A tempestividade do exercício do direito de requerer a revisão da pensão à luz do art.º 25.º, n.º 2 da Lei 100/97 de 13/09, pressupõe que o quadro factual subjacente permita saber:
- se nos 10 anos subsequentes à decisão que fixou a incapacidade inicial foram ou não formulados quaisquer pedidos de revisão;
- se tendo-o sido, ocorreu algum modificação da situação do sinistrado, nomeadamente se foi ou não reconhecida a existência de agravamento e quando;
- mesmo que não tenha ocorrido qualquer modificação da incapacidade durante aquele prazo, se se verificaram ou não quaisquer circunstâncias capazes de ilidir a presunção de estabilização das lesões que constitui fundamento da fixação do prazo de 10 anos, caso em que tal prazo, sob pena de inconstitucionalidade daquela previsão normativa, deixa de poder ser aplicado.
Origem: Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel – J3
Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
AA, na qualidade de sinistrado, apresentou, em 26/06/2024, requerimento de revisão da incapacidade que lhe havia sido fixada nos autos de processo emergente de acidente de trabalho, alegando o agravamento das lesões que haviam sido causa da fixação de IPP com o coeficiente de 4,375%, conforme decisão datada de 24/10/2003, que homologou o acordo alcançado na tentativa de conciliação.
A responsável A... – Companhia de Seguros, S.A. pronunciou-se sobre tal requerimento, requerendo o seu indeferimento, por o prazo de dez anos para revisão de incapacidade se mostrar ultrapassado.
Foi realizada a perícia médica a que alude o art.º 145º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), cujo resultado foi no sentido de que a incapacidade permanente parcial (IPP) atual é de 8,75% (com a consideração de uma IPP de 12,5% relativa a acidente de trabalho anterior).
A seguradora requereu a realização de junta médica nos termos do art.º 145.º, n.º 5, do CPT, cujo resultado, por unanimidade dos peritos, foi no sentido de que o sinistrado mantém a incapacidade permanente parcial (IPP) de 4,375% (com a consideração de uma IPP anterior de 12,5% e sem a consideração do fator 1.5 pela idade).
Foi proferida decisão na qual o tribunal “a quo”, por um lado, concluiu pela improcedência do indeferimento do pedido de revisão requerido pela seguradora, considerando que o direito do sinistrado requerer a revisão não havia caducado e, por outro lado, decidiu que, “desde 26.06.2024, o sinistrado está afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,5625% (4,375% x fator 1.5 pela idade), invocando para o efeito o acórdão (de uniformização de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça nº 16/2024, o qual está publicado no Diário da República nº 244/2024, Série I, segundo o qual “1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”
Inconformada a seguradora interpôs o presente recurso, tendo por objeto os dois segmentos, supra identificados, da decisão da 1.ª instância, terminando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
“1) Verificando-se que a data da fixação inicial da IPP de 4,375% ocorreu em 24/10/2003, que em incidente de revisão subsequente proferido em 27/3/2008 se manteve essa IPP se completaram 10 anos sem qualquer alteração da incapacidade, quer da primeira data, quer da segunda, à data do pedido de revisão 26/6/2024, já tinha decorrido o prazo de caducidade previsto no art.º 25.º n.º 2 da Lei 100/97 de 13/7;
2) Apenas a constatação de uma modificação com alteração da incapacidade permanente e, consequentemente, da pensão antes fixada, poderia dentro desses 10 anos impedir a consolidação definitiva da estabilização sequelar que o legislador consagrou desde a Lei 2027 de 1965 ao art. 25.º n.º 2 da Ex-LAT, o que no caso sub judice não acontece, devendo-se alterar o decidido no primeiro segmento da decisão, declarando a caducidade impeditiva do seguimento e procedência do incidente de revisão;
3) O estado sequelar do sinistrado de acordo com a Junta médica que teve lugar no âmbito do incidente, não sofreu nenhum agravamento, nem recidiva, nem qualquer outra modificação, conservando as mesmas sequelas e IPP da fixação inicial, não se verificando a condição do art. 25.º n.º1 da Ex-LAT aplicável (Lei 100/97) para que “as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificadas”;
