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FACTOS COMPLEMENTARES
CONHECIMENTO OFICIOSO
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS
Sumário
Numa ação de cessação de prestação de alimentos, constitui facto complementar dos essenciais inicialmente alegados a informação da segurança social que a requerida tem contas bancárias que levaram ao indeferimento do apoio judiciário, o que foi corroborado por uma testemunha, devendo as partes ser notificadas para se pronunciarem, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, podendo requerer produção de nova prova.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório (com base no relatório da sentença recorrida)
AA, divorciado, reformado, titular do nif ...74, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou a presente ação para cessação da prestação de alimentos contra BB, divorciada, assistente operacional, titular do nif ...74, residente na Av.ª ..., ... ..., pedindo que se declare cessada a obrigação de alimentos à requerida.
Começa por dizer, para o efeito, que, por um lado, a requerida já não tem necessidade da prestação de alimentos que foi fixada em sede de divórcio, por mútuo consentimento, e que, atualmente, é de € 134,40 (cento e trinta e quatro euros, quarenta cêntimos), e, por outro lado, que o requerente já não tem condições de a suportar.
E concretizando em factos essa conclusão, sustenta que, à data em que foi fixada a prestação de alimentos, no ano de 2013/2014, a requerida era, já então, como hoje é, assistente operacional numa escola pública, auferindo a remuneração mínima mensal de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros). Por seu turno, o requerente auferia remuneração mensal ilíquida, incluindo o duodécimo do subsídio de natal e o subsídio de refeição, de cerca de € 1.434,74 (mil, quatrocentos e trinta e quatro euros, setenta e quatro cêntimos).
À data, ambos tinham como fonte única de rendimento os salários que recebiam como funcionários públicos. Atualmente, o requerente é pensionista da Caixa Geral de Aposentações e a requerida continua em funções, auferindo o seu salário.
Todavia, o requerente teve um decréscimo real do seu único rendimento, ao passo que a requerida, ao invés, um acréscimo real do mesmo. Concretamente, o salário da requerida é hoje, com a atualização da base remuneratória da Administração Pública, de € 760,00 (setecentos e sessenta euros), tendo crescido 7,8% só do ano de 2022 para 2023, a que acresce o subsídio de refeição e os subsídios de férias e de natal. Em contrapartida, até 2022 não houver qualquer atualização do rendimento do requerente, houve um aumento significativo da carga fiscal a que se juntou um aumento de 1% da contribuição para a ADSE.
Assim, como pensionista da Caixa Geral de Aposentações, o requerente recebe líquido, depois de abatidos os valores do IRS e da ADSE, a quantia de € 962,18 (novecentos e sessenta e dois euros e dezoito cêntimos), que é manifestamente insuficiente para satisfazer as suas despesas com bens e serviços essenciais, suportar a prestação de alimentos e a amortização do crédito contraído para satisfazer a quantia exequenda pedida pela requerida em execução instaurada para cobrança de prestações de alimentos vencidas e devidas atualizações.
O montante do salário da requerida assegura a sua subsistência condigna com alimentação, vestuário e saúde. A habitação em que vive é arrendada pelo filho. Com o acréscimo da prestação de alimentos aproxima-se do rendimento do requerente; o que ultrapassa a função da prestação de alimentos a (ex)cônjuges que tem natureza excecional.
Conclui que, por virtude da alteração da redação dos artigos 2016.º e 2016.º-A, do Código Civil, pela Lei n.º 61/2018, de 31/10, os alimentos entre ex-cônjuges adquiriram, como princípio geral, natureza excecional, limitada e subsidiária.
Nessa medida, como direito de natureza temporária, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio. Assim chamado princípio da auto-suficiência.
Por outro lado, nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 2013.º do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa, além do mais, quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.
Ora, considerando que a requerida viu melhorada a sua situação económico-financeira, ao passo que o requerente viu a sua diminuída, considerando o princípio da auto-suficiência, conclui pela verificação dos pressupostos da cessação da prestação de alimentos.
Não foi deduzida, validamente, oposição.
