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VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
MORTE
AGRAVAÇÃO
PREVENÇÃO GERAL
MINISTÉRIO PÚBLICO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SINGULAR
Sumário
I - Ao contrário dos crimes de dano, onde designadamente nos artigos 131º e ss., do CP, se verifica que o elemento morte faz parte do tipo, assim o homicídio “quem matar outra pessoa”…, a morte neste crime de perigo concreto previsto no artigo 152º B/1 e 4-a) do CP, violação das regras de segurança, apenas surge como uma agravação da pena pelo resultado de lesão que afinal se verifica /se concretiza, ultrapassando o perigo/ o risco da lesão previsto no nº 1 e que consta em concreto no nº 4-a), delimitando-se a pena de acordo com a ocorrência do resultado. II - Deveria ter o Tribunal Singular aceitado a sugestão da sua competência, por nenhum dos arguidos ter antecedentes criminais, sendo as razões de prevenção geral diminutas aos olhos do MP, mostrarem-se os arguidos socialmente inseridos e o resultado morte não fazer parte do tipo. III - Tal não impedirá o Tribunal Singular de alterar a sua posição se, no decurso do julgamento verificar que face à prova produzida existe alteração que implica a intervenção do tribunal Coletivo.
Texto Integral
Decisão Singular proferida, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
Nos presentes autos levanta-se o conflito negativo de competência entre Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo - Juiz 2 e Juiz 2 Juízo de Competência Genérica da Praia da Vitória. Ambas as declarações de incompetência transitaram já em julgado. Foi observado o disposto no art. 36.º n° 1 do CPP. Do despacho do Mmo Juiz Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo – juiz 2 resulta:
Determina o artigo 152º B/1, do CP sobre a epígrafe violação de regras de segurança, que quem não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
No nº 2, dispõe-se que se o perigo previsto no número anterior for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão até três anos.
No nº 3, impõe-se que se dos factos previstos nos números anteriores resultar ofensa à integridade física grave o agente é punido:
a) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do nº 1; b) Com pena de prisão de um a cinco anos no caso do nº 2.
Nos termos do nº 4 deste mesmo normativo ainda se determina que, se dos factos previstos nos nºs 1 e 2, resultar a morte o agente é punido:
a) Com pena de prisão de três a dez anos no caso do nº 1; b) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do nº 2.
Na nossa perspectiva (salvo o mui e alto devido respeito) antes de mais, e finda a fase do inquérito tendo sido deduzida acusação e os autos remetidos para a fase de julgamento, ao juiz do processo apenas cabe verificar nos termos do artigo 311º do CPP, se existem nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que desde logo possa conhecer (nº 1), ou seja, o juiz examina o processo e deve certificar-se da inexistência de motivo impeditivo do conhecimento do seu objeto, para o que deverá pronunciar-se sobre a ocorrência de qualquer nulidade ou outra questão prévia ou incidental que obste à apreciação do mérito da causa.
Deve, pois, verificar da ocorrência de qualquer circunstância, seja de natureza substantiva, seja de natureza adjetiva, que impeça o conhecimento da questão de fundo, designadamente, podem impedir a apreciação do mérito a existência de invalidade processual, exceção dilatória ou perentória, bem como a ocorrência de causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo.
E uma das circunstâncias processuais que, ocorrendo, impedirá o prosseguimento dos
autos para julgamento, é a incompetência do tribunal, já que, uma vez declarada, determina a remessa dos autos para o tribunal competente (cf. art. 33.º, n.º 1, do CPP).
Por isso, compete ao juiz titular do processo apreciar tal questão, desde logo aquando do saneamento do processo.
Por seu turno, o art. 16º do CPP, sobre a competência do tribunal singular, estabelece: «1 - Compete ao tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que por lei
não couberem na competência dos tribunais de outra espécie.
2 - Compete também ao tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que respeitarem a crimes:
a) Previstos no capítulo ii do título v do livro ii do Código Penal; ou
b) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a 5 anos de prisão.
c) (Revogado.)
3 - Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.
4 - No caso previsto no número anterior, o tribunal não pode aplicar pena de prisão superior a 5 anos.»