4) A decisão condenatória recorrida vai buscar fundamento para o valor da condenação fixada na aplicação automática do coeficiente de majoração 1,5 pela idade dos 50 anos, na interpretação que faz da Instrução Geral n.º 5.º n.º 1 alínea a) das Instruções Gerais do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de Outubro, independente da avaliação da incapacidade resultante da prova pericial produzida no incidente de revisão e mesmo contra o resultado desta, que conclui pelo não agravamento;
5) A “instrução” em causa é uma das regras técnicas metodológicas ou procedimentais destinadas a orientar a actividade pericial na avaliação de dano em Direito de Trabalho, por isso, de natureza instrumental, não se tratando de uma norma jurídica dispositiva que crie direitos ou obrigações de natureza substantiva, nem se afigura que a mesma possa ser elevada a essa categoria de forma a subverter por completo as normas jurídicas às quais a sua existência e funcionalidade estão subordinadas;
6) A literalidade da referida instrução geral n.º 5 de que apenas no contexto de “determinação do valor da incapacidade a atribuir pode ter lugar a aplicação do referido factor de majoração de 1.5” contraria a possibilidade de aplicação automática e não condicionada a uma reavaliação da incapacidade de que decorra um agravamento;
7) Ao decidir no presente incidente de revisão (em que se concluiu não ocorrer, nem agravamento, nem recidiva, nem melhoria) pela aplicação automática de uma majoração de 1,5 à pensão anual e vitalícia correspondente à IPP de 4,375%) assim determinando uma nova prestação no valor acrescido à pensão inicial, violou a decisão recorrida o disposto na Instrução n.º 5 n.º 1 alínea a) do Anexo I do DL 352/2007 e, bem assim, do art.º 25.º n.º 1 da Lei 100/97;
8) De acordo com o disposto no art. 204.º da CRP “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.”;
9) A disposição legal acima enunciada - Instrução n.º 5 n.º 1 alínea a) do Anexo I do DL 352/2007 - prevê um factor de bonificação de 1,5 trata de forma igual dois grupos de trabalhadores distintos e em condições de gravidade muito diferente, beneficiando injustificadamente os trabalhadores com mais de 50 anos em relação aos que, na sequência do acidente de trabalho ou de doença profissional não sejam reconvertíveis ao posto de trabalho habitual;
10) Sendo constitucionalmente inadmissível que a Lei possa tratar de forma igual situações substantivamente diversas, a mesma discrimina, positivamente, um lesado de acidente de trabalho em função de um factor ficcional (a presunção de que a partir dos 50 anos o grau de incapacidade do lesado sofre um incremento de 50%), perante uma realidade concretamente avaliada do lesado que p.ex. com 49 anos, fica afectado de uma incapacidade permanente e de forma não reconvertível para o seu trabalho;
11) Considerados dois hipotéticos trabalhadores que fossem atingidos em idênticos termos por um mesmo acidente de trabalho, a indemnização atribuída a um deles excedia em 50% a que viria a ser fixada ao outro se um deles, contrariamente ao outro, tivesse atingido os 50 anos por força da bonificação decorrente da multiplicação pelo referido factor de 1,5 que aproveitaria ao primeiro, mas já não ao segundo;
12) A opção pelo escalão etário dos 50 anos, como ponto etário gerador de uma presunção de dificuldades acrescidas para o exercício da actividade profissional no estrato etário dos 50 anos constitui uma presunção meramente relativa, desacertada da actualidade bio-evolutiva do ser humano e que não se pode sobrepor a uma avaliação individualizada que considere em cada caso o factor idade na afectação funcional concreta do sinistrado examinado;
13) Como se retira da lição do Direito Comparado e v.g. em França e Espanha, deixa-se essa possibilidade de majoração pela idade a ponderar na avaliação pericial com a consideração concreta do examinado, impedindo os desajustamentos discriminatórios que o primado da norma técnica erigido pela decisão recorrida e pelo acórdão de Uniformização que ela segue, redundem na violação do princípio constitucional da igualdade de tratamento dos trabalhadores;
14) E no nosso caso, a TNI, ainda que de forma dispersa noutras normas procedimentais de avaliação – instruções gerais n.º 1, 5A a) e 6 c) já colocam ao perito o dever de consideração da idade do sinistrado como factor de valoração quantitativa ou mesmo qualitativa (IPAPH) permitindo na avaliação pericial casuística realizar as exigências de adequação e proporcionalidade que, em cada caso, impeçam a discriminação que a aplicação automática da parte final da Instrução 5ª a) importa;
