PASSAGEM FORÇADA MOMENTÂNEA
DIREITO DE PROPRIEDADE
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
OBRAS
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, não sendo permitidas quaisquer outras restrições ao direito de propriedade, para além das especificamente previstas na lei.
II. A norma do n.º 1 do artigo 1349º do Código Civil, que confere o direito de acesso ao prédio de outrem, estipulando que “[s]e, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses acto”, constitui restrição imposta por lei ao proprietário onerado com a obrigação de ceder passagem ou utilização do seu prédio para os fins ali especificados.
III. O consentimento imposto pela lei ao dono do prédio constitui uma obrigação ex lege que depende de dois requisitos apenas: - a finalidade do facto (reparação ou construção de um edifício; e - a necessidade de acesso.
IV. Não se exige que quem pretenda aceder ao prédio de outrem para realização das obras seja o proprietário da construção onde as obras se vão realizar.
V. Estando provado que a edificação da marquise e a construção suspensa, construídas já em 1986, estão acopladas ao prédio pertença da requerente, permitindo a passagem entre zonas distintas deste prédio, as quais vêm sendo por esta utilizadas, dado o estado de degradação das mesmas, com riscos graves de segurança comunicados pela notificação camarária, recai sobre a requerente a obrigação de fazer as obras necessárias à estabilização das ditas estruturas.
VI. Assim, assiste-lhe o direito a exigir dos proprietários do prédio contíguo o acesso ao quintal da propriedade destes para colocação dos materiais, ferramentas e andaimes necessários à realização das obras em causa, podendo, em face da urgência na realização das obras em causa, lançar mão do procedimento cautelar comum com essa finalidade.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 55/25.5T8MRA.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA intentou procedimento cautelar comum contra BB e CC, peticionando a notificação dos requeridos “para abrir a entrada, através do seu quintal, à requerente e seus contratados, materiais e ferramentas, assim como à colocação de andaimes no seu quintal, pelo período de um mês”.


2. Para tanto, sustentou, em síntese, que: - com a autorização dos então proprietários do prédio contíguo ao seu, realizou, em 1986, a construção de uma marquise e uma ligação suspensa que mantém e utiliza até ao dia de hoje; - após vistoria realizada no dia 10 de Setembro de 2024, pela Câmara Municipal de ..., solicitada pelos então herdeiros e proprietários do prédio contíguo, aqui requeridos, a Câmara Municipal verificou a existência de uns arrumos, com acesso pelo logradouro do n.º 10 que apresentava “desagregação de material da parede estrutural em taipa, situação que compromete a sua estabilidade”, “pequena deformação da laje” e “fraco apoio da estrutura suspensa”, concluindo que a construção suspensa está a descarregar, parcialmente, através de um perfil metálico, na parede estrutural, em taipa, dos arrumos, e que a deformação da laje poderá ter origem no peso da estrutura que lhe está acima, classificando as descritas anomalias como muito graves, colocando em causa a estabilidade de toda a construção e, consequentemente, a segurança dos habitantes de ambos os prédios, e que “os processos de obras, não possuindo levantamento das construções relativas aos arrumos e à construção suspensa, são inconclusivos sobre o limite de cada um dos prédios e, consequentemente, a responsabilidade de cada um dos proprietários”.


Alegou ainda que apresentou projecto de legalização das obras junto da Câmara Municipal, que se encontra implantada sob o prédio do n.º 10, e que para realizar as obras é necessário a utilização do prédio da requerida, o que esta recusa, sendo que “a demora decorrente do prazo normal de decurso de uma acção declarativa poderá agravar o perigo da requerente, o qual, além de grave, porque não tem apenas efeitos no prédio, mas também na vida e segurança da requerente, é de difícil reparação”.


3. Citados, os requeridos pugnaram pela improcedência do presente procedimento cautelar, alegando, por um lado, a falta de instrumentalidade ou provisoriedade do mesmo e, por outro, a falta de probabilidade séria da existência do direito invocado por estarem em causa edificações sem autorização ou licença.


4. Foi designada data para a inquirição das testemunhas arroladas, após o que foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedente o procedimento cautelar.


5. Inconformada, interpôs a requerente recurso, o qual motivou, concluindo pela revogação da sentença e o consequente deferimento do procedimento cautelar, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso, com exclusão dos factos dados como provados na sentença]:

1. O presente procedimento cautelar constitui um instrumento processual destinado a proteger de forma célere e eficaz os direitos subjectivos, ou potestativos ou interesses juridicamente relevantes.

2. Assentam numa análise breve e sumária da situação fáctica concreta que permite reconhecer a probabilidade séria e actual do direito, bem como o receio justificado de como aquele esteja ou seja afectado ou paralisado ou inutilizado se não for decretada a providência.

3. Foi suscitado ao tribunal a quo uma apreciação de mera verosimilhança ou um simples juízo de mera probabilidade, um fumus boni iuris, perante a situação concreta que lhe não deu guarida pela ausência, a olhos do Tribunal, daquele requisito.

4. O requisito de probabilidade séria vai para além dos meros indícios, mas fica muito aquém da convicção do reconhecimento do direito na acção principal.

5. É por demais evidente no caso concreto, além da aparência, a situação periculum in mora, perante a situação de perigo iminente à ocorrência de lesões graves irreparáveis ou de difícil reparação. Cfr. A Tutela Cautelar Antecipação no Processo Civil, págs.155/156, in Rita Lynce de Faria.

6. Deu-se nos autos como matéria provada que: (…)

7. A douta sentença recorrida, porém, exclui o reconhecimento da aparência do direito, que, na perspectiva da recorrente jamais poderia ser admissível, saldando-se pelo non liquet da decisão com o qual, com o devido respeito se não concorda.

8. Está posta em crise a sentença recorrida no que respeita à apreciação da matéria de direito.

9. A recorrente desde pelo menos 1986, isto é, há mais de 38 anos que acede da habitação à cave através da implantação de uma marquise e ligação suspensa.

10. A necessidade de acesso por um lado, e o fim do facto concreto, isto é, a reparação da construção em ruína iminente justificam o direito da recorrente.

11. De harmonia com o que dispõe o art. 1349º do C.Civil que repele restrições ao direito de propriedade, o proprietário de um prédio é obrigado a conceder passagem momentânea, a que o código anterior (1867) denominava “Servidão momentânea de passagem”, como uma servidão de passagem.

12. Ora, quer a finalidade de facto – execução de obras urgentes – podem causar danos gravíssimos quer a necessidade do acesso – porque não há outro, justificam a obrigação que impende sobre os recorridos que agravam desnecessariamente as cordiais relações de vizinhança que teimam em agudizar.

13. Trata-se de uma intervenção impulsionada pela edilidade que alertou para a iminência de derrocada, colocando em risco vidas humanas, que impõe a exigibilidade do consentimento dos recorridos, que pode ou vai ser suprido através do mecanismo processual correspondente - cfr, art 1000º e ss. do C.P.C.

14. A recorrente pretende realizar obras de reparação e construção que só são possíveis através do prédio dos recorridos que obstinadamente se recusam a ceder a entrada sendo a acção de suprimento de consentimento a propor, o meio próprio para a recorrente fazer valer o seu direito, estando aqueles obrigados a conceder o acesso momentâneo que se julga razoável a um mês para tal execução, como decorre do art. 1349º do C.Civil. A ap. Ac. Rel. Guimarães 89/11TBVVD,Gm. Prof. P. Lino A Varela cc anotado, vol. III, pág.185*Ac. Rel. Porto 21.10.2010; Ac. Rel. CMB 8.4.2008; Ac. Rel.CMB 31.1.89 dgsi; Ac. Rel. Pto 26.1.2016; 12.9.2013; Ac. Rel Guimarães 13.3.2012.

15. É a lei substantiva – C. Civil art. 1349º e não o acto processual que cabe delimitar o âmbito do recurso na falta de consentimento, sendo evidente que à recorrente lhe assiste o direito a que os recorridos são obrigados a consentir.

16. Só a providência cautelar contêm todos os requisitos que a lei impõe, não havendo sido omitida a aparência do direito, violando a douta sentença, por erro de interpretação e aplicação, o que dispõe os arts.1251º, 1287º, 1305º, 1344º, 1349º do C. Civil e 362º, nº3; 368º do C.P.C.

6. Não se mostram juntas contra-alegações.


7. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.


Face à urgência do processo foram dispensados os vistos, nos termos previstos no artigo 657º, n.º4 do Código de Processo Civil


Cumpre apreciar e decidir.


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II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, a questão essência a decidir consistem saber se estão reunidos os requisitos legais de que depende o procedimento em causa, concretamente quanto ao direito que sustenta a pretensão da requerente.


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III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:

1. Pela AP. 5 de 1972/05/12, encontra-se registada a favor de DD e EE (pais da requente), a aquisição da propriedade do prédio urbano, sito na Rua1..., n.º 8, em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 1929 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 3140.

2. Pelas AP.s 362 de 2021/03/30 e 2194 de 2021/04/13 encontra-se registada a favor da requerente AA a aquisição da propriedade do prédio urbano sito na Rua 1..., n.º 8, em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 1929 e descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob o n.º 3140.

3. O prédio descrito em 1. e 2. encontra-se em propriedade total.

4. Pela AP. 1009 de 2024/09/23, encontra-se registada a favor dos requeridos BB e CC, a aquisição da propriedade do prédio urbano, sito na Rua 1..., n.º 6 a 10, em ..., freguesia de..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 4158 e descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob o n.º 358.

5. O prédio descrito em 4. encontra-se em propriedade total.

6. Os prédios descritos em 1. e 4. são contíguos.

7. Em 1986 os pais da requerente edificaram uma marquise e uma construção suspensa de materiais e dimensões não concretamente apurados, que se encontram acoplados ao prédio descrito em 1..

8. A marquise e a construção suspensa vertidas em 7. permitem a passagem entre duas zonas distintas do prédio descrito em 1..

9. Desde a sua construção, a requerente e os seus ante possuidores têm utilizado a marquise e a construção suspensa vertidas em 7. de forma contínua, pública, pacífica e sem oposição.

10. Em 10.09.2024, os serviços da Câmara Municipal de ... verificaram a existência da acima referida construção suspensa e de uma área de arrumos, com acesso pelo logradouro do n.º 10 da Rua 1..., que apresentavam: desagregação de material da parede estrutural em taipa, situação que compromete a sua estabilidade; pequena deformação da laje; fraco apoio da estrutura suspensa.

11. A construção suspensa está a descarregar, parcialmente, através de um perfil metálico, na parede estrutural, em taipa, dos arrumos.

12. As anomalias supra descritas foram classificadas por aqueles serviços como muito graves, colocando em causa a estabilidade de toda a construção e, consequentemente, a segurança dos habitantes de ambos os prédios.

13. A Câmara Municipal de ... concedeu o prazo de 120 dias para que os proprietários dos prédios n.º 8 e 10, após conclusão sobre os limites dos prédios e devida regularização de áreas nas entidades competentes, procedessem à legalização das obras realizadas.


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A.2. E consideraram-se como não estando indiciariamente provados os seguintes factos:

a. As edificações referidas em 7. encontram licenciadas junto da Câmara Municipal de ...;

b. As edificações referidas em 7. encontram-se implantadas sobre o prédio descrito em 4.


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B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. Com o procedimento cautelar em causa pretende a Requerente, ora recorrente, a notificação dos Requeridos para “para abrir a entrada, através do seu quintal, à requerente e seus contratados, materiais e ferramentas, assim como à colocação de andaimes no seu quintal, pelo período de um mês”, com o fim de realizar obras na estrutura edificada pelos seus pais em 1986, consistente numa marquise e numa construção suspensa de materiais, que se encontram acopladas ao prédio de sua pertença, que vêm utilizando, e que, em face da vistoria efectuada pela Câmara Municipal de ..., apresenta anomalias muito graves, colocando em causa a estabilidade de toda a construção e, consequentemente, a segurança dos habitantes de ambos os prédios.


