ACIDENTE DE TRABALHO MORTAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
QUALIDADE DE BENEFICIÁRIO NO ÂMBITO DO REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE TRABALHO
CUMULAÇÃO DO DIREITO DE PENSÃO DOS ASCENDENTES E DE OUTROS PARENTES SUCESSÍVEIS
Sumário

I – Não sendo os autores beneficiários legais do sinistrado, nem tendo sido peticionada, a título principal, pensão por morte do sinistrado, o juízo do trabalho não é materialmente competente para apreciar o pedido de indeminização por danos não patrimoniais formulado pelos pais do sinistrado, o qual é da competência dos tribunais comuns.
II - O juízo do trabalho é materialmente competente para conhecer do pedido de pagamento de despesas de funeral ainda que quem as reclama não seja beneficiário do sinistrado, sendo o direito ao seu reembolso reconhecido a quem comprovadamente tenha efetuado o pagamento de tais despesas.
III - O regime legal do chamamento dos herdeiros sucessíveis à abertura da herança plasmado no Código Civil, não afasta a qualidade de beneficiário no âmbito do regime de reparação de acidentes de trabalho.
IV - No âmbito da reparação de um acidente de trabalho mortal, é admissível a cumulação do direito a pensão dos ascendentes e de outros parentes sucessíveis.

(Sumário elaborado pela relatora nos termos do art.º 663.º, n.º 7 do CPC)

Texto Integral

Processo n.º 1699/22.2T8BRG-A.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia – J1

Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho que vitimou mortalmente AA, os autores BB e CC, pais do sinistrado, formularam pedido de condenação das rés A..., S.A., e B... Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação destas Rés, em regime de solidariedade a pagar: os danos sofridos pela vítima durante o período de decesso no montante de € 20.000,00; a titulo de perda do direito à vida - € 100.000,00; danos não patrimoniais pela morte do filho - € 25.000,00 para cada um e as despesas efetuadas com o funeral na quantia de € 2.156,02.

Por sua vez a autora DD, sobrinha do sinistrado, formulou pedido de condenação das rés no pensão por morte, no montante de €5.820,24, sendo da responsabilidade da Companhia de Seguros o pagamento no montante de € 4.825,56 e da responsabilidade da Entidade Empregadora o pagamento no montante de € 994,09; pensão anual igual à retribuição do sinistrado, no montante anual de € 18.613,82 acrescido do subsidio de alimentação e outras remunerações no valor de €257,62 x11 meses + € 125,00 x 12 meses.

As rés contestaram, arguindo, além do mais, que não está em causa no recurso, a incompetência material do tribunal de trabalho para conhecer dos pedidos formulados pelos autores BB e CC e que nenhum dos autores é beneficiário do sinistrado o que constitui exceção perentória, que, nos termos do art.º 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) determina a sua absolvição do pedido.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador no qual, além do mais, foi proferida decisão que julgou o tribunal de trabalho materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados pelos autores CC e BB, absolvendo as rés dos pedidos pelos mesmos formulados, bem como decisão que julgou improcedente a exceção da ilegitimidade da autora DD, determinando o prosseguimento dos autos para julgamento quanto à mesma.

Inconformados, os autores BB e CC, interpuseram o presente recurso, com vista à revogação da decisão que julgou o tribunal incompetente quanto aos pedidos pelos mesmos formulados, terminando as alegações com as seguintes conclusões:

«1. Os Autores intentaram uma ação sob a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho, peticionando a condenação solidária das Rés ao pagamento de indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do falecimento do seu filho.

2. Alegam que a morte resultou de um acidente de trabalho provocado pela violação de regras de segurança imputável à entidade empregadora, configurando responsabilidade agravada nos termos do artigo 18.º da LAT.

3. As Rés contestaram, arguindo a incompetência do Tribunal do Trabalho, sustentando que os Autores não assumem a qualidade de beneficiários do sinistrado ao abrigo da LAT e que a ação se funda em responsabilidade civil extracontratual.

4. A Meritíssima Juíza a quo proferiu despacho saneador absolvendo as Rés da instância, por entender que o Juízo do Trabalho da Maia carece de competência material para conhecer da causa.

5. Considera-se que a decisão padece de erro na interpretação das normas aplicáveis, entendimento que encontra respaldo na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

6. A competência material dos tribunais deve aferir-se pelos termos em que o Autor estrutura a causa de pedir e o pedido, como ensinam o Prof. Manuel de Andrade e o Prof. Miguel Teixeira de Sousa.

7. O artigo 126.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ atribui aos Juízos do Trabalho competência para conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, o que deve abranger ações conexas.

8. O artigo 18.º da LAT impõe que, quando o acidente resulta de incumprimento de regras de segurança, a responsabilidade pela indemnização se estenda a todos os prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares.

9. O CPTrabalho prevê que ações destinadas à efetivação de direitos conexos com acidentes de trabalho sigam os termos do processo comum por apenso ao processo principal, reforçando a competência laboral.

10. A orientação maioritária dos Tribunais Superiores, incluindo o Tribunal da Relação do Porto, sustenta que, tratando-se de pedido conexo com acidente de trabalho e violação de normas de segurança, a competência material pertence ao Tribunal do Trabalho.»


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A ré A... apresentou contra-alegações e interpôs recurso subordinado, concluindo as alegações nos seguintes termos:

a) A competência dos Juízos do Trabalho, prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea c), da LFTJ, para apreciar matérias exclusivamente de direito civil, como é o caso de pedidos de responsabilidade civil formulados ao abrigo das normas gerais de responsabilidade civil (483.º e ss. do Código Civil) é uma competência por conexão, o que significa que apenas na eventualidade de o Autor ter a qualidade de beneficiário de algum direito emergente da LAT é que poderá, por conexão, ver os Juízos de Trabalho a apreciar também os pedidos acessórios de responsabilidade civil decorrentes do acidente de trabalho.

b) Para que exista a referida competência por conexão dos Juízos do Trabalho não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho ou que este esteja na origem dos pedidos de responsabilidade civil formulados pelo Autor, sendo ainda necessário que, em caso de morte do sinistrado, ao Autor seja reconhecida a qualidade de beneficiário deste último.

c) Nos termos da LAT, os familiares sobrevivos de um sinistrado apenas adquirem a qualidade de beneficiários deste último quando preencham os requisitos previstos naquele diploma legal (artigo 2.º da LAT).

d) Os 2.º e 3.ª Autores nos presentes autos (ascendentes do sinistrado) não têm a qualidade de beneficiários nos termos da LAT, por não preencherem os requisitos legais previstos no artigo 49.º, n.º 1, alínea d), do mesmo diploma legal, o que os mesmos expressamente reconhecem na Petição Inicial, ao não invocarem essa qualidade (que sabem não ter) e ao formularem unicamente pedidos de responsabilidade civil geral, nos termos dos artigos 483.º e ss. do Código Civil.

e) Ao não terem a qualidade de beneficiários do sinistrado nos termos da LAT, ao não invocarem essa sua qualidade, e ao formularem pedidos unicamente de responsabilidade civil geral (nos termos do artigo 483.º do Código Civil), deixa de haver qualquer competência por conexão do Tribunal a quo (integrante dos Juízos do Trabalho) para poder apreciar e decidir os pedidos formulados pelos 2.º e 3.ª Autores, levando a que o Tribunal a quo seja então materialmente competente.

f) Ao considerar-se materialmente incompetente para apreciar os pedidos formulados pelos 2.º e 3.ª Autores, absolvendo as RR. da instância com esse fundamento relativamente aos pedidos destes Autores, o Tribunal a quo fez uma correta aplicação direito ao caso em concreto, designadamente o disposto no artigo 126.º, n.º 1, alínea c) da LOFTJ, nos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1 e 99.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, e no artigo 49.º, n.º 1, alínea d) e 57.º, n.º 1, alínea d), da LAT.

Quanto ao Recurso Subordinado:

g) Quanto à 1.ª Autora, o Ilustre Tribunal a quo decidiu que a mesma tinha a qualidade de beneficiária e, consequentemente, que inexistiam os factos alegados pela Recorrente que extinguiam o efeito jurídico (direito a pensão por acidente de trabalho que vitimou o seu tio) pretendido dos factos alegados por aquela A., julgando improcedente esta exceção perentória e considerando-se competente para apreciar os pedidos formulados pela 1.ª Autora ao abrigo da LAT. Deste modo, quanto a este ponto da sua Contestação, a Ré A... saiu vencida.

h) Uma vez que foi apresentado Recurso de Apelação pela contraparte, tal legitima a R., ora Recorrente, a recorrer subordinadamente (artigo 633.º, n.º 2, do CPC), no prazo que os AA. dispuseram para apresentar o seu respetivo Recurso de Apelação (artigos 80.º, n.º 1 e n.º 2, e 81.º, n.º 5, do CPT).

i) Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, alínea e), da LAT, para que uma determinada pessoa tenha a qualidade de beneficiário do sinistrado em caso de morte não basta que exista uma relação de parentesco, exigindo ainda essa mesma disposição legal que, além de parente, seja sucessível do sinistrado.

j) Nos termos do artigo 2133.º do Código Civil, antes de poderem ser chamados como herdeiros sucessíveis os irmãos da vítima e os descendentes destes últimos (artigo 2133.º, alínea c), do Código Civil), são chamados como herdeiros sucessíveis o “cônjuge e ascendentes” (artigo 2133.º, alínea b), do Código Civil). No mesmo sentido o artigo 2145.º do mesmo diploma legal, que refere que apenas “na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, são chamados à sucessão os irmãos e, representativamente, os descendentes destes” (sublinhado nosso), bem como o artigo 2147.º também do mesmo diploma legal, que indica que “na falta de herdeiros das classes anteriores, são chamados à sucessão os restantes colaterais até ao quarto grau, preferindo sempre os mais próximos” (sublinhado nosso).

k) No caso, a 1.ª Autora apenas seria considerada parente sucessível do Sinistrado se este último não tivesse deixado cônjuge e descendentes ou cônjuge e ascendentes – primeira e segunda ordens de sucessão, nos termos do referido artigo 2133.º do Código Civil – o que não foi manifestamente o caso, já que o sinistrado deixou ascendentes.

l) Tendo o sinistrado deixado ascendentes vivos, estes tornam-se os únicos parentes sucessíveis do mesmo, impedindo que a sua irmã e sobrinha – também sobrevidas, sendo esta última a 1.ª Autora nos presentes autos – possam arrogar- se da qualidade de parente sucessível do sinistrado.

m) Apesar da 1.ª Autora ser parente do sinistrado, não é parente sucessível do mesmo, que é um dos requisitos legais exigidos pelo artigo 57.º, n.º 1, alínea d), da LAT, para que a mesma possa invocar quaisquer direitos ao abrigo daquele diploma legal – sendo estes factos impeditivos do exercício dos direitos que a 1.ª Autora peticiona nos presentes autos o que constitui exceção perentória, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT.

n) Ao assim não ter julgado, o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito ao caso em concreto, designadamente o disposto nos artigos 57.º, n.º 1, alínea e), da LAT, 2133.º, 2145.º e 2147.º do Código Civil e 576.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT.»


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Por sua vez, a ré B... – Companhia de Seguros, S.A. apresentou contra-alegações sem formalização de conclusões, pugnando pela improcedência do recurso dos autores e alegando que, ainda que o tribunal apenas se tenha pronunciado sobre a legitimidade da autora DD, relegando para a sentença a questão da legitimidade substancial, não tendo a ré empregadora impugnado esta última decisão, a mesma, na medida em que se transposta para a legitimidade substancial, é desajustada.

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Os recursos foram regularmente admitidos e recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público teve vista para os efeitos do disposto pelo art.º 87.º, n.º 33 do Código de Processo do Trabalho (CPT), não tendo emitido parecer por entender que nos recursos interpostos estão em causa questões exclusivamente de natureza processual, de direito adjetivo, não competindo ao Ministério Público emitir parecer.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

- se o tribunal de trabalho é competente em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados pelos autores BB e CC;

- se a autora DD é parte legitima (recurso subordinado).


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Fundamentação de facto

Além do que resulta do relatório supra, estão assente nos autos os seguintes factos:

«a) No dia 22 de fevereiro de 2022, pelas 9h 45m, em Braga, AA quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização de “A..., S.A.” e desempenhava as funções de eletricista, foi vítima mortal de um acidente de viação.

b) O acidente referido em a) provocou a AA politraumatismos que lhe causaram a morte.

c) Na data referida em a), para efeito de responsabilidade infortunística laboral, o Autor auferia o salário anual total de € 18.613,82 (€ 1.020,00 x 14 meses + € 257,62 x 11 meses + € 125,00 x 12 meses – salário, subsídio de alimentação e outras remunerações).

d) A Ré “A..., S.A.” celebrou com a Ré “B... – Companhia de Seguros, S.A.” um contrato de seguro, do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º AT...60, válido e eficaz na data referida em a).

e) A responsabilidade infortunística-laboral transferida para a empresa de seguros por força do contrato identificado em d) está limitada à retribuição anual de € 15.434,34.

f) Por causa do referido em e), a Ré “A..., S.A” é responsável pela diferença no montante de € 3.179,48.

g) DD nasceu no dia ../../2017 e é filha de EE e de FF.

h) FF nasceu no dia ../../1986 e é filha de BB e CC.

i) O decesso AA foi registado como tendo ocorrido às 17h e 25m do dia 25 de fevereiro de 2022, no estado de solteiro e filho de BB e de CC.»


