CASO JULGADO
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO-PROMESSA
SINAL
Sumário

Sumário:
I. A identidade da causa de pedir tem de ser revelada à luz de um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, havendo que fazer a comparação entre os fundamentos invocados nas duas ações que sustentam a pretensão jurídica formulada numa e noutra.
II. Existe identidade de causa de pedir quando numa primeira ação é pedida a resolução do contrato-promessa por causa imputável à promitente-vendedora e se formulou o pedido de devolução do sinal em singelo e a causa de pedir formulada numa ação posterior em que se invoca a declaração de incumprimento do contrato-promessa imputável à promitente-vendedora declarada na ação anterior e se pede a parte do valor do sinal de forma a perfazer o valor do sinal em dobro.
III. Também, na situação acima referida, o pedido é o mesmo, porquanto a identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa.

Texto Integral

Processo n.º 18089/22.0T8SNT.E1 (Apelação)

Tribunal recorrido: TJ Comarca de ..., Juízo Central Cível de ... – J3

Apelantes: Vaucosta – Sociedade Hoteleira, Ld.ª e outros

Apelados: Gp- Gestão de Patrimónios, Ld.ª e outros







Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

VAUCOSTA- SOCIEDADE HOTELEIRA, LD.ª intentou ação declarativa, sob a forma do processo comum, contra GP- GESTÃO DE PATRIMÓNIOS, LD.ª (tendo posteriormente sido admitida a intervenção principal provocada ativa, como promitentes-compradoras, das sociedades Ribasul- Sociedade de Construções, S.A., representada pelo Sr. Administrador da Insolvência, Sofanes- Gestão e Projetos, Lda. e AA, BB e CC, em representação da sociedade extinta Japtec- Engenharia e Consultoria, Ld.ª.), pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €221.667,00, acrescida de juros de mora legais vencidos e vincendos desde a data do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda até efetivo e integral pagamento.


Para fundamentar a sua pretensão, e em suma, alegou que, em conjunto com as intervenientes principais, celebrou como promitente-compradora um contrato-promessa de compra e venda de um determinado imóvel que identifica na p.i., outorgando no mesmo a Ré como promitente-vendedora. Contrato-promessa que veio a ser objeto de resolução judicial por sentença proferida no proc. n.º 130/17.0T8SNT, tendo a Ré sido condenada a devolver €221.667,50, acrescidos de juros de mora, correspondentes ao valor do sinal em singelo, reforço do sinal e princípio de pagamento.


Valor que a Ré já pagou.


Porém, através da presente ação, e com base no incumprimento culposo do referido contrato-promessa imputável à Ré, assiste-lhe o direito de receber em dobro o sinal entregue à Ré, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil (CC), pelo que deve a mesma ser condenada a pagar-lhe o valor peticionado que corresponde à metade do valor do sinal em dobro.


Contestou a Ré por exceção invocando a existência de caso julgado e de autoridade de caso julgado, de renúncia ao direito e de abuso de direito.


Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.


A Autora respondeu defendendo a improcedência das exceções invocadas e do pedido formulado pela Ré.


Foi proferido saneador-sentença que julgou de mérito, julgando improcedente a exceção de caso julgado, absolvendo a Ré da instância.


Também julgou improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.


Inconformada, apelou a Autora, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:


«A) Julgou o Tribunal a quo que in casu (…) considera-se verificada a identidade das partes, de causa de pedir e de pedido entre a presente ação e a ação n.°130/17.OT8SNT, pelo que se considera procedente a exceção dilatória de caso julgado invocada pela Ré, o que terá como consequência a absolvição da Ré da instância. – Pg. 9 da sentença a quo


B) É convicção da RECORRENTE que não existe caso julgado, porquanto, entre o sentenciado no processo 130/17.0T8SNT, e o peticionado nestes autos (PROC 18089/22.0T8SNT), há claramente diferenças, que determinam a inoperância do caso julgado, quer no que refere à causa de pedir, quer no que refere ao pedido.


C) A causa de pedir do processo n.º PROC 130/17.0T8SNT, consiste na apreciação da impossibilidade culposa de cumprimento da prestação, por parte da RÉ GP GESTÃO, e devolução dos valores recebidos. Já na presente acção (PROC 18089/22.0T8SNT), a causa de pedir consiste na apreciação da consequência “sancionatória” emergente do incumprimento já reconhecido no processo 130/17.0T8SNT, e com previsão legal no art. 442º, n.º 2 do Cód. Civil.