Mais recentemente, Paulo Pinto de Albuquerque, inComentáriodoCódigodeProcessoPenal,3ªEdiçãoactualizada,daUCE,págs.88-89, o que se acompanha, explica que a faculdade prevista no artigo 16º, n.º 3, do CPP «pode ser usada pelo MP na acusação, quer seja imputado ao arguido um só crime punível com pena superior a cinco anos de prisão (por exemplo o crime de roubo) quer lhe sejam imputados vários crimes (“mesmo em caso de concurso de infracções”) puníveis com uma moldura penal abstracta superior a cinco anos de prisão. (…) O juízo de determinação da competência do tribunal singular é um juízo objectivo do Ministério Público, fundamentado na apreciação de todas as circunstâncias relativas à ilicitude, à culpa e à punibilidade dos agentes. Não se trata de uma decisão discricionária, mas antes de uma concretização da relevância constitucional do princípio da oportunidade.»
Logo, na sua perspetiva, a legalidade substantiva e processual do juízo do magistrado que fez uso da faculdade do art. 16º, n.º 3 pode ser controlada pelo seu superior hierárquico (oficiosamente ou na sequência de reclamação hierárquica do arguido ou do assistente).
Já o tribunal singular não pode, em regra, controlar a adequação do juízo do MP da determinação concreta da competência do tribunal singular (sob pena de nulidade insanável do despacho judicial, nos termos do artigo 119º, n.º 1, al. e), do CPP), mas apenas a sua legalidade processual, verificando, designadamente, se a natureza do crime imputado permite a sua utilização, tudodeacordotambémcomoAcórdãoproferidopeloVenerandoTribunaldaRelaçãodeLisboanoprocessonº72/18.1PCSRQ-A.L1-9,edatadode16.05.2019,tiradoporunanimidadesendosuaRelatoraaExcelentíssimaSenhoraJuízaDesembargadoraCristinaBranco,inwww.dgsi.pt/jtrl, o que acompanhamos e menciona esta doutrina.
Em sentido parcialmente concordante a esta teoria, se pronuncia também o Excelentíssimo Colendo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, inCódigodeProcessoPenalComentado,daEditoraAlmedina,2014,págs.77-78, o que também seguimos, em anotação ao artigo 16º do CPP: «O n.º 3 constitui uma norma de determinação concreta de competência, com base em critérios que são próprios do Ministério Público como titular da acção penal e órgão da acusação, compreendida ainda como manifestação directa do princípio acusatório: o MP no uso dos poderes, processuais, e estatutários, de sujeito processual na conformação material da acusação, determina a fixação de um máximo para a medida da pena aplicável perante as circunstâncias do caso.
A formulação do juízo pelo MP pressupõe uma compreensão e avaliação prévias da dignidade penal e da gravidade do caso objeto de acusação, situando-os em concreto, com fundamento em motivação objetiva, dentro de uma sub-moldura da pena inferior à moldura prevista para o respetivo tipo legal de crime. (…)
A posição do MP tomada no uso da faculdade prevista no nº 3 é verdadeiramente conformadora do processo; uma vez tomada a decisão do MP poderá ser, porém, sujeita à verificação do juiz no que respeita, não à aplicação de critérios de discricionariedade vinculada, mas à legalidade processual.»
Dito isto, no nosso modesto entendimento, está vedado à Senhora Juíza do Juízo de Competência Genérica da Praia da Vitória, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, tecer quaisquer considerações sobre a eventual substância ou mérito, dos crimes pelos quais o Ministério Público entendeu acusar todos aqueles cinco arguidos supra citados, precisamente por tal despacho extravasar o saneamento do processo imposto pelo referido artigo 311º do CPP.
O que não deveria ter acontecido.
No entanto, uma vez que tal consideração foi efetuada e nos termos doutamente expressos daquela, diz-se ainda que percorrendo todo o artigo 152º B do CP acima já transcrito e que agora se considera aqui devidamente reproduzido para os devidos efeitos legais, o termo “morte” não faz parte do tipo penal em causa, mas sim e ao contrário, o termo “perigo”.
Apenas no número 4 supra descrito, o tipo legal fala o seguinte: “Se dos factos previstos nos nºs 1 e 2 resultar a morte o agente é punido (…).”
Isto é, o termo literal (que não é único que conta bem sabemos nós, numa interpretação da lei), fala ele próprio em “resultado”.
E resultado que é, pode acontecer ou não acontecer. Aliás, o ponto começa pela palavra “se”.
Se a morte fosse elemento do tipo, teria que estar simplesmente, incluída desde logo no texto básico e no corpo principal da norma.
O que não está de todo.
Ainda assim, diremos em abono ao nosso modesto entendimento que por outro lado e não obstante tudo o acabado de dizer supra que, estamos perante o crime previsto no artigo 152º B do CP, o qual é um crime de perigo concreto, na forma de crime específico, que só certas pessoas podem cometer, no caso a entidade patronal ou quem a represente perante o trabalhador, e singular, atenta a individualização do perigo criado.
Ou seja, encontramo-nos neste tipo de crimes, perante uma simples sujeição a perigo, independentemente de um resultado de lesão, por exemplo de ofensa à integridade física.
No nº 4 domina a ocorrência da morte por negligência, agravando a pena por referência ao nº 1 e ao nº 2.
Trata-se de uma modalidade de crime agravado pelo resultado nos termos também do artigo 18º do CP, tudo de acordo com o entendimento de CastelaRio,inCódigoPenal,Anotado-ParteGeraleEspecial, o que acompanhamos integralmente.
Ora, nos crimes de perigo por oposição aos crimes de dano, são aqueles em que a actuação típica consiste em agir de modo a criar perigo de lesão de determinados bens jurídicos, não dependendo o preenchimento do tipo de ocorrência da lesão, isto na esteira de comentário de RuiPatrício,assistentedaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeLisboa,inCrimesdePerigo“Brevesnotas,apropósitodoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade21.04.1999”, págs. 1 e ss., no que o acompanhamos também.
Neste tipo de crimes os bens jurídicos são tutelados por antecipação, através da procura da salvaguarda das suas condições de subsistência ou de um certo ambiente ao seu redor.
No caso dos crimes de perigo concreto (como é o caso deste de violação das regras de segurança), o perigo resultante da acção do agente encontra-se individualizado numa vítima ou num bem (ou mais) sendo a produção ou verificação do perigo elemento do tipo, (no caso a vítima será o trabalhador e os bens jurídicos ameaçados serão (entre outros) a lesão para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde daquele.
A responsabilidade criminal emergente de acidentes de trabalho assenta no artigo 59º/1-c) e 2-e) da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual todos os trabalhadores têm direito a prestação do trabalho em condições de segurança, incumbindo ao Estado a proteção das condições de trabalho.
Nesta parte acompanhamos o entendimento de Maria João Antunes, professora associada com agregação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, numa dissertação que esta apresentou sobre o tema“ResponsabilidadecriminalemergentedeacidentedetrabalhonoXIColóquiosobreDireitodoTrabalho,noSupremoTribunalde Justiçaem16.10.2019”, em que esta defende que a intervenção penal em matéria de acidentes de trabalho assenta na proteção do bem jurídico “segurança no trabalho”, bem jurídico coletivo ou supra individual e não nos bens jurídicos individuais ou de primeira geração tais como a vida ou a integridade física dos trabalhadores.
Para além do mais, e seguindo o acórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvora,proferidonoP.nº58/08.4GCSTB-E1,datadode04.04.2013,sendosuarelatoraaExma.SenhoraJuízaDesembargadoraMariaIsabelDuarte,tiradoporunanimidade,inwww.dgsi.pt/jtre,ondetambémseafirmaqueocrimedeviolaçãoderegrasdesegurançaéumcrimedeperigoconcreto,específico,omissivoedeviolaçãodedever, precisamente seguindo o nosso entendimento, e por isso o acompanhamos, onde se afirma (para além do mais) que o perigo neste tipo criminal, é o risco de lesão da vida e/ou da integridade física e o dever do agente é o de cumprir as normas de segurança.
Ainda outros acórdãos mais recentes designadamente, oproferidopeloVenerandoTribunaldaRelaçãodeLisboanoprocessonº124/14.7YELSB-A.L1-5,edatadode07.06.2022,tiradoporunanimidadesendosuaRelatoraaExcelentíssimaSenhoraJuízaDesembargadoraFernandaVentura, in www.dgsi.pt/jtrl, com o qual concordamos em absoluto.
Bem como acórdão proferido pelo VenerandoTribunaldaRelaçãodeÉvoranoprocessonº159/19.3GBCCH.E1,edatadode28.06.2023,tiradoporunanimidadesendoseuRelatoroExcelentíssimoSenhorJuizDesembargadorMoreiradasNeves(precisamenteanterior,SenhorJuizPresidentedestaComarcadosAçores),inwww.dgsi.pt/jtreno que também seguimos.
Por outro lado, nos termos do artigo 18º do CP, determina-se que quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.
Aqui, encontramo-nos perante uma especial perigosidade da conduta típica devido à ocorrência do resultado, o que implica uma conduta com uma ilicitude mais intensificada.
Tudo isto exposto, e na nossa ótica, serve para concluir que o crime em questão, o de violação de regras de segurança artigo 152º B/1 e 4-a) do CP, é um crime de perigo concreto, onde o elemento morte não faz parte do tipo, salvo o devido respeito por opinião diversa, mas sim o perigo neste tipo criminal consiste na possibilidade / no risco, de lesão da vida e por sequência, ocorrer a morte, ou da integridade física criando um perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde do trabalhador por parte do agente.
Ao contrário dos crimes de dano, onde designadamente nos artigos 131º e ss., do CP, se verifica sem sombra de dúvida que o elemento morte faz parte do tipo, assim o homicídio “quem matar outra pessoa”…, a morte neste crime de perigo concreto previsto no artigo 152º B/1 e 4-a) do CP, apenas surge como uma agravação da pena pelo resultado de lesão que afinal se verifica /se concretiza, ultrapassando o perigo/ o risco da lesão previsto no nº 1 e que consta em concreto no nº 4-a), majorando-se a pena devido precisamente à ocorrência do resultado.
Portanto, o crime de violação de regras de segurança, p. e p. no artigo 152º B/1 e 4-a) do CP, não se inclui nos crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa, previsto no artigo 14º/2-a) do CPP, que é da competência própria do tribunal colectivo e que se encontra arredada da possibilidade do Ministério Público, fixar a competência para o juiz singular utilizando o mecanismo previsto no artigo 16º/3 do CPP.
No nosso entendimento, o Ministério Público, andou bem quando incasu, acusou todos os cinco arguidos supra citados, para serem julgados em processo comum de tribunal singular, atendendo ao disposto no artigo 14º/2-b) do CPP, fazendo uso do artigo 16º/3 deste mesmo código, por entender que simplesmente, o máximo da pena aqui aplicável ultrapassa os cinco anos, mas que por via das condições concretas dos arguidos e das exigências de prevenção geral e especial, considerou que os mesmos não deveriam ser sujeitos a pena concreta superior a cinco anos de prisão, logo competência do juiz singular.
Por outro lado, e também como acima o dissemos, não havendo qualquer questão prévia e impeditiva de se realizar o julgamento, está vedado ao senhor juiz pronunciar-se a mais do previsto no dito artigo 311º do CP.
Sendo que ao juiz apenas cabe fazer um controlo formal e legal do mecanismo aplicado pelo Ministério Público do artigo 16º/3 do CPP. Nada mais.
Por conseguinte e face a tudo quanto acima se expôs, por via do mecanismo utilizado pelo Ministério Público, de aplicação no presente processo do artigo 16º/3 do CPP, não recebemos o processo em causa, proveniente do Juízo de Competência Genérica da Praia da Vitória, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, tribunal singular, por não possuirmos competência para o seu julgamento e conhecimento, atento o juízo de oportunidade legal e formal levado a cabo pelo Ministério Público, o que se nos impõe.
Declaramo-nos consequentemente, incompetentes para o conhecimento e julgamento dos crimes aqui imputados aos arguidos enquanto juiz titular do Juízo Central Civil e Criminal de Angra do Heroísmo, J 2, bem como enquanto unidade orgânica e tribunal competente de Juízo Central Civil e Criminal, nos termos do artigo 34º/1 do CPP.
Notifique.
*
Pelo que face ao supra exposto, encontramo-nos perante um conflito negativo de competência, nos termos do artigo 35º/1 do CPP, o que desde já suscitamos neste momento. Notifique. Dos despacho do Mmo Juiz do Juízo de Competência Genérica da Praia da Vitória resulta:
Considerando que apesar da utilização do mecanismo previsto no art. 16.º, n.º 3, do
CPP, está aqui em causa crime do artigo 152.º-B, n.º 1, 2 e n.º 4, al. b), do CP, onde é elemento do tipo a morte, cuja competência do tribunal colectivo está impreterivelmente prevista no artigo 14.º, n.º 2, al. a), do CPP, por estar vedada a utilização do mecanismo do art. 16.º, n.º 3, do CPP, nos termos do disposto no art. 32.º, n.º 1 do CPP, declaramo-nos incompetentes para a realização do julgamento nestes autos por o mesmo competir ao tribunal colectivo, e, em consequência, nos termos do disposto no art. 33.º, n.º 1, do CPP, determina-se a remessa, após trânsito, dos autos ao Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo.
Notifique.
*** Neste Tribunal Superior foi emitido parecer no sentido de que a competência pertence ao tribunal de Competência Genérica da Praia da Vitória CUMPRE DECIDIR A questão prende-se, com a competência para julgar o arguido em Tribunal Singular ou antes, julgá-lo em Tribunal Coletivo com a aplicação do artº 16º nº 3 CPP. De acordo com o disposto no artº 16º nº 3 Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos no artigo 14.º, n.º 2, alínea b), mesmo em caso de concurso de infrações, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos. A faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3, do CPP, pode ser usada pelo MP na acusação, quer seja imputado ao arguido um só crime punível com pena superior a cinco anos de prisão, quer lhe sejam imputados vários crimes, mesmo em caso de concurso de infrações, puníveis com uma moldura penal abstrata superior a cinco anos de prisão. O juízo de determinação da competência do tribunal singular é um juízo objectivo do Ministério Público, fundamentado na apreciação de todas as circunstâncias relativas à ilicitude, à culpa e à punibilidade dos agentes, que concluiu pela desnecessidade de julgamento pelo Tribunal Coletivo por não entender haver face aos indícios verificados, necessidade de pena superior a 5 anos. Diz-nos Roxin que o artigo 16°, n.º 3, permite, uma espécie de competência móvel “fixada” ou aconselhada , ou julgada suficiente, pelo Ministério Público, e cujo exercício (ou não exercício) se ordena aos limites da competência normal do tribunal singular. A funcionalidade desenvolvida pela norma do artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal é, pois, a de cometer à apreciação do tribunal singular os crimes a que se refere o artigo 14.º, n.º 2, do mesmo Código, os quais, tendo embora na lei um máximo de pena superior a três anos, se afiguram a um juízo de probabilidade do Ministério Público, suscetíveis de uma pena concreta que ainda se recorta na margem da competência normal do tribunal singular. O legislador pretendeu, assim, uma maior eficácia da justiça criminal, cometendo ao juiz singular o poder de julgar nos processos a que se refere o artigo 14.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e compaginando esse poder com o que é conferido pela norma do artigo 32.º, n.º 1, do mesmo Código. Ora, há que ter em conta que, o poder de actuação do Ministério Público, na determinação ou indicação da competência do tribunal singular, por desnecessidade da reunião do tribunal coletivo face á pena que prevê que se venha a aplicar, – por via da pré-indicação dos limites da pena concreta – não é discricionário nem definitivo. Não é um poder discricionário, pois que se ordena aos critérios legalmente estabelecidos para a determinação da medida da pena. E, sobretudo, não é um poder definitivo, pois o tribunal pode confirmar o prévio juízo do M. P. sobre os limites da pena ou, antes, concluir pela sua incompetência (artigo 32.º, n.º 1, C.P.P.). E, assim, a norma do artigo 16.º, n.º 3, não afastando a possibilidade de alteração subsequente do juízo de probabilidade da pena concreta formulado pelo Ministério Público não comporta o risco de "conversão" do exercício da acção penal em exercício da função jurisdicional. É, pois, exclusivamente ao juiz que cabe julgar.Não há qualquer razão para supor que, em julgamento que tenha lugar por força do disposto no artigo 16.º, n.º 2, perca aplicabilidade, o disposto no artigo 359.