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SUPRIMENTOS DE SÓCIO À SOCIEDADE
AÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
Sumário
I - Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias II - O Tribunal de Comércio é um Tribunal de competência especializada e ao qual incumbe, nomeadamente, preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais (artº 128º, nº1, alínea c), da Lei da Organização do Sistema Judiciário). III - Os Direitos sociais, são todos aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de serem titulares dessa qualidade jurídica, dirigidos à protecção dos seus interesses sociais. IV - Fundando-se a acção em alegados suprimentos de um sócio à sociedade, cuja constituição está vedada a não sócios e cujo reembolso tem de respeitar as limitações impostas pelo citado art. 245º do C.S.C., é de considerar que o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a presente acção é o Tribunal de Comércio.
Texto Integral
Processo nº 4530/22.5T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto, JC Cível, Juiz 3
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador: Dr. José Manuel Monteiro Correia
2º Adjunto Juiz Desembargador: Paulo Dias da Silva
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
AA e BB, casados entre si no regime de comunhão de bens, vieram interpor, contra CC, a presente acção declarativa de condenação na forma de processo comum.
Peticionam a condenação do réu no pagamento das quantias de € 51.805,42, correspondente a metade do valor que liquidaram no âmbito de processo de execução, para pagamento de dívida de sociedade que, alegam terem, solidariamente com o réu, garantido.
E de € 2.871.29, que o autor liquidou no âmbito de processo de execução fiscal, por reversão de dívida de sociedade da qual alegam ser o réu gerente de facto e o autor meramente gerente de direito.
Mais peticionando o pagamento de juros sobre tais valores.
Alegam em resumo que os AA e R. são, respectivamente, irmãos e cunhados, e foram sócios da Sociedade “A...”, pessoa colectiva nº ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto- 2º Secção w que a predita sociedade foi declarada insolvente.
Referem que foi sempre o réu, quem esteve na gestão da referida sociedade, sendo único responsável pela gestão, sendo que os AA., eram igualmente sócios, e fruto dessa qualidade, assinavam o que lhes era solicitado pelo sócio gerente, o Réu.
E foi nessa qualidade de avalistas que no dia 05/06/2003 os AA. assinaram uma escritura de MUTUO COM HIPOTECA, junto do Banco 1.... Por falta de pagamento das obrigações e ainda durante o processo de Insolvência, em curso, o Banco 2..., que adquiriu o Banco 1..., intentou contra os aqui AA e R. uma execução para pagamento de divida, decorrente do incumprimento do contrato de mutuo. Sendo que o Banco 2... credor e exequente logrou penhorar um imóvel dos AA. sito na Rua ..., ... . Por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os AA. saldaram, a divida no processo executivo em que eram executados juntamente com o R., sendo que o valor da divida, SALDADO pelos AA. com entrega do imóvel, ascendia a € 103.610,85 cêntimos.
Concluem, que os AA. têm direito a ser ressarcidos pelo R. de metade do valor pago, no montante € 51.805,42, e que acresce a quantia de € 2.871.29 que os AA. pagaram no âmbito de um processo executivo junto da Autoridade Tributária, na sequencia de um processo de reversão fiscal.
O réu contestou, tendo apresentado defesa por impugnação e por exceção (invoca a ineptidão da petição inicial) e tendo invocado a litigância ade má fé. Por outro lado, a que lhe assiste a excepção de não cumprimento, por referência a metade do valor dos suprimentos que, no valor de €393.191,69, fez à sociedade.
Aceita que exercia de facto as funções de gerente, mas alegando que o fazia em conjunto com os autores. Impugna serem os autores juridicamente responsáveis pelo pagamento do valor que liquidaram em sede de execução fiscal, por não terem quanto ao mesmo assumido qualquer qualidade de garantes.
Invoca em resumo quanto a Excepção do não cumprimento que, o réu, face à indisponibilidade sempre manifestada pelo Autor marido, nesse sentido – foi mutuando, ao longo dos anos, diversas quantias monetárias à sociedade comercial “A..., Lda.” (sedo que a data da insolvência da mesma, era o aqui Réu credor reconhecido de tal sociedade da quantia de € 393.191,69, decorrente dos suprimentos de que o aqui Réu era detentor na referida sociedade comercial, face ao capital que na mesma injectou ao logo de vários anos. Entende que esse valor também deveria ser pago na proporção de metade.
Mais refere que nada deve aos autores, sendo que são os autores que devem ao aqui Réu a seguinte quantia: • € 196.595,85– referentes a metade dos suprimentos que o mesmo injectou na sociedade comercial ao longo dos anos; créditos esse, legal e regularmente reconhecido à ordem do processo de insolvência que incidiu sobre a sociedade “A..., Lda.”.
Deduz pedido reconvencional contra o Autor marido, AA, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: O O aqui Réu – face à indisponibilidade sempre manifestada pelo Autor marido nesse sentido – foi mutuando, ao longo dos anos, diversas quantias monetárias à sociedade comercial “A..., Lda.” (à data da insolvência da mesma, era o aqui Réu credor reconhecido de tal sociedade da quantia de € 393.191,69, referente aos suprimentos de que o aqui Réu era detentor na referida sociedade comercial, face ao capital que na mesma injectou ao longo de vários anos.
Pelo que e em síntese, refere o réu: «… 132º. Ao contrário do alegado pelos Autores, o Réu nada lhes deve. 133º. Mas a contrario é o Autor marido que deve ao aqui Réu as seguintes quantias:
• € 196.595,85 (Cento e noventa e seis mil quinhentos e noventa e cinco Euros e oitenta e cinco Cêntimos) – referentes a metade dos suprimentos que o mesmo injectou na sociedade comercial ao longo dos anos; créditos esse, legal e regularmente reconhecido à ordem do processo de insolvência que incidiu sobre a sociedade “A..., Lda.”.
• € 24.400,68 (Vinte e quatro mil e quatrocentos Euros e sessenta e oito Cêntimos) – referentes a metade dos valores pelo mesmo suportados em nome da sociedade comercial “A..., Lda.”, à ordem do processo executivo n.º 7065/11.8TBMTS, que correu os seus termos à ordem do (extinto) 4º Juízo Cível de Matosinhos.
134º. Num total, devido pelo Autor marido ao aqui Réu, de € 220.996,53 …
135º. Valor esse, que se invoca a título de compensação, nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 847º e ss. do Código Civil.
Conclui, que a acção seja julgada improcedente e • SEJA A RECONVENÇÃO ORA DEDUZIDA JULGADA INTEGRALMENTE PROCEDENTE POR PROVADA E EM CONSEQUÊNCIA SER O AUTOR MARIDO, AA, CONDENADO A PAGAR AO RÉU/RECONVINTE CC, A QUANTIA DE € 220.996,53.».
Os autores deduziram réplica na qual se pronunciam sobre a matéria de exceção e alegam em resumo o seguinte: QUESTÂO PRÉVIA: Foi o Reu convidado ao aperfeiçoamento da Contestação, e não cumpriu o despacho porquanto fez um pedido reconvencional diferente do alegado na contestação inicial: ma coitada contestação alegava ser credor da quantia de €393.191,69 da Sociedade “ A..., LDA “ e considerava o Reu desse crédito sobre referida Sociedade, era” credor “ dos AA. em metade desse valor.
Mas veio invocar um pedido reconvencional novo diferente o qual deverá ser julgado como inadmissível
Concluem que o pedido reconvencional deve ser julgado improcedente por não provado e por inexistente causa de pedir, no que ao montante de €196.595,85 se refere. E que o PEDIDO RECOVENCIONAL- PARTE II Deve ser julgado EXTEMPORANEO o pedido RECONVENCIONAL no montante de €24.400,68, ou se assim não se entender julgado IMPROCEDENTE por inexistir qualquer fundamento fáctico e ou e o legal que justifique e sustente.
Os réus exerceram o contraditório quanto á questão prévia e referem em resumo que por apenas ter tido conhecimento de tais factos, enquanto decorria o convite ao aperfeiçoamento da sua peça – alegou um outro crédito, para além do crédito invocado a título de suprimentos, de que o aqui exponente é titular sobre os Autores.
Mais referem que e caso se entenda que a invocação desse outro crédito extravasa o pedido de aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, desde já se Requer a V. Exa.: • Se digne considerar como não escrito o alegado nos artigos 114º a 131º, no segundo ponto do art.º 133º e no art.º 134º do articulado por si apresentado na data de 10/07/2023.
Ulteriormente o tribunal por um lado notificou as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a (in)competência material deste tribunal para o conhecimento da reconvenção (art. 3º/3, do CPC).
E para se pronunciarem sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito do pedido formulado pelos autores, e deverão informar se se opõem à dispensa de realização da audiência prévia, desta feita para os efeitos de tal conhecimento do mérito (arts. 6º e 547º, do CPC).
Ambas as partes aceitaram a dispensa dessa audiência da possibilidade de conhecimento de mérito.
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Seguidamente foi proferido saneador sentença recorrida: «… I.
AA e BB, casados entre si no regime de comunhão de bens, vieram interpor, contra CC, a presente acção declarativa de condenação na forma de processo comum.
Pretendem a condenação do réu no pagamento das quantias de € 51.805,42, correspondente a metade do valor que liquidaram no âmbito de processo de execução, para pagamento de dívida de sociedade que, que alegam terem, solidariamente com o réu, garantido.
E de € 2.871.29, que o autor liquidou no âmbito de processo de execução fiscal, por reversão de dívida de sociedade da qual alegam ser o réu gerente de facto e o autor meramente gerente de direito
Mais peticionando o pagamento de juros sobre tais valores.
O réu contestou.
Começa por acusar os autores de litigância ade má fé.
Sustenta ser a petição inicial inepta por falta de indicação suficiente da causa de pedir.
Alega que lhe assiste a excepção de não cumprimento, por referência a metade do valor dos suprimentos que, no valor de €393.191,69, fez à sociedade.
Também trazendo à colação a figura da compensação de créditos, que mais tarde a convite do tribunal, invocou em sede de reconvenção.
Aceita que exercia de facto as funções de gerente, mas alegando que o fazia em conjunto com os autores.
Finalmente impugna serem os autores juridicamente responsáveis pelo pagamento do valor que liquidaram em sede de execução fiscal, por não terem quanto ao mesmo assumido qualquer qualidade de garantes.
Os autores responderam à matéria de excepção e devolveram ao réu a imputação de litigância de má fé.
O tribunal é competente em razão da nacionalidade.
Em sede reconvencional o réu peticiona a compensação, com o crédito invocado pelos autores, da quantia de €196,595,85, que sustenta corresponder a metade do valor de suprimentos que injectou na sociedade aqui em causa.
Nos termos do disposto no art.93º, do CPC, “O tribunal da acção é competente para as questões deduzidas por via de reconvenção, desde que tenha competência para elas em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; se a não tiver, é o reconvindo absolvido da instância”.
No caso dos autos julga-se não ser o tribunal competente em razão da matéria para conhecer desta reconvenção.
De facto, o tribunal comum apenas é competente para julgar as causas que não forem atribuídas por lei a alguma jurisdição especial.
Regendo, nesta matéria, o princípio da competência genérica ou residual destes últimos.
Tal decorre do artigo 211º/1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Em conformidade, estabelecem os artigos 40º/1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08 e 64º, do CPC, serem da competência dos tribunais judiciais as causas que não tenham sido atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Assim, para que os tribunais judiciais sejam competentes em razão da matéria, mostra-se necessário (e suficiente) que não exista norma específica que atribua a jurisdição especial a competência para o conhecimento da relação controvertida tal como esta aparece configurada por autor ou réu reconvinte.
Nos presentes autos, atentos os contornos da acção, sumariamente já descritos, a dúvida apenas se coloca quanto à jurisdição comercial.
De facto, dispõe o art. 128º/1/c)/3, da lei 62/2013, de 26-08, que compete aos juízos de comércio preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais e respectivos apensos.
Estes direitos sociais são, antes do mais, os que assistem aos sócios enquanto tais, os que derivam desse seu estatuto de sócios, nos termos em que a lei o disciplina (por exemplo nos arts. 67.º, 77.º, 266.º, 458º e 156º, do Código das Sociedade Comerciais).
Justificando-se a competência dos tribunais de comércio, face à especificidade de tais matérias, que cabe inteiramente dentro do campo da estrita aplicação das regras do direito das sociedades.
Ratio esta que provocou que, como se refere no Ac. do STJ de 26-10-2022 (disponível em www.dgsi.pt) “sem romper com a referida correspondência entre “direitos sociais” e “direitos dos sócios”, se haja procurado delinear um conceito amplo do que se deve entender por “direitos dos sócios”, aqui se incluindo todas aquelas situações em que o fim social está presente no comportamento do sócio (…).”.
Bem como “passando a sustentar-se que os “direitos sociais” (a que se refere a alínea sob apreciação) não são apenas aqueles de que são titulares os sócios, podendo ser titulares de direitos sociais quer os sócios, quer a sociedade, quer os credores sociais, quer mesmo terceiros, desde que, já se vê, tais direitos sejam expressamente conferidos pela lei societária (ou pelo contrato de sociedade)”, e que essa expressão não deve ser equiparada a direitos dos sócios, mas antes a direitos que resultem especificamente do direito das sociedade, para apreciação do qual os tribunais de comércio se mostram especialmente vocacionados.
Como também se afirma no Acórdão que se tem vindo a citar “a expressão “direitos sociais” (constante da alínea c) do art. 128.º/1 da LOSJ) não significa “direitos dos sócios”; quando a lei fala em tal alínea em “ações relativas ao exercício de direitos sociais”, deve entender-se que está a querer referir-se às ações que emergem do regime jurídico das sociedades comerciais, que está a querer referir-se às ações em que estão em causa e são invocados os direitos sociais emergentes de tal regime jurídico, sendo que podem ser titulares de tais direitos sociais quer os sócios, quer a sociedade, quer os credores sociais quer mesmo terceiros (cfr., v. g., arts. 78.º e 79.º do CSC).”
“Pelo seguinte: A expressão “direitos sociais” surge, pela primeira vez, numa Lei de Organização Judiciária (LOFTJ), na alínea c) do art. 89.º/1 (alínea que o atual art. 128.º/1/c) da LOSJ reproduz) da Lei 3/99, de 13-01, mas não era, importa sublinhá-lo, uma expressão desconhecida do legislador adjetivo e/ou que este haja então “cunhado” ex novo (e porventura sem o devido cuidado e rigor). Desde 1939 (pelo menos) que entre os processos de jurisdição voluntária do CPC (atualmente, nos artigos 1048.º a 1071.º do CPC) se contam os respeitantes ao “exercício de direitos sociais”, sendo certo – é o aspeto que aqui cumpre salientar – que entre os direitos exercitáveis através de tais processos de jurisdição voluntária se contam, ao lado de direitos dos sócios (como é claramente o caso do direito de pedir inquérito judicial à sociedade, exercitável pelo processo previsto no art. 1048.º), direitos dos credores (como é o caso do direito de oposição à distribuição de reservas ou lucros ou de oposição à fusão e cisão de sociedade, exercitáveis pelos processos previstos pelos artigos 1058.º e 1059.º) e/ou de terceiros (como é o caso do direito à liquidação de participação social, exercitável pelo processo previsto no art. 1068.º), o que muito claramente significa que o legislador (do CPC) englobou no conceito/expressão “direitos sociais” outros direitos para além dos direitos dos sócios, tendo, porém, todos eles (tais “direitos sociais” exercitáveis por tais processos de jurisdição voluntária) como ponto comum serem direitos que emergem do regime jurídico das sociedade comerciais”
“Em todo caso, há que admitir – até por a noção jurídica societária de direitos sociais surgir, por vezes, no direito substantivo, reportada e associada aos direitos dos sócios – que, por interpretação, se possa concluir que o legislador de 99 se equivocou, que ignorava que ele próprio já utilizava o conceito/expressão com um significado diferente de “direitos dos sócios” e que, por isso, não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
“Sucede que nada disto se verifica.”
“A expressão “direitos sociais” (utilizada no art. 89.º/1/c) da LOFTJ e reproduzida no art. 128.º/1/c) da LOSJ), com o sentido subjacente ao atual Capítulo XIV do CPC, é totalmente (e até a mais) congruente com o confessado pensamento legislativo de 99: exprime acertada e adequadamente a solução decorrente do pensamento legislativo explicitamente manifestado na LOFTJ. Efetivamente, a alínea c) do n.º 1 do art.º 89º da Lei n.º 3/99 teve origem na Proposta de Lei n.º 182/VII/3, na qual se consignava” a intenção de se ampliar a competência do antigos tribunais de recuperação de empresa e falência, fazendo os tribunais de comércio, actuar em questões para as quais se requeria especial preparação técnica e sensibilidade, atribuindo-lhes competência, entre outras, para as acções relativa ao contencioso das sociedades comerciais.
“Ou seja, o pensamento legislativo (que presidiu à redação do texto da alínea c) sob apreciação), claramente revelado e manifestado, era o de conferir competência aos tribunais de comércio para as “ações relativas ao contencioso das sociedade comerciais”, pelo que, sendo o legislador fiel a tal pensamento legislativo, não era expetável que, na letra da lei, viesse dizer que são da competência dos tribunais de comércio apenas as ações relativas ao exercício dos direitos dos sócios, na medida em que, assim, deixava de fora uma parte significativa do contencioso societário (ao arrepio do que antes havia dito sobre a competência que pretendia atribuir aos tribunais do comércio)”.
“Mais, a teleologia de conceder competência aos tribunais de comércio para as ações relativas ao contencioso das sociedade comerciais – fazê-los atuar em questões para que se requer especial preparação técnica e sensibilidade – vale e é identicamente aplicável quer para os “direitos sociais” de que são titulares os sócios, quer para os direitos de que forem titulares a sociedade, os credores sociais ou mesmo terceiros, desde que, como é evidente, tais direitos resultem e sejam conferidos a todos eles pela lei societária (ou pelo contrato de sociedade).”
“A criação dos juízos do comércio foi orientada pelo objetivo de melhorar a administração da justiça quando os conflitos emergem de aspetos específicos do direito comercial (aqui se incluindo o direito das sociedades comerciais): deu-se por adquirido que a especialização (decorrente da criação de juízos com competência especializada) se estende aos juízes que procedem à composição dos correspondentes conflitos de interesses e que assim se criam as sinergias que permitam uma melhor aplicação da lei e uma resolução mais célere dos litígios.”
“Não se vislumbrando quaisquer razões que justifiquem que apenas os direitos dos sócios e não também outros direitos sociais (com o sentido de direitos que emergem da aplicação de normas que regem especificamente as sociedades comerciais) possam beneficiar de tal apreciação e tratamento tecnicamente especializado; pelo que, atribuir aos tribunais especializados para apreciar as questões comerciais competência para julgar exclusivamente as ações onde estejam em discussão direitos dos sócios, excluindo os demais ações que tenham por tema o regime das sociedades comerciais, “seria traçar uma linha de fronteira artificial, não havendo razões para imputar o desenho dessa linha ao legislador, uma vez que é indiferente na execução de uma política de justiça, a relação da distribuição dos processos judiciais entre tribunais pertencentes á mesma ordem jurisdicional, como são os tribunais cíveis e os tribunais de comércio” (cfr. Ac. deste STJ de 24/02/2022 (…)).”
“Em resumo (e seguindo os cânones interpretativos do art. 9.º do C. Civil): A letra da lei fala em “direitos sociais” e não em “direitos dos sócios”, sendo que, caso o legislador pretendesse limitar a competência (dos tribunais de comércio) ao “exercício do direito dos sócios”, ter-lhe-ia sido fácil, dizendo isso mesmo, exprimir tal intenção.”
“Letra da lei essa – falar em “direitos sociais” e não em “direitos dos sócios” – que corresponde ao que, em termos preambulares, foi revelado sobre o pensamento legislativo que presidiu à letra de tal lei: conferir competência aos tribunais de comércio para as “ações relativas ao contencioso das sociedades comerciais”.
“Letra da lei – a maior amplitude da expressão utilizada – que é a mais adequada e concordante com a intenção/finalidade também expressa pelo legislador de fazer “atuar os tribunais de comércio em questões para que se requer especial preparação técnica e sensibilidade”, sendo, como é evidente, que tal “especial preparação técnica e sensibilidade” é identicamente indispensável quando são os sócios a exercitar os seus direitos sociais e quando se está perante o exercício de direitos sociais por parte da sociedade, credores ou terceiros.”
E regressando-se ao caso dos autos, crê-se estar em causa um direito social, já que se pretende fazer operar o art. 243º e ss, do CSC.
Como se refere no Ac. da RC de 11-04-2019 (disponível em www.dgsi.pt) “é entendimento largamente maioritário na jurisprudência e na doutrina que tal figura apenas ganha relevo no seio da regulamentação das sociedades comerciais, considerando-se que o contrato de suprimento é um tipo próprio, autónomo, em que concorrem elementos comuns ao contrato de mútuo, mas onde também há um elemento social a considerar, pois que, na prestação do sócio que contrata por ser sócio, está presente o fim social; pois, direitos sociais são todos aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa mesma qualidade jurídica, dirigidos à protecção dos seus interesses sociais -nascem na esfera jurídica do sócio, enquanto tal, por força do contrato de sociedade, baseados nessa particular titularidade.”
“Por conseguinte, fundando-se a acção em alegados suprimentos de um sócio à sociedade, cuja constituição está vedada a não sócios e cujo reembolso tem de respeitar as limitações impostas pelo citado art.º 245º do CSC, é de considerar que o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a presente acção é o juízo de comércio, pois (…) está no exercício de um direito social.
“Ademais, no regime do contrato de suprimento, estabelecido no art.º 245 do CSC, sobressaem, principalmente, as limitações ao direito de reembolso dos créditos de suprimentos, em primeiro lugar para salvaguardar os interesses dos restantes credores sociais e, em segundo lugar, para assegurar uma certa estabilidade no gozo dos empréstimos por parte da sociedade.”
“Baseando-se o mencionado segmento do peticionado na acção em alegados suprimentos cuja constituição está vedada a não sócios (devendo-se atender ao momento em que o pretenso direito invocado se constituiu, não releva o facto do A., entretanto, ter deixado de ser sócio da Ré - o invocado direito veio à sua esfera jurídica enquanto era sócio da sociedade devedora e por causa de o ser; o reembolso terá de respeitar as referidas limitações), é de concluir que a competência material para preparar e julgar o peticionado sob as “alíneas c) e d)” cabe ao juízo de comércio e não ao juízo central cível (…) com a consequente absolvição da instância quanto a tais pedidos.”
Neste sentido, aliás, podem também consultar-se, nessa mesma base de dados, os Ac. da RP de 21-06-2021 e da RL de 18-01-2018.
Pelo que, face ao exposto, se entende que competente para tramitar a reconvenção que se analisa é, não este juízo central cível, mas o tribunal de comércio.
Desta forma, mais não resta do que, por ser este tribunal materialmente incompetente para conhecer da reconvenção, absolver os autores da respectiva instância (para além das normas já citadas, artigos 64º, 96º/a), 97º e 99º/1, do Código de Processo Civil).
Quanto aos pedidos formulados pelos autores é o tribunal competente em relação da matéria e da hierarquia.
Sustenta o réu a ineptidão da petição inicial por falta de indicação suficiente da causa de pedir.
Nos termos do disposto no art. 186º/1 e 2, do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, ocorrendo tal ineptidão quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Conforme afirma o Prof. Alberto dos Reis (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 2, pág. 369) deve entender-se por causa de pedir o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão do autor. Mais rigorosamente: o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido.
Assim, há falta de causa de pedir quando o autor invoca um direito e não alega os factos cuja prova permita concluir pela existência de tal direito.
No caso dos autos, os autores alegam factos susceptíveis de permitirem um cabal enquadramento jurídico/factual da situação, designadamente terem liquidado integralmente dívidas (que concretizam) pelas quais também era o réu solidariamente responsável (também enquadrando factualmente tal alegação). Desde logo fazendo referência à origem das dívidas, aos factos dos quais concluem resultar solidariedade e ao pagamento.
Considera-se, assim, não haver ineptidão da petição inicial.
Não existem, portanto, nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Na contestação inicialmente apresentada, o réu apenas declara pretender compensar com o crédito invocado pelos autores a quantia de €196.595,85, correspondente aos supra mencionados suprimentos.
Posteriormente, por despacho de 27-06-2023 foi, face ao disposto no art. 266º/2, do CPC, convidado a, quanto a tal compensação, invocá-la por via de reconvenção, nos termos e com as formalidades previstas no art. 583º/1/2, do CPC.
Tal despacho reportava-se à compensação já invocada, não podendo o réu aproveitar tal ensejo, para acrescentar ao pedido reconvencional a quantia de €24.400,68, alegadamente correspondente a metade do valor que liquidou em processo executivo, instaurado contra a sociedade.
Esse acréscimo não é consentido pelo despacho de aperfeiçoamento, correspondendo a dedