I - O incidente de redução de legados e doações por inoficiosidade está sujeito ao pagamento de taxa de justiça variável entre meia unidade de conta e cinco unidades de conta, sendo devida taxa de justiça inicial no montante de meia unidade de conta com a apresentação do requerimento do incidente e bem assim com a dedução de oposição ao mesmo incidente.
II - O documento único de cobrança não constitui comprovativo de pagamento.
III - É fundada a determinação oficiosa de avaliação de bens doados em sede de incidente de redução de doações por inoficiosidade quando apenas alguns dos bens doados da titularidade de um só dos interessados foram objeto de avaliação no processo de inventário pois só dessa forma se logrará uma partilha justa entre os dois únicos interessados.
Sumário do acórdão proferido no processo nº 50/22.6T8VLC-A.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 16 de fevereiro de 2022, com referência ao Juízo de Competência Genérica ..., Comarca de Aveiro, AA requereu a abertura de inventário por óbito de sua mãe, BB, falecida em ../../2021, tendo deixado dois filhos, a saber, o requerente e CC que, por ser mais velha, indicou para desempenhar as funções de cabeça de casal[1].
CC foi nomeada cabeça de casal, prestou declarações e ofereceu a relação de bens, tendo AA reclamado contra a relação de bens.
A cabeça de casal respondeu à reclamação contra a relação de bens.
Realizou-se audiência prévia, tendo as partes acordado parcialmente sobre alguns dos bens a relacionar e respetivos valores, acordo que foi judicialmente homologado e, em ulterior sessão da audiência prévia as partes foram remetidas para os meios comuns relativamente à única questão pendente e que se prendia com a relacionação ou não do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...14 doado por escritura pública de 18.12.1985.
A cabeça de casal ofereceu relação de bens atualizada e indicou a forma à partilha.
O requerente do inventário impugnou a relação de bens atualizada oferecida pela cabeça de casal por, alegadamente, não respeitar o acordo judicialmente homologado.
Por despacho proferido em 31 de janeiro de 2023 a cabeça de casal foi notificada para oferecer relação de bens corrigida, tendo sido dada a forma à partilha[2] e designado dia para a conferência de interessados.
A cabeça de casal ofereceu nova relação de bens, tendo o requerente do inventário reclamado de novo contra a mesma.
A cabeça de casal respondeu à reclamação contra a relação de bens, pugnando pela sua improcedência.
Em 27 de março de 2023, foi proferido despacho a conhecer das reclamações contra a relação de bens, realizando-se conferência de interessados em 29 de março de 2023, com acordo dos interessados na adjudicação dos bens móveis e sendo requerida por ambos os interessados a avaliação dos bens imóveis por entenderem que os valores patrimoniais não correspondem aos valores de mercado.
Em 21 de abril de 2023, depois de notificado para pagar preparos para despesas no montante de € 1.530,00, a pretexto de já ter mandado avaliar extrajudicialmente os bens e de ter procedido ao pagamento dessa avaliação, o requerente do inventário desistiu da avaliação que requereu, tendo a cabeça de casal aceitado essa desistência, com exceção da avaliação das verbas 52, com e sem área descoberta, e 54 com o apuramento do valor do solo após apuramento do valor do prédio e das benfeitorias[3].
Realizou-se avaliação singular nos termos pretendidos pela cabeça de casal e judicialmente determinados e designou-se dia para continuação da conferência de interessados.
Na conferência de interessados as partes requereram a suspensão da instância por trinta dias em virtude de estarem em curso diligências para resolução consensual do litígio objeto destes autos e bem assim de mais dois processos em que as partes nestes autos estão envolvidas, pretensão que foi deferida.
Em 09 de janeiro de 2024, o requerente do inventário veio dar notícia da falta de entendimento dos interessados e, invocando o disposto no nº 1 do artigo 1114º do Código de Processo Civil, não obstante a sua anterior desistência de avaliação dos imóveis doados à sua irmã, requereu que estes imóveis fossem também avaliados[4].
A cabeça de casal opôs-se à avaliação requerida pelo seu irmão.
Em 22 de janeiro de 2024, o requerente do inventário requereu, a título subsidiário, o incidente de redução por inoficiosidade, sem comprovar o pagamento de taxa de justiça inicial, declarando, a final, que oferece para valor dos prédios doados à cabeça de casal, as verbas 52 e 54, as quantias de €62.000,00 e de €145.136,14, respetivamente, devendo, caso ela o não aceite, ser determinada a respetiva avaliação, nos exatos termos acima evidenciados, requerendo, assim, nos apontados termos, a redução de ambas as doações efetuadas à cabeça de casal por inoficiosidade.
Em 29 de janeiro de 2024, comprovando o pagamento de taxa de justiça no montante de € 51,00, a cabeça de casal veio opor-se ao incidente de inoficiosidade deduzido pelo requerente do inventário referindo que este não pagou a taxa de justiça devida, que não cumpriu o ónus de fundamentar a sua pretensão, que não indica o bem doado que deve ser objeto de redução, que o valor dos bens se acha estabilizado pelo que não pode aceitar os valores ora propostos pelo requerente do inventário e que, a existir excesso, o seu montante não permitirá a licitação do bem doado sujeito a redução.