15) O mecanismo automático de bonificação aos 50 anos, independentemente, de qualquer avaliação pericial da incapacidade concreta, na medida em que majora os sinistrados sem impedimento para a continuação da vida activa do mesmo modo dos que ficam impedidos, sem possibilidade de reconversão, de exercer a sua actividade habitual, não cumprindo o dever de estabelecer diferenciações no mecanismo compensatório a situações de gravidade diferente, incorreu na violação do art. 13.º da Constituição da Républica;
16) Não se afigura possível aplicar o factor de bonificação pela idade aos trabalhadores sinistrados não reconvertíveis no posto de trabalho, uma vez que, ao serem assim qualificados, o seu grau de incapacidade é total e corresponderá sempre a 100%;
17) Uma vez que os coeficientes de incapacidade são sempre majorados “até ao limite da unidade” com a aplicação do factor 1.5, os trabalhadores não reconvertíveis à sua profissão habitual, nunca poderão beneficiar da majoração quando atingirem os 50 anos;
18) Daí que, a automaticidade da aplicação da bonificação de 1.5 conduz, também nesta perspectiva, à conclusão pela desconformidade constitucional da regra da Instrução 5ª n.º 1 a) da TNI aprovada no anexo I do DL 352/2007, com o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da nossa Lei fundamental, donde, também por este prisma deveria ter sido recusada a aplicação da norma técnica em questão;
19) Outra discriminação por tratar de forma igual a diferenciação, resulta do facto de os sinistrados reconvertíveis na fixação inicial da incapacidade, para que possam vir a beneficiar da majoração de 1,5 ao se tornarem irreconvertíveis, terão de ser necessariamente submetidos a uma avaliação pericial em incidente de revisão que ateste, de forma clinicamente fundamentada, essa modificação prejudicial ou agravamento, diferentemente dos que atingindo os 50 anos, vêm a majoração de 1,5 determinada de forma automática;
20) O acórdão de Uniformização incorre numa contradição imanente da sua argumentação ao sustentar que o trabalhador sinistrado se pode socorrer do incidente de revisão sem a ocorrência de uma modificação na sua capacidade de trabalho ou de ganho proveniente de “agravamento, recidiva, recaída ou melhoria” para beneficiar a aplicação de um factor de majoração previsto numa regra técnica de avaliação da TNI que foi criado para ser aplicado no contexto de uma fixação concreta de uma incapacidade;
21) O mesmo aresto uniformizador incorre numa segunda contradição ao afirmar que não é necessária a verificação de um agravamento resultante da avaliação pericial, podendo mesmo até ter ocorrido uma melhoria (com redução comprovada da IPP) que, ainda assim, se deve aplicar o mecanismo de majoração de 1,5, quando, antes, encontrou a sua razão de existir na presunção da diminuição da capacidade funcional do ser humano trabalhador a partir dos 50 anos;
22) A aplicação automática do factor de bonificação pela idade preconizada na sentença e no acórdão de uniformização em que a mesma se estriba, não se funda numa aquisição factual da verdade material, mas, numa verdade conjectural ou pressuposta;
23) Quando essa verdade conjectural ou pressuposta, está edificada em alicerces desenquadrados com a actualidade bio-funcional do ser humano na sua evolução etária;
24) Aquilo que se pretende alcançar com o regime instituído na Lei da Reparação dos Danos por Acidentes de Trabalho é a reposição do lesado na situação em que se encontraria caso o acidente de trabalho não tivesse ocorrido, tendo por limite o montante do dano, como objectivo fundamental de garantir um ressarcimento integral dos prejuízos, não podendo em caso algum resultar da regularização do dano uma situação de enriquecimento injustificado do lesado, designadamente, excedente ao dano sofrido;
25) A múltipla consideração do factor da idade, já prevista no artº 21º da LAT e dos nºs 6 e 7 das Instruções Gerais da TNI, conduz a que a aplicação de forma automática do coeficiente de bonificação de 1,5, seja no momento inicial da alta médica, seja em momento sucessivo, em sede de incidente de revisão da incapacidade, cria uma situação de locupletamento injustificado dos trabalhadores lesados, e numa verdadeira pena ou sanção para a entidade responsável pelo acidente;
26) A avaliação concreta, que no caso conduziu à conclusão da manutenção do mesmo status sequelar do sinistrado, não pode ser subvertida em excesso por aplicação extra de um factor de 1.5 incrementando a incapacidade em função da idade e de uma “presunção” ou “ficção” desta;