º Diz-nos o Professor Figueiredo Dias que, se durante a produção de prova surgir uma alteração substancial dos factos descritos na acusação – e que terão servido para o Ministério Público proceder à indicação do tribunal competente, ou na pronúncia, com efeito agravante, isso determinará a incompetência do tribunal singular e dará lugar, consequentemente, a um novo processo perante o tribunal coletivo ou o do júri." ["Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal", O Novo Código de Processo Penal. Jornadas de Direito Processual Penal. Coimbra, 1988, págs. 18-19]. A sindicabilidade do juízo de prognose do Ministério Público sobre a pena concreta a aplicar, radica, desde logo, no teor meramente probabi1ístico desse mesmo juízo. Ao juiz caberá sempre decidir, avaliando, em definitivo, se a moldura penal avançada pelo Ministério Público é aquela mesma que, em sua convicção, resulta do confronto do crime com a moldura abstrata fixada na lei. A competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições do Código de Processo Penal e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária (art. 10.º do CPP), e, como com clareza explica o Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, «determina-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial. Para respeitar princípios essenciais tem de ser estabelecida uma organização dos tribunais, que deve ir ao ponto de regular o âmbito de actuação de cada tribunal, de modo que o julgamento de cada concreto caso penal seja deferido a um único tribunal – concretização e determinação da competência do tribunal em matéria penal.» No caso em apreço, finda a fase de inquérito e tendo esta culminado com um despacho de acusação, foram os autos remetidos para julgamento em tribunal singular. De acordo com o disposto no art. 311.º do CPP [que, com a epígrafe “Saneamento do Processo”, dá início ao Título I (Dos Actos Preliminares) do Livro VII do CPP, relativo à fase do Julgamento], recebidos os autos no tribunal, depois de deduzida a acusação ou, caso tenha havido instrução, após o despacho de pronúncia, «o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que desde logo possa conhecer» - n.º 1. «Manda a lei que o juiz examine o processo e se certifique da inexistência de motivo impeditivo do conhecimento do seu objeto, para o que deverá pronunciar-se sobre a ocorrência de qualquer nulidade ou outra questão prévia ou incidental que obste à apreciação do mérito da causa. Deverá verificar, pois, da ocorrência de qualquer circunstância, seja de natureza substantiva, seja de natureza adjetiva, que impeça o conhecimento da questão de fundo. Podem impedir a apreciação do mérito a existência de invalidade processual, exceção dilatória ou perentória, bem como a ocorrência de causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo.» Se assim não suceder, não fica, no entanto, impedido de, posteriormente, se pronunciar sobre as circunstâncias a que alude o referido art. 311.º, n.º 1, a menos que sobre elas tenha emitido pronúncia expressa e não se verifique alteração superveniente, pois que a decisão genérica sobre elas proferida não tem valor de caso julgado formal. Uma das circunstâncias processuais que, ocorrendo, impedirá o prosseguimento dos autos para julgamento, é a incompetência do tribunal, já que, uma vez declarada, determina a remessa dos autos para o tribunal competente (cf. art. 33.º, n.º 1, do CPP). Por isso, compete ao juiz titular do processo apreciar tal questão, desde logo aquando do saneamento do processo. Entendem alguns que, não pode o tribunal singular controlar a adequação do Juízo do MP quanto à determinação concreta da competência do Tribunal Singularsob pena de nulidade insanável do despacho judicial, nos termos do art. 119.º, n.º 1, al. e), do CPP), mas apenas a sua legalidade processual, verificando, designadamente, se a natureza do crime imputado permite a sua utilização. No caso em análise estamos perante crimedeviolaçãoderegrasdesegurança, umcrimedeperigoconcreto,específico,omissivoedeviolaçãodedever, 152º B do CPque é um crime de perigo concreto, onde o elemento morte não faz parte do tipo, mas sim o perigo neste tipo criminal consiste na possibilidade / no risco, de lesão da vida e por sequência, ocorrer a morte, ou da integridade física criando um perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde do trabalhador por parte do agente. O crime de violação de regras de segurança, previsto no artigo 152.º-B do Código Penal, caracteriza-se por ser um crime de perigo concreto, que tanto pode ter lugar por via de ação como por via de omissão, e decorrendo a tutela dos bens jurídicos (vida, integridade física e saúde psíquica e mental) desde momento anterior ao início dos trabalhos destinados à realização da obra, com a prática de (ou a omissão de) certos atos incrementadores do risco de lesão de tais bens jurídicos praticados por quem tem um dever especial de agir para acautelar o perigo. O tipo objetivo consiste na sujeição do trabalhador a uma situação de perigo concreto para a sua vida, integridade física ou saúde, com violação dos deveres emanados de regras previstas na lei ou nos regulamentos. O tipo subjetivo apresenta-nos três dimensões: quando o agente age com dolo de perigo; quando age com negligência de perigo ou, quando age com dolo de perigo e negligência em relação ao resultado agravante. No crime de violação de regras de segurança é agente do crime a pessoa que detenha uma posição de “domínio” sobre o trabalhador, no âmbito da atividade de trabalho por este exercida, e sobre a qual recaia a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho previstas pelas respetivas disposições legais e regulamentares, sendo necessário que se cumulem estas duas condições. Ao contrário dos crimes de dano, onde designadamente nos artigos 131º e ss., do CP, se verifica sem sombra de dúvida que o elemento morte faz parte do tipo, assim o homicídio “quem matar outra pessoa”…, a morte neste crime de perigo concreto previsto no artigo 152º B/1 e 4-a) do CP, apenas surge como uma agravação da pena pelo resultado de lesão que afinal se verifica /se concretiza, ultrapassando o perigo/ o risco da lesão previsto no nº 1 e que consta em concreto no nº 4-a), majorando-se a pena devido precisamente à ocorrência do resultado. Portanto, o crime de violação de regras de segurança, p. e p. no artigo 152º B/1 e 4-a) do CP, não se inclui nos crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa, previsto no artigo 14º/2-a) do CPP, que é da competência própria do tribunal coletivo e que se encontra arredada da possibilidade do Ministério Público, fixar a competência para o juiz singular utilizando o mecanismo previsto no artigo 16º/3 do CPP. No nosso entendimento, o Ministério Público, andou bem quando in casu, acusou todos os cinco arguidos supra citados, para serem julgados em processo comum de tribunal singular, atendendo ao disposto no artigo 14º/2-b) do CPP, fazendo uso do artigo 16º/3 deste mesmo código, por entender que simplesmente, o máximo da pena aqui aplicável ultrapassa os cinco anos, mas que por via das condições concretas dos arguidos e das exigências de prevenção geral e especial, considerou que os mesmos não deveriam ser sujeitos a pena concreta superior a cinco anos de prisão, logo competência do juiz singular. Ora, o que acontece é que o Mmo Juiz do Juízo de Competência Genérica de Praia da Vitória partiu do princípio de que a morte é elemento do tipo quando, este é apenas agravado pelo resultado morte. Assim sendo nada impedia o MP na análise que fez da factualidade indiciada, de sugerir o julgamento em Tribunal Singularfazendo uso do mecanismo do artigo 16º/3 do CPP. Nestes termos deveria ter o Tribunal Singular aceitado a sugestão da sua competência, por nenhum dos arguidos ter antecedentes criminais, sendo as razões de prevenção geral diminutas aos olhos do MP, mostrarem-se os arguidos socialmente inseridos e o resultado morte não fazer parte do tipo. Tal não impedirá o Tribunal Singular de alterar a sua posição se, no decurso do julgamento verificar que face á prova produzida existe alteração que implica a intervenção do tribunal Coletivo. Estamos, contudo, convencidos que a divergência se deve ao facto do Tribunal Singular entender, a nosso ver mal, que a morte faz parte do tipo. Assim decide-se atribuir competência para o Julgamento da factualidade em causa com o enquadramento legal apontado,ao Juízo de Competência Genérica da Praia da Vitória, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores Observe-se o disposto no art.º 36º, n.º 3, do C.P.P de imediato Não é devida taxa de justiça. COMUNIQUE DE IMEDIATO Á 1ª INSTÂNCIA Devendo os senhores juízes em conflito ser informados do ora decidido.
Lisboa 25/06/25 (Decisão Elaborada e revista pela relatora)
Adelina Barradas de Oliveira