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Apreciação

A primeira questão que vem colocada a este tribunal consiste em saber se, ao contrário do decidido em 1.ª instância, o juízo do trabalho é materialmente competente para apreciar os pedidos formulados pelos autores BB e CC.

Tal como ensinava Manuel de Andrade[1], a competência determina-se pelos termos em que a ação é proposta, isto é, pela causa de pedir e pedido respetivos.

De acordo com o art.º 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

O art.º 64.º do Código de Processo Civil determina que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Estabelece, por seu turno, o art.º 65.º do mesmo diploma legal que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.

Assim, no que respeita à repartição da competência pelos diversos tipos de tribunais judiciais, o CPC remete para as leis de organização judiciária a definição/determinação das causas afetas, em razão da matéria, a tribunal judicial dotado de competência especializada.

Prevê o art.º 40.º, nº1 da Lei 62/2013 de 26/08, que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, em consonância com o disposto pelo referido art.º 64.º do CPC.

E o n.º 2 da mesma disposição prevê que “A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.”

De entre os juízos de competência especializada contemplados no art.º 81.º, n.º 3 da mencionada Lei 62/2013, incluem-se os do trabalho.

No que respeita à competência dos juízos de trabalho importa, pois, considerar o que dispõe o art.º 126º da citada lei 62/2013.

Tal como resulta do supra afirmado, a competência material do tribunal há-de aferir-se em função da relação material controvertida, tal como o autor a configura na petição inicial.

A presente ação emerge de um acidente de trabalho no qual foi vítima mortal AA, tendo os autores BB e CC, pais do sinistrado, dado início à fase contenciosa, mediante apresentação de petição inicial, na qual pedem a condenação solidária das rés, a pagar:

- os danos sofridos pela vítima durante o período de decesso no montante de € 20.000,00;

- a título de perado do direito à vida - € 100.000,00;

- danos não patrimoniais pela morte do filho - € 25.000,00 para cada um e;

- as despesas efetuadas com o funeral na quantia de € 2.156,02.

Alegam como causa de pedir que o filho foi vítima mortal de um acidente de trabalho, que ocorreu por causa da violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora e que, apesar de não reunirem os pressupostos para assumirem a qualidade de beneficiários do sinistrado no âmbito da legislação laboral, têm direito a uma indemnização nos termos gerais de direito, atenta a responsabilidade agravada da empregadora, atento o disposto no artigo 18.º da LAT.

O art.º 126.º n.º 1 al. c) da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto (doravante (LOSJ), estabelece que compete aos juízos do trabalho conhecer em matéria cível “das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.”

Porque concordamos inteiramente com o mesmo e o entendimento que nele se seguiu se ajusta rigorosamente ao caso em análise, seguiremos a posição cabalmente sustentada no Ac. RG de 18/06/2024[2], cujos fundamentos e razões, aqui reproduzimos, transcrevendo o seguinte:

«(…) importa referir que para definir a competência dos juízos do trabalho, referente às questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, não basta que o acidente em causa seja qualificado como de trabalho, pois também é necessário, designadamente, nos casos de morte, que os autores sejam reconhecidos como beneficiários nos termos prescritos na Lei dos Acidentes de Trabalho e que esteja em causa a típica reparação dos danos emergente de acidente de trabalho, ou seja, a pensão anual, como compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima.

A competência dos juízos do trabalho com fundamento na al. c) do citado art.º 126.º da LOSJ, pressupõe que esteja em causa a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho a que os trabalhadores ou os seus familiares tenham direito nos termos previstos no regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

Assim, a competência dos Juízos do Trabalho impõe-se sempre que esteja em causa a típica reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, sendo estes juízos também competentes para conhecer da indemnização por danos não patrimoniais peticionada pelo sinistrado ou pelos seus beneficiários do sinistrado, nas situações a que reporta o art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (doravante NLAT).

Por outro lado, o artigo 40.º da LOSJ estatui que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, consagrando assim, tal disposição legal, o princípio da competência residual dos tribunais judiciais, estendendo-se a competência dos tribunais comuns a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais.

Por fim, prescreve o art.º 18.º n.º 1 da NLAT que “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.

Em suma, apesar de ser atribuída aos Juízos do Trabalho a competência para apreciar as questões emergentes de acidentes de trabalho, ou seja, as relativas à reparação dos danos deles decorrentes, importa ter presente quer a especificidade prevista no regime de reparação de acidentes de trabalho, quer a titularidade do direito à reparação, quer ainda os sujeitos passivos dessa obrigação.

A questão que cumpre apreciar é a de saber se face à causa de pedir – acidente de trabalho ocorrido no dia 11 de Dezembro de 2019, por violação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho imputada ao empregador - e aos pedidos formulados pelos Autores (a quem não foi reconhecida a qualidade de beneficiários legais da vítima) contra a Ré, ao abrigo do art.º 18.º n.º 1 da NLAT (€140.000,00 a titulo de indemnização por Dano morte do sinistrado CC; €20.000,00 titulo de indemnização por Dano pré-morte do sinistrado; e € 80.000,00 a titulo de danos não patrimoniais/morais sofridos pelos Autores com a morte do seu filho), o Tribunal recorrido tem competência em razão da matéria para apreciar as concretas questões que lhe são colocadas.

No caso em apreço os autores fundam a sua pretensão no acidente de trabalho ocorrido no dia ../../2019, que causou a morte do seu filho, que tal como alegam, foi provocado pela inobservância de regras de segurança por parte do empregador.

Fundamentam a sua legitimidade no facto de serem pais da vítima (herdeiros), não sendo detentores da qualidade de beneficiários legais e peticionam indemnizações pelo dano morte do sinistrado, pelo dano pré-morte do sinistrado e pelos danos não patrimoniais sofridos com o falecimento de seu filho.

Daqui resulta inequívoco que os Autores sustentam o seu pedido na ocorrência de um típico acidente de trabalho, mas não visam neste processo exercer o direito à reparação prevista no Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho, ou seja, não pretendem obter a reparação típica destes casos – a pensão anual -, aliás, porque não lhes assiste direito. Ao invés, apenas pretendem ser ressarcidos dos danos não patrimoniais. Em causa estão os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado como a perda da própria vida e o seu sofrimento antes do seu decesso, bem como os danos sofridos por terceiros, como o sofrimento provocado aos pais.

Na verdade, com a presente ação os Autores apenas peticionam o pagamento de indemnização fundada na responsabilidade civil geral que radica num acidente de trabalho, ou seja, estamos perante uma ação em que se peticiona a indemnização pelos danos não patrimoniais que alegadamente resultaram de um acidente de trabalho cuja produção se ficou a dever à culpa do empregador por violação das normas de segurança saúde no trabalho.

Acresce referir que o citado art.º 18 da NLAT, permite que no processo resultante de acidente de trabalho, no caso em que o acidente tiver sido provocado pelo empregador ou resultar da falta de observância de regras sobre segurança e saúde no trabalho, para além da atribuição de uma pensão anual, sejam tidos em consideração a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e seus familiares.

Entendemos que esta extensão da competência dos juízos do trabalho, não pode deixar de ser considerada como um caso de competência por conexão e não de competência própria, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência[2][3], já que apenas existe quando se quer fazer valer a pretensão principal de exercer o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral e se pretende obter também uma indemnização por danos não patrimoniais.

Como se refere no Ac. da RP de 12.01.2016 a este propósito “Com efeito, se para além desse direito, o sinistrado ou os seus familiares beneficiários pretendem ainda obter uma indemnização por danos não patrimoniais, sendo o tribunal de trabalho o competente em razão da matéria para conhecer o pedido principal, não se vislumbra razão válida, até por motivos de economia processual, para obrigar a parte a recorrer ao fora comum a fim de ver ressarcidos tais danos não patrimoniais, o que explica a extensão, nestas situações, da competência do tribunal do trabalho.”

O que importa reter é que a extensão da competência pressupõe sempre o reconhecimento da qualidade de beneficiário do sinistrado, o que como já deixamos suficientemente expresso, não se verifica quanto aos autores no âmbito destes autos.

(…)

Pelo exposto, não tendo os Autores a qualidade de beneficiários legais do sinistrado, nem estando em causa a atribuição de uma pensão por morte teremos de concluir que os pedidos formulados saem fora do âmbito laboral, configurando uma típica ação de responsabilidade civil por factos ilícitos semelhante a tantas outras, com a particularidade dos danos resultarem da ocorrência de um acidente de trabalho com culpa do empregador[3][4], cuja apreciação e julgamento compete aos tribunais comuns.