27) Tanto mais que, no laudo de Junta Médica de 9/12/2024, presidido e subscrito pela Mmª Juiz a quo, foi feita constar a expressa deliberação pericial de que “o sinistrado mantém a IPP já atribuída de 4,375% (com consideração de uma IPP anterior de 12,5% sem a consideração do factor 1,5 pela idade)”;
28) Daí que, e no seguimento do acima descrito, a aplicação automática e cega da aplicação do factor 1.5 da Instrução 5ª n.º 1 a) da TNI apenas pela idade, torna evidente a inconstitucionalidade da norma em causa por violação do disposto no art.º 59.º n.º 1 alínea f) da Constituição da República Portuguesa, o que impunha que fosse recusada a sua aplicação;
29) A partir do momento em que se defende na sentença recorrida que esta nova prestação, não depende da constatação de um agravamento em incidente de revisão, mas, de um factor cronológico superveniente à data da fixação inicial da incapacidade – o 50º aniversário do sinistrado – deverá ser na data em que o mesmo ocorre que se inicia a contagem do prazo de caducidade previsto no art.º 32.º da Ex-LAT aplicável (a Lei n.º 100/97);
30) Considerando que o A. veio invocar agravamento e requerer aumento da pensão muito depois do prazo de um ano subsequente à data em que atingiu os 50 anos, operou-se a caducidade do direito que a sentença deveria ter conhecido e declarado, já que a caducidade é de conhecimento oficioso;
31) Tendo ocorrido remissão integral da pensão anual e vitalícia fixada, tal configura uma novação numa obrigação de pagamento de um capital que, além de extinguir a obrigação inicial objecto da novação, extinguiu-se pelo cumprimento com o pagamento do capital;
32) Não constando a aplicação automática do factor 1.5 aos sinistrados quando atingem os 50 anos, quando este facto ocorre após a avaliação da determinação inicial da incapacidade a que respeita a Instrução 5ª a) da TNI, não configura nenhuma das excepções à extinção previstas no art. 58.º do DL 143/99 de 30/4;
33) Violou assim, a decisão recorrida, o disposto na Instrução n.º 5 n.º 1 alínea a) do Anexo I do DL 352/2007 e, bem assim, do art.º 25.º n.º 1 da Lei 100/97, do art.º 128.º da LCS, dos art.s 333º, 562º, 563º, 568º do CCiv, do art. 58.º do DL 143/99 de 30/4 e dos art.s 13.º, 59.º n.º 1 alínea f) e 206 da CRP.»
“1. O prazo de caducidade de dez anos para o exercício do direito de requerer pela primeira vez a revisão previsto no nº 2, do artº 25º, da Lei nº 100/97, de 13.09, não decorreu sem que o sinistrado tivesse exercido o direito de requerer pela primeira vez a revisão.
2. Face à decisão proferida no âmbito de incidente de revisão e tendo o sinistrado atingido os 50 anos de idade no dia 14.09.2013, nos termos do acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 16/2024, publicado no Diário da República nº 244/2024, Série I de 17.12.2024
3. Concorda-se, assim, com a sentença proferida nos autos, que decidiu que, desde 26.06.2024, o sinistrado está afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,5625% (4,375% x fator 1.5 pela idade) e ser da responsabilidade da Ré Seguradora e ser devido ao sinistrado o diferencial entre o montante da pensão já remida - pensão de € 290,03 - e o montante da pensão aumentada - pensão de € 435,05 (€ 9.470,44 x 70% x 6,5625%), obrigatoriamente remível, no valor de € 145,02 e devido a partir de 26.06.2024, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, a partir de 26.06.2024 e até efetivo e integral pagamento.”
Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1 - caducidade do direito do sinistrado requerer a revisão da incapacidade;
2 - inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da justa reparação, da interpretação do art.º 5.º, n.º 1, al. a) da Tabela Nacional de Incapacidades, subjacente à decisão recorrida;
3 - caducidade do direito do sinistrado por decurso do prazo previsto pelo art.º 32.º da Lei 100/97 de 13/09.
Os factos são, por ora, os que resultam do relatório supra e os constantes da decisão recorrida.
A primeira questão que importa decidir é se, em 26/06/2024, já havia caducado o direito de o sinistrado requerer a revisão da incapacidade.
A Lei 100/97, de 13/09, é aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 01/01/2000, conforme determinado pelo seu artigo 41.º, n.º 1, al. a), conjugado com os artigos 71.º do DL 143/99 de 30/1 e 1.º do DL 382-A/99, de 22/09 que alterou o n.º 1 daquele artigo 71.º.
Tendo o acidente de trabalho dos autos ocorrido em 13/05/2002, a questão em pareço será apreciada à luz da referida Lei 100/97.
Determinava o seu art.º 25.º, n.º 1, que quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
Estabelecendo o n.º 2 do mesmo preceito legal que, a revisão só poderia ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
Apesar de a cura clínica das lesões resultantes dum acidente de trabalho corresponder, por via de regra, à situação em que essas lesões desapareceram totalmente ou se apresentam como insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada, podem ocorrer alterações da incapacidade, em virtude de agravamento ou melhoria das lesões ou doença que deu origem à reparação, sendo para satisfazer a necessidade do reajustamento da pensão ao estado de incapacidade que o decurso do tempo tenha modificado que se admite a sua revisão nos termos constantes do citado art.º 25.º.
O Tribunal Constitucional tem sido várias vezes chamado a pronunciar-se sobre a questão do prazo de caducidade do direito à revisão da incapacidade, estando consolidada a jurisprudência no sentido da conformidade da norma que estabelece um prazo de 10 anos para requer a revisão das prestações por acidente de trabalho, nas situações em que, entre a fixação da pensão atribuída e o pedido da respetiva revisão tiver decorrido o prazo fixado na lei sem que se registe alterações ou circunstâncias relevantes para o afastamento da presunção de estabilização da situação do sinistrado.
Para o efeito, foram tidas em conta quer as situações em que não tinham sido formulados quaisquer pedidos de revisão de pensão dentro do prazo de dez anos desde a fixação da pensão inicial (assim, os Acórdãos n.ºs 155/2003 e 612/2008), quer as situações em que, tendo ocorrido atualizações da pensão inicialmente fixada (na sequência de pedidos de revisão a tanto dirigidos), decorrera o prazo de 10 anos desde a última revisão da pensão (assim, o Acórdão n.º 219/2012), quer as situações em que, não obstante ter sido requerida a revisão da pensão durante o período inicial subsequente à incapacidade inicialmente fixada, fora a mesma indeferida, não ocorrendo, assim, qualquer revisão intercalar do grau de incapacidade e pensão fixada (assim, o Acórdão n.º 134/2014).
Na verdade, o limite temporal estabelecido pelo referido art.º 25.º, n.º 2, já antes estabelecido na Lei n.º 2127, de 03/08/65, tem a sua justificação na verificação da experiência médica de que os agravamentos das lesões, bem como as melhorias, têm uma maior incidência nos primeiros tempos, assim se percebendo a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões, decaindo até decorrer um maior lapso de tempo, que a lei considerou razoável fixar em dez anos. Considera-se que, se revela, na generalidade das situações e segundo a normalidade das coisas, um prazo suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado- cfr., entre outros, o ac. do STJ de 22/05/2013[1].
Entende-se, assim, que aquele preceito legal, tem subjacente uma presunção de estabilização da situação de incapacidade resultante do acidente[2].
Importa, contudo, salientar que a jurisprudência do TC tem concluído também que sempre que aquela presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado, for abalada, a revisão deve ser permitida para além dos 10 anos, sob pena de inconstitucionalidade por violação do direito a assistência e justa reparação a que o trabalhador vítima de acidente de trabalho tem direito (art.º 59.º, 1, al. f), da CRP)[3].
Neste enquadramento, a tempestividade do exercício do direito de requerer a revisão da pensão à luz do art.º 25.º, n.º 2 da Lei 100/97, pressupõe que o quadro factual subjacente permita saber:
- se nos 10 anos subsequentes à decisão que fixou a incapacidade inicial foram ou não formulados quaisquer pedidos de revisão;
- se tendo-o sido, ocorreu alguma modificação da situação do sinistrado, nomeadamente se foi ou não reconhecida a existência de agravamento e quando;
- mesmo que não tenha ocorrido qualquer modificação da incapacidade durante aquele prazo, se se verificaram ou não quaisquer circunstâncias capazes de ilidir a presunção de estabilização das lesões que constitui fundamento da fixação do prazo limite de 10 anos para a revisão da incapacidade, caso em que tal prazo, sob pena de inconstitucionalidade daquela previsão normativa, deixa de poder ser aplicado.
No caso dos autos, verifica-se, porém, que não foi fixada, ou pelo menos, não foi individualizada, a matéria de facto essencial à prolação da decisão, atentas todas a soluções plausíveis de direito.
Parece resultar da decisão recorrida que a revisão terá sido requerida por duas vezes: em 24/06/2004 e em 23/08/2006. Mas nada consta quanto à decisão que tenha sido proferida sobre tais pedidos de revisão, ou seja, se houve ou não modificação da incapacidade, nem quanto à data em que tais decisões terão sido proferidas. De resto, das alegações de recurso resulta até que do ponto de vista da recorrente, só teria sido formulado um pedido de revisão cuja decisão teria sido proferida em 27/03/2008, o que, na falta de adequada fundamentação de tal matéria, torna a decisão de facto deficiente e ambígua.
Por outro lado, verifica-se que, no requerimento de revisão, o sinistrado alegou não só o agravamento das lesões, mas também ter sido submetido a intervenção cirúrgica em 2018 (ainda que não concretize a data exata em que tal ocorreu, o que poderá ser relevante para a contagem do prazo de 10 anos, por referência à decisão do último incidente, caso tenha sido proferida em 2008) o, que poderá relevar para decidir se a presunção de estabilização das lesões está ilidida.
E verifica-se, ainda, que a seguradora, ao pronunciar-se sobre tal requerimento, alegou, por sua vez, que vem mantendo tratamentos ao sinistrado, tendo junto documentos dos quais parece resultar que a seguradora reobservou o sinistrado em vários momentos (no período de 2007 a 2022), tendo-lhe atribuído períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial, e emitido até boletim de alta em 12/09/2022, mantendo a incapacidade anterior, o que poderá relevar para este último efeito.
Sobre estes factos alegados pelas partes a Mm.ª Juiz “a quo” não se pronunciou, seja considerando-os provados, seja considerando-os não provados e os mesmos são relevantes atentas todas as soluções plausíveis de direito.
De facto, no caso dos autos, mesmo que se viesse a concluir que na data do requerimento de revisão apresentado em 26/06/2024, havia já decorrido o prazo de 10 anos (seja porque não foram requeridas revisões, seja porque tendo sido requeridas foram indeferidas, seja porque, tendo sido requeridas, já decorrera 10 anos desde a última decisão de agravamento), o requerimento sempre será tempestivo se decorrido aquele prazo houver circunstâncias que evidenciem a não estabilização das lesões sofridas pelo sinistrado.
Ora, a necessidade de especificação dos fundamentos da decisão judicial está consagrada o art.º 154º do CPC, para todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou dúvida suscitada no processo, em concretização do comando constitucional consagrado no art.º 205.º, n.º 1 da CRP, do qual resulta que só o despacho de mero expediente não carece, por natureza, de ser fundamentado.
E ainda que estejamos no âmbito de um incidente processual, a elaboração da decisão final não deixa de estar sujeita aos requisitos da elaboração da sentença, sendo aplicável por força do disposto pelo art.º 295.º do CPC, o disposto pelo art.º 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, segundo os quais na fundamentação da sentença, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, devendo ainda tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.
E deve fazê-lo de forma clara e exaustiva relativamente, pelo menos, a todos os factos relevantes para a decisão que tenham sido alegados pelas partes.
No caso concreto, decorre do supra exposto, que a decisão recorrida se mostra deficiente no que respeita aos factos atinentes aos pedidos de revisão formulados nos autos e às decisões que sobre os mesmos tenham recaído e respetivas datas e que há factos alegados com relevo para a decisão sobre os quais o tribunal não se pronunciou e que importa esclarecer, impondo-se ampliar a matéria de facto.
Pelo que, ao abrigo do disposto pelo art.º 662.º, n.º 2, als. c) e d) do CPC, impõe-se a anulação da decisão recorrida, com vista ao suprimento dos factos tidos como assentes e respetiva fundamentação (data dos pedidos de revisão, decisão que sobre os mesmos tenha recaído e respetivas datas) e com vista à ampliação da matéria de facto, de modo a que o tribunal se pronuncie sobre a matéria alegada pelo sinistrado no requerimento de revisão e pela seguradora na oposição deduzida (sujeição do sinistrado a intervenção cirúrgica, data dessa, tratamentos que tenham sido prestados pela seguradora e respetivas datas), questões que apenas podem ser colmatadas pelo tribunal recorrido, já que os autos não oferecem os elementos necessários para a alteração oficiosa da matéria de facto.
Consequentemente, anula-se o despacho final do incidente de revisão, devendo ser praticados os atos necessários à prolação de nova decisão final do incidente, na qual o tribunal “a quo”, supra a deficiente indicação dos factos a que alude como assentes na decisão recorrida e se pronuncie sobre os factos alegados pelo sinistrado e pela seguradora identificados acima.
A apreciação das demais questões suscitadas, fica assim, por ora, prejudicada.
Por todo o exposto acorda-se anular a decisão da 1.ª instância, com vista ao suprimento da deficiência da matéria de facto e à sua ampliação, nos termos acima definidos.