada, com o devido respeito pela opinião em contrário, não podia o Arguido ser condenado pela prática do mesmo. Porquanto,
35ª Qualquer pessoa podia ter adquirido um cartão para telemóvel em nome do Arguido e utilizá-lo, fazendo-se passar pelo mesmo.
36ª Nem MP, nem a Assistente conseguiram provar ter sido o Arguido a efetuar as chamadas à Assistente.
37ª Com o devido respeito pela opinião em contrário, para se dar como provado este facto não basta a convicção do Tribunal, tem que haver factos concretos que o consubstanciem.
38ª Os telemóveis podem ser desligados ou colocados no silêncio durante a noite e podem bloquear-se números que não conheçamos ou não queiramos atender.
39ª A Assistente não conhecendo o número que lhe ligava, só tinha que bloquear o mesmo, ou colocar o telefone no silêncio para não ser incomodada, se sentia que o estava a ser.
40ª O certo é que nunca falou com o Arguido nessas chamadas que alega ter recebido durante as suas horas de descanso e que diz terem perturbado a sua vida privada.
41ª Se tal aconteceu, foi somente porque quis ou teve a intenção já premeditada de acusar o Arguido.
42ª Na verdade não se fez qualquer prova de ter sido o Arguido a fazer tais chamadas para a Assistente.
43ª No que diz respeito ao crime de injúrias, para o mesmo se verificar temos que ter em conta a forma como o Arguido e a Assistente se tratavam antes dos factos.
44ª Do que se verificou é que antes dos factos é que havia uma relação de grande proximidade, com bastante confiança, o que, pode levar a abusos de linguagem que, de modo algum, consubstanciam ofensa à honra da pessoa.
45ª A honra é um bem jurídico extremamente relativo e a sua ofensa tem que ser devidamente enquadrada, tendo em conta as condições fáticas em causa.
46ª O que para uns é uma verdadeira ofensa à sua honra, para outros o uso de vernáculo é normal e habitual.
47ª Em sede de audiência de discussão e julgamento não ficou provada a relação anterior existente entre o Arguido e a Assistente e verificar-se se de facto houve uma ofensa à honra da Assistente.
48ª Assim sendo, não se pode afirmar perentoriamente que o Arguido agiu dolosamente com o intuito de ofender a Assistente, pelo que, prevalecendo em Processo Penal o Princípio do in dúbio pro reo, aquele deveria ter sido absolvido da prática de tal crime.
49ª Quanto ao crime de difamação, sempre se dirá que não é o facto de ser uma conta associada ao Arguido que indica de forma inequívoca que foi o mesmo quem fez as publicações.
50ª Muitas vezes não é necessário ter conhecimento acerca da password para conseguir aceder a contas em redes sociais, bastando, apenas saber o e mail da pessoa e depois pedir a recuperação da password, que a mais das vezes, não exige uma confirmação da password anterior, definir uma nova palavra passe e assim aceder à conta da pessoa em questão.
51ª A forma de escrever não pode ser fundamento para condenar o arguido por tais publicações, sobretudo quando falamos de um universo online em que o verdadeiro agente do crime se encontra mascarada por um computador.
52ª Sem uma prova inequívoca e clara, a qual não ocorreu, com o devido respeito, nos presentes autos, se pode imputar um crime desta natureza ao arguido e consequentemente condená-lo pela prática do mesmo. Assim,
53ª Tendo em conta tudo o supra alegado, deve revogar-se a Sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” e substituir-se a mesma por outra que absolva o arguido da prática de todos os crimes de que foi acusado. Porém,
54ª Se assim se não entender, deve alterar-se a pena de multa que em cúmulo foi aplicada ao Arguido para 245 dias de multa à taxa diária de 5,00€.
55ª O Tribunal “a quo” fixou o pagamento à Assistente de uma indemnização no valor de 1.000,00€ por danos não patrimoniais, a qual se entende, com o devido respeito, não ter sido dado como provado qualquer dano moral.
56ª Deu como fundamento para fixar essa indemnização que “ a assistente passou a ter medo de voltar a ser injuriada e difamada, nomeadamente no seu local de trabalho, onde por esse facto teve de expor a sua situação” e que “ o filho da arguida viu a agressão e soube dos demais factos, tendo tido necessidade de ter ajuda psicológica, e na decorrência disto tudo a assistente sentiu-se triste, traída, revoltada, envergonhada e impotente, passou a dormir poucas horas por noite, estava constantemente irritada, ansiosa, com pouca paciência, o que alterou inclusivamente o que o convívio com o seu agregado familiar”.
57ª Com o devido respeito pela opinião em contrário não foi feita qualquer prova que o Arguido conhecesse o local de trabalho da Assistente, nem que a tivesse ameaçado que iria ao seu local de trabalho. Por isso,
58ª Muito se estranha que se tenha dado tal facto como provado para fundamentar o arbitramento da indemnização. Pois,
59ª Se a Assistente expôs o que quer que fosse no seu local de trabalho, fê-lo porque quis e não por qualquer acto do Arguido.
60ª Se expôs a situação deveria ter arrolado como testemunhas as pessoas a quem a expôs e não tão só o seu companheiro e a mãe deste que estão de relações cortadas com o Arguido.