Em 30 de janeiro de 2024 prosseguiu a conferência de interessados, sendo indeferido o requerimento do requerente do inventário para avaliação das verbas doadas à cabeça de casal[5], julgou-se inepto o incidente de inoficiosidade deduzido pelo requerente do inventário, absolvendo-se da instância a cabeça de casal[6]; logo após esta decisão do tribunal, a cabeça de casal suscitou o incidente de redução por inoficiosidade[7], determinando-se a notificação do requerente do inventário para, querendo, deduzir oposição.
Em 07 de fevereiro de 2024, sem comprovar o pagamento de taxa de justiça, o requerente do inventário opôs-se ao incidente de redução por inoficiosidade requerido pela cabeça de casal alegando a caducidade do direito desta de requerer a redução por inoficiosidade e, assim não se entendendo, sustentou que devem ser avaliados os bens doados à cabeça de casal.
Em 22 de fevereiro de 2024, a cabeça de casal pronunciou-se sobre a oposição ao incidente de redução por inoficiosidade arguindo a inaplicabilidade da caducidade invocada pelo requerente do inventário e a falta de pagamento de taxa de justiça inicial pelo requerente do incidente.
Em 22 de fevereiro de 2024, o requerente do inventário veio oferecer documento único de cobrança referente à quantia de €51,00, a título de taxa de justiça[8].
Na mesma data a cabeça de casal suscitou a intempestividade do pagamento da taxa de justiça e, ainda que assim não fosse, alegou que o oferecimento do documento único de cobrança não comprova o pagamento, requerendo, em consequência, a nulidade do requerimento que precede.
Em 23 de fevereiro de 2024, o requerente do inventário pronunciou-se no sentido de ter sido tempestivo o ato por si praticado no dia anterior e ofereceu documento único de cobrança referente a multa no montante de € 20,40[9].
Em 25 de fevereiro de 2024, a cabeça de casal reiterou que o requerente do inventário continua a não comprovar os pagamentos que afirma ter efetuado, sendo o documento único de cobrança inidóneo para tal efeito, que não é aplicável ao pagamento de taxa de justiça ou multa o disposto no artigo 139º do Código de Processo Civil, concluindo que “a pretensão do Interessado AA não tem qualquer fundamento legal nem viabilidade, devendo ser pura e simplesmente indeferida e definitivamente considerado como não praticado o acto, com as legais consequências.”
Em 26 de fevereiro de 2024, o requerente do inventário ofereceu requerimento em que conclui que “os respetivos documentos únicos de cobrança a associar pela Secção, como tem sucedido até ao presente e, sem nunca, quanto a isso, se ter suscitado qualquer questão, pelo que, nada mais cumpre ao interessado requerente adiantar quanto a tal questão.”
Em 27 de fevereiro de 2024, em resposta ao precedente requerimento de AA, a cabeça de casal veio requerer “a averiguação e esclarecimento, designadamente, pela Secretaria, das situações trazidas e documentadas pelo Interessado AA nos Autos.”
Em 06 de março de 2024 a secretaria judicial registou o pagamento da quantia de € 20,40, a título de taxa de justiça cível com referência ao registo ...02 ...80 ...90 ...78 ...55 de 23 de fevereiro de 2024.
Em 18 de março de 2024 foi proferido o seguinte despacho[10]:
“Compulsados os autos, constata-se que na sequência do incidente de inoficiosidade previsto no artigo 1118.º do Código de Processo Civil suscitado pela Cabeça de Casal CC, veio o interessado AA juntar aos autos a correspondente resposta (cf. requerimento com a referência citius n.º 15706370 datado de 07 de Fevereiro de 2024).
Fê-lo tempestivamente, tendo em conta o prazo de 10 dias que lhe foi concedido para o efeito.
Sucede que, não juntou o comprovativo da taxa de justiça devida pela resposta ao incidente (cf. artigo 7.º, n.º 4 e tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
Devidamente alertado para tal facto, porquanto a parte contrária veio juntar requerimento nesse sentido, veio o interessado AA juntar o comprovativo da taxa de justiça inicial no valor de 0,5 UC (cf. requerimento com a referência citius n.º 15776271 datado de 22 de Fevereiro de 2023).
Seguiu-se um novo pronúncio da parte contrária, pugnando pela nulidade do acto praticado pelo interessado AA, uma junção de um comprovativo de pagamento de uma multa alegadamente ao abrigo do disposto no artigo 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, novo pronúncio da parte contrária e um novo requerimento do interessado AA.
Posto isto, cumpre apreciar e decidir, de modo a que os autos possam retomar os seus regulares trâmites.
Inexistem dúvidas de que o requerimento com vista à redução de doações por inoficiosidade constitui um incidente processual, sendo objecto de tributação (cf. artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa ao referido Regulamento).
Determina o artigo 145.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que «Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário(…)», prescrevendo o número 3 do mesmo preceito legal que «Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º».
Compulsados os autos, constata-se que a resposta do interessado AA ao incidente deu entrada no dia 07 de Fevereiro de 2024, pelo que o mesmo tinha até ao dia 19 de Fevereiro de 2024 para juntar aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida (considerando que dia 17/02/2024 foi um sábado, dia não útil).
No que respeita ao incumprimento do referido prazo de 10 dias, o artigo 145.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, é perentório ao afirmar que são aplicáveis as cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º.
Relativamente a esta matéria., atente-se o referido por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, página 185 «Relativamente aos demais casos (v.g. contestação e recursos), o incumprimento do prescrito no n.º 1 do art. 145.º não determina a recusa da peça processual. Porém, e sem que deva ser notificada para tal, a parte dispõe de 10 dias, contados da prática do acto, para proceder à junção do documento em falta (cf., também o art. 570º., n.º 3). Quando a parte não atue nesses termos, sujeita-se às cominações previstas no artigo 570.º, tratando-se da contestação, e no art. 642.º, para o caso de recurso (seja a parte recorrente ou recorrida)».
Assim sendo, é forçoso concluir-se que o regime aplicável ao caso em apreço é o do artigo 570.º do Código de Processo Civil e não o do artigo 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, que é apenas aplicável à prática de actos processuais.
Com efeito, isso mesmo também decorre do artigo 40.º do Regulamento das Custas Processuais, que determina que «Salvo disposição especial em contrário, aos prazos previstos para pagamentos no presente Regulamento não se aplica o disposto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil».
Nessa conformidade, determino que seja dado cumprimento ao disposto no artigo 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, notificando-se o interessado AA para proceder ao pagamento da multa devida no montante mínimo legal, correspondente a 1 UC, sob pena de ser aplicável o regime previsto no número 5 do mesmo preceito legal.
Quanto ao valor de € 20,40 (vinte euros e quarenta cêntimos) indevidamente liquidado pelo interessado, deverá o mesmo ser-lhe devolvido.
Notifique.”
Em 01 de abril de 2024 a Secretaria Judicial emitiu guia para pagamento de multa no montante de € 102,00, para os efeitos do artigo 570º, nº 3 do Código de Processo Civil, com a referência 703080097373982, sendo a data limite de pagamento 15 de abril de 2024 e na mesma data notificou o requerente do inventário, nos seguintes termos:
“Assunto: Pagamento de taxa de justiça e multa – art.º 570.º, n.º 3 e 4 CPC
Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Requerente AA, para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante.
Limites da multa:
1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor de 1 UC.
2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 5 UC, a multa terá o valor de 5 UC.
Pagamento da taxa de justiça e da multa
O pagamento da taxa de justiça e da multa em falta deverá ser efetuado, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, por Guia DUC, dentro do prazo concedido.
Prazo de pagamento
O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento da taxa de justiça e da respetiva multa constam da guia anexa.
Mais fica notificado de todo o conteúdo do douto despacho proferido, cuja cópia se junta.”
Em 29 de abril de 2024 foi junta aos autos guia/recibo, com a referência 703080097373982, comprovativa do pagamento em 03 de abril de 2024, do montante de € 102,00, relativo a multa nos termos do nº 3 do artigo 570º do Código de Processo Civil.
Em 03 de maio de 2024 foi aberta conclusão com a seguinte informação:
- “Em 03-05-2024 com a respeitosa informação a V.ª Ex.ª de que o requerente notificado para o efeito, pagou a multa e não juntou aos autos comprovativo do pagamento da taxa de justiça.”
Em 07 de junho de 2024 foi proferido o seguinte despacho[11]:
“Mostrando-se devidamente cumprido o disposto no artigo 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil e liquidada a multa correspondente, admito a resposta do interessado AA ao incidente de inoficiosidade previsto no artigo 1118.º do Código de Processo Civil (cf. requerimento com a referência citius n.º 15706370 datado de 07 de Fevereiro de 2024).
No que concerne ao objectivo pretendido com o referido incidente, o mesmo destina-se a redução das doações ou legados que tenham atingido a legítima (cf. artigo 2168.º e seguintes do Código Civil), de modo a combater-se a desigualdade existente entre os interessados.
Por seu turno, determina o número 3 do artigo 1118.º do Código de Processo Civil que «Para apreciação do incidente, pode proceder-se, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, à avaliação dos bens da herança e dos bens doados ou legados, se a mesma já não tiver sido realizada no processo».
Em anotação ao aludido preceito legal, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado Volume II- Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Editora Almedina, página 602, o seguinte «À tramitação deste incidente aplicam-se as regras dos arts. 293.º a 295.º, ex vi artigo 1091.º, n.º 1. De entre as diligências probatórias, destaca-se a avaliação dos bens, quer dos bens doados ou legados, quer dos demais bens da herança; é do respectivo confronto que poderá apurar-se a existência de motivos para a declaração de inoficiosidade».
Compulsados os autos, constata-se que os bens doados ao Interessado AA (verbas n.º 52, com e sem área descoberta e n.º 54, com apuramento do valor do solo após apuramento do valor do prédio e das benfeitorias) foram objecto de avaliação pericial (cf. relatório de avaliação oportunamente junto aos autos).
Nessa conformidade, no contexto da alegada inoficiosidade, importa apurar o valor dos bens doados à Cabeça-de-Casal CC (verba n.º 51 (apuramento do valor da verba doada à data da doação- 18 de Dezembro de 1985 – após apuramento do valor das benfeitorias executadas pela Cabeça-de-Casal quanto a esta verba) e verba n.º 53).
Os preparos para despesas serão a suportar em partes iguais por ambos os interessados – atendendo a que o apuramento do valor das referidas verbas interessa para a decisão a proferir no âmbito do incidente de redução por inoficiosidade suscitado pela Cabeça-de-Casal e o interessado AA requereu a avaliação de tais verbas, pelo que a avaliação ora determinada a ambos aproveita – cf. artigo 532.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil.
A avaliação deverá ser solicitada ao mesmo perito já nomeado nos autos (e que se encontra inscrito na lista oficial), sendo que o mesmo prestará o seu compromisso de cumprimento consciencioso da função que lhe é cometida através de declaração escrita aposta no próprio relatório pericial de avaliação.
Ao Perito Avaliador deverá ser enviada cópia de todos os documentos existentes nos autos sobre os aludidos prédios (verbas n.º 51 e 53).
O relatório pericial de avaliação será apresentado no prazo máximo de 20(vinte) dias após o início da diligência, o que ocorrerá com notificação do presente despacho ao Perito Avaliador nomeado.
Notifique.”
Em 12 de julho de 2024, inconformados com o despacho que precede, CC e marido DD interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I. Os Apelados usaram da faculdade de requerer a avaliação, designadamente, dos bens doados, que requereram, mas da qual desistiram, o que foi deferido por douto Despacho de 31/05/2023.
II. Aquela desistência equivale à renúncia à avaliação daqueles bens,
III. Cujo valor ficou definitivamente fixado e estabilizado no que se refere aos bens doados,
IV. E foi reconhecido e explicitado no douto Despacho proferido em 30/01/2024 que indeferiu o novo e posterior (em 09/01/2024) requerimento dos Apelados de avaliação daqueles bens.
V. Pelo mesmo douto Despacho e por ineptidão foi indeferido o douto requerimento dos Apelados de 22/01/2024, de redução das liberalidades, por inoficiosidade, das doações efectuadas, bem como o pedido de avaliação dos bens com vista a esse efeito.
VI. Foi admitido, em 30/01/2024, o incidente de inoficiosidade relativamente às doações dos bens doados, apresentado pelos ora Apelantes, tendo por base os valores dos mesmos já estabilizados no processo,
VII. Concluindo pela redução das mesmas em conformidade com aqueles valores, conforme discriminado e justificado no respectivo requerimento,
VIII. Sendo os Apelados notificados para se pronunciarem,
IX. O que estes fizeram — mas não efectuaram nunca o pagamento da taxa de justiça devida pela prática desse acto,
X. Nem mesmo após a notificação que lhes foi efectuada nos termos e para efeitos do disposto no n.º 3 do Artigo 570.º do CPCivil,
XI. Pois, tendo embora efectuado o pagamento da multa conforme guia que lhes foi enviada pela Secretaria,
XII. Não efectuaram o pagamento da taxa de justiça,
XIII. Como, aliás, foi informado pela Secretaria na conclusão de 03/05/2024 que precedeu o douto Despacho recorrido.
XIV. Por essa razão, deveria ter sido cumprido o estabelecido no n.º 6 do Artigo 570.º do CPCivil, ordenando-se o desentranhamento da oposição dos Apelados ao incidente de inoficiosidade,
XV. Mas, ao invés e em lugar disso foi proferido o douto Despacho recorrido, admitindo a resposta dos Apelados ao referido incidente e, dando-lhe sequência, relegando para final a apreciação da excepção de caducidade que haviam deduzido e ordenando a avaliação dos bens doados.
XVI. Mas deveria ter sido ordenado o desentranhamento da resposta dos Apelados, sem qualquer referência ou pronúncia sobre a excepção de caducidade, por ter passado a ser inexistente, visto tratar-se de matéria não excluída da disponibilidade das partes, e sem que fosse ordenada a realização de qualquer avaliação dos bens doados, por, além do mais, não ser formulada no douto Despacho recorrido qualquer fundamentação para a sua realização oficiosamente,
XVII. Pois a possibilidade de o Tribunal ordenar oficiosamente a avaliação não é arbitrária, mas vinculada, e, quanto a essa matéria, não existe no douto Despacho qualquer razão entendível,
XVIII. Porquanto a realização das avaliações é matéria da disponibilidade e interesse das partes, apenas podendo justificar-se que seja ordenada oficiosamente quando exista desconhecimento dos valores dos bens,
XIX. O que não é o caso, pois os valores dos bens doados em causa estão definitivamente estabilizados e fixados.
XX. Deste modo, no douto Despacho recorrido foi violado o disposto nos Artigos 570.º, n.ºs 3 e 6, e 1118.º, n.º 3 do CPCivil, bem como o disposto nos Artigos 333.º, n.º 2 e 303.º do CCivil, do mesmo passo que foi violado o disposto no n.º 4 do Artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais e respectiva Tabela, igualmente se violando o anteriormente decidido no douto Despacho de 30/01/2024.”
Não foram oferecidas contra-alegações.
Em 24 de setembro de 2024 o recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e no efeito meramente devolutivo.
Uma vez que o objeto do recurso tem natureza estritamente jurídica e se reveste de alguma simplicidade, com o acordo das Excelentíssimas Colegas que integram o coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da falta de pagamento da taxa de justiça inicial devida pela oposição ao incidente de redução de legados e doações por inoficiosidade requerido pela cabeça de casal e seus reflexos processuais;
2.2 Da avaliação dos bens doados à cabeça de casal.
3. Fundamentos de facto
Os factos necessários e pertinentes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão e resultam dos autos de que estes foram extraídos, os quais, nesta vertente estritamente adjetiva, têm força probatória plena.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da falta de pagamento da taxa de justiça inicial devida pela oposição ao incidente de redução de legados e doações por inoficiosidade requerido pela cabeça de casal e seus reflexos processuais
Os recorrentes pugnam pela revogação da primeira parte do despacho proferido em 07 de junho de 2024 em virtude de o recorrido não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida pela oposição ao incidente de redução de legados e doações por inoficiosidade, não obstante tenha sido notificado para tanto pela secretaria judicial.
Cumpre apreciar e decidir.
O recorrido deduziu em 07 de fevereiro de 2024 oposição ao incidente de redução por inoficiosidade requerido em 30 de janeiro de 2024 pela cabeça de casal.
Para efeitos do Regulamento das Custas Processuais, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria (artigo 1º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais).
Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais, “[a] taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte do presente Regulamento.”
Por força do previsto no nº 6 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, “[n]os processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.”
Na tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, a tributação de “outros incidentes”, como cremos ser o caso do incidente de redução por inoficiosidade de legados e doações, varia entre meia unidade de conta e cinco unidades de conta.
Daqui se retira que ao deduzir oposição ao incidente de redução por inoficiosidade, o recorrido tinha o ónus de autoliquidar e proceder ao pagamento da quantia de € 51,00[12], comprovando esse pagamento nos termos previstos no artigo 9º, nº 1 da Portaria nº 280/2013 de 26 de agosto.
Porém, o recorrido não autoliquidou a taxa de justiça devida, apenas tendo oferecido dois documentos únicos de cobrança, o primeiro em 22 de fevereiro de 2024, referente ao pagamento de taxa de justiça no montante de € 51,00 e o segundo em 23 de fevereiro de 2024, referente ao pagamento de multa no montante de € 20,40 que, como resulta expressamente do nº 2 do artigo 19º da Portaria nº 419-A/2009 de 17 de abril, não constitui comprovativo do pagamento, tendo sido registado em 06 de março de 2024 o pagamento da multa no montante de € 20,40.
Em 18 de março de 2024 foi proferido o despacho antes transcrito a determinar que a secretaria observasse o disposto no nº 3 do artigo 570º do Código de Processo Civil, notificando o ora recorrido para proceder ao pagamento de multa no montante mínimo legal, nada se dizendo quanto ao pagamento da taxa de justiça que se considerou paga, embora para além do prazo de dez dias que para o efeito dispunha (leia-se o quarto parágrafo deste despacho).
Este despacho, ainda que erróneo face ao que os autos deixam transparecer, pois não foi registado qualquer pagamento pelo requerente do inventário da quantia de € 51,00 a título de taxa de justiça inicial com a referência ...780, não foi impugnado, pelo que tem que ser acatado, sem prejuízo de o Estado, a final, em sede de conta final haver aquilo a que tem direito.
Neste circunstancialismo, o despacho proferido em 07 de junho de 2024, após a comprovação do pagamento da multa de €102,00, acha-se em perfeita consonância com o que havia sido proferido em 18 de março de 2024, ao pressupor paga a taxa de justiça.
Não tendo sido impugnada a decisão proferida em 18 de março de 2024, o despacho proferido em 07 de junho de 2024 que concluiu pela inexistência de quaisquer obstáculos tributários à admissão da oposição ao incidente de redução por inoficiosidade não é merecedor de qualquer censura.
Pelo exposto, improcede esta questão recursória.
4.2 Da avaliação dos bens doados à cabeça de casal
Os recorrentes pugnam pela revogação do despacho proferido em 07 de junho de 2024 que determinou a realização de avaliação aos bens que lhe foram doados e relacionados sob a verbas nºs 51 e 53 da relação de bens porque, na sua perspetiva, o valor dos bens que o tribunal a quo determinou que fossem avaliados acha-se fixado e estabilizado, não sendo visível qualquer fundamentação da avaliação oficiosa de tais bens, violando o despacho recorrido o que foi proferido em 30 de janeiro de 2024.
Cumpre apreciar e decidir.
Como se deu nota no relatório deste acórdão, em 29 de março de 2023 realizou-se conferência de interessados, tendo os interessados acordado na adjudicação dos bens móveis e requerendo ambos a avaliação dos bens imóveis por entenderem que os valores patrimoniais não correspondiam aos valores de mercado.
Em 21 de abril de 2023, na sequência da notificação para pagamento de preparos para despesas no montante de €1.530,00, a pretexto de já ter mandado avaliar extrajudicialmente os bens e de ter procedido ao pagamento dessa avaliação, o requerente do inventário desistiu da avaliação que requereu, tendo a cabeça de casal aceitado essa desistência, com exceção da avaliação das verbas 52, com e sem área descoberta, e 54 com o apuramento do valor do solo após apuramento do valor do prédio e das benfeitorias, verbas doadas ao requerente do inventário.
A motivação subjacente à desistência da avaliação por banda do ora recorrido não é uma qualquer concordância com os valores que foram atribuídos aos imóveis, mas sim a circunstância de ter ao seu dispor uma avaliação extrajudicial e que erradamente pressupunha usar como meio de prova nos autos de que estes foram extraídos.
Em 30 de janeiro de 2024, o tribunal recorrido indeferiu o requerimento do interessado AA para avaliação das verbas doadas à cabeça de casal nos termos do disposto no artigo 1114º do Código de Processo Civil[13], enquanto a avaliação oficiosamente determinada pelo tribunal recorrido e que os recorrentes pretendem sindicar se enquadrou no âmbito de um incidente para redução de doações inoficiosas (artigo 1118º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Ora, nos termos do disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo de inventário ex vi artigo 549º, nº 1 do Código de Processo Civil, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer.
O conhecimento do incidente de redução por inoficiosidade apenas com a avaliação dos bens doados ao ora recorrido traduzir-se-ia numa iniquidade porque não haveria uma fiável determinação do valor dos bens doados à cabeça de casal, já que assentaria apenas nas declarações desta, valores que o ora recorrido não aceita nem nunca aceitou, mesmo quando desistiu da avaliação que havia requerido juntamente com a sua irmã.
A extinção de uma faculdade processual de uma ou de ambas as partes não contende com o poder-dever de o tribunal oficiosamente ordenar uma avaliação das restantes verbas doadas, tendo em linha de mira uma partilha justa entre os dois únicos interessados.
Pelo exposto, conclui-se que o tribunal recorrido bem andou ao determinar oficiosamente a avaliação das verbas nºs 51 e 53 doadas à cabeça de casal, nos termos em que o fez.
Deste modo, improcede totalmente o recurso sendo as custas do mesmo da responsabilidade dos recorrentes por terem improcedido totalmente as suas pretensões recursórias (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por CC e marido DD e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida em 07 de junho de 2024.
Custas a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
Porto, 4/6/2025.
Carlos Gil
Fátima Andrade
Fernanda Almeida
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[1] Atribuiu ao inventário, provisoriamente, o valor de € 8 000,00.
[2] A forma à partilha foi a seguinte: “Nos presentes autos procede-se a inventário por óbito de BB, falecida a ../../2021 no estado de divorciada. A inventariada não deixou testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade relativamente aos seus bens, mas fez doações aos filhos juntamente com EE por conta da quota disponível. Não se encontram relacionadas dívidas. Sobreviveram à inventariada os filhos AA e CC. Assim sendo, deve proceder-se à partilha nos seguintes termos: Somam-se os valores dos bens não doados e metade do valor dos bens doados e o total obtido divide-se em três partes iguais, constituindo uma terça parte a quota disponível e duas terças partes a quota indisponível. Ao valor da quota disponível subtrai-se o valor das verbas doadas e o remanescente, se o houver, soma-se ao valor da quota indisponível. O valor assim apurado divide-se em duas partes iguais, sendo uma devida ao interessado AA e outra à interessada CC. Notifique.”
[3] Estas verbas, com exceção das benfeitorias, integram bens doados ao requerente do inventário.
[4] Este requerimento tem o seguinte teor: “AA, com os demais sinais nos autos à margem referenciados e neles devidamente identificado, vem informar o Tribunal que, pese embora as diversas tentativas entre as partes no sentido de chegarem a entendimento quanto aos termos da presente partilha, tal não se revelou possível. Com efeito, dispõe o Artigo 1114.º do CPC, sob a epígrafe “Avaliação”, de entre o mais, o seguinte: 1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído. Assim, caso se entenda que os bens doados não estão sujeitos a licitação pelos interessados, designadamente, pelos não donatários, desde já se requer a Vª. Exª. Se digne ordenar a avaliação dos bens doados à cabeça de casal (Verbas 51 e 53), por perito a indicar pela Secção, pois, pese embora, no decurso de anterior diligência se tenha prescindido desta avaliação, isso em nada prejudica o direito de se poder fazê-lo, apenas, agora, porquanto, é este o momento processual para o efeito. Ora, se não mais, os bens imóveis doados à Cabeça de Casal, têm, pelo menos, o mesmo valor dos bens que foram doados ao requerente (36.875,03 e 145.136,14, respetivamente) e que foram objeto da avaliação que antecede, com exceção do prédio rústico cuja apreciação se encontra em discussão nos meios comuns, sendo, pois, o seu valor legalmente atribuído na relação de bens (VPT), obviamente, muito inferior ao seu valor efetivo. A dita avaliação foi do valor global € 182.011,17 (36.875,03+145.136,14), tratando-se de bens doados e, também, por conta da quota disponível.”