O que define a competência do juízo do trabalho é a determinação sobre se estamos ou não perante a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho a que o trabalhador e os seus familiares têm direito nos termos do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho, ou seja, não basta estarmos perante a ocorrência de um acidente de trabalho, pois estando em causa a morte do trabalhador é ainda necessário que os autores sejam reconhecidos como beneficiários legais e que esteja em causa a compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima sob a forma de pensão, já que esta é a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho[4][5].

Os juízos do trabalho são competentes quando está em causa a típica reparação por acidente de trabalho e nessas circunstâncias são igualmente competentes para conhecer de eventual indeminização por dano não patrimonial peticionado pelos beneficiários do sinistrado, situação que não se verifica no caso dos autos.»

No caso dos autos, os autores, pais do sinistrado, formularam pedidos de indemnização dos danos sofridos pela vítima durante o período de decesso; de indemnização pela perda do direito à vida e de indemnização dos danos não patrimoniais pela morte do filho, assumindo, desde logo, que não reúnem as condições para serem considerados beneficiários do sinistrado.

Estes pedidos não correspondem a qualquer das prestações típicas emergentes de acidente de trabalho, não constituindo compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima, pelo que, na falta de um pedido principal que respeitasse a tal compensação, não é aplicável a extensão da competência resultante do art.º 18.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 04/09, que apenas existe quando se quer fazer valer como pretensão principal o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral e se pretende obter também uma indemnização por danos não patrimoniais.

Assim, quanto aos pedidos de indemnização dos danos sofridos pela vítima durante o período de decesso; de indemnização pela perda do direito à vida e de indemnização dos danos não patrimoniais pela morte do filho, o juízo do trabalho não é materialmente competente, não merecendo censura a decisão recorrida.

Já quanto ao pedido de condenação das rés no pagamento aos mesmos autores das despesas efetuadas com o funeral na quantia de € 2.156,02, a decisão recorrida não se poderá manter.

Na verdade, nos termos do art.º 23.º, al. b) da Lei n.º 98/2009 de 04/09, “O direito à reparação compreende as seguintes prestações: (…) b) Em dinheiro – indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.”

E nos termos do art.º 66.º do mesmo diploma “3 – O direito ao subsídio por despesas de funeral pode ser reconhecido a pessoas distintas dos familiares e equiparados do sinistrado. 4 – Tem direito ao subsídio por despesas de funeral quem comprovadamente tiver efetuado o pagamento destas.”

Daqui resulta que o pedido de pagamento das despesas de funeral se insere no âmbito do direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho e que a legitimidade para o formular não pressupõe a qualidade de beneficiário, sendo mesmo, num desvio ao disposto pelo art.º 2.º da Lei 98/2009, extensivo a terceiros.

Nessa medida, os juízos do trabalho são competentes para conhecer de tal pedido[6], impondo-se a revogação da decisão recorrida nesta parte.


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A segunda e última questão a apreciar respeita à ilegitimidade da autora DD, suscitada pela empregadora A... no recurso subordinado.

Nos termos do art.º 633.º, n.º 1 do CPC é pressuposto de admissibilidade do recurso subordinado que o mesmo incida sobre a mesma decisão ou partes distintas da mesma decisão que é objeto do recurso principal (que julgou um só pedido ou vários pedidos), pressupondo que ambas as partes ficaram vencidas pela mesma decisão ou por partes dela.

Ora, na situação dos autos aquele pressuposto não se verifica, já que o recurso interposto pelos autores BB e CC (recurso principal) tem por objeto a decisão proferida sobre o competência material do tribunal para apreciar os pedidos formulados pelos recorrentes e o recurso subordinado tem por objeto a decisão que se pronunciou sobre a legitimidade da autora DD, não estando em causa a mesma decisão, respeitando as decisões recorridas a relações diversas em que, apesar da causa de pedir ser a mesma (o acidente de trabalho), são diversos os pressupostos subjetivos e os pedidos formulados.

Ainda assim, como refere António Santos Abrantes Geraldes[7] “O facto de o recurso principal se dirigir apenas ao modo como foi conhecido um dos diversos pedidos formulados não afasta a possibilidade de a contraparte recorrer subordinadamente de decisão relativa aos demais.”, pelo que importa apreciar a pretensão deduzida por esta via.

