I. Não se verificando qualquer das excepções previstas na parte final do art. 674.º, n.º 3, do CPC, a decisão de facto é insindicável pelo STJ.
I. De acordo com o regime processual vigente, o TR actua como tribunal de substituição em matéria de facto, aplicando a plenitude das regras gerais de prova.
1. A..., Unipessoal, Lda. instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., alegando, em síntese, o seguinte:
- No dia 23 de Novembro 2023, pelas 15,30 horas, na EN ..., ao km 47,800, freguesia de ..., ocorreu um acidente, em que foram intervenientes os seguintes veículos: a) Ligeiro de passageiros, de matrícula ..-RH-.., conduzido por AA, sob as ordens, direcção, fiscalização, e seguindo um percurso previamente definido pela sua proprietária, F..., Lda; b) Ligeiro de passageiros, de matrícula AA-..-RH, conduzido por BB, propriedade da autora; e c) Ligeiro de passageiros, de matrícula ..-CT-.., conduzido por CC, seu proprietário.
- O veículo de matrícula ..-CT-.. embateu no veículo AA-..-RH e este, em consequência, embateu no ..-RH-.., que seguia à sua frente.
- A culpa na produção do acidente deveu-se à condução do veículo CT, que está seguro na ré;
- Em virtude do acidente, a autora sofreu danos com a reparação do veículo AA, com a desvalorização do mesmo e com privação do respectivo uso.
Conclui pedindo a condenação da ré a pagar à autora:
“a) A quantia de € 33.345,69 - trinta e três mil trezentos e quarenta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos - relativa ao custo da reparação do seu identificado veículo, ou a quantia que, à data da sentença a proferir, se vier a mostrar necessária a tal reparação, uma vez que aquela quantia se refere a um valor estimativo de reparação, sem a desmontagem do automóvel, esta última hipótese a liquidar em execução de sentença.
b) A quantia de € 5.000,00 - cinco mil euros - relativa à desvalorização comercial do veículo da A., em virtude dos avultados danos sofridos.
c) A quantia de € 1.600,00 - mil seiscentos e cinquenta euros - relativa aos prejuízos decorrentes da privação do uso do identificado veículo automóvel, desde a data do acidente até ao momento.
d) O valor dos prejuízos que a A. vai continuar a sofrer, a partir da data da instauração da presente acção até que reúna condições financeiras para poder pagar a reparação do seu veículo automóvel, e receber o mesmo em condições de poder ser usado ao serviço do seu objecto social, a liquidar em execução de sentença.”.
2. A ré contestou, invocando que o acidente não ocorreu da forma descrita pela autora, designadamente porque, segundo alega, o veículo AA embateu primeiro no veículo RH e só depois foi embatido pelo veículo CT, segurado na ré.
A ré entende, assim, que apenas é responsável pelo ressarcimento dos danos produzidos na traseira do veículo da autora, mas já não pelos danos verificados na frente deste veículo.
Pede que a acção seja julgada (apenas) parcialmente procedente, condenando-se a ré no pagamento da quantia de € 3.724,86, acrescida de IVA.
3. Por sentença do Tribunal da 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão:
“Atento tudo o exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
Condeno a ré a pagar à autora:
- A quantia de € 33.345,69, a título de reparação do veículo AA-..-RH
- o valor de € 15,00 diários a título de dano de privação do uso do veículo, contados a partir da data do acidente até à data em que a ré disponibilize à autora a quantia indemnizatória
- Aos valores atribuídos acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
- Absolvo a ré do demais peticionado.
- Custas na proporção do decaimento, que se fixam em 86% para a ré e 14% para a autora.
Registe e notifique.”.
3. Inconformada com a decisão, interpôs a ré recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão de 30.01.2025, proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, no parcial provimento do recurso da R., revogando parcialmente a sentença da 1ª instância, acordam os juízes desta secção cível em:
1 – Julgar procedente a apelação deduzida pela R. quanto à concreta questão da alteração da matéria de facto;
2 – Julgar procedente a apelação deduzida pela R. quanto à questão do valor da reparação do veículo AA-..-RH que é da sua responsabilidade, em consequência do que, revogando-se a condenação quanto a esse item respeitante à R. em “VII. Decisão.”, na penúltima página, se substitui a sentença ali proferida, pela condenação seguinte:
- A quantia de € 3.724,86, acrescido de IVA, a título de reparação do veículo AA-..-RH.
3 – Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pela R. quanto à questão da indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado, em consequência do que, revogando-se a condenação quanto a esse item respeitante à R. em “VII. Decisão.”, na penúltima página, se substitui a sentença ali proferida, pela condenação seguinte:
- o valor de € 15,00 diários a título de dano de privação do uso do veículo, pelo prazo de 100 dias.
4 – Manter no mais o decidido.
5 – As custas da acção e do recurso serão suportadas na proporção do decaimento.”.
4. De tal decisão veio a autora interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:
“A - O Acórdão de que ora se recorre, e cuja reforma se impõe, cometeu – involuntária e compreensivelmente - dois erros, que conduzem à nulidade do mesmo.
- Tal Acórdão cometeu erro de julgamento na apreciação da prova, omitiu qualquer pronúncia sobre o documento nº 2, junto com a P. I., e que o Tribunal Recorrido considerou para motivar a sua decisão, e - com todo o respeito - violou o princípio da imediação, impondo-se a Revogação ou a Reforma do Acórdão Recorrido, ao abrigo do disposto no artº 616º do CPC.
B. - Para reverter a matéria de facto dada por “provada” em 1ª Instância, nos pontos 10º, 11º, 12º, para “não provada”, e para reverter os factos dados por não provados nos pontos c), d), g) e h), para “provados, eliminando os pontos 10º, 11º e 12º do elenco dos factos considerados provados, bem como os pontos c), d), g) e h), do elenco dos factos considerados não provados e aditando aos elenco dos factos provados os pontos 9ºA), 9ºB), 9ºC) e 9ºD), e ao elenco dos factos não provados os pontos bA), bB) e bC, o Acórdão Recorrido não leu correctamente o documentos nº 1, junto com a Petição Inicial, o qual, tal como o seu conteúdo, não foi impugnado pela Ré. C.
De igual modo, o Acórdão Recorrido, nenhuma menção ou valor probatória atribui ao documento nº 2, junto com a Petição Inicial, omitindo o seu valor probatório, ocorrendo omissão de pronúncia.
D. O Acórdão Recorrido violou o princípio da Imediação, substituindo-se ao juízo feito pelo Meritíssimo Juiz de 1ª Instância, na avaliação crítica da prova produzida, mormente a prova documental.
E. - O erro de julgamento ocorreu porque o Acórdão Recorrido ao ler a Participação Policial - que não prima pela perfeição - confundiu - involuntária e compreensivelmente - aquilo que é a faixa de rodagem direita da Estrada Nacional ..., na direcção P.... .. ....... para B...., onde ocorreu o acidente, com aquilo que é a totalidade dessa Estrada Nacional ..., composta com duas faixas de rodagem, em direcções diferentes, separadas por zonas “zebradas”, pintadas no chão, e separadas por 2 linhas longitudinalmente contínuas.
F. – Na participação policial – Doc.1 – junta com a Petição Inicial – que não foi impugnado - a faixa de rodagem direita da Estrada Nacional ..., na direcção da cidade da P.... .. ....... para a cidade de B...., onde ocorreu o acidente, está assinalada com:
- O veículo nº “2”, propriedade da Autora, e com o veículo nº3”, Segurado da Ré.
- As letras “A a N”.
- Uma seta, assinalada com a letra “N”, indicando o sentido de marcha dos 3 veículos, intervenientes no acidente.
- A letra M, com a indicação de que a faixa de rodagem onde ocorreu o acidente, da direcção P.... .. ....... – B...., tem uma largura de 3,70 metros.
- Com esta medida – largura de 3,70 metros - é possível perceber que não podia ser a largura total da estrada
Por sua vez,
G. - A faixa de rodagem contrária, ou seja, a que segue na direcção da cidade de B.... para a Vila da P.... .. ......., está assinalada com:
- As letras e números “EN ... KM 47,8”, colocadas verticalmente nessa Participação Policial.
- A palavra “...”, horizontalmente. H.
É facto assente nos autos – Facto 7 – que:
- “No local do acidente, a estrada descreve uma curva larga para a direita, atento o referido sentido de marcha.”
- A fundamentação deste facto dado por provado, como resulta da decisão de 1ª Instância, assentou no valor probatório dos documentos nºs 1 e 2, juntos aos autos pela Autora, os quais não foram, nem o seu conteúdo, impugnados pela Ré.
- Tais documentos comprovam que no local do acidente a Estrada Nacional ..., tem 3 (três) faixas de rodagem, sendo:
- 1 (uma), com 3,70 metros de largura, no sentido P.... .. ....... – B...., assinalada com a letra “N”, onde ocorreu o acidente.
- 2 (duas), sentido B.... – P.... .. ........
- As 2 (duas) faixas de rodagem de B.... para a P.... .. ......., estão claramente separadas da faixa de rodagem contrária, por 2 linhas longitudinais contínuas e por um espaço “zebrado”.
Por conseguinte,
I. Ao contrário do que se escreve no Acórdão Recorrido, mais comprova o documento nº 1 que, após o acidente:
- O veículo 2, da Autora, se imobilizou dentro da sua “mão-de-trânsito”, com a frente do lado esquerdo, a 1,90 metros do limite esquerdo dessa “sua faixa de rodagem”, e com a traseira do mesmo lado esquerdo a 1,80 metros desse mesmo limite esquerdo dessa “sua faixa de rodagem”,
Ou seja,
- Havia apenas uma diferença de 10 cm, entre a distância da frente e da traseira do veículo relativamente a tal limite esquerdo dessa “sua faixa de rodagem”,
Isto é,
- Estava praticamente endireitado na sua “mão-de trânsito”, posição que não era estranha mesmo que não tivesse sido embatido na sua traseira, uma vez que curvava para a sua direita.
J. Essa insignificante inclinação, já após ter sido embatido, significa que a sua projecção para a frente, foi a direito, e não, como sugere o Acórdão recorrido, para o seu lado direito.
L. Por sua vez,
- O veículo nº 3, segurado da Ré, ora Recorrida, ficou com a frente lateral direita a 2,60 metros de distância do limite direito da sua “mão-de-trânsito, e à distância de 2,30 metros de distância do mesmo limite,
Ou seja,
- Havia apenas uma diferença de 30 cm, entre a distância da lateral direita da frente e da traseira de tal limite dessa “sua faixa de rodagem”, o que significa que, indo também a curvar para a sua direita, o empurrão dado na traseira do veículo da Autora foi, como refere o Acórdão Recorrido, violento.
M. - O documento nº 1 e prova testemunhal e documental produzida pela Autora, a matéria de facto dada por provada, e a não provada, e a fundamentação da sentença de 1ª Instância, desmentem, em absoluto o que se escreveu no Acórdão Recorrido, e que a seguir se transcreve:
Sublinhado nosso
Também o posicionamento final das viaturas 2 (AA) e 3 (CT) que consta do já supra mencionado croqui, ficando este atravessado e a ocupar a hemi-faixa contrária ao seu sentido de trânsito, e aquele, ainda que totalmente dentro da sua hemi-faixa de rodagem, inclinado com a sua frente direita para a berma desse lado, o que é compatível com o embate que recebeu da frente do lado direito do CT na sua traseira do lado esquerdo, tudo indiciando que o CT, na eminência do choque, ainda se tentou desviar para a hemi-faixa contrária, não é adequada à versão do posterior choque do AA, fruto da inércia da colisão do CT na sua traseira, com o RH e os danos que resultaram na frente do AA.
N. - Nenhuma prova - documental, testemunhal, pericial, confissão, ou outra - existe nos autos, que permita ao Acórdão Recorrido, dar por provado que a dinâmica do acidente foi aquela que o Tribunal Recorrido declara ter sido.
O. - Escrevendo-se no Acórdão Recorrido: “tudo indiciando que o CT, na eminência do choque, ainda se tentou desviar para a hemi-faixa contrária “,
Sempre teria que se saber:
1.- Em que facto ou factos, concretos, se sustenta o Acórdão Recorrido para dizer “ “tudo indiciando que o CT, na eminência do choque, ainda se tentou desviar para a hemi-faixa contrária “
2.- Por que razões o “tudo indicando”, pode/deve prevalecer sobre o depoimento das 4 testemunhas, que presenciaram o acidente.
P. Nenhuma prova – documental, testemunhal, pericial, confissão ou outra – existe nos autos, que permita ao Acórdão Recorrido, dar por provado que a dinâmica do acidente foi aquela que o Tribunal Recorrido declara ter sido, desde logo porque toda a prova documental e testemunhal produzida comprova que o acidente ocorreu da forma como vem descrita/dada por provada na sentença de 1ª Instância.
Q. Ao contrário do que se escreve no Acórdão Recorrido, e como acima se deixa demonstrado, resulta do documento nº 1, junto com a Petição Inicial - repete-se - que:
1.- O veículo 2, da Autora, se imobilizou dentro da sua “mão-de-trânsito”, com a frente do lado esquerdo, a 1,90 metros do limite esquerdo dessa “sua faixa de rodagem”, e com a traseira do mesmo lado esquerdo a 1,80 metros desse mesmo limite esquerdo dessa “sua faixa de rodagem”, havendo apenas uma diferença de 10 cm, entre a distância da frente e da traseira do veículo relativamente a tal limite esquerdo dessa “sua faixa de rodagem”,
2.- Tal facto irrebatível, comprova que o veículo da Autora, estava praticamente endireitado na sua “mão-de trânsito”, descrevendo uma curva para a direita, atento o seu sentido de marcha, o que sempre ocorreria mesmo que não houvesse sido embatido na sua traseira.
3.- O veículo nº 3, segurado da Ré, ora Recorrida, ficou ligeiramente atravessado na sua “mão-de-trânsito”, apenas como canto esquerdo da frente, fora dessa mesma faixa, na zona “zebrada”,
R. As considerações do acórdão recorrido quando refere:- “É que, perante os danos com que o AA ficou e que resultam claramente dos documentos nºs 2 e 3 juntos com a contestação da R. (fotografias que mostram o estado do veículo da A. após o acidente), verifica-se que os danos na sua frente são de muito maior monta, comparativamente com os da traseira, e homogéneos, o que não se adequa com o posicionamento final enviesado do seu lado direito da frente para a berma, são infundadas,
Porquanto relativamente aos “danos de muito maior monta”:
1.- É do comum conhecimento que a generalidade dos veículos automóveis, caso dos intervenientes no acidente têm as partes componentes vitais – motor, sistema eléctrico, etc - na parte da frente e não na parte de trás, onde só existem o para-choques, a chapa e, eventualmente, o pneu suplente.
2. - Decorre do dito documento nº 1, junto com a Petição Inicial, não impugnado, que, após o acidente, a condutora do veículo ..-RH-.., declarou que seguia à frente dos demais, e o condutor do veículo da Autora, indicaram a parte frontal do veículo da Autora, como sendo o sítio exacto do embate.
3.- O documento nº 6, junto com Petição Inicial - Relatório de Estimativa - de danos causados no seu veículo automóvel, elaborado pela LOGO, que a sentença de 1ª Instância considerou como meio de prova bastante, contém a descrição pormenorizada de todas as componentes danificadas.
S. Relativamente ao “posicionamento final enviesado do seu lado direito da frente para a berma.”
A consideração do Acórdão Recorrido de que “os danos na sua frente são de muito maior monta, comparativamente com os da traseira, e homogéneos, o que não se adequa com o posicionamento final enviesado do seu lado direito da frente para a berma”, é igualmente infundada, porquanto, como atrás se refere, conforme decorre do documento nº 1 junto com a Petição:
1.- A posição enviesada em 10 cm, do veículo da Autora, que descrevia uma curva para a direita, atento o seu sentido de marcha, e que foi embatido, na sua traseira, com o canto frontal direito do veículo segurado da Ré, nada tem de anormal relativamente a uma condução normal em circulação, mesmo sem acidente.
2.- O veículo nº 3, Segurado da Ré, embateu com o seu canto direito da frente, na traseira do veículo nº 2, da Autora.
3.- Após o acidente, o veículo da Autora, tendo em conta o seu sentido de marcha, descrevendo uma curva para a direita, ficou ligeiramente enviesado para a sua direita, mais concretamente 10 cm, (Letra F = 1,90 m à frente e Letra G = 1,80 metros atrás), entre a parte lateral esquerda da frente e a parte lateral esquerda de trás, relativamente ao limite esquerdo da sua “mão-de-trânsito.
4.- Por sua vez, relativamente ao limite direito da sua “mão-de-trânsito, o veículo CT, Segurado da Ré, ficou, também enviesado, mas apenas em 30 cm (Letra I = 2,60 m, e Letra L = 2,30 metros), entre a parte da frente lado direito.
T. as consideração do acórdão recorrido, quando refere: - E não se adequa, seja porque os danos revelam que o carro se encontrava em travagem acentuada, o que lhe terá permitido bater com rebaixamento na traseira do RH e evitar que a chapa de matrícula e assuas ópticas da frente se partissem tendo recuado para dentro, seja porque apesar desse violento embate que os homogéneos danos na frente do AA expressivamente demonstram, não permitiu corrigir a trajectória que lhe foi incutida pelo embate lateral do CT, assaz demonstrada pela sua imobilização final.
Acresce que, os danos verificados na traseira do AA e que incidem essencialmente na parte lateral esquerda, estando a parte central e direita da traseira praticamente incólumes, não são compatíveis, porque relativamente diminutos, com um embate “em cheio”, totalmente descontrolado na traseira do BMW que tivesse tido a capacidade para projetar este veículo cerca de 20/30m contra outro veículo e, pese embora toda a energia cinética que foi sendo dissipada, ainda danificar profundamente toda a dianteira desse BMW, como melhor resulta do doc. nº 2 junto com a contestação.
Não se sustentam em qualquer meio de prova, que possa prevalecer sobre a prova testemunhal e documental produzida pela autora,
tanto mais que, 1.
- É matéria assente – e não foi alterada no acórdão recorrido - a seguinte factualidade:
3.º) - O veículo ..-RH-.. circulava à frente do AA-..-RH, a velocidade de cerca de 70 km/h,
4.º) - Circulando o ..-CT-.. imediatamente atrás deste.
5.º) - À frente dos identificados veículos seguia uma carrinha, a qual, a dado momento, virou para a direita, atento o seu sentido de marcha, entrando numa zona de parque.
6.º) - No local, a estrada, com piso em alcatrão, encontrava-se seca e com condições de boa aderência.
7.º) - Nesse local, a estrada descreve uma curva larga para a direita, atento o referido sentido de marcha,
8.º) - Onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/h, 9.º) - Quando assim circulavam, com a dita carrinha ainda à vista, virando à sua direita, a condutora do veículo ..-RH-.. travou repentinamente.
2.- Na motivação, sobre o depoimento da condutora do veículo ..-RH-.., que seguia à frente do veículo da Autora, escreveu-se na sentença de 1ª Instância: - De relevante, disse que a carrinha que seguia à sua frente travou bruscamente, obrigando-a a travar de forma repentina.
3.- Nenhuma prova – documental, testemunhal, pericial, confissão ou outra – existe nos autos, que permita ao Acórdão Recorrido considerar/afirmar “os danos revelam que o carro se encontrava em travagem acentuada.”
4.- Nenhum rasto de travagem do veículo existe alegada, comprovada ou constante do Documento nº 1, junto com a Petição Inicial.
5.- Nenhuma prova - documental, testemunhal, pericial, confissão ou outra – existe nos autos, que permita ao Acórdão Recorrido considerar/afirmar “não são compatíveis, porque relativamente diminutos, com um embate “em cheio”, totalmente descontrolado na traseira do BMW que tivesse tido a capacidade para projetar este veículo cerca de 20/30m contra outro veículo …”
U. Ao contrário disso,
1.- Existe sim um facto que comprova o contrário do considerado pelo Acórdão Recorrido, que é o que consta do documento 1, junto com a Petição Inicial, mais concretamente na Letra H, que refere que, após o acidente, o veículo CT, Segurado da Ré, ficou parado com a roda do lado direito da frente a 2,30 metros de distância da roda do lado esquerdo do veículo da Autora,
Ou seja,
2.- Ao contrário do que considera o Acórdão Recorrido, o veículo 3, Segurado da Ré, após ter embatido no veículo da Autora, projectou-o para a sua frente, e continuou a sua marcha, só parando mais adiante, a menos de 2 metros de distância deste.
E diz-me a menos 2 metros de distância porque os 2,30 metros de distância, constantes da Letra H, medem a distância entre o pneu da frente do veículo 3, e o pneu de trás do veículo da Autora, e não do para-choque traseiro esquerdo do veículo da Autora ao para-choque do dianteiro direito do veículo segurado da Ré, como demonstra o dito documento nº 1, junto com a Petição Inicial,
Isto é,
3.- Ao contrário da consideração do Acórdão Recorrido, o veículo 3, Segurado da Ré, teve “capacidade para projetar este veículo cerca de 20/30m contra outro veículo”,
E, mais que isso,
4.- O veículo segurado da Ré, teve capacidade para continuar a sua marcha, estrada adiante, imobilizando-se a menos de 2 metros do veículo da Autora, muito ligeiramente atravessado na estrada, e muito ligeiramente fora da sua faixa de rodagem.
V. A leitura menos conseguida do documento nº 1, assim como a omissão da atenção ao documento nº 2, do Acórdão Recorrido, juntamente com o seu afastamento do Princípio da Imediação, inquinaram o Acórdão Recorrido, conduzindo-o:
1.- A uma alteração parcial da matéria de facto dada por provada, e dada por não provada, em 1ª Instância, alterações que colidem com parte da matéria de facto que se mantém dada por provada.
2.- À descredibilização infundada dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, designadamente a testemunha, DD, que circulava em sentido contrário
3.- Concluísse – compreensiva, mas infelizmente - com uma decisão errada, injusta, ilegal, nula, com as nefastas consequências daí decorrentes para os legítimos interesses da Autora.
X. do depoimento da testemunha EE, GNR que tomou conta da ocorrência, conjugado com o conteúdo dos documentos nºs 1 e 2, juntos com a petição inicial, conclui-se que, ao contrário do que se escreve no acórdão recorrido:
1.- Após o acidente, o veículo nº 3, o CT, segurado da Ré, ora Recorrida, ficou atravessado na sua faixa de rodagem, com o canto esquerdo da frente, fora dessa mesma faixa, na zona “zebrada”, não tendo entrado na faixa de rodagem contrário da E.N. 103, por onde circulavam, em sentido contrário, a testemunha, FF, 2. - Tal facto foi dado por provado no Ponto 13.º do Factos provados – “Atravessando-se o veículo CT na hemi-faixa de rodagem, com a frente e lateral esquerdas já fora desse espaço.”, facto sustentado no documento nº 1, junto com a Petição Inicial, documento não impugnado.
3.- Para dar por provado tal facto, a sentença de 1ª Instância sustentou-se/motivou-se em tal documento.
4.- Tal facto 13º, dado por provado, em 1ª Instância, manteve-se inalterado no Acórdão recorrido.
Y. Do depoimento da testemunha FF, (10:12 – 10:32), conjugado com o conteúdo dos documentos nºs 1 e 2, juntos com a Petição Inicial, conclui-se que, ao contrário do que se escreve no acórdão recorrido:
- Após o acidente, o veículo nº 3, segurado da Ré, ora Recorrida, ficou atravessado na sua faixa de rodagem, com parte da frente e lateral esquerda, fora dessa mesma faixa, na zona “zebrada”.
- este veículo nº 3, Segurado da ora Recorrida, não passou para a faixa de rodagem contrária.
- Tais factos e tal depoimento mereceram acolhimento total por parte do Meritíssimo Juiz de 1ª Instância, no que toca à dinâmica do acidente.
W. 1. - Para além do compreensível, mas palmar, erro de julgamento, o Acórdão Recorrido acabou por cair numa contradição insanável, mais concretamente a seguinte:
Por um lado considerou:
“Logo, se o CT após o embate invadiu e ficou imobilizado, obstruindo completamente a hemi-faixa por onde circulavam os veículos em sentido contrário ao dos veículos intervenientes, revela-se inexplicável o cruzamento do veículo da testemunha FF com os veículos envolvidos no acidente, bem como a capacidade de pormenor daquele em o descrever, atendendo a que seguia em sentido contrário e o seu depoimento foi valorizado pelo Tribunal “a quo” de forma determinante.”
Porém, por outro lado,
- Manteve assente e inalterado, o ponto 13 da instância: - “Ponto 13.º do Factos provados – “Atravessando-se o veículo CT na hemi-faixa de rodagem, com a frente e lateral esquerda já fora desse espaço.”, facto sustentado no documento nº 1, junto com a Petição Inicial, documento não impugnado.
Z. Do depoimento da testemunha BB - (10:33 – 10:49), conjugado com o conteúdo dos documentos nºs 1 e 2, juntos com a Petição Inicial, conclui-se que, ao contrário do que se escreve no acórdão recorrido:
- Após o acidente, o veículo nº 3, segurado da Ré, ora Recorrida, ficou atravessado na sua faixa de rodagem, com parte da frente e lateral esquerda, fora dessa mesma faixa, na zona “zebrada”.
- Este veículo CT, Segurado da ora Recorrida, não passou para a faixa de rodagem contrária.
- Tais factos e o demais do depoimento desta testemunha, nada tem de inverídico, como sugere o Acórdão Recorrido.
- Tais factos e tal depoimento mereceram o crédito que o Meritíssimo Juiz de 1ª Instância lhe conferiu, no que toca à dinâmica do acidente.
AA. Do depoimento da testemunha GG - (10:50 – 11:04) conjugado com o conteúdo dos documentos nºs 1 e 2, juntos com a Petição Inicial, conclui-se que, ao contrário do que se escreve no acórdão recorrido:
- Após o acidente, o veículo nº 3, segurado da Ré, ora Recorrida, ficou atravessado na sua faixa de rodagem, com parte da frente e lateral esquerda, fora dessa mesma faixa, na zona “zebrada”.
- Este veículo CT, Segurado da ora Recorrida, não passou para a faixa de rodagem contrária.
- Tais factos e o demais do depoimento desta testemunha, nada tem de inverídico, como sugere o Acórdão Recorrido.
- Tais factos e tal depoimento mereceu o crédito que o Meritíssimo Juiz de 1ª Instância lhe conferiu, no que toca à dinâmica do acidente.
AB. do depoimento da testemunha HH - [02:14] -, conjugado com o conteúdo dos documentos nºs 1 e 2, juntos com a Petição Inicial, conclui-se que, ao contrário do que se escreve no acórdão recorrido;
- Após o acidente, o veículo nº 3, segurado da Ré, ora Recorrida, ficou atravessado na sua faixa de rodagem, com parte da frente e lateral esquerda, fora dessa mesma faixa, na zona “zebrada”.
- Este veículo CT, Segurado da ora Recorrida, não passou para a faixa de rodagem contrária.
- Tais factos e o demais do depoimento desta testemunha, nada tem de inverídico, como sugere o Acórdão Recorrido.
- Tais factos e tal depoimento mereceu o crédito que o Meritíssimo Juiz de 1ª Instância lhe conferiu, no que toca à dinâmica do acidente.
AC. Relativamente à dinâmica do acidente e sua conexão com os danos nos veículos:
1. - Inexiste nos autos qualquer tipo de prova pericial, que permitisse ao Acórdão recorrido substituir-se a tal meio de prova.
2. - No seu depoimento, a testemunha/perito [00:44] a [06:25], arrolado pela Ré, II, limitou-se a dizer que efectuou a peritagem aos danos sofridos pelo veículo da Autora, quer na frente, quer na traseira, nada dizendo, sequer abordando, a questão sobre o modo como o acidente teria ocorrido.
AD.1. - Ao contrário do Acórdão Recorrido, ferido de erro palmar, a decisão de 1ª Instância só podia ser posta em causa se a convicção de 1ª Instância se revelasse manifestamente desconforme à prova produzida.
2. - É exactamente esta razão que vista “a contrario”, impõe a reforma do Acórdão Recorrido, pela óbvia razão de que está manifestamente desconforme a toda a prova produzida.
AE. 1. - Para além do erro de julgamento, cometido no Acórdão Recorrido, para além da total omissão de pronúncia relativamente ao valor probatório do documento nº 2, junto com a Petição Inicial, que a sentença de 1ª instância considerou para a sua fundamentação, viola, de forma inequívoca o princípio da imediação, uma vez que tal decisão irreleva a prova testemunhal produzida pelas testemunhas arroladas pela Autora, 2.
- Proferindo uma decisão sustentada – apenas e tão só – num juízo errado, num erro de julgamento palmar, inquinado desde o seu início até final,
3. - Sem o apoio de qualquer dos meios de prova como aqueles que sustentam a sentença de 1ª Instância.
Voltando a transcrever-se pequena parte do AC. REL. COIMBRA – PROC. Nº 166/21.6GBCLD.C1 DE 06.11.2024
I.- Embora a gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permita o controlo e a fiscalização, por parte do tribunal de recurso, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas, não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão dos outros meios de prova, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício permanente do contraditório.
II.- Perante duas versões dos factos os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum.
AC. REL. PORTO – PROC. 409/11.4GBTMC. P1 – 17.09.2014
I.- O julgamento da causa é o que se realiza em 1ª instância e o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto.
II.- O recurso, em caso algum pode servir para obter um novo julgamento, agora em 2ª instância: - o objeto do recurso é a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dito.
III.– Com efeito, a produção da prova decorre perante o tribunal de 1ª instância e no respeito de dois princípios fundamentais: - o da oralidade e o da imediação.
IV.- O princípio da imediação pressupõe um contacto direto e pessoal entre o Julgador e as pessoas que perante ele depõem (bem como restante prova produzida) cujos depoimentos irá valorar e servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
- É precisamente essa relação de proximidade entre o tribunal do julgamento em 1ª instância e os meios de prova que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes - o que, de todo em todo, o tribunal de recurso não dispõe.
V.- Há que atender e valorar fatores tão diversos como as razões de ciência que os depoentes invocam ou a linguagem que utilizam, verbal e não-verbal, a espontaneidade com que depõem, as hesitações e o tom de voz que manifestam, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, movimento repetido e descontrolado de mãos ou de pés, encolher de ombros, as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece.
VI.- Por isso, quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade de uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção trilhado pelo tribunal de 1ª instância ofende as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.
VII.- O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de 1ª instância.
VIII.- A alteração do decidido em 1ª instância só poderá ocorrer, de acordo com a alínea c), do n.º 3, do art. 412.º do CPP, se a reavaliação das provas produzidas impuserem diferente decisão, mas já não se tal for uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum. IX.- Ou seja, sempre que a convicção do julgador em 1ª instância surja como uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo tribunal de recurso.
AF.O Acórdão Recorrido é nulo, cometeu erro de julgamento, omitiu pronúncia, cometeu contradição insanável, violando, nomeadamente, o disposto nos artºs 341 a 396º, 466º, 563º, 570, nº 1, do Cód. Civil e artºs 607º, 608º, 616º, 640º e 662º do Cód. Proc. Civil.”.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão do Tribunal da 1.ª instância.
4. A recorrida contra-alegou nos termos seguintes:
“Não assiste qualquer razão à recorrente, não existindo qualquer censura a fazer ao douto acórdão recorrido, pelo que o recurso apenas pode improceder. O douto acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade, tendo nele sido feita a apreciação da prova que se impunha, pelo que foi absolutamente irrepreensível na decisão proferida.
A responsabilidade da Ré pelos danos sofridos pelo veículo da Autora em consequência do acidente objeto dos presentes autos apenas se pode circunscrever aos verificados na traseira do veículo, como bem se decidiu no doutro acórdão recorrido.
Pretender o contrário é ignorar a prova que se produziu, não passando o recurso interposto de uma tentativa do recorrente de lançar areia para os olhos dos julgadores, numa absoluta e indomável vontade de que lhe seja atribuída uma indemnização que sabe não ser devida.
E, consciente da falta de razão com que litiga, o recorrente ficciona uma nulidade nos termos previstos no art. 616.º, nº 2, al. a), do CPC, no acórdão recorrido que manifestamente não ocorre e, como tal, não se consegue deslindar na motivação do recurso apresentado.
Com efeito, o acórdão recorrido não errou na determinação da norma aplicável, nem na qualificação jurídica dos factos. Aliás, em nenhuma parte do recurso apresentado se constata a indicação de outra norma que devesse ser aplicada ou a qualificação jurídica dos factos diversa daquela que consta do acórdão recorrido.
E percebe-se que assim seja. Pese embora pretender fazer crer, logo na parte inicial do recurso, que o mesmo versa apenas sobre uma suposta nulidade da decisão, de forma a caber na previsão do 616.º, nº 2, al. a), do CPC, o recorrente acaba por ir por caminhos que lhe estão manifestamente vedados por lei. O recorrente, sob a falsa aparência de estar a discutir unicamente direito, pretende isso sim, por via travessa e muito mal disfarçada, uma alteração da decisão de facto que, nesta fase processual, se afigura impossível.
Na verdade, toda a motivação do recurso é feita tecendo considerações acerca da bondade da decisão de facto do douto acórdão recorrido. Ora, dispõe o art. 674.º, nº 3, do C. Proc. Civil que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe determinado meio de prova”.
Quer isto dizer que, salvo casos especialmente previstos na parte final deste normativo, o Supremo Tribunal de Justiça apenas aprecia a decisão de direito, não reexaminando a decisão de facto. No caso em apreço, nenhum facto dado como provado integra a previsão da parte final do artigo citado.
Aliás, em nenhum momento das suas alegações a recorrente invoca o referido artigo ou integra algum dos factos provados na previsão daquele artigo. Todos factos provados emanam de prova que pode ser livremente apreciada pelo tribunal, sem que este esteja preso a qualquer meio específico de prova. Estamos perante factualidade relacionada com a dinâmica de um acidente de viação que foi provada através de documentos particulares e depoimentos testemunhais, pelo que inexiste qualquer amarra que constranja a liberdade de apreciação do julgador.
Ou seja, a recorrente pretende fazer entrar pela janela aquilo que não pode fazer entrar pela porta.
Assim, além de não existir desconformidade da decisão de facto com a prova produzida e de, portanto, inexistir qualquer fundamento para a sua alteração, o tribunal ad quem nunca poderia exercer qualquer censura, tal como decorre do regime regra dos arts. 673.º CPC.
Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o sumário do Acórdão do STJ de 17.03.2022:
“I- Ao Supremo Tribunal de Justiça compete, no âmbito da revista, decidir as questões nela suscitadas relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art.º 662.º do CPC.
II- Está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC.
III- Em suma, ao tribunal de revista compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efectuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da prudente convicção do julgador.
(…)”
Deste modo, sempre o presente recurso terá de improceder.
Sem prejuízo do exposto, não pode a ora recorrida deixar de louvar o acerto e a bondade do douto acórdão recorrido. Os senhores desembargadores fizeram um exemplar uso dos poderes e deveres previstos no art. 662.º CPC, alterando a decisão de facto como se impunha, atendendo a toda a prova que foi produzida.
O alegado “erro de julgamento” e a alegada “violação do princípio da imediação” invocados na motivação do recurso apresentado mais não são do que uma negação das disposições legais expressas no processo civil respeitantes aos poderes da Relação para alterar a decisão de facto. Não existe qualquer norma no código de processo civil que, de alguma forma, permita acomodar a argumentação do recorrente quanto à existência desse alegado erro e dessa alegada violação.
Como defendido por Abrantes Geraldes [2 Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287, Almedina, Coimbra, 2018. 3 Proc. 19343/19.3T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.], a propósito do atual art. 662.º do CPC, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Neste sentido, veja-se o constante do Acórdão do STJ de 25.01.2024 [3: Proc. 19343/19.3T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt]
“A Relação atua como um tribunal de substituição em matéria de facto, aplicando a plenitude das regras gerais de prova: "a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição", enunciam os Acs. STJ 2-12 2013/34/11.0TBPNI.L1.S1 e de 29-11-2016, proc. 2170/05.2TVLSB-A.L1.S1).
Neste contexto, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, como feito notar pelo acórdão de 08-06-2017, Revista n.º 271/07.1TBALJ.G2.S1), que “a reapreciação da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º nº 1 do CPC não se deve limitar à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos deformação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.”
E nessa senda decisória se pronunciou o Ac. STJ 07 de Setembro de 2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, confirmando que “o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.
Assim como o Ac. STJ de 19-09-2017, revista 3805/04.0TBSXL.L1.S1, que postula que “à Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo art. 662.º do CPC.
Em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a Relação pode e deve formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas (arts. 640º e 662º nº 1 do CPC), exactamente nas mesmas condições em que o fez o Tribunal recorrido, nada obstando a que o faça de forma díspar ou divergente deste, mesmo quando não se verificou erro notório de julgamento de facto recorrido.”
Ora, resultou dos depoimentos testemunhais e dos documentos juntos aos autos, sem margem para dúvidas, que:
9ºA) Quando o veículo ..-RH-.. já se encontrava praticamente parado, a aguardar a manobra do condutor da carrinha referida em 5º, foi violentamente embatido na sua traseira pela frente do veículo da Autora (AA),
9ºB) Uma vez que o condutor deste veículo, em virtude da velocidade com que circulava e da falta de atenção com que conduzia, não conseguiu desviar-se do veículo ..-RH-.., nem parar no espaço livre e visível à sua frente.
9ºC) Já após o embate da frente do veículo da Autora na traseira do veículo ..-RH-.., o condutor do veículo CT acabou por embater com frente do lado direito do seu veículo na traseira do lado esquerdo do veículo da Autora.
9ºD) Em consequência deste embate, o veículo da Autora não embateu em qualquer outro veículo ou objeto.
Ou seja, no douto acórdão recorrido, os venerandos desembargadores não só utilizaram convenientemente e criteriosamente os poderes que lhe são conferidos, como cumpriram o dever processual que lhes estava incumbido de reexaminar e valorar a prova produzida. Assim, não se percebe nem se pode aceitar o erro e a violação que o recorrente lhes pretende infundadamente imputar.
Atendendo a toda matéria de facto provada, é manifesto que apenas se verificam os pressupostos de responsabilidade civil previstos art. 483.º do C. Civil relativamente à ora apelante, relativamente aos danos sofridos pela traseira do veículo da Autora, uma vez que apenas estes foram causados com culpa do condutor do veículo seguro na apelante. Consequentemente, a ora apelante apenas poderá ser condenada a pagar à Autora o valor da indemnização pela reparação da traseira do seu veículo, correspondente ao montante de €3.724,86, acrescido de IVA (Ponto 22.º dos Factos Provado.
O recorrente não concordou com essa decisão e pura simplesmente decidiu lançar mão de um instrumento processual que não é aplicável no caso concreto. Não existe qualquer nulidade no douto acórdão recorrido, pelo que este apenas pode ser confirmado.”.
II – Admissibilidade do recurso
Verificando-se que o acórdão da Relação, ora recorrido, reduziu o valor de ambas as parcelas indemnizatórias (valor da reparação do veículo automóvel da autora e valor do dano de privação do uso do mesmo automóvel) fixadas pela decisão condenatória da 1.ª instância, dúvidas não existem de que não ocorre, no caso, dupla conformidade entre as decisões das instâncias, não sendo aplicável a orientação constante do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022.
O recurso é, pois, admissível.
III – Objecto do recurso
Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.
Deste modo, não obstante as excessivamente extensas e prolixas conclusões recursórias, é possível determinar que o presente recurso tem como objecto as seguintes questões
• Nulidade por omissão de pronúncia e por “contradição insanável”;
• Erro de julgamento ao alterar a decisão da matéria de facto, incorrendo em violação do princípio da imediação.
IV – Fundamentação de facto
Foram dados como provados os factos seguintes:
1.º) No dia .../.../2023, pelas 15,30 horas, na EN ..., ao Km 47,800, freguesia de ..., seguiam os seguintes veículos:
a) Ligeiro de passageiros, de matrícula ..-RH-.., conduzido por AA, sob as ordens, direção, fiscalização, e seguindo um percurso previamente definido pela sua proprietária, F..., Lda, com sede na Rua ..., freguesia de ..., ....
b) Ligeiro de passageiros, de matrícula AA-..-RH, conduzido por BB, propriedade de Autora.
c) Ligeiro de passageiros, de matrícula ..-CT-.., conduzido por CC, seu proprietário.
2.º) Todos os veículos seguiam na direção P.... .. ....... - B...., sentido Nascente-Poente, pela hemi-faixa de rodagem da direita da via, tendo em conta o referido sentido de marcha.
3.º) O veículo ..-RH-.. circulava à frente do AA-..-RH, a velocidade de cerca de 70 km/h,
4.º) circulando o ..-CT-.. imediatamente atrás deste.
5.º) À frente dos identificados veículos seguia uma carrinha, a qual, a dado momento, virou para a direita, atento o seu sentido de marcha, entrando numa zona de parque.
6.º) No local, a estrada, com piso em alcatrão, encontrava-se seca e com condições de boa aderência.
7.º) Nesse local, a estrada descreve uma curva larga para a direita, atento o referido sentido de marcha,
8.º) Onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/h,
9.º) Quando assim circulavam, com a dita carrinha ainda à vista, virando à sua direita, a condutora do veículo ..-RH-.. travou repentinamente,
9.ºA) Quando o veículo ..-RH-.. já se encontrava praticamente parado, a aguardar a manobra do condutor da carrinha referida em 5º, foi violentamente embatido na sua traseira pela frente do veículo da Autora (AA), [dado como provado pela Relação]
9.ºB) Uma vez que o condutor deste veículo, em virtude da velocidade com que circulava e da falta de atenção com que conduzia, não conseguiu desviar-se do veículo ..-RH-.., nem parar no espaço livre e visível à sua frente. [dado como provado pela Relação]
9.ºC) Já após o embate da frente do veículo da Autora na traseira do veículo ..-RH-.., o condutor do veículo CT acabou por embater com a frente do lado direito do seu veículo na traseira do lado esquerdo do veículo da Autora. [dado como provado pela Relação]
9.ºD) Em consequência deste embate, o veículo da Autora não embateu em qualquer outro veículo ou objeto. [dado como provado pela Relação]
13.º) Atravessando-se o veículo CT na hemi-faixa de rodagem, com a frente e lateral esquerdas já fora desse espaço.
14.º) Após o embate e antes da chegada da Brigada de Trânsito, a condutora do ..-RH-.., retirou-o do local onde se havia imobilizado após o embate.
15.º) O veículo AA era conduzido por BB, por ordem, ao serviço e no interesse da Autora.
16.º) A Autora desenvolve a atividade de fabricação de material ortopédico e prótese e de instrumentos médico-cirúrgicos, atividade de medicina dentária e odontologia e comércio de material odontológico.
17.º) O identificado veículo da Autora (AA) é um híbrido, que a Autora adquiriu com a finalidade de permitir efetuar viagens de trabalho, no âmbito do seu objeto social,
18.º) O veículo foi adquirido pela autora em Maio de 2020, pelo valor de € 57.459,65.
19.º) Na data do embate, o veículo da Autora tinha um valor comercial de cerca de € 48.000,00.
20.º) Em decorrência do embate, o veículo AA sofreu danos na sua parte de trás, assim como na parte da frente, mais concretamente: Airbags, amortecedores, batentes, buzina, bateria, capot, faróis, rodas, frisos, grelha, para-choques, radiador, sensores, tubos, painel de instrumentos.
21.º) A sua reparação total - sem desmontagem - foi orçamentada em € 33.345,69.
22.º) A reparação dos danos sofridos na traseira do veículo com a matrícula AA-..-RH importa um custo no montante de € 3.724,86, acrescido de IVA
23.º) O AA não pode circular enquanto não for reparado.
24.º) A autora tem registado em seu nome um outro veículo, de matrícula AF-..-CC.
25.º) A autora fazia deslocar o AA-..-RH, em trabalho, para localidades diversas, não concretamente identificadas.
26.º) A autora acabou por nunca autorizar a desmontagem do seu veículo, necessária para averiguar e calcular a totalidade do valor dos danos.
27.º) A autora é uma sociedade fundada em 2018, que nos anos de 2022 a 2023 apresentou como lucros tributáveis os valores de € 45.733,71 e € 93.433,70, respetivamente.
28.º) O proprietário do veículo ..-CT-.. transferiu para a ré a responsabilidade por danos causados a terceiros no exercício da condução, através da Apólice .......27, em vigor à data do acidente.
Factos dados como não provados:
a) A curva referida em 7º tem uma visibilidade de mais de 200 metros, em qualquer das direções.
b) O AA seguia a uma velocidade superior a 100 km/h, e com desatenção ao trânsito.
e) Após o embate, a condutora do RH imobilizou-o na berma do lado direito,
f) Ficando o veículo da Autora parado e imobilizado na hemifaixa direita de rodagem, atento o sentido de marcha P.... .. ....... – B...., sem qualquer veículo à sua frente.
i) O condutor do veículo da Autora abordou o condutor do veículo ..-CT-.., dizendo-lhe que circulava em velocidade excessiva,
j) Ao que este respondeu, dizendo que não lhe foi possível evitar o embate na traseira do ..-RH-...
k) Questionada pelo condutor do veículo da Autora, por que razão havia dali retirado o ..-RH-.., respondeu dizendo “não tem nada com isso”.
l) O veículo da Autora estava em muito bom estado de conservação, desde logo porque guardado em garagem fechada e privativa,
m) E sempre assistido, em tempo oportuno, em oficina da marca.
n) Mesmo após a reparação, o veículo da Autora sofrerá uma desvalorização nunca inferior a € 5.000,00.
o) O veículo AA permite à autora poupanças mensais de cerca de € 600,00.
bA) O ocorrido em 9.º) dos factos provados fez com que o condutor do AA travasse na aproximação ao veículo que o precedia (o RH), [dado como não provado pela Relação]
bB) Após o que foi embatido, na sua traseira, pela frente do veículo ..-CT-.., [dado como não provado pela Relação]
bC) Sendo projetado para diante, e embatendo, com a sua frente, contra a traseira do veículo ..-RH-.., que foi projetado para a frente. [dado como não provado pela Relação]
V – Fundamentação de direito
1. Recorde-se que a recorrente suscitou, em extensas e prolixas conclusões, as seguintes questões:
• Nulidade por omissão de pronúncia e por “contradição insanável”;
• Erro de julgamento ao alterar a decisão da matéria de facto, incorrendo em violação do princípio da imediação.
2. Invoca a recorrente, de forma reiterada (cfr. conclusões A), B), V) e AE)), que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia acerca do documento n.º 2 junto com a petição inicial.
Ora, a nulidade por omissão de pronúncia (cfr. art. 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) diz respeito a questões e não a meios de prova pelo que, sem necessidade de mais considerações, se conclui pela não verificação de tal nulidade.
Invoca também a recorrente (cfr. conclusão W.1)) que o acórdão recorrido padece de “contradição insanável”, o que se afigura corresponder a invocar a nulidade por contradição entre a fundamentação e decisão prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Porém, analisado atentamente o conteúdo das alegações da recorrente, constata-se que aquilo que, efectivamente, se alega é uma pretensa contradição entre os factos e a decisão, o que configura a invocação de erro de julgamento e não de nulidade da decisão. A questão será assim de apreciar em sede de erro de julgamento.
3. Ao longo das extensas conclusões recursórias invoca a recorrente que o acórdão recorrido, ao alterar a decisão da matéria de facto, incorreu em erro de julgamento, violando designadamente o princípio da imediação de acordo com o qual deverá prevalecer o juízo realizado pelo Tribunal de 1.ª instância.
A recorrida pronuncia-se, no essencial, nos termos seguintes:
- “O recorrente, sob a falsa aparência de estar a discutir unicamente direito, pretende isso sim, por via travessa e muito mal disfarçada, uma alteração da decisão de facto que, nesta fase processual, se afigura impossível”;
- “[T]oda a motivação do recurso é feita tecendo considerações acerca da bondade da decisão de facto do douto acórdão recorrido. Ora, dispõe o art. 674.º, nº 3, do C. Proc. Civil que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe determinado meio de prova”;
- “Quer isto dizer que, salvo casos especialmente previstos na parte final deste normativo, o Supremo Tribunal de Justiça apenas aprecia a decisão de direito, não reexaminando a decisão de facto. No caso em apreço, nenhum facto dado como provado integra a previsão da parte final do artigo citado”;
- Ora, “em nenhum momento das suas alegações a recorrente invoca o referido artigo ou integra algum dos factos provados na previsão daquele artigo. Todos factos provados emanam de prova que pode ser livremente apreciada pelo tribunal, sem que este esteja preso a qualquer meio específico de prova. Estamos perante factualidade relacionada com a dinâmica de um acidente de viação que foi provada através de documentos particulares e depoimentos testemunhais, pelo que inexiste qualquer amarra que constranja a liberdade de apreciação do julgador”.
Vejamos.
Enquanto tribunal de revista, o Supremo Tribunal tem competências muito limitadas em matéria de apreciação da decisão de facto. Com efeito, o n.º 3 do art. 674.º do CPC prescreve o seguinte:
“O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Ora, analisado atentamente o teor das conclusões recursórias, não se identifica qualquer questão relativa ao julgamento de facto na qual possa estar em causa a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova. Toda a prova testemunhal e documental produzida e apreciada relativa à dinâmica do acidente, incluindo o documento n.º 2 junto com a p.i. (fotografia do local onde se deu o acidente), se encontra sujeita ao principio da live apreciação da prova (cfr. arts. 376.º, n.º 1, a contrario, 389.º e 396.º do Código Civil). Não se verificando qualquer das excepções previstas na parte final do art. 674.º, n.º 3, do CPC, a decisão de facto é insindicável por este Supremo Tribunal.
Tampouco ocorre a violação do invocado princípio da imediação que, na perspectiva da autora, ora recorrente, levaria a fazer prevalecer a apreciação da matéria de facto tal como realizada pelo Tribunal da 1.ª instância.
Com efeito, e nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 25.01.2024 (proc. n.º 19343/19.3T8PRT.P1.S1), referido em sede de contra-alegações:
“A Relação atua como um tribunal de substituição em matéria de facto, aplicando a plenitude das regras gerais de prova: "a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição", enunciam os Acs. STJ 2-12 2013/34/11.0TBPNI.L1.S1 e de 29-11-2016, proc. 2170/05.2TVLSB-A.L1.S1).
Neste contexto, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, como feito notar pelo acórdão de 08-06-2017, Revista n.º 271/07.1TBALJ.G2.S1), que “a reapreciação da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º nº 1 do CPC não se deve limitar à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.”
E nessa senda decisória se pronunciou o Ac. STJ 07 de Setembro de 2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, confirmando que “o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.
Assim como o Ac. STJ de 19-09-2017, revista 3805/04.0TBSXL.L1.S1, que postula que “à Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo art. 662.º do CPC.
Em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a Relação pode e deve formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas (arts. 640º e 662º nº 1 do CPC), exactamente nas mesmas condições em que o fez o Tribunal recorrido, nada obstando a que o faça de forma díspar ou divergente deste, mesmo quando não se verificou erro notório de julgamento de facto recorrido.” [bold nosso]
Não podendo este Supremo Tribunal sindicar a apreciação da decisão de facto realizada pelo Tribunal da Relação, e verificando-se que este último Tribunal respeitou os poderes normativos que, a esse respeito, lhe estão cometidos, forçoso é concluir pela manifesta improcedência do recurso.
VI – Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 17 de Junho de 2025
Maria da Graça Trigo (relatora)
Fernando Baptista
Isabel Salgado