D) Também o pedido formulado numa e noutra acção são diversos. Enquanto no processo 130/17.0T8SNT se peticionou a resolução do contrato e restituição do que havia sido entregue. No processo 18089/22.0T8SNT, peticiona-se o direito de crédito no valor de € 221,667,50, por indemnização decorrente da impossibilidade de cumprimento do definitivo, conforme estatuído no art. 442. N.º 2 do Cód. Civil.


E) Não se mostra assim verificada, no caso em exame a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, pelo que deve a sentença a quo ser revogada por erro na aplicação do direito aos factos.


F) Na hipótese em exame, também não se verifica a excepção de autoridade de caso julgado, para o que exige que o caso decidido/julgado seja prejudicial em relação ao caso a decidir/julgar.


G) Nas duas hipóteses em consideração, os factos em causa num e noutro processo são diferentes, assim como é diverso o enquadramento jurídico aplicável, sendo certo que os pressupostos destinados a conhecer da devolução do indevido, não se confundem com os requisitos exigidos para o reconhecimento dos direitos da AUTORA/RECORRENTE à indemnização legal fixada no art. 442º, n.º 2 do Cód. Civil.


H) Inscrevendo-se a acção do processo 130/17.0T8SNT, como uma acção de reconhecimento da impossibilidade de cumprimento da prestação e devolução dos realizados, e a presente acção (18089/22.0T8SNT) como uma acção de reconhecimento do direito de crédito/indemnização emergente do incumprimento definitivo, inexiste prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira acção.


I) A existência do pedido formulado nestes autos (18089/22.0T8SNT) surge como uma consequência lógica da decisão proferida no processo 130/17.0T8SNT, pois firmado que ficou o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da RÉ, tem a AUTORA o direito de peticionar a indemnização legal a que tem direito. Pois, o direito à indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da RÉ apenas se consagrou na esfera na RECORRENTE com a prolação da decisão no processo 130/17.0T8SNT.


J) Por via do caso julgado, apenas não pode ser rediscutida nestes autos o incumprimento do contrato promessa, mas pode e deve ser apreciada a questão do direito de indemnização da RECORRENTE a coberto do art. 442, n.º 1 do Cód. Civil, precisamente porque não está a coberto nem da excepção do caso julgado e nem da sua autoridade.


K) A sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga, logo, por violação dos art.s 91º, n.º 2, 580º, 581º e 621º do Código de Processo Civil, deve o Tribunal ad quem revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando improcedente a excepção do caso julgado, com baixa do processo para que a instância da acção prossiga os seus ulteriores trâmites legais.»


Na resposta ao recurso, a Ré defendeu a confirmação da sentença recorrida.


II- FUNDAMENTAÇÃO

A. Objeto do Recurso


Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, essencialmente, está em causa aferir da verificação dos pressupostos do caso julgado entre esta ação e aquela que correu termos sob o n.º 130/17.0T8SNT.


B- De Facto


A 1.ª instância elencou os seguintes factos como sendo os essenciais à apreciação da pretensão em litígio:


«Com relevo para a decisão da exceção dilatória invocada, encontra-se provado por documento (sentença e acórdão proferidos no âmbito da ação 130/17.0T8SNT) que:

1. A Autora intentou ação declarativa de condenação contra a Ré, a qual correu termos sob o nº 130/17.0T8SNT pelo Juízo Central Cível de Sintra – J1, na qual alegou que na prossecução da sua atividade celebrou, conjuntamente com Ribasul S.A., Sofanes Lda. e Japtec Lda., um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual prometeram comprar à Ré, que por sua vez lhe prometeu vender, uma parcela de terreno para construção com a área de 13 080 m2m, a qual integrava o prédio rustico com a área de 24 720 m2, sito na ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º 2104 do livro B-6 e inscrito na matriz predial sob o art.º 34 da secção AC, pelo preço de €500 000,00; por conta do preço foi pago pela Autora a quantia de € 221.667,50, entre 2006 e 2008; em 18.03.2016 a Ré permutou o imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda com Edialto Lda., tornando assim impossível a concretização do contrato prometido; com a efetivação da permuta do imóvel objeto de promessa de compra e venda, a sociedade Ré perdeu a possibilidade de disposição do imóvel objeto do contrato encontrando-se por isso impossibilitada de satisfazer o direito dos promitentes adquirentes, mormente o direito da sociedade Autora; atendendo a que a impossibilidade de realizar o direito contratual dos promitentes adquirentes se deve a ação levada a efeito pela Sociedade Ré, deverá operar a resolução contratual da promessa de compra e venda; tendo a Autora pago o valor de € 221.667,50, tem direito á devolução das quantias pagas acrescidas dos juros contados a partir da citação até efetivo e integral pagamento (cf. doc 2 junto com a petição inicial).

2. Nessa ação a Autora requereu a intervenção da Sociedade Ribasul S.A. e Sofanes, Lda. como suas associadas, em virtude de o referido contrato de promessa ter sido outorgado em conjunto entre a Autora e as referidas sociedades e a também da promitente compradora Japtec- Engenharia e Consultoria, Lda., que se encontrava dissolvida e encerrada (cf. doc. 2 junto com a petição inicial).

3. Após julgamento foi proferida sentença considerando-a procedente a ação e declarando: a) “ (…) resolvido o contrato de promessa de compra e venda celebrado em 25.01.2006 entre a Autora Vau Costa S.A., Ribasul S.A., Sofanes Lda. e Japtec Lda. (enquanto promitentes compradoras) e a Ré GP Gestão de Patrimónios Lda. (enquanto promitente vendedora) referente ao terreno para construção com a área de 11640 m2, à data parte integrante do prédio rustico descrito na Conservatória de Registo Predial de ..., sob o número 2104, do livro B-6, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 34 da secção AC; b) condenando “(…) a Ré a restituir à Autora as quantias entregues por esta àquela a título de sinal, reforço de sinal e principio de pagamento, no valor de € 221.667,50 (Duzentos e vinte e um mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento” (cf. doc. 2 junto com a petição inicial).

4. A sentença, objeto de recurso por parte da Ré, foi confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 14.07.2022, transitado em julgado (cf. doc. 2 junto com a petição inicial).

5. Na presente ação, alegando o incumprimento definitivo do referido contrato de promessa de compra e venda celebrado com a Ré e a resolução do contrato peticionada e declarada na ação que sob o nº130/17.0T8SNT correu termos pelo Juízo Central Cível de Sintra – J1, a Autora peticiona a condenação da Ré no pagamento da quantia de €221.667,50, correspondente a metade do dobro do sinal, acrescido de juros calculados desde a data do incumprimento do contrato até efetivo e integral pagamento (cf. petição inicial).

6. Foram admitidas como intervenientes as sociedades Ribasul- Sociedade de Construções, S.A., representada pelo Sr. Administrador da Insolvência, Sofanes- Gestão e Projetos, Lda. e AA, BB e CC, em representação da sociedade extinta Japtec- Engenharia e Consultoria, Lda.».

C. Do Conhecimento da questões suscitadas no recurso


Como supra enunciado, a questão decidenda consiste em saber se estão verificados os pressupostos do caso julgado entre esta ação e aquela que correu termos sob o n.º 130/17.0T8SNT.


Na sentença recorrida, após se analisar em termos jurídicos os pressupostos do caso julgado enquanto exceção dilatória (artigos 577.º, n.º 1, alínea i), e 576.º, n.º 2, do CPC), que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa quando já exista decisão transitada em julgado sobre a mesma questão, por via da existência da tríplice identidade entre uma ação anterior e uma ação posterior, como previsto no artigo 581.º do CPC, ou seja, identidade das partes (sujeitos da ação), mesma causa de pedir (fundamento jurídico da pretensão) e pedido (efeito jurídico pretendido), concluiu-se, socorrendo-se dos ensinamentos da doutrina e jurisprudência que cita, que existe caso julgado.


Expressando-se do seguinte modo:


Em relação aos sujeitos: «Na presente ação e na ação n.º 130/17.0T8SNT, que correu termos no Juízo Central Cível de Sintra- J1, existe identidade das partes, entre a Autora e as intervenientes, na qualidade de promitentes compradoras, e a Ré, na qualidade de promitente vendedora.


Eventual irregularidade de citação do representante da sociedade Japtec, que invoca em sede de contestação, por se reportar à anterior ação n.º 130/17.0T8SNT teria de ali ser suscitada para ser apreciada.»


Quanto à causa de pedir: «De igual modo, a causa de pedir é igual em ambas as ações, na medida em que a pretensão ali deduzida e nos presentes autos emerge da celebração de contrato-promessa de compra e venda pela Autora e intervenientes, de um lado, e pela Ré, do outro, cujo incumprimento definitivo da promitente vendedora fundamenta a resolução do contrato-promessa.»


Quanto ao pedido: «O pedido formulado é também idêntico, pois visa-se em ambas as ações obter a condenação da Ré no pagamento de determinada quantia derivada do incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda.


A igualdade do pedido significa que se pretende o mesmo efeito jurídico, não sendo diverso o pedido de pagamento do sinal em singelo ou de pagamento do sinal em dobro.


Ou seja, não será por se peticionar quantia diversa que fará com que não estejamos perante o mesmo pedido, entendendo-se que existe identidade de pedidos quando em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir uma completa identidade formal entre os pedidos.»


A recorrente aceita que há identidade de sujeitos, mas já não que haja identidade de causa de pedir e de pedidos.


E argumenta, dizendo que a causa de pedir é diferente porque no proc. n.º 130/17.0T8SNT a causa de pedir consiste na alegação de factos consubstanciadores da resolução do contrato e devolução do sinal por impossibilidade culposa de cumprimento da prestação por parte da Ré, enquanto nesta ação a causa de pedir consiste na apreciação da consequência «sancionatória» que emerge do incumprimento do contrato-promessa já reconhecido na ação anterior, nos termos do previsto no artigo 442.º, n.º 2, do CC.


Quanto ao pedido também defende que são diferentes, porquanto no processo 130/17.0T8SNT se peticionou a resolução do contrato e restituição do que havia sido entregue e na presente ação peticiona-se o direito de crédito no valor de € 221,667,50 por indemnização decorrente da impossibilidade de cumprimento do definitivo, conforme estatuído no artigo 442.º, n.º 2, do CC.


Acrescentando, que a indemnização aqui requerida é uma consequência nova do incumprimento já reconhecido na sentença anterior e que não há prejudicialidade direta entre os objetos das ações – tratam de aspetos jurídicos distintos – sendo que a sentença anterior não se pronunciou sobre o direito de indemnização pretendido neste novo processo, por isso, não pode haver caso julgado (artigo 621.º do CPC).


Na apreciação da questão colocada, e adiantando desde já a solução a dar ao recurso, não assiste qualquer razão à Recorrente.


Sucintamente, lembra-se que o contrato-promessa é o contrato pelo qual as partes se obrigam a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (artigo 410.º, n.º 1, do CC), emergindo para as partes prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido.


Como qualquer outro contrato pode ser ou não cumprido, incorrendo as partes em incumprimento definitivo pelas mesmas razões que determinam o inadimplemento (perda objetiva do credor no interesse da prestação por decurso de prazo razoável para o efeito, mesmo após ser interpelado admonitoriamente (artigo 808.º do CC); quando o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adota uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento, por exemplo, e como sucedeu no caso trazido aos autos, alienação a terceiro da coisa objeto do contrato-promessa, colocando-se o promitente-vendedor na situação de impossibilidade de incumprimento do contrato-promessa).


Prescrevendo a lei que toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor a título de antecipação do preço, presume-se ter o carácter de sinal (artigo 441.º do CC), a lei estabeleceu, salvo convenção em contrário das partes, um regime específico para sancionar o incumprimento do contrato-promessa, estabelecendo as consequências consoante o incumprimento definitivo for imputável ao promitente-comprador ou ao promitente-vendedor.


Assim, se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação, por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o incumprimento for assacável a quem recebeu o sinal, tem a contraparte a faculdade de exigir o dobro do que lhe prestou (artigo 442.º, n.º 2 do CC).


Sendo que, na ausência de convenção contrária, no caso de perda do sinal ou do seu pagamento em dobro, não há lugar, com fundamento no não cumprimento do contrato promessa, a qualquer outra indemnização (artigo 442.º, n.º 4 do CC).


Ora, analisada a ação n.º 130/17.0T8SNT a causa de pedir consiste na alegação de factos consubstanciadores da resolução do contrato e devolução do sinal (em singelo) por impossibilidade culposa de cumprimento da prestação por parte da Ré por o bem ter sido, entretanto, vendido a terceiro.


Na presente ação é o mesmo incumprimento contratual que é invocado, com a nuance que já se encontra reconhecido judicialmente.


Porém, a causa de pedir é exatamente a mesma. Aliás, nem poderia ser de outo modo, pois está em causa o mesmo contrato-promessa de compra e venda, o qual, em boa verdade, já nem sequer já subsistia na ordem jurídica quando a presente ação foi instaurada, dada a resolução de que foi alvo, nada mais podendo ser invocado em relação às vicissitudes que tivesse sofrido durante a sua vigência, dada a equiparação dos efeitos da resolução aos da nulidade ou da anulabilidade do negócio jurídico, com as especialidades previstas na lei (artigo 433.º do CC).


Ademais, a sentença (confirmada em sede de recurso) proferida na ação pretérita, transitou em julgado e, consequentemente, produziu efeitos de caso julgado, considerando as duas funções (uma positiva e outra negativa) que são atribuídas a este instituto. A função positiva, que se manifesta através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade) e a função negativa, que se manifesta através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica.


Sendo que a sentença faz caso julgado material na sua vertente negativa quando se impõe às partes na exata correspondência do seu conteúdo, não podendo as partes voltar a discutir a mesma questão noutro processo (artigos 619.º e 621.º do CPC).


Daí que uma nova sentença que voltasse a apreciar o mesmo fundamento ou outro determinante do incumprimento do contrato-promessa aludido nos autos, era ineficaz, porque já existe uma sentença transitada em julgado que decretou a resolução daquele contrato-promessa por incumprimento culposo da Ré.


A razão de ser deste regime radica, essencialmente, na segurança jurídica (artigo 580.º, n.º 2, do CPC) e na confiança no poder judicial, evitando julgamentos contraditórios sobre a mesma questão. O caso julgado visa garantir que uma decisão judicial, após trânsito em julgado, não possa ser questionada ou alterada, assegurando a estabilidade e a certeza das relações jurídicas.


Dizer-se que a causa de pedir na ação pretérita é a resolução do contrato-promessa e a devolução do sinal em singelo e nesta é o pedido de indeminização correspondente ao valor da parte do sinal em dobro não antes pedida, pedido este que se ancora na decisão anterior que já declarou o incumprimento, são facetas da mesma realidade jurídica. Não há qualquer diferença jurídico-substantiva entre elas. Efetivamente, a identidade da causa de pedir tem de ser revelada à luz de um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, havendo que fazer a comparação entre os fundamentos invocados nas duas ações que sustentam a pretensão jurídica formulada numa e noutra.


E, no caso o facto jurídico em que assentam – incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável à Ré – é exatamente o mesmo.


Existe, pois, identidade de causa de pedir entre as duas ações.


E é em face dessa identidade da causa de pedir que deve ser agora analisada a questão da identidade do pedido.


Na ação pretérita foi pedida a devolução do sinal em singelo; nesta vem a ora recorrente pedir a parte que corresponde ao valor em dobro do sinal, ou seja, outro tanto do que foi pedido na primeira ação.


Apesar desta diferença quantitativa, existe identidade de pedido na asserção prevista no artigo 581.º, n.º 3, do CPC.


Efetivamente, a identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e até da forma de processo utilizada não sendo sequer exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.


A restrição do pedido ao valor do sinal em singelo formulado na primeira ação, precludiu o direito de pedir em nova ação o valor correspondente para perfazer o valor do sinal em dobro. A razão de ser radica no facto da alteração quantitativa do pedido não alterar a identidade da pretensão jurídica.


Diz a recorrente que é um valor «sancionatório» para daí extrair a falta de identidade do pedido. Mas sem qualquer fundamento. A lei ao definir o que seja identidade do pedido abstém-se das qualificações jurídicas que possam ser atribuídas ao efeito jurídico pretendido com a formulação do pedido. Tanto abarca as situações em que a lei prescreve o direito à indemnização como o direito à compensação ou a outras formas de penalizações ou sanções previstas na lei e que geram direitos de crédito a favor do credor. No caso, o sinal (ou arras) no âmbito do contrato-promessa pode ter uma função penalizadora em caso de incumprimento, mas também uma função de garantia do cumprimento da obrigação. De qualquer modo, salvo convenção em contrário, o valor do sinal livremente fixado pelas partes ao abrigo da liberdade contratual prevista no artigo 405.º do CC, em caso de incumprimento definitivo do contrato, adquire a natureza de indemnização à forfait, ou seja, encontra-se pré-fixada, evitando, assim, as dificuldades inerentes ao processo de indagação e prova dos prejuízos.


Está na livre disponibilidade da parte cumpridora formular o pedido em conformidade com esse regime. Se a parte que cumpriu o contrato-promessa apenas pede a restituição do valor em singelo, quando podia pedir o dobro, sibi imputet. Perde o direito de vir posteriormente pedir aquilo de que antes já tinha prescindido.


Em face do exposto, improcede a apelação.


Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


III- DECISÃO


Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.


Custas nos termos sobreditos.


Évora, 05-06-2025


Maria Adelaide Domingos (Relatora)


Francisco Xavier (1.º Adjunto)


José António Moita (2.º Adjunto)