No essencial está em causa a alegação de que aquela autora não assume a qualidade de beneficiária do sinistrado porquanto a mesma é sobrinha do sinistrado e, como este deixou ascendentes vivos, face ao disposto pelo art.º 2145.º do Código Civil, são estes os beneficiários do sinistrado para os efeitos do art.º 57.º da Lei 98/2009 de 04/09, o que exclui a autora da mesma qualidade.

Apesar de a questão ter sido suscitada na contestação como exceção perentória, Mm.ª Juiz “a quo” considerou que “apurar da qualidade de parente sucessível da Autora relativamente ao Sinistrado de acordo com a fundamentação supra expendida pelas Rés estaremos face à exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Autora enquanto pressuposto processual, isto é, como uma deficiência do processo que deve ser conhecida o mais cedo possível a fim de evitar atos inúteis, desde logo, a realização da audiência final”.

Ora, nos termos do art.º 30º do CPC o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor.

No caso dos autos, importa considerar a natureza e âmbito da responsabilidade em causa, estando expressamente definidos, no art.º 2.º da Lei 98/2009, os titulares do direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, como sendo os trabalhadores e os seus familiares.

E, especificamente, no que respeita às prestações por morte, estabelece o art.º 57.º daquela Lei, na parte que aqui interessa:

“1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:

a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto;

b) Ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos;

c) Filhos, ainda que nascituros, e os adoptados, à data da morte do sinistrado, se estiverem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º;

d) Ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º;

e) Outros parentes sucessíveis que, à data da morte do sinistrado, com ele vivam em comunhão de mesa e habitação e se encontrem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º.”

Com relevo na situação em apreço, importa ainda ter em conta o que estabelece o art.º 61.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Pensão aos ascendentes e outros parentes sucessíveis”:

“1 - Se do acidente resultar a morte do sinistrado, o montante da pensão dos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis é, para cada, de 10 % da retribuição do sinistrado, não podendo o total das pensões exceder 30 % desta.

2 - Na ausência de titulares referidos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 57.º, os beneficiários referidos no número anterior recebem, cada um, 15 % da retribuição do sinistrado, até perfazerem a idade de reforma por velhice, e 20 % a partir desta idade ou no caso de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.

3 - O total das pensões previstas no número anterior não pode exceder 80 % da retribuição do sinistrado, procedendo-se a rateio, se necessário.”

Não é controverso nos autos que os autores BB e CC são pais do sinistrado, motivo pelo qual, os mesmos, integram a segunda classe de sucessíveis (al. b) do art.º 2133.º do CC) e na falta de cônjuge ou filhos do sinistrado, aqueles são os seus únicos herdeiros Simultaneamente, desde que estivessem verificadas as condições previstas na al. d) do n.º 1 do art.º 49.º, os mesmos seriam beneficiários do sinistrado nos termos do disposto pelo art.º 57.º, n.º 1, al. d) da lei 98/2009.

Também não oferece dúvida que face ao disposto pelo art.º 2133.º do Código Civil, a autora DD, sendo sobrinha do sinistrado, integra a terceira classe de sucessíveis (al. c) do art.º 2133.º do CC) e que, face ao disposto pelo art.º 2145.º do mesmo Código, a mesma só seria chamada à sucessão do sinistrado, na falta de ascendentes deste, o que no caso não se verifica.

Contudo, a circunstância de a autora não ser chamada à herança do sinistrado, não determina, sem mais, que a mesma não seja beneficiária deste no âmbito da reparação de danos emergentes de acidente de trabalho. Nos autos a autora não intervém como sucessora do sinistrado nos direitos deste, mas como titular de um direito próprio.

De facto, a sua efetiva qualidade de herdeira não se confunde com o direito a reparação emergente de acidente de trabalho como beneficiária, que lhe confere um direito próprio a determinadas prestações, o que bem se compreende atenta a natureza alimentar que a pensão por morte devida em consequência de acidente de trabalho assume e que faz depender o direito à pensão no caso dos “outros parentes sucessíveis” de estes viverem em comunhão de mesa e habitação com o sinistrado e de o direito à penão depender da idade, frequência de ensino secundário, superior ou equipados, ou de os mesmos estarem afetados por doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho (arts. 57.º, n.º 1, al. e) e 60.º, n.º 1, ambos da lei 98/2009).

Acresce que, como bem refere a Mm.ª Juiz “a quo”, do disposto pelo art.º 61.º da Lei 98/2009, resulta “a possibilidade de cumulação/concorrência na qualidade de beneficiários os ascendentes e outros parentes sucessíveis, como é caso da sobrinha”.