61ª Quanto à ajuda psicológica ao filho, também não foi junto qualquer documento que a comprovasse, pelo que, só pelo depoimento da Assistente e dos seus familiares, tal facto não poderia ter sido dado como provado, uma vez que se trata de facto a provar documentalmente.
62ª Quanto aos eventuais danos morais da Assistente, os mesmos não resultam de qualquer acto doloso do arguido em virtude de o mesmo não ter praticado qualquer crime contra a Assistente.
63ª Os danos morais que a Assistente diz ter sofrido, os quais só por mera hipótese se admitem, podiam facilmente sido comprovados por relatório de psicólogo ou psiquiatra.
64ª A Assistente não juntou qualquer relatório médico aos autos, pelo que deveria ter improcedido o seu pedido de indemnização civil. Assim,
65ª Deve revogar-se a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e substituir-se a mesma por outra que absolva o Arguido da prática de todos os crimes por que é acusado nos autos e consequentemente do Pedido de Indemnização Civil. Porém,
66ª Se assim se não entender, deve revogar-se a douta sentença e substituir-se a mesma por outra que condene em cúmulo o arguido em multa de 245 dias à taxa diária de 5,00€, absolvendo-se o mesmo do PIC. ».
*** Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
« 1. O arguido foi condenado (…).
2. Nesta sequência, o arguido interpôs recurso da sentença condenatória, alegando a nulidade por falta de gravação da audiência de julgamento; violação do princípio “in dubio pro reu” e a desproporcionalidade da medida concreta da pena de multa.
3. Invoca o recorrente que apesar de ter requerido ao Tribunal a quo que lhe disponibilizasse no Citius o áudio das seções de audiência e julgamento, tal gravação não lhe foi disponibilizada. Em consequência, invoca o recorrente que a falta de gravação da audiência determina a nulidade da mesma.
4. Consultado o sistema Citius verifica-se que aí se encontram guardados e disponíveis os ficheiros de áudio contendo os registos de gravação integral das sessões da audiência de julgamento realizadas nos dias de ... e de ... de ... de 2024.
5. Desconhecemos qual o motivo que impediu o recorrente de aceder aos registos de gravação das referidas sessões da audiência de julgamento, considerando que tais registos de áudio se encontram disponíveis na plataforma Citius. Pelo que não se verifica a apontada nulidade, uma vez que não existe qualquer deficiência ou falta de gravação da audiência de julgamento.
6. De todo o modo, ainda que, por mera hipótese, se verificasse a invocada deficiência/falta de gravação da prova, que como se referiu não ocorreu no presente caso, tal vicio consubstanciaria uma mera irregularidade, a arguir no prazo previsto no art.º 123.º do Código de Processo Penal.
7. Pelo que, não tendo o recorrente invocado, em tempo e perante o tribunal a quo, tal irregularidade no referido prazo legal, a mesma sanou-se.
8. Invoca o arguido no recurso apresentado que o tribunal a quo violou o princípio “in dubio pro reo” porquanto não existe nenhuma prova que confirme que o arguido praticou os factos que consubstancia o crime de ofensa à integridade física, crime de perturbação da vida privada e o crime de injúria, sendo a prova invocada meramente circunstancial, e por esse motivo impunha-se que o tribunal tivesse absolvido o arguido da prática dos factos imputados, por força do principio do in dubio pro reo.
9. O tribunal a quo apreciou todas as provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento juntamente com as demais provas pré-constituídas, tendo formado a sua convicção, de acordo com as regras de experiência, da ciência e da lógica, sobre a certeza da prática dos factos pelo arguido. Ora, atenta a inexistência de dúvidas no espirito do julgador, não poderia o tribunal a quo entender que a prova produzida conduzia a um non liquet, como pretende o recorrente. E nessa medida, o tribunal a quo não violou nem o princípio da presunção de inocência e nem o in dúbio pro reo.
10. O tribunal a quo assentou a sua convicção numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, da prova produzida, em especial das declarações prestadas pela Assistente CC e dos depoimentos sinceros, credíveis e isentos prestados pelas testemunhas FF, II, HH e JJ, conjugados com a prova documental junta aos autos, nomeadamente a informação prestada pela Altice a fls. 158 e ss., e as informações bancárias de fls. 178 e ss.
11. Da conjugação de toda a prova, analisada à luz das regras da experiência comum e da lógica, conclui-se, para além da dúvida razoável, que o arguido praticou os factos descritos nos autos, pelo que bem andou o tribunal a quo ao dar como provados os factos vertidos na acusação.
12. Com efeito, da análise da motivação da decisão de facto constata-se que a decisão recorrida seguiu um raciocínio lógico e congruente com as regras da lógica e da experiência comum. Sendo certo que as conclusões expostas pelo tribunal a quo relativas à matéria de facto estão em consonância com a prova produzida e a sua convicção encontra-se devidamente fundamentada, ao abrigo da livre apreciação da prova, com enquadramento legal no artigo 127.º do CPP.
13. Na verdade, mostra-se acertado o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto, com apreciação critica e razoável da motivação da matéria de facto, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio. Nem se verifica qualquer violação das normas de direito probatório, regras da experiência e/ou da lógica que ensinam que está fora de qualquer dúvida razoável concluir que o Arguido foi autor dos factos pelos quais se mostrava acusado, que se deram como provados.
