Se em princípio a verificação se existe outro posto de trabalho compatível se deve fazer no estrito âmbito da organização empresarial do empregador, há razões para ponderar se tal solução deverá valer mesmo para os casos em que o despedimento resulte de uma decisão da sociedade dominante ou sociedade mãe, justificando-se a admissibilidade de uma revista excecional para “uma melhor aplicação do direito”.
Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
AA, Autor da presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que é Ré, Planitec – Moldes Técnicos, S.A., veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.11.2024.
A Ré contra-alegou sustentando a inadmissibilidade do recurso (e se este for, contrariamente ao que sustenta, admitido, a sua improcedência).
Tendo-se o Relator pronunciado no sentido da existência dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso cabe agora à Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil (doravante designado de CPC) junto da Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se quanto à verificação dos pressupostos específicos de admissibilidade da revista excecional previstos no artigo 672.º n. º 1 do CPC.
O recurso de revista excecional estriba-se nas alíneas a) e b) do artigo 672.º n.º 1 do CPC.
No seu recurso o Recorrente afirma o seguinte:
“A excecionalidade da revista, justifica-se, porque, a extinção do posto de trabalho não é totalmente clara quando opera num quadro em que há uma sociedade dominante que determina a extinção de um posto de trabalho da sociedade dominada, porque parece resultar controvérsia jurisprudencial e doutrinal sob se o conteúdo funcional do posto trabalho tem de ser totalmente extinto para ser licito e, porque, consequentemente, a matéria dos despedimentos económicos no descrito contexto, é matéria de relevante interesse social”.
Depois, a pp. 19 e ss. do seu recurso pode ler-se:
Desde logo, porque contrariamente ao sustentado pelo aresto sob recurso, a recorrida tinha o dever de pesquisar dentro do contexto plurissocietário por um posto de trabalho com igual conteúdo funcional ao de diretor de retificação, atendendo que a recorrida era e é controlada pela T..., S.A., e porque a medida de reestruturação foi por esta determinada. Apesar de genericamente inexistir a obrigação para a entidade empregadora em reocupar o trabalhador do posto extinto num posto de trabalho de outra empresa do grupo com igual conteúdo funcional, (cfr. julgado pelos acórdãos do STJ de 09-set-2009, proc. n.º 08S4021, do Conselheiro Relator SOUSA GRANDÃO, e 02-11-2022, proc. n.º 10764/18.0T8SNT.L2.S1, do Conselheiro Relator MÁRIO BELO MORGADO), no caso da extinção do posto de trabalho ser determinada por uma sociedade dominante, existe a obrigação em indagar por um posto com igual estatuto na estrutura da sociedade controladora. Assume, nesta sede, especial pertinência os apontamentos de Maria do Rosário P. Ramalho, na obra, Grupos Empresariais e Societários – Incidências Laborais, págs. 602-606:
“O problema do direito do trabalhador à ocupação de outro posto de trabalho, em alternativa à cessação do contrato de trabalho, coloca-se, no sistema português — como, aliás, noutros sistemas jurídicos — nas situações de despedimento económico ou com outro fundamento objectivo. Neste sentido, a propósito do despedimento colectivo, a lei estabelece, no processo para a efectivação da medida, uma fase de informações e negociação entre o empregador e os representantes dos trabalhadores, durante a qual se devem estudar alternativas ao despedimento, sendo uma dessas medidas a reconversão e reclassificação dos trabalhadores abrangidos (art. 420. 0 n. 0 1 c) do CT); na mesma linha, mas com referência ao despedimento por extinção do posto de trabalho, uma das condições de licitude desta modalidade de despedimento é a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, que se tem por verificada apenas se, uma vez extinto o posto de trabalho, o empregador não dispuser de outro posto de trabalho compatível com a categoria do trabalhador (art. 403. 0 n. 0 1 n. 0 3 do CT); por último, no que respeita ao despedimento do trabalhador por inadaptação, é também prevista, como um dos requisitos de aplicação desta medida, a inexistência de outro posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação profissional do trabalhador (art. 407. 0 n. 0 1 d) do CT). Em suma, sendo o despedimento uma medida de ultima ratio, por: força do princípio constitucional da segurança no emprego (art. 53. 0 da. CRP) e também materialmente, pelos efeitos gravosos que tem para a vida do trabalhador, a lei procura garantir, em relação a estes despedimentos. por motivos objectivos que a decisão de despedimento não será proferida enquanto não estiverem. esgotadas todas as vias alternativas de manter o contrato de trabalho, ainda que tais vias passem pela modificação do próprio contrato e, designadamente, pela mudança das funções do trabalhador. O problema específico que estas disposições colocam, quando se suscite a sua aplicação em contexto de grupo, é, obviamente, o do âmbito do direito de reocupação do trabalhador. Colocado em termos interrogativos, este problema consiste em saber se, estando a empresa na qual ocorre o despedimento integrada num grupo e sendo até, porventura, o próprio grupo ou a respectiva empresa mãe responsáveis pelas vicissitudes empresariais que conduziram à aplicação da medida do despedimento, o direito de ocupação alternativa do trabalhador se pode apenas exercer no contexto da sua própria empresa ou pode também ser exercido no contexto das restantes empresas do grupo, sendo elegíveis, para este efeito, postos de trabalho nelas situados. III. A nosso ver, a resposta de princípio a este problema deve ser no sentido de circunscrever os deveres do empregador de proporcionar um trabalho alternativo ao trabalhador abrangido por uma medida de despedimento colectivo, de despedimento por extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação ao seu próprio universo empresarial. Em favor deste entendimento de princípio depõem argumentos de axiológica e de