Estando em causa uma providência cautelar comum, como decorre dos artigos 362º a 368º do Código de Processo Civil, a mesma depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos gerais: a) a probabilidade séria da existência de um direito − “fummus bonni juris” ; b) o fundado receio de que a demora natural na solução do litígio acarrete um prejuízo grave ou de difícil reparação − o “periculum in mora”; c) a adequação da providência à situação de lesão iminente; d) a inexistência de providência específica que acautele aquele direito, e; e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar, tudo isto aferido mediante prova sumária, isto é, não aprofundada mas, em todo o caso, minimamente consistente – “summaria cognitio”.


No caso em apreço, entendeu-se que não assistia probabilidade séria da existência do direito invocado, indeferindo-se a providência por ausência deste requisito, porquanto se desconhecia se as construções se encontravam exclusivamente na propriedade da requerente ou também na propriedade dos requeridos, e, não obstante a existência dos caracteres fundamentais da posse subjacentes à aquisição da propriedade, por usucapião, por parte da requerente, estava vedada tal possibilidade de aquisição originária, porque os prédios de ambas as partes se encontravam em propriedade total, sendo que também se rejeitou a existência do direito real de passagem.


A recorrente discorda, no essencial, porque entende que o procedimento é instrumental da acção prevista no artigo 1000º do Código de Processo Civil, com fundamento no direito previsto no artigo 1349º do Código Civil, pois pretende realizar obras de reparação urgentes que só são possíveis através do prédio dos recorridos, que se recusam a ceder a entrada e utilização do mesmo para esse efeito.


E afigura-se-nos que lhe assiste razão.


2. Efectivamente, não obstante a problemática relativa à aquisição do direito de propriedade da construção/edificação em apreço, que foi objecto da vistoria e das comunicações da Câmara Municipal, e da invocação pela requerente da aquisição do direito de propriedade, por usucapião, a questão da aquisição da titularidade deste direito real não assume relevância na verificação dos requisitos do procedimento em causa, que visa apenas, suprir a falta de autorização do proprietário confinante em deixar a requerente aceder ao quintal da sua propriedade com o fim de realizar obras na estrutura edificada pelos pais da requerente, em 1986, que, em face da vistoria efectuada pela Câmara Municipal de ..., apresenta anomalias muito graves, colocando em causa a estabilidade de toda a construção e, consequentemente, a segurança dos habitantes de ambos os prédios (da requerente e dos requeridos).


Tal direito de acesso, encontra-se previsto no artigo 1349º do Código Civil, que, sob a epígrafe “Passagem forçada momentânea”, prescreve no n.º 1, que: «Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos».


Sabendo-se que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, não sendo permitidas quaisquer outras restrições ao direito de propriedade, para além das especificamente previstas na lei (cfr. artigos 1305.º e 1306.º do Código Civil), a norma do n.º 1 e, bem assim, do n.º 2, do artigo 1349º, constituem restrições impostas por lei ao proprietário onerado com a obrigação de ceder passagem ou utilização do seu prédio para os fins ali especificados.


O consentimento imposto pela lei ao dono do prédio constitui uma obrigação ex lege que depende de dois requisitos apenas: “a) finalidade do facto (reparação ou construção de um edifício…; necessidade de acesso (“se…for indispensável…”)” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, pág.168.


E, como se concluiu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12/11/2015, disponível em www.dgsi.pt:


«I – O processo de suprimento de consentimento no caso de recusa previsto no artigo 1000.º do C.P.Civil é aplicável às situações em que o dono do prédio não consente a entrada do dono do prédio vizinho para este ali colocar andaimes e outros objectos necessários à realização de obras;


II – Apesar de a lei (v. art. 1349.º CC) não se referir expressamente à possibilidade de suprimento judicial do consentimento em caso de recusa, a interpretação do segmento normativo de que o dono do prédio está onerado com uma obrigação ex lege de consentir nesses actos (levantar andaime, colocar objectos, passar por ele materiais ou outros análogos) significa que, caso não seja cumprida, o interessado em aceder ao prédio para poder reparar o seu edifício ou construção, pode e deve recorrer ao processo especial de suprimento de consentimento previsto no art. 1000.º do C.P.Civil.»


3. No caso concreto, está demonstrada a necessidade de realização de obras urgentes, face às anomalias apontadas pela vistoria dos serviços camarários, que colocam em causa a segurança dos habitantes de ambos os prédios, assim como não é questionado haver a necessidade de aceder ao prédio dos requeridos, para passagem e colocação de materiais e andaimes para realização das referidas obras, resultando dos articulados que os requeridos se opõe a tal cedência.


Na norma do n.º 1 do artigo 1349º do Código Civil não se exige que quem pretenda aceder ao prédio de outrem para realização das obras seja o proprietário da construção em causa, pelo que, independentemente do que vier a ser decidido, em sede própria, quanto à legalização e/ou integração das construções/edificações em causa no prédio da requerente, ou à aquisição da titularidade das mesmas por usucapião, entende-se que, estando provado que a edificação da marquise e a construção suspensa, construídas em 1986, pelos pais da requerente, estão acopladas ao prédio pertença desta e permitem a passagem entre zonas distintas do mesmo prédio, as quais vêm sendo utilizadas pela requerente (cfr. pontos 1, 2, 7, 8 e 9 dos factos provados), dado o estado de degradação das mesmas e a notificação camarária, recai sobre a requerente a obrigação de fazer as obras necessárias à estabilização das ditas estruturas, assistindo-lhe, por conseguinte, o direito a exigir do proprietário do prédio contíguo, nos termos do artigo 1349º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a cedência de acesso ao quintal da propriedade deste para colocação dos materiais e andaimes necessários à realização das obras em causa.


Por conseguinte, conclui-se pela verificação do primeiro requisito de que depende o procedimento cautelar em causa (a probabilidade séria da existência de um direito − “fummus bonni juris”).


4. E quando ao requisito do “periculum in mora”, os factos apurados falam por si, pois, em face da descrição do estado das construções indicado nos pontos 10 e 11 dos factos provados [onde se refere que apresentavam: “desagregação de material da parede estrutural em taipa, situação que compromete a sua estabilidade; pequena deformação da laje, fraco apoio da estrutura suspensa”, e que “a construção suspensa está a descarregar, parcialmente, através de um perfil metálico, na parede estrutural, em taipa, dos arrumos”], e tendo-se concluído que “as anomalias supra descritas foram classificadas por aqueles serviços como muito graves, colocando em causa a estabilidade de toda a construção e, consequentemente, a segurança dos habitantes de ambos os prédios em causa” (cfr. ponto 12 dos factos provados), é evidente a necessidade urgente das obras, as quais não se compadecem com as demoras inerentes ao decurso normal da acção de consentimento.


5. Assim, sendo a providência adequada ao fim pretendido, que sublinhamos, é o de aceder ao quintal dos requeridos para ali passar e colocação de materiais, ferramentas e andaimes necessários à execução da obra, não havendo inexistência de providência específica que acautele aquele direito, e sendo evidente, que estando em causa os riscos de segurança das construções, com as inerentes consequências, o mesmo é superior a eventuais prejuízos decorrentes do deferimento da providência, estão reunidos todos os requisitos de que depende a procedência do procedimento cautelar.


6. Quanto à inversão do contencioso, que os requerentes pediram no requerimento inicial, entende-se estarem reunidos os pressupostos exigidos no artigo 369º, nº 1, do Código de Processo Civil, porquanto, existe convicção segura quanto ao direito acautelado, consistente em suprir a falta de consentimento dos requeridos em ceder o acesso ao seu prédio para realização das obras urgentes, esgotando a providência a necessidade de regulação do diferendo entre as partes, sem a necessidade de interposição da acção de que seria dependente.


7. Deste modo, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, deferindo-se a providência.


Vencidos, suportam os recorridos as custas (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil)


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C) – Sumário (…)


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação a apelação e, em consequência:

a. Revogar a decisão recorrida;

b. Julgar procedente o procedimento cautelar, determinando-se que os requeridos facultem, à requerente e aos seus contratados, o acesso ao quintal da sua propriedade, para ali colocarem materiais, ferramentas e os andaimes, necessários à execução das obras a realizar na marquise e construção suspensa identificadas nos autos, pelo período de 30 dias.


Custas a cargo dos Requeridos/apelados.


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Évora, 5 de Junho de 2025


Francisco Xavier


Maria Adelaide Domingos


José António Moita


(documento com assinatura electrónica)