14. Por seu turno, invoca o recorrente no recurso apresentado que o tribunal a quo não atendeu a todas as circunstâncias que depunham a favor do recorrente, nomeadamente o facto do recorrente se encontrar familiar, profissional e socialmente inserido, auferindo salário mensal de 1.300,00€, como motorista de pesados. Alegando que o tribunal desconsiderou por completo as despesas mensais do arguido e que paga sozinho todas as despesas inerentes à sua casa morada de família e viatura, bem como suporta todas as suas despesas de higiene e alimentação, nunca gastando menos de 1.000,00€ por mês com as mesmas.
15. A moldura penal abstrata correspondente ao concurso de crimes imputados ao arguido, situa-se entre os 160 dias e 490 dias de multa - cfr. art.º 77.º n.º 1 e 2 do Código Penal.
16. Deste modo, consideramos que, em face da prova carreada para os autos e da prova produzida em audiência de discussão em julgamento, a medida concreta da pena única de 430 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, aplicada ao arguido pelo Tribunal a quo se revela adequada, justa e corretamente doseada, não merecendo, assim, qualquer crítica.
17. Não se poderá ignorar que os factos praticados pelo arguido que são objeto dos presentes autos não se trataram de uma situação isolada na vida do arguido, porquanto constam averbadas no seu certificado de registo criminal duas anteriores condenações por crimes da mesma natureza, concretamente pela prática de crimes contra a honra e a integridade física de terceiros.
18. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, ponderou o tribunal a quo, de forma justa e adequada, o grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo, o grau de culpa, as consequências da atuação do arguido, bem como ainda, e também, o seu comportamento, anterior e posterior à data da prática dos factos, e respetivo grau de inserção social, familiar e profissional.
19. O tribunal a quo teve em conta o facto de o arguido se encontrar familiar, profissional e socialmente inserido, todavia, a inserção social, familiar e profissional do arguido, que já se verificava à data dos factos, não o impediu de praticar os crimes imputados nos presentes autos.
20. A pena única de 430 dias de multa aplicada nestes autos encontra-se ainda distante do seu limite máximo (ou seja, de 490 dias de multa), pelo que se considera justa, proporcional e adequada a pena única concreta aplicada, face às elevadas necessidades de prevenção geral e especial, à culpa elevada manifestada pelo arguido na prática dos factos, ao grau de ilicitude e aos antecedentes criminais do arguido pela prática de crimes da mesma natureza (crimes contra a honra e contra a integridade física), que elevam as necessidades de prevenção especial no presente caso.
21. A aplicação ao arguido, em cúmulo jurídico, da pena única de 430 dias de multa, corretamente fixada pelo tribunal a quo, não consubstancia, naturalmente, qualquer violação do princípio da culpa ou da proporcionalidade da pena. Ao invés, a fixação nessa medida concreta da pena de multa afigura-se acertada, correta e justa, atendendo à gravidade dos factos perpetrados pelo arguido e, bem assim, a todas as circunstâncias, que na sua maioria depõem contra o arguido.
22. Não corresponde à verdade que o tribunal a quo tenha desconsiderado a situação socioeconómica atual do arguido, já que o tribunal indagou o arguido, com detalhe e exaustão, sobre todos os rendimentos auferidos e despesas mensais do arguido.
23. Tendo-se provado que o arguido é solteiro, não tem filhos, que aufere o vencimento de 1.300,00 €, bem acima do salário mínimo nacional e que tem despesas mensais cerca de 310,00 €, a taxa diária fixada de 7,00€ determinada pelo tribunal mostra-se justa, adequada e proporcional.
24. Considerando o que deixamos exposto, que o mínimo diário da taxa da multa se cifra em 5,00 € e que o arguido não trouxe qualquer facto concreto demonstrativo de que os 7,00€ fixados são desproporcionais à sua situação económica, deverá considerar-se por adequada e justa a taxa fixada pelo tribunal a quo.
25. Tal decisão não merece qualquer reparo ou censura, uma vez que o tribunal a quo atendeu a todas as circunstâncias conhecidas e cumpriu escrupulosamente o disposto no art.º 71.º do Código Penal, para encontrar a medida concreta da pena.
26. Decidindo pela forma em que o fez, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer vício ou erro de julgamento, nem violou qualquer preceito legal ou constitucional.».