[5] Esta decisão tem o seguinte conteúdo: “Mediante requerimento junto aos autos no passado dia 09 de Janeiro de 2024, veio o Interessado AA requerer a avaliação dos bens doados à Cabeça de Casal CC e descritos na Relação de Bens sob as verbas n.º 51 e 53. Por seu turno, a Cabeça de Casal, em obediência ao princípio do contraditório, veio pronunciar-se quanto ao requerido, pugnando pelo indeferimento do pedido de avaliação, atendendo a que o Interessado AA usou dessa faculdade, rente ao início das licitações na sessão da Conferência de Interessados realizada em 29 /03/2023, tendo, posteriormente, desistido da requerida avaliação por requerimento datado de 21/04/2023 com a referência citius n.º 14471907 em cuja sequência a Cabeça de Casal igualmente desistiu da avaliação daqueles bens que o Interessado AA agora vem requerer a avaliação outra vez. Ora, compulsados os autos, afigura-se que efectivamente corresponde à verdade o invocado pela Cabeça-de-Casal. Com efeito, na sequência da desistência do pedido de avaliação dos bens por parte do Interessado AA, mediante despacho judicial datado de 31 de Maio de 2023, transitado em julgado, foi determinada a restricção do objecto da perícia às verbas 52 (com e sem a área descoberta) e número 54 (apenas o terreno). O relatório pericial foi junto aos autos, o processo prosseguiu, foi designada a continuação da Conferência de Interessados, agendando-se para o efeito o dia 11 de Dezembro de 2023, as partes, em sede de diligência, requereram a suspensão da instância porque se encontravam em vias de chegar a acordo, o qual malogradamente se frustrou. Efectivamente o artigo 1118.º , n.º 1 do Código de Processo Civil prescreve que «1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído. 2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens». Sucede que, nestes mesmos autos e quanto aos mesmos bens, o interessado AA já usou da referida faculdade, e desistiu da avaliação requerida, pelo que não se pode considerar que lhe tenha sido coartada a aludida faculdade. Deferir o novo requerimento de avaliação dos bens, sem qualquer circunstancia superveniente invocada pelo Interessado para ter desistido da avaliação e agora vir voltar a requerê-la, seria permitir um retrocesso dos autos, e uma ofensa ao caso julgado, sendo certo que conforme referido por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado – Volume II, em anotação ao artigo 114.º do Código de Processo Civil «A avaliação não corresponde, porém, a um direito incondicional (…) tal pretensão está sujeita a controlo judicial, tendo em vista os efeitos dilatórios que poderiam emergir de uma indiscriminada avaliação de bens». O processo de inventário, como processo de carácter civil, está sujeito ao princípio da auto- responsabilidade das partes, sendo que o Interessado AA já teve oportunidade de requerer a avaliação dos bens, usou da referida faculdade e voluntariamente veio desistir da avaliação dos bens descritos na Relação de Bens sob as verbas n.º 51 e .53. Face ao exposto, indefere-se o requerido. Notifique.”
[6] Esta decisão tem o seguinte teor: “Compulsados os autos, constata-se igualmente que, mediante requerimento com a referência citius n.º 15622472, veio o Interessado AA, subsidiariamente, para o caso de o Tribunal indeferir o novo pedido de avaliação das verbas n.º 51 e 53, suscitar o incidente de inoficiosidade previsto no artigo 1118.º do Código de Processo Civil. A Cabeça de Casal veio deduzir oposição ao referido incidente, alegando que foram apresentados uns valores que, ao invés do pretendido, são determinantes da inviabilidade da pretensão do Interessado, assim, impondo o indeferimento liminar daquele seu requerimento inicial do presente incidente e que o mesmo não cumpriu o ónus de fundamentar a sua pretensão especificando os valores, quer dos bens da herança, quer dos doados que justificam a redução por inoficiosidade pretendida, nem indica qual das doações deve ser reduzida, assim violando o disposto no n.º 1 do citado Artigo 1118.º. Ora, dispõe o artigo 1118.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que «Qualquer herdeiro legitimário pode requerer, no confronto do donatário ou legatário visado, até à abertura das licitações, a redução das doações ou legados que considere viciadas por inoficiosidade». No que concerne ao objectivo pretendido com o referido incidente, o mesmo destina-se a redução das doações ou legados que tenham atingido a legítima (cf. artigo 2168.º e seguintes do Código Civil), de modo a combater-se a desigualdade existente entre os interessados. Ora, é o próprio interessado AA, que na peça processual em que suscita o incidente, alega que as doações efectuadas ao mesmo por conta da quota disponível têm pelo menos o mesmo valor dos bens que foram doados ao requerente (36.875,03 e 145.136,14, respetivamente) e que foram objeto da avaliação que antecede. Sucede que, se considera que as doações têm o mesmo valor, inexiste, portanto, qualquer desigualdade que o referido incidente visa precisamente combater. Por outro lado, para além de não discriminar os valores, quer dos bens da herança, quer dos doados que justificam a redução por inoficiosidade pretendida, nem indicar qual das doações deve ser reduzida, o mesmo entra em completa contradição no próprio requerimento apresentado, invocando, numa primeira parte, que os valores dos bens doados à Cabeça de Casal serão pelo menos iguais aos que foram a si doados, e depois, mais à frente, indicando valores dispares quanto aos bens doados à Cabeça de Casal, designadamente, as quantias de € 62.000,00 (ao invés dos 36.875,03) e de 145.136,14. Assim, afigura-se, assim, que o interessado AA não considera efectivamente que existam doações que devam ser reduzidas por inoficiosidade, até porque na versão apresentada pelo mesmo, os bens doados por conta da quota disponível a um e outro serão semelhantes, sendo que o pretende é a avaliação dos bens. Assim, porque ser manifesta a falta de fundamentação do incidente suscitado, bem como a patente contradição no próprio articulado em que a parte suscita o incidente, considera-se que a petição inicial padece de ineptidão, por inteligibilidade da causa de pedir, o que se declara, ao abrigo do disposto no artigo 186.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, absolvendo-se consequentemente a Cabeça de Casal da instância quanto ao incidente de inoficiosidade suscitado. Custas do incidente a cargo do Interessado AA, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal - cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Registe e notifique.”