Em 21/10/2024, após produção de prova, foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e mantendo a prestação alimentar à requerida.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso de apelação o requerente, a qual, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
[…]
11ª A Requerida viu aumentar os seus rendimentos do trabalho em quase 50% desde a fixação da pensão até à atualidade e viu a pensão de alimentos ser atualizada anualmente em 3%, mesmo quando a taxa de inflação foi durante alguns anos de perto de 0% ( chegando a ser negativa em dois anos - 2014 e 2020 ).
A pensão de alimentos, por efeito das sucessivas e continuadas atualizações é neste momento de 138,43€ ( vista a atualização automática operada no mês de Janeiro do corrente ano de 2024, por força do acordo de alimentos, constante de flls dos autos – Doc. 1 junto à PI - )
12ª Os rendimentos disponíveis da Requerida somam mensalmente 966,43€ ( Trabalho e Pensão ), tendo, ainda, uma poupança, que conseguiu fazer, de 11.000,00€.
O Requerente, por seu lado, tem 962,18€ líquidos, dos quais retira 138,43€ para pagar a pensão da Requerida, o que abatido o valor da pensão que está a pagar restam 823,88€, com os quais faz face a despesas fixas de 464,72€.
13ª Tendo em conta que as despesas que o Requerente e a Requerida suportam mensalmente se equivalem, a manter-se a obrigação de pagamento da pensão, redunda na realidade de a pensionista ficar com rendimento disponível superior ao devedor….,sem que esteja demonstrado deles carecer.
14ª Acresce que a capacidade económica/financeira do Requerente sofreu ainda uma degradação real resultado da inflação que se verificou desde o momento da fixação da pensão ( 2013 ) até ao presente, na ordem dos 22%., a que se junta a degradação dos rendimentos decorrente dos cortes e aumentos das taxas de fiscalidade ( IRS e ADSE ) à pensão de reforma.
15ª Se ao que se deixou evidenciado supra se acrescentar os factos provados em resultado da impugnação da matéria de facto nos termos supra enunciados/propostos, quanto à disponibilidade da conta bancária da Requerida, ao empréstimo contraído pelo Requerente e à obrigação do seu pagamento, ainda mais se evidencia a degradação da sua capacidade financeira ( que justifica a cessação da prestação alimentar).
16ª Ora, se é possível apurar-se que a Requerida, agora, não carece da pensão de alimentos, também, por outro lado, se conclui que o Requerente/Recorrente não pode continuar a prestá-los, designadamente porque, agora, considerando o seu rendimento ilíquido e abatidas as despesas fixas, fica com um rendimento disponível inferior ao salário mínimo nacional. E pagando a pensão de alimentos, fica com um rendimento líquido inferior ao rendimento líquido da Requerida.
17ª “Com a nova redação dos nºs nºs 1 a 3 do artigo 2016º e 2016º-A do CC, introduzida pela Lei nº 61/82008, de 31 do 10, o princípio geral , em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do seu caráter excecional, limitado e de natureza subsidiária;
2 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”AC RG de 03-03-2017, Proc. nº 4992/15.7T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt-.
18ª Nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 2013.º, sob a epígrafe “Cessação da obrigação alimentar”, “A obrigação de prestar alimentos cessa (…) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles, decorre que os únicos requisitos para fazer cessar a prestação de alimentos – acordada ou fixada pelo tribunal – são os ali mencionados: a falta de possibilidade daquele que os presta e a falta de necessidade, daquele que deles beneficia, em ambos os casos superveniente.
19ª O Tribunal “A Quo” faz errada ou deficiente interpretação das normas contidas, designadamente, nos artºs 2016º, 1, 2 e 3, 2016º-A, 2013º, 1, b), 2003º, 1 e 342º, todos do Código Civil; 607º, a), 412º, 1 e 414º, estes do Código Processo Civil.
Nestes termos e nos que melhor se julgarão, deve ser dado provimento à presente apelação e, em conformidade, alterar-se a douta sentença recorrida, declarando-se cessada a obrigação de prestação da pensão de alimentos que vem vigorando, tal como articulado no pedido inicial, Com o que se espera seja feita
JUSTIÇA.”.
A apelada contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
[…]
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir
Como questão primeira há que indagar sobre a admissibilidade do recurso, uma vez que a recorrida veio pugnar pela sua intempestividade.
Subsequentemente, sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em analisar o seguinte:
1. Alteração da matéria de facto;
2. Se em face dessa eventual ou não alteração deve a solução jurídica ser distinta da decisão recorrida, mais especificamente se se deve declarar cessada a prestação de alimentos do requerente à requerida.
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Quanto à tempestividade do recurso, o referido pela requerida é destituído de qualquer razão.
Diz a requerida que o prazo de recurso seria de 15 dias por estar em causa um processo tutelar cível, sendo aplicável o art. 32.º, n.º 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sendo que este normativo tem a seguinte redação:
“1 - Salvo disposição expressa, cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 63.º, podem recorrer o Ministério Público e as partes, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança.
3 - Os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias.
4 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, exceto se o tribunal lhes fixar outro efeito.”.
Como é óbvio, os processos tutelares referem-se a relações tutelares, sendo que o art. 3.º do citado diploma estabelece que:
“Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis:
a) A instauração da tutela e da administração de bens;
b) A nomeação de pessoa que celebre negócio em nome da criança e, bem assim, a nomeação de curador geral que represente, extrajudicialmente, a criança sujeita às responsabilidades parentais;
c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes;
d) A fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e a execução por alimentos;
e) A entrega judicial de criança;
f) A autorização do representante legal da criança à prática de certos atos, a confirmação dos que tenham sido praticados sem autorização e as providências acerca da aceitação de liberalidades;
g) A determinação da caução que os pais devam prestar a favor dos seus filhos ainda crianças;
h) A inibição, total ou parcial, e o estabelecimento de limitações ao exercício das responsabilidades parentais;
i) A averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade;
j) A determinação, em caso de desacordo dos pais, do nome e apelidos da criança;
k) A constituição da relação de apadrinhamento civil e a sua revogação;
l) A regulação dos convívios da criança com os irmãos e ascendentes.”.
Não, é assim, obviamente, tal diploma aplicável ao caso vertente, em que se trata de um processo de cessação de alimentos prestados por ex-cônjuge, que se mostra regulado no Código de Processo Civil, máxime no art. 936.º.
De todo o modo, independentemente da tramitação dos presentes autos não ter observado na íntegra tal normativo, a verdade é que no que agora releva, são aplicáveis as regras gerais do recurso de apelação e que consubstanciam no prazo de 30 dias para recorrer, nos termos do art. 638º, n.º 1 do Código Processo Civil, primeira parte, a que acrescem 10 dias, nos termos do n.º 7 do mesmo normativo por o recurso ter por objeto também a reapreciação da prova gravada.
Como tal, tendo sido enviada a notificação da sentença em 22/10/2024, devendo por isso considerar-se notificado 3 dias depois, em 25/10/2024, nos termos do art. 248.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Ora, tendo o recurso sido interposto em 20/11/2024, 26 dias depois, é manifesta a sua tempestividade.
Por outro lado, ainda que assim não fosse e se estivesse no primeiro dia de multa (nos termos do art. 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil), como erradamente pretendia a recorrida, nesse caso deveria o recorrente ser notificado para pagar a multa, em consonância com o art. 139.º, n.º 6 do Código de Processo Civil e só se não pagasse a multa o ato seria considerado intempestivo.
Não é, como vimos, sequer o que sucede no caso vertente, em que o ato foi praticado muito antes do termo do prazo.
Em face do exposto o recurso é tempestivo, o próprio, tendo na primeira instância sido recebido com o modo de subida e efeitos adequados.
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III. Fundamentação de facto
Na decisão apelada, foi dado como provado o seguinte:
“1. No processo de divórcio e separação de bens por mútuo consentimento n.º 102/2013, que correu termos na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de ..., foi decretado por decisão, transitada em julgado em 25 de Janeiro de 2013, o divórcio dos aqui requerente e requerida e ali atribuída, em exclusivo, a casa de morada de família ao requerente e fixada uma prestação de alimentos a favor da requerida BB, no montante, mensal, de € 100,00 (cem euros), actualizável, anualmente, em 3%.
2. Em 26 de Abril de 2023, o ora requerente satisfez a quantia de € 3.097,33 (três mil, noventa e sete euros, trinta e três cêntimos) para liquidação da quantia exequenda reclamada nos autos de execução por alimentos n.º 723/23.6T8BRG, instaurada pela requerida para cobrança de prestações de alimentos e juros vencidos.
3. Em Janeiro de 2013, a requerida trabalhava como assistente operacional numa escola pública, auferindo a remuneração mensal de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros).
4. Na mesma altura, o requerente auferia remuneração mensal ilíquida, incluindo o duodécimo do subsídio de natal e o subsídio de refeição, de cerca de € 1.434,74 (mil, quatrocentos e trinta e quatro euros, setenta e quatro cêntimos), num total líquido, após descontos, de € 1.018,15 (mil, dezoito euros, quinze cêntimos).
5. Em Fevereiro de 2023, o requerente auferiu uma pensão de aposentação no montante ilíquido de € 1.107,75, num total líquido, após descontos, de € 962,18 (novecentos e sessenta e dois euros, dezoito cêntimos).
6. Actualmente, a requerida ainda trabalha como assistente operacional, auferindo uma retribuição líquida de cerca de € 828,67 (oitocentos e vinte e oito euros, sessenta e sete cêntimos).
7. No ano de 2023, a requerida declarou rendimentos provindos do trabalho de € 10.638,33 (dez mil, seiscentos e trinta e oito euros, trinta e três cêntimos).
8. Atingirá a reforma, por limite de idade, em 2025.
9. Estima-se a sua pensão de reforma € 677,95 (seiscentos e setenta e sete euros, noventa e cinco euros).
10. Mensalmente, o requerente satisfaz despesas com:
a. Consumo de água, de cerca de € 11,80 (onze euros, oitenta cêntimos);
b. Consumo de gás, de cerca de € 64,00 (sessenta e quatro euros);
c. Consumo de eletricidade, de cerca de € 41,36 (quarenta e um euros, trinta e seis cêntimos);
d. Seguro automóvel, de cerca de € 17,56 (dezassete euros, cinquenta e seis euros);
e. Gasolina, cerca de € 100,00 (cem euros);
f. Alimentação, de cerca de € 130,00 (cento e trinta euros);
g. Prestação de alimentos, de € 134,40 (cento e trinta e quatro euros, quarenta cêntimos);
h. Para diversos, como alimentação de animais de companhia, aquisição de roupa, calçado, café, a quantia de cerca de € 100,00 (cem euros).
11. Mensalmente, a requerida satisfaz despesas com habitação, água, luz, gás e telefone de cerca de € 346,62.
12. É doente do foro oncológico, sendo portadora de certificado de incapacidade multiusos que lhe atesta 83% de incapacidade.
13. Suporta as despesas de transporte público para consultas e tratamentos, em montante concretamente não apurado.”.
Foi considerado como não provado que:
“A) para satisfazer a quantia referida em 2., o requerente socorreu-se da ajuda de familiar;
B) suporta, mensalmente, para amortização do empréstimo contraído para satisfazer a quantia exequenda, o montante de € 200,00.”.
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1. Da propugnada alteração da matéria de facto.
A este propósito, temos que o recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, relativamente a concretos pontos que foram dados como provados e que no seu entender deviam ter sido considerados não provados e quanto à matéria que foi dada como não provada e que no seu entender deveria ter sido dada como provada e ainda quanto a matéria que não consta nos factos provados ou nos não provados e que no seu entender deveria constar dos factos provados.
E começando, por este último ponto, pelas razões que adiante se compreenderão, temos que o recorrente pretende que conste dos factos provados que a recorrida tinha um depósito bancário no valor de € 11.000.
Alegou para tanto que a testemunha indicada pela requerida, o filho de requerente e requerida, disse que o apoio judiciário requerido pela requerida foi indeferido porque esta tinha uma conta bancária no montante de € 11.000.
Ora ouvido tal depoimento (tal como o da outra testemunha), verificamos que efetivamente a testemunha em causa disse que a sua mãe tinha uma poupança neste montante, motivo pelo qual lhe foi indeferido o pedido de apoio judiciário.
Ora, tal matéria não consta efetivamente dos factos provados nem dos não provados, sendo que a quedar provada poderia naturalmente levar a uma conclusão distinta, ou seja que a requerida não necessita de uma pensão de alimentos de 134,40 euros mensais, pois que poderia utilizar o montante que tem disponível nessa conta para as suas despesas, não tendo por isso necessidade de alimentos, pelo menos neste momento.
Note-se, aliás que a sentença recorrida obnubilou igualmente a informação da Segurança Social junta aos autos em que dá conta que a requerida tem não uma conta bancária de € 11.000, mas sim contas bancárias cujos saldos perfazem € 13.341,53, sendo por esse motivo que foi inferido o pedido de apoio judiciário – documento junto aos autos a 14/12/2023 e que não foi sequer notificado às partes.
Note-se ainda que na sequência de despacho de 2/4/2025, foi junto ofício da Segurança Social a 16/4/2025 dando conta que nova pretensão de apoio judiciário formulada pela requerida foi indeferida por “se constatar que tinha saldos bancários elevados”.
Tal matéria é, assim, obviamente relevante para a decisão da causa, não tendo, porém, sido alegada pelo requerente, conforme refere a recorrida nas suas contra-alegações, em que não negando o referido pela testemunha em causa disse que não havia prova documental bancária para o efeito.
De acordo com o art. 5.º do Código de Processo Civil:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”.
Ora, o facto em causa é obviamente um facto complementar dos factos essenciais inicialmente alegados pelo requerente para caracterizar a situação económica da requerida, ou seja, é um facto que não sendo essencial para definir a causa de pedir, a completa e que podia ser alegado na petição inicial, naturalmente caso o requerente tivesse conhecimento do mesmo.
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 3.ª edição, 2024, pág. 31, em anotação ao art. 5.º do Código de Processo Civil:
“Os factos essenciais constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (isto é, todos os factos de que depende o reconhecimento das pretensões deduzidas) devem ser vertidos nos articulados das partes, a isso respeitando o ónus da alegação imposto pelo n.º 1. No entanto, a eventual incompletude no cumprimento desse ónus relativamente a factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados não tem efeitos preclusivos, já que os factos omitidos podem ainda ser introduzidos nos autos através de um articulado de aperfeiçoamento (art. 590.º, n.º 4, ou em face do que resulte da instrução (art. 5.º, n.º 2 al. b)).”.
Sendo assim como é e não tendo sido exercido o contraditório em relação a tal factualidade deverão as partes ser notificadas dos documentos supra referidos para se pronunciarem sobre a factualidade vertida nos mesmos quanto às contas bancárias da requerida e respetivos saldos, bem como das declarações da testemunha filho de ambos que referiu que o apoio judiciário foi indeferido à requerida por a mesma ser titular de uma conta bancária com o saldo de € 11.000.
Em face do exposto, julga-se indispensável a ampliação da matéria de facto para o apuramento da factualidade supra enunciada, ou seja deverá indagar-se sobre se a requerida tinha conta ou contas bancárias com valores de pelo menos € 13.341,53 (podendo naturalmente apurar-se montante inferior) devendo para isso previamente exercer-se o contraditório sobre tal matéria com a inerente notificação dos elementos documentais supra referidos, podendo as partes requere a produção de prova que tiverem por conveniente (cfr. o art. 663.º, n.º 3, al c) do Código de Processo Civil) para além da já existente nos autos e dos poderes oficiosos do Tribunal.
Assim e para o efeito, a decisão recorrida terá de ser anulada em face do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões.
As custas serão suportadas pela apelada, uma vez que ficou vencida (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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IV. Decisão
Perante o exposto, acordam os Juízes que compõem este Coletivo da 3.ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em anular a decisão recorrida e ampliar a matéria de facto quanto à titularidade de contas bancárias por parte da requerida com saldo de pelo menos 13.341,53, devendo para tanto as partes ser notificadas dos ofícios da Segurança Social de 14/12/2023 e 16/4/2025 e para se pronunciarem e eventualmente requererem a produção de prova que tiverem por conveniente, sem prejuízo da já existente nos autos.
Custas do recurso pela apelada.
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Guimarães, 5 de junho de 2025
Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Sandra Melo
Segunda Adjunta: Conceição Sampaio