Na verdade, do n.º 2 daquele preceito legal o que resulta é que os ascendentes e os outros parentes sucessíveis só têm direito a pensão na falta de: cônjuge do sinistrado ou pessoa que com ele viva em união de facto, de ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos e de filhos, ainda que nascituros e de adotados se estiverem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 49.º da mesma Lei. Nada resulta no sentido de que os demais parentes sucessíveis só tem direito a pensão, na falta de ascendentes.

De resto, é o mesmo que se passa entre as categorias de beneficiários a que se referem as als. a) a c) do mencionado art.º 57.º, como resulta das disposições dos arts. 59.º e 60.º da Lei 98/2009.

Assim, não merece reparo a decisão recorrida quando conclui que “o regime legal do chamamento dos herdeiros sucessíveis à abertura da herança plasmado no Código Civil, não foi adotado pelo Legislador Laboral que admite que os ascendentes e outros parentes sucessíveis concorram cumulativamente ao direito à pensão no âmbito de acidente de trabalho que causaram a morte aos sinistrados”, decidindo que a autora DD tem legitimidade processual ativa.

Assim, o direito da autora às prestações que reclama, estando dependente da prova a produzir sobre os factos alegados com vista a demonstrar que a mesma vivia com o sinistrado em comunhão de mesa e habitação e que se encontram controvertidos, ou seja a apreciação da questão da (i)legitimidade daquela autora na sua vertente substantiva, terá de ser aferido na sentença, como se concluiu, sem impugnação no despacho saneador.

Improcede, pois, o recurso subordinado.


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Considerando a procedência parcial do recurso principal, nos termos do disposto pelo art.º 527.º do CPC, as respetivas custas são da responsabilidade dos recorrentes BB e CC e das recorridas, na proporção dos decaimentos.

Considerando a improcedência total do recurso subordinado, nos termos do citado art.º 527.º, as respetivas custas são da responsabilidade da recorrente A..., S.A.


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Decisão

Pelo exposto acorda-se:

- julgar o recurso principal parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que julgou o juízo do trabalho materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido de condenação das rés a pagar aos autores BB e CC as despesas de funeral no valor de € 2 156,02, devendo os autos prosseguir para apreciação do mesmo, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida;

- julgar o recurso subordinado totalmente improcedente, confirmando, na parte correspondente, a decisão recorrida.

Custas do recurso principal pelos autores BB e CC e pelas rés (estas, na proporção do decaimento).

Custas do recurso subordinado pela ré A..., S.A.


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Notifique.

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Porto, 16/06/2025

Maria Luzia Carvalho (Relatora)

António Costa Gomes (1.º Adjunto)

Nelson Fernandes (2.º Adjunto)

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)

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[1] “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 91
[2] Processo n.º 7084/19.6T8GMR-A.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Nota[2] do acórdão com a seguinte redação: “Neste sentido ver entre outros Ac. RP de 12.01.2016, proc. n.º 917/14.5TBVCD.P1; Ac. RP de 21.10.2020; Ac. RP de 23.06.2021, proc. n.º 2019/20.6T9PNF.P1; Ac. RG de 18.01.2024, proc. n.º 4765/23.3T8BRG.G1, e Ac. do STJ de 24.09.2013, proc. n.º 2796/10.2TBPRD.P1.S1 (todos acessíveis in www.dgsi.pt) constando deste último o seguinte sumário:
I - A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 2 do art. 18.º da LAT, é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa.
II - Tal extensão de competência só funcionará quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
III - Se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral, mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida.”
[4] Nota [3] do Acórdão com o seguinte teor: “Cfr. Ac. RL de 26.02.2008, proc. n.º 546/2008-7 e Ac RP de 28.11.2022 proc. n.º 24427/19.5T8PRT.P1, (acessíveis in www.dgsi.pt.), este último com o seguinte sumário:
“II - Não sendo a Autora, mãe do trabalhador/falecido, considerada beneficiária deste, nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, a competência para julgar a acção em que a mesma peticiona o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo sinistrado e por ela, com fundamento na inobservância das regras sobre saúde e segurança no trabalho, pertence ao Tribunal comum.”
[5] Nota [4] do Acórdão com o seguinte teor: “Neste sentido Ac. RP de 9.10.2012, proc n.º 2796/10.2TBPRD.P1, acessível in www.dgsi.pt”.
[6] Cfr. Ac. RG de 29/02/2024, já identificado na nota 2.
[7] Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, pág. 123.