***
CC, assistente, também contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: «24. O Recorrente não se conformou com a sentença proferida, apontando-lhe vícios que conduziriam à sua nulidade; 25. Alegou que a sentença proferida pelo tribunal a quo, é desproporcional, por não ter considerado a situação a sua económica . 26. E pugnou pela prolação de uma sentença com decisão inversa da sentença recorrida. No entanto, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, porquanto: 27. O tribunal a quo efetuou uma correta aplicação do Direito aos factos; 28. Fez uma correta interpretação da prova testemunhal produzida em julgamento; 29. Fez uma correta aplicação do Direito à prova documental existente no processo e complementada pelas testemunhas; 30. A prova produzida em julgamento não deixou qualquer margem para dúvidas, na medida em que resultou muito claro que o Recorrente quis ofender a integridade física da Assistente, o que conseguiu quando a agrediu, já no interior do carro desta e que implicou a deslocação voluntária do Recorrente ao veículo da Assistente para esse fim; 31. Quis ofender a honra da Assistente e perturbar a sua vida privada,quando divulgou factos (retirar o valor da conta da mãe do seu companheiro, sem ordem ou autorização desta) que sabia esta não havia praticado e que constituíam crime; 32. Ao utilizar a expressão “meteu os cornos”, o Recorrido apodou a Assistente de infiel, ao seu companheiro; 33. Chamou “cagão” ao companheiro da Assistente, quando qualquer pessoa média face à Lei percebe queria escrever “cabrão”. 34. Recorreu à sua página do Facebook, para divulgar atos e factos que sabia não serem verdadeiros e com o único objetivo de atentar contra a moral e criar problemas na relação da Assistente, tendo conseguido atingir ambos os objetivos e com a agravante de ser um meio de difusão em massa; 35. O Recorrente com o comportamento supra referido, agindo de forma livre, consciente, deliberado e reiterada no tempo, bem sabia estar a agir contra a Lei, o que não o demoveu de manter o seu comportamento. 36. E não se pode acolher o argumento que esta podia ser uma forma de se tratarem socialmente; 37. Acresce que ao desferir o muro que atingiu a face da Assistente, o Recorrente quis e conseguiu ofender a integridade física da Assistente; 38. Resulta da página 7 do Certificado de Registo Criminal do Recorrente, junto aos presentes autos que o Recorrente já averbou, entre outras condenações, uma condenação pelo crime de ofensa à integridade física, por factos ocorridos no dia ...-...-2020 . 39. Nesse processo, já transitado em julgado, foi condenado no pagamento do valor diário de €7,00. 40. Esta não é, portanto, a primeira vez que o Recorrente prevarica contra a integridade física de outrem e que é sancionado por esse comportamento. 41. Pelo que não se alcança como pode vir em sede de recurso requerer que a sua condenação seja calculada pelo mínimo,(€5,00 diários), como se se tratasse de um agente que está a ter o seu primeiro contacto com a justiça; 42. Estranhamente o Recorrente transcreve o enquadramento jurídico e a jurisprudência que comprovam a justeza e boa aplicação do Direito ao seu caso, pelo tribunal a quo, para depois concluir justamente o contrário. 43. Pelo que, sem mais considerações, deve-se concluir que a pena aplicada ao Recorrente foi justa, adequada e proporcional ao seu comportamento; 44. Acresce que a sanção, neste caso a multa, tem de implicar um verdadeiro esforço para o Recorrente, este é o fim que a norma sancionatória visa, por conseguinte, a multa que lhe foi aplicada não merece qualquer reparo. 45. No que se refere á indemnização civil esta é manifestamente reduzida para compensar, aas dores, os transtornos e a perturbação da paz familiar vivenciada pela Assistente em consequência do comportamento do Recorrente. 46. No que tange à aplicação do princípio do in dúbio pro reo, nunca poderia o tribunal a quo aplicar este princípio quando resulta da prova testemunhal produzida em julgamento que o Recorrente cometeu todo os factos de que vinha acusado; 47. Resulta da prova documental carreada para o processo que as frases ofensivas foram redigidas pelo Recorrente; 48. Essas frases foram publicadas na sua página de Facebook, um meio de divulgação em massa e que por isso causa maior constrangimento à Assistente, que foi interpelada pelos amigos, após lerem as publicações. 49. Os telemóveis usados para divulgar as imputações caluniosas e as frases atentatórias da honra da Assistente, eram de sua propriedade, conforme documentação junta pelam Operadora de telecomunicações ao processo; 50. Pelo que, com o devido respeito, requerer a substituição da sentença recorrida, será querer fazer entrar pela janela o que não se conseguiu fazer entrar pela porta. Pelo acima exposto, deve o recurso interposto pelo Recorrente ser considerado improcedente (…)»
***
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta aderiu à contra-motivação.
***
Vistos os termos do recurso foi proferido o seguinte despacho: «O arguido colocou à apreciação deste Tribunal um recurso em que fundamenta as questões que coloca em justificativos fácticos inverídicos (restrição ao direito de defesa e nulidade da audiência; violação do disposto no artigo 370º/1, do CPP; discordância quanto à fixação de indemnização civil em benefício da assistente) e em argumentação desconforme com a experiência comum para suporte de pedidos desacompanhados do cumprimento de regras processuais imperativas (impugnação do “cometimento dos crimes”; violação do princípio in dubio pro reo). O recorrente está devidamente patrocinado por Mandatário, pelo que é impensável considerar que a forma como estruturou o recurso se deve a ignorância da lei. Mas deve-se, seguramente, a uma conduta manifestamente dilatória, quanto ao trânsito em julgado da decisão recorrida, que não sofre beliscadura alguma com a argumentação recursiva, Dúvidas não restam de que este recurso cai no âmbito da previsão da alínea b) do artº 447º-B, do CPC, aplicável ao processo em apreço por força do artº 521º do CPP, ex vi artº 27º/3 e 4, da Lei 34/2008, de 20/4. Não é legitimo arguir falta de gravação do julgamento quando ele está disponível no próprio citius, falta de prova na fixação de matéria de facto confessada pelo arguido, nova factualidade contrária às declarações do próprio arguido em audiência para fundamentar a contestação de um pedido de indemnização civil. Tão pouco é legítimo assentar um recurso numa série de improbabilidades como fundamento de absolvição dos crimes, dispensando-se de cumprir as regras processuais relativas à impugnação do provado, que não disse sequer pretende; impugnar uma pena única com recurso aos critérios de fixação da pena para cada crime, pretender ver alterado o quantitativo de uma pena de multa com fundamento em factos discordantes das declarações do próprio, prestadas em audiência, inflacionando-os artificiosamente, Face à constatação de que o recorrente fez um uso dilatório do instituto do recurso, e aos termos em que o fez, tenciona este Tribunal condená-lo na taxa sancionatória excepcional de 5 Ucs (artº 10º/R.C.Judiciais). Notifique o arguido, na pessoa do Exmª Mandatária, para se pronunciar, querendo, em 10 dias, sobre a intenção anunciada, ao abrigo do disposto nos artigos 4º/CPP e 3º/CPC.»
Posteriormente, deu-se conta do lapso relativo à norma que regula a matéria, tendo-se rectificado o despacho, substituindo a referência ao arigoº 447º-B, do CPC, pela referência ao artigo 532º do Novo CPC (Lei 41/2013, de 26/6), despacho que não chegou a ser notificado porque entretanto o arguido se pronunciou sobre a questão que lhe foi colocada, sendo manifesto que o lapso não interferiu na compreensão da mesma.
O arguido pronunciou-se nos seguintes termos: «1 – Com o devido respeito e no seu modesto entendimento não fez um uso dilatório do Instituto do Recurso; 2 – Recorreu da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” porque se sente injustiçado com a mesma. 3 – Sempre negou os factos; Por isso, 4 - Entendeu que tinha que interpor recurso. 5 – Para interpor recurso da matéria de facto e por não estar disponível no citius mandatários a gravação do julgamento, requereu ao Tribunal “a quo” que lhe fosse disponibilizada (Doc. 1); 6 – Tal não veio a acontecer até à data do termo do prazo do recurso, conforme print do citius que juntou aos autos com o requerimento de recurso. 7 – Ainda, no dia de hoje, compulsados os autos no citius mandatários continua a constar, uma gravação de 00;01:16 do dia .../.../2024 (Doc. 1); 8 – Quanto à gravação do dia .../.../2024 consta no citius mandatários o seguinte, exatamente o mesmo que constava à data da interposição do recurso; “Esta sessão de gravação ainda não foi disponibilizada pela secretaria. Solicite a sua disponibilização em requerimento ao processo, indicando a data da sessão pretendida" (Doc. 1); 9- O certo é que o Arguido fez requerimento ao processo e as gravações não lhe foram disponibilizadas e que continua a acontecer. 10 – Ao que tem conhecimento, o citius mandatários é diferente do citius Magistrados, pelo que, certamente, que as gravações estão disponíveis para os Srs. Magistrados, mas não disponíveis para os Mandatários. Assim, 11 – Muito lamenta que se pretenda condená-lo em taxa sancionatória excepcional por estar a dizer a verdade e a comprová-la com documento do citius, o qual também já tinha junto com o requerimento de recurso. 12 – O certo é que ao Arguido não foi dado qualquer acesso a essas gravações, estando a coartar-se-lhe um direito que lhe dado pela Constituição da República Portuguesa. 13 – O arguido jamais colocaria à apreciação do Venerando Tribunal da Relação um recurso que se fundamentasse em questões inverídicas. 14- É um cidadão de bem e tem perfeito conhecimento que os Tribunais têm muitos processos e alguns mais importantes que o seu. Porém, 15 – Para si, o seu processo tem-no marcado muito e tem-lhe causado elevados danos psicológicos; Pois, 16 – Não compreende como foi aceite a prova feita com base no depoimento das testemunhas do MP e da Assistente, que são todas família desta e estavam de relações cortadas com o arguido. 17 – O arguido não usou um expediente dilatório, apenas pretendeu com o recurso fazer uso de um direito que lhe é facultado pela lei e que lhe assiste. Deste modo, 18 – Tendo em conta tudo o supra alegado, entende-se, com o devido respeito pela opinião em contrário, que o recurso interposto não cai na previsão do art. 531º do CPC por força do art. 521º do CPP; 19 – O recurso interposto pelo Arguido não é dilatório, é tão só o exercício de um direito que lhe assiste e não se fundamenta em factos inverídicos, pelo que, não pode aplicar-se-lhe uma taxa sancionatória excepcional. Deste modo, 20 – Requer a V. Exa. se digne a não aplicar-lhe qualquer taxa sancionatória excepcional, uma vez que não exerceu qualquer expediente dilatório, nem fundamentou o recurso em factos inverídicos, uma vez que apenas está a exercer um direito que constitucionalmente lhe assiste. »
Juntou um documento de onde consta precisamente o referido nos pontos 7 e 8.
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V- Questões a decidir:
Do artigo 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
As questões colocadas pelo recorrente, arguido, são:
1. Restrição ao direito de defesa e nulidade da audiência;
2. Violação do disposto no artigo 370º/1, do CPP;
3. Impugnação do cometimento dos crimes e violação do princípio in dubio pro reo;
4. Discordância da pena única quanto à respectiva medida e ao montante diário da multa;
5. Discordância quanto à fixação de indemnização civil em benefício da assistente.
6. Oficiosamente coloca-se a questão da litigância abusiva.
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VI- Fundamentos de direito:
Da restrição ao direito de defesa e nulidade da audiência:
O arguido vem argumentar que ficou privado do seu direito de defesa na parte relativa à impugnação da matéria de facto porque tendo requerido ao Tribunal recorrido que lhe disponibilizasse no citius o áudio das sessões de audiência e julgamento, só teve acesso a cerca de 2 minutos dessa gravação, pelo que requer a repetição do julgamento.
Consta do citius que o arguido pediu a disponibilização nesse mesmo sistema da gravação das sessões de julgamento de 26/9 e 17/10 de 2024.
E, mais se verifica que no referido sistema de acesso aos Magistrados, na funcionalidade “media studio”, que se encontra a gravação completa das duas sessões de julgamento, de forma perfeitamente audível.
Contudo, o arguido juntou agora, em resposta ao despacho proferido tendo em vista o contraditório sobre o uso anormal do processo, um documento de onde resulta a prova de que só lhe foi disponibilizada –uma gravação de 00;01:16, relativa ao dia .../.../2024 e onde se refere que «Quanto à gravação do dia .../.../2024 consta no citius mandatários o seguinte, exatamente o mesmo que constava à data da interposição do recurso; “Esta sessão de gravação ainda não foi disponibilizada pela secretaria. Solicite a sua disponibilização em requerimento ao processo, indicando a data da sessão pretendida"».
O documento é manifestamente extemporâneo.
Não havendo disposição própria no processo penal sobre o prazo de junção dos documentos para prova de factos que só possam ter sido alegados depois do julgamento, o que é o caso, recorre-se às normas supletivas contidas nos artigos 425º e 651º do CPC.
Aí se refere que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento» e que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.».
Significa isto que o documento agora junto se mostra extemporâneo, porque era admissível, apenas, se acompanhando pelo recurso, onde a questão foi colocada, pelo que este Tribunal está impedido de considerá-lo para prova dos mesmos.
Mas, ainda que assim não fosse, a questão da nulidade da gravação mantinha improcedência.
As deficiências de gravação das declarações prestadas em julgamento constituem, de facto, nulidade, nos termos dos artigos 101º e 363º do CPP.
Mas o regime das referidas nulidades encontra-se definido pelo AUJ 13/2014 (publicado no DR 1ª série, de 23/9/2014), nos termos do qual «a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada».
Ora, no caso, tendo em conta que as gravações ocorreram a .../.../2024 e 10/7/2024 e a nulidade não chegou a ser arguida, é manifesta a extemporaneidade da questão colocada em recurso.
Mas, ainda que assim não fosse, a falta de disponibilização das gravações nunca daria origem à nulidade da audiência. A reparação era possível mediante a simples cópia da gravação feita no citius e a entrega ao requerente.
É pois, improcedente o pedido de declaração de nulidade da audiência
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Da violação do disposto no artigo 370º/1, do CPP:
Entende o arguido, contra a verdade dos factos, que o normativo acima referido foi violado porque ele não foi interrogado sobre as suas condições financeiras.
Ora, consta da fundamentação da aquisição probatória, da sentença, documento autêntico que faz prova da veracidade dos factos praticados pelo Tribunal, que «Quanto às condições pessoais e socioeconómicas do arguido, o tribunal teve em atenção as declarações do mesmo, que neste aspeto se revelaram credíveis».
Pior: o próprio arguido invoca os precisos factos que entende que foram inventados pelo Tribunal recorrido para fundamentar o recurso contra a medida da pena.
Aliás, não existindo relatório social nos autos, nem sendo os Tribunais dados à adivinhação, é evidentíssimo que os factos relativos às condições de vida do arguido e, particularmente, os relativos à sua situação económica, só poderiam ter sido adquiridos por prova produzida em julgamento, isto é, por força das declarações do próprio.
Detectada a falsidade da argumentação, como consequência directa e necessária da mesma, decai a questão colocada.
*** Da impugnação do cometimento dos crimes e da violação do princípio in dubio pro reo:
O arguido, depois de referir que não teve possibilidade de aceder à gravação e, por isso, se encontrar impedido de impugnar o provado, acaba por fazê-lo.
Só que o faz de forma completamente desconexa com as regras processuais aplicáveis.
Não invocando vícios de sentença, que oficiosamente apreciada, se demonstra não existirem, vem argumentar no sentido da absolvição dos crimes pelos quais foi condenado, invocando um por um e argumentando de forma perfeitamente desconexa com as regras de experiência comum.
Ora, a condenação por um crime pressupõe, necessariamente, a prova de factos que se subsumam ao tipo legal respectivo, o que significa que a argumentação aduzida, sem reporte para factos concretos do provado é absolutamente inviável para a alteração do tal pressuposto, que é o teor do provado.
O direito processual aplicável apenas permite a alteração da factualidade provada, fora dos casos de conhecimento oficioso por existência de nulidades ou vícios, a pedido do recorrente e mediante o cumprimento de ónus que estão definidos no artigo 412º/3 e 4 do CPP.
Tais requisitos são reportados a concretos pontos de facto e concretas provas, como se pode ler do texto da norma.
A pretensão do arguido de impugnação da autoria dos crimes é manifestamente improcedente porque, considerando o disposto no artigo 412º/3 e 4 do CPP, mostram-se ostensivamente não cumpridos os respectivos ónus formais, e muito menos o ónus substancial de que o funcionamento de tal instituto depende: a existência de prova que imponha decisão diversa.
Acrescente-se que a motivação para a invocada falta de cumprimento do princípio do in dubio pro reo é, também, absolutamente inviável.
O referido princípio não se reporta à culpa. É tão somente, uma regra de apreciação de prova, ou seja, de decisão, reporta-se unicamente à esfera de convencimento probatório do julgador e funciona apenas nos casos de falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos imputados na acusação.
A sua aplicação desdobra-se em dois momentos: no da avaliação probatória directa e imediata, em primeira instância ou em sede de efectiva reapreciação de prova, na fase de recurso, e bem assim no momento da reapreciação do processo de aquisição processual da prova fixada, na vertente da avaliação sobre a existência, ou não, de vício de erro notório na sua apreciação, que abrange a violação do in dubio.
Ora, a argumentação que o arguido desenrola relativamente a cada crime é perfeitamente contraditória e desprovida de senso.
No que concerne ao crime de ofensa à integridade física, refere o arguido que não se tendo provado como aconteceu o murro, a existir, ele resultou de um ato não intencional, mas como resultado de um movimento brusco, sem intenção de agredir. Com esta argumentação o arguido tão depressa invoca a inexistência de uma actuação sua no sentido de embater com a mão na face da vítima, como a admite.
O exercício do direito de defesa não se compadece com absurdos e trocadilhos. É uma matéria séria, tratada na lei fundamental, e que só se efectiva se exercida com lealdade e respeito pela inteligência alheia.
Um murro é, por definição, uma pancada desferida com a mão fechada, o que o arguido saberá, pelo que a tese do movimento brusco corresponde à realidade, desde que esclarecido de que esse movimento consistiu num murro na face da ofendida, dado evidentemente, com a intenção de lhe provocar afectação à integridade física.
No que respeita ao crime de perturbação da vida privada o arguido disserta sobre a possibilidade de alguém ter comprado um cartão “sim” em seu nome e imputa a importunação à vítima, porque se não quisesse ser importunada devia ter bloqueado o número, desligado o telemóvel, ou colocado-o no silêncio. Este tipo de argumentação prova apenas que não só não reconhece o mal do crime com que continua a entender que tem direito de perturbação de quem quer que seja, a seu belo prazer, devendo as vítimas proteger-se, em prejuízo dos próprios direitos para que ele possa causar o incómodo que entender.
Quanto ao crime de injúrias invoca uma habituação no uso do tipo de linguagem usada, no tratamento entre ele e a vítima.
Não se desconhece que cada casa tem seus usos e em algumas se usa vernáculo inofensivo.
Mas também não se desconhece que os nomes que dirigiu à assistente configuram objectivamente, e para a generalidade das pessoas, insultos graves, atentatórios da honra da mesma enquanto cidadã (abutre, ladra, chula, vaca, encanto não foderem o guito todo a Sogra não descansas já fizeste a vida toda) e mulher (puta, puta de merda, andas a meter os cornos ao teu marido, és uma grande vaca) e foram proferidos no âmbito de uma manifestação de ódio, com intuitos indubitavelmente ofensivos da sua hora e consideração. Pior, não deve constar do léxico português.
No que respeita ao crime de difamação, alega que alguém se podia ter feito passar por si. Ele, a pessoa desavinda e identificada pela vítima, é que não fez nada!
Ou seja, o arguido, que não discute que tinha um desentendimento pendente contra a vítima, pretende que se considere, sem prova do que quer que seja, que;
-o provado contra si é um rol de factos desgarrados e inverídicos;
- que incluem alguém que comprou um cartão “sim” em seu nome;
- e fez chamadas para a vítima a desoras com elas perturbando o seu descanso
- e se apoderou da sua senha de entrada na aplicação Facebook;
- onde despejou uma série de impropérios dirigidos à pessoa da ofendida;
- sendo que onde ela sentiu um soco que teve que tratar mediante assistência hospitalar o que aconteceu, se não foi nada, terá um simples toque decorrente de um gesto brusco;
- e por fim, que o rol de palavrões que lhe dirigiu e que lhe chamou na rede social correspondem a simples conversas, com vernáculo!
Importa retirar ilações de tanto despropósito, quanto à personalidade manifestada pelo tipo de argumentação descabida usada, ainda que por via de um profissional do foro.