coerência sistemática, de índole dogmática e de ordem prática. Por um lado, esta solução é a que melhor se coaduna com o princípio geral de independência dos vínculos laborais em relação à inserção grupal que oportunamente fundámos no facto de o empregador alterar, por via de regra, quando a sua empresa se integra num grupo e do qual retirámos a consequência de que a celebração do contrato de trabalho, a sua execução e também a sua cessação se mantêm solidamente ancorados ao nível da sua empresa — ora, assim sendo, o mesmo deve suceder com os direitos do trabalhador ligados à cessação do contrato, sob pena de incoerência geral do regime. Na verdade, reconhecer o alargamento do direito de reocupação alternativa do trabalhador a todas as empresas do grupo, como uma decorrência normal do contexto de grupo, equivaleria a situar a cessação dos contratos de trabalho ao nível do próprio grupo ou do conjunto das empresas que o compõem, quando é certo que o fundamento desses mesmos contratos e os motivos da respectiva cessação devem, como acima vimos, ser equacionados à dimensão da unidade empresarial não à dimensão do grupo. Por outro lado, e ainda em termos dogmáticos, não pode deixar de se observar que o alargamento do dever de reocupação alternativa do trabalhador ao universo de outras empresas do grupo significa impor o trabalhador a outra entidade jurídica, que ficaria assim obrigada a recebê-lo, ainda que seja totalmente alheia à cessação daquele contrato de trabalho — tal imposição choca com o princípio da liberdade contratual, na vertente da liberdade de celebração, de um modo que se afigura dificilmente admissível. Por fim, a solução que sufragamos tem em seu favor um argumento de ordem prática, que é a extrema dificuldade de o empregador provar o preenchimento do requisito da inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria ou com a qualificação do trabalhador (consoante a medida de despedimento em concreto), quando o universo do. direito de reocupação seja o conjunto das empresas do grupo e não a sua própria empresa. Esta dificuldade de prova poderia, no limite, inviabilizar o recurso às medidas de despedimento económico em contexto de grupo, o que está fora de causa. IV. Apresentada a solução geral para o problema, cabe referir os seus limites. A nosso ver, esta solução não deve ser extensível aos casos em que o despedimento ocorra no seio da sociedade subordinada ou dominada e seja ilícito, mas esta ilicitude seja de imputar à sociedade dominante ou directora — são as situações consideradas na parte final do ponto anterior, em que a cessação do contrato é forçada directamente pela intervenção da sociedade dominante do grupo. Nestes casos, se a sociedade mãe é responsável pela decisão de despedimento, o trabalhador deve poder exercer o seu direito de ocupação de um novo posto de trabalho, em alternativa ao despedimento, também nessa sociedade, embora não já nas restantes empresas do grupo” (sublinhado nosso).
Também CATARINA OLIVEIRA CARVALHO, "Cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador com justa causa objectiva no contexto dos grupos empresariais", em Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, Coimbra, p. 230, defende "pelo menos, a existência de uma obrigação de reclassificação quando, para além de uma estreita relação de grupo, a sociedade dominante tenha influenciado a esfera jurídica do trabalhador provocando a perda do seu posto de trabalho”.
A nossa jurisprudência tem, reiteradamente, sublinhado que no nosso sistema legal o grupo de empresas não assume a natureza de empregador. No entanto, tal não significa que a inserção do empregador num grupo seja irrelevante: como se decidiu no Acórdão proferido a 02-11-2022, processo n.º 10764/18.0T8SNT.L2.S1 (Relator Conselheiro Mário Belo Morgado), “na avaliação dos motivos justificativos do despedimento por extinção do posto de trabalho realizado por uma sociedade integrada num grupo económico, o tribunal deve ter em conta não só a dimensão económico-financeira e o modelo de funcionamento da sociedade empregadora, mas também as implicações que nesta tenha a situação global do grupo”.
Acresce que este Tribunal também já afirmou que, em princípio, o ónus do empregador de demonstrar que não existe outro posto de trabalho compatível com a qualificação profissional do empregador se circunscreve à estrutura empresarial deste e não se estende a outras empresas do grupo – veja-se a respeito o Acórdão proferido a 09-09-2009, processo n.º 08S4021 (Relator Conselheiro Sousa Grandão) em cujo sumário se pode ler que “a avaliação da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho por não dispor o empregador de posto de trabalho compatível com a categoria do trabalhador está circunscrita à estrutura empresarial do empregador, ainda que esteja este inserido num grupo de empresas, a menos que se justifique o levantamento da personalidade colectiva por a mesma ter sido usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros”. Destaque-se que, como se vê, este Acórdão admitia uma exceção e até a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica.
Como se vê, muito embora a nossa jurisprudência tenha decidido que em princípio a verificação se existe outro posto de trabalho compatível se deve fazer no estrito âmbito da organização empresarial do empregador, há razões para ponderar se tal solução deverá valer mesmo para os casos em que o despedimento resulte de uma decisão da sociedade dominante ou sociedade mãe.
Trata-se de uma questão que se afigura ser importante que este Supremo Tribunal de Justiça decida para contribuir para uma melhor aplicação do direito.
Devendo admitir-se a revista excecional à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 671.º do CPC, torna-se inútil decidir se também se verifica a hipótese da alínea b) do mesmo preceito, já que é suficiente o preenchimento de uma das alíneas do n.º 1 para que a revista deva ser admitida.
Decisão: Acorda-se em admitir a revista excecional.
Custas a decidir a final.
Lisboa, 18 de junho de 2025
Júlio Gomes (Relator)
José Eduardo Sapateiro
Mário Belo Morgado