[7] Este requerimento tem o seguinte conteúdo: “Perante o que acaba de ser doutamente decidido quanto ao pedido de inoficiosidade e de avaliação de bens do interessado AA, a interessada/ cabeça de casal CC entende que, como já referiu nestes autos, perante a desistência da avaliação apresentada pelo interessado AA estão estabilizados os valores definitivamente estabelecidos os valores dos bens constantes da relação de bens. Assim, temos que ao interessado AA foram doados bens no valor total de 182.011,17 € e à interessada CC foram doados bens no valor de 77. 447,92 €. Tendo em consideração o douto despacho de forma à partilha oportunamerte elaborado e transitado em julgado, os bens doados devem ser considerados por metade do seu valor, ou seja 91.005,59 €, para os bens doados ao interessado AA e 38.723,96 € para os bens doados à interessada CC, ao que deve acrescer aos bens não doados posteriormente se dividindo em três partes iguais, correspondendo uma delas à quota disponivel e os restantes 2/3 à quota indisponivel. Após deve somar-se o valor assim obtido ao valor dos bens não doados que é de 25.571,84 €, somando todos estes valores obtém-se o valor total de 155.301,39 €, correspondente ao valor da herança devendo dividir-se o mesmo em três partes iguais, sendo uma delas o valor da quota disponivel. O 1/3 assim obtido é 51. 777,13 €. A metade do valor dos bens doados deve ser levada à quota disponível e o excesso deverá ser reduzido às doações que o determinaram até à igualação dos donatários. A 1/2 (metade) dos valores dos bens doados que como já disse soma 38.723,96 € não excede o valor da quota disponível mas a 1/2 (metade) do valor das doações feitas ao interessado AA excede em muito o valor da quota disponível. Assim devendo aquelas doações serem reduzidas pelo valor do excesso da quota disponível. A redução deverá ser feita nos termos do disposto no artigo 1119º do C.P. Civil e porque excedeu significativamente a metade do valor dos bens doados ao interessado AA, deverão ser reduzidas em substância ou, quando tal não seja possível, mediante licitações da ora requerente às quais não pode concorrer o interessado AA. Considera-se que a prova do que acaba de ser dito consta dos autos designadamente dos valores constantes da relação de bens e que repete-se se encontram estabilizadas. Requer assim se digne V. Exª., admitir o presente incidente de inoficiosidade e cumprido o mais que está estabelecido no artigo 1118º do C. P. Civil em que avulta o princípio do contraditório, decidindo e julgando procedente o presente incidente. Para prova do pagamento da taxa de justiça devida requer a junção do DUC ...02 ...80 ...89 ...01 ...77 e respectivo comprovativo de pagamento.”
[8] Referência nº ...02 ...80 ...90 ...71 ...80, emitida em 22 de fevereiro de 2024, pelas 18:17:16.
[9] Referência nº ...02 ...80 ...90 ...78 ...55, emitida em 23 de fevereiro de 2024, pelas 11:41:27.
[10] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 01 de abril de 2024.
[11] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 21 de junho de 2024.
[12] Não por acaso a ora recorrente autoliquidou esta quantia quando deduziu oposição ao incidente de inoficiosidade requerido pelo ora recorrido e bem assim quando por sua vez deduziu o mesmo incidente.
[13] Este requerimento era para a eventualidade de se entender que não era admissível a licitação sobre os bens doados. Sublinhe-se, como advertia João António Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais, Volume II, Almedina 1990, páginas 287 a 289), já no domínio do anterior Código de Processo Civil a referência aos casos em que o donatário e o legatário eram admitidos a licitar, não tinha qualquer conteúdo útil relativamente ao donatário face ao direito substantivo (veja-se o artigo 2174º do Código Civil) e no presente regime, face ao disposto no artigo 1119º, nºs 2 e 3, a ausência de conteúdo útil não se cinge ao donatário mas é também extensiva ao legatário pois não se divisa qualquer hipótese legal em que este seja admitido a licitar. De facto, apenas no Código de Processo Civil de 1939, nos artigos 1406º, § 3º, alínea c) e 1409º, § 2º, 2º se previa a licitação do donatário e do legatário, respetivamente.