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Da discordância da pena única quanto à respectiva medida e ao montante diário da multa:
O arguido discorda da medida da pena única, porque:
- é desproporcional à sua culpa;
- não teve em conta todos os fatores atenuantes, designadamente,
- que se encontra-se familiar, profissional e socialmente inserido, auferindo de salário mensal, como motorista de pesados 1.300,00€.
- que tem a sua casa morada de família e paga sozinho todas as despesas inerentes à mesma;
- suporta todas as suas despesas de higiene e alimentação, nunca gastando menos de 1.000,00€ por mês com as mesmas;
- tem uma viatura e suporta todos os encargos com a mesma;
- o que aufere mal chega para as suas despesas;
- a pena fixada representa um sacrifício excessivo face à sua situação financeira, o que constitui uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Consta do provado que o arguido é … e aufere 1.300,00€ por mês; paga de renda de casa 130,00€ ; despende com o seguro do carro 120,00€ de três em três meses e viaja muito a trabalho, despendendo cerca de 60,00€/mês. Mais consta que não tem filhos.
Ora, se não nos falha a matemática, a soma das despesas que se provaram é de 230,00€ mensais. Significa isto que lhe restam mais de mil euros por mês, depois de pagas as despesas comprovadas.
Mais uma vez se verifica que o arguido litiga contra as suas próprias declarações prestadas em audiência.
Contudo, a improcedência do pedido que formula não se fica por aqui.
Todos os argumentos que invoca são circunstâncias que são de considerar na fixação da medida da pena de cada crime, nos termos do artigo 71º/CP.
Recorrendo o arguido apenas da pena fixada em cúmulo, as circunstâncias a aferir são, única e exclusivamente, o conjunto dos factos e a personalidade do agente por eles revelada.
Ora o conjunto dos factos resumem-se na reiteração, durante cerca de 3 meses a fio, de uma série de actos lesivos dos direitos da ofendida nas vertentes possíveis e imaginárias, que foram desde lesões à sua integridade física, à sua honorabilidade pessoal, ao direito à boa imagem e ao direito ao descanso.
A intensidade malfeitora do arguido nas diversas condutas é, face ao provado, muito relevante.
O arguido tinha antecedentes criminais, ou seja, sabia por experiência própria que se sujeitava à aplicação de penas, o que manifestamente desconsiderou – e desconsiderou duplamente, porque voltou a praticar crime de ofensa à integridade física em ... de 2020.
A personalidade manifestada revela-se eivada de um instinto persecutório grave.
O tipo de penas parcelares e única, de multa, e a medida da pena única, de multa, só podem ser consideradas como o último reduto, a que o Tribunal recorrido deitou mãos, para corresponder aos fins de prevenção especial e tentar a ressocialização do arguido, evitando aplicar penas de prisão, ainda que suspensas na sua execução.
Esta é a quarta pena de multa aplicada ao arguido, por crimes cometidos no decurso de um período de três anos, sendo que em causa, neste processo, estão quatro crimes, quando o arguido já tinha antecedentes por crimes contra a honra, se bem que tendo por vítima uma pessoa colectiva.
Se defeito encontramos na pena, não é por excesso seguramente, pelo que resta a confirmação da mesma.
No que concerne ao montante diário da multa também não se encontra defeito no valor fixado, face aos rendimentos auferidos pelo arguido, que estão bem acima do salário mínimo nacional, e sobretudo à disponibilidade económica que se prova, tendo em consideração as suas declarações prestadas em julgamento.
*** Do uso dilatório do recurso:
Todas as questões colocadas neste recurso são manifestamente improcedentes, não por inabilidade técnica, uma vez que as questões que coloca desta natureza são manifestamente contrárias às regras processuais estando o arguido devidamente patrocinado mas, sobretudo, pelas inverdades afirmadas a par das afirmações inconcebíveis em que o arguido assenta a sua discordância quanto aos factos provados.
Como se refere em diversos arestos (por exemplo, no acórdão tirado no processo 16/16.5GDIDN.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra) com «a taxa sancionatória excepcional, prevista nos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC, e 10.º do RCP, não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte».
Tendo em conta o que acima se relatou acerca da forma juridicamente inviável, como foi estruturado o recurso, devidamente patrocinado por Ilustre Advogada, tendo o arguido feito afirmações contraditórias, entre si, e reunido um amplo conjunto de inverdades manifestas em pretensa defesa, impõe-se a conclusão de que a intenção subjacente ao mesmo não foi obter qualquer alteração da decisão, com um ganho de causa ainda que residual, mas fazer prolongar o trânsito em julgado da decisão.
Pelo exposto, justifica-se a aplicação de taxa sancionatória, que tem por limite mínimo 2 e máximo 15 ucs, conforme artigo 10º do RCP.
Considerando os referidos limites e o facto de toda as questões colocadas o terem sido absolutamente fora dos cânones legais, absolutamente básicos, definidos pelo CPP e CP, condenar-se-á o arguido na taxa de 5 ucs.
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas da parte crime pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 ucs.
Custas do recurso, na parte relativa ao pedido de indemnização civil, pelo recorrente, considerando o valor do decaimento.
Mais se condena o arguido na taxa sancionatória excepcional de 5 ucs.
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Lisboa, 27/ 6/2025
Maria da Graça dos Santos Silva
Mário Pedro M.A.S. Meireles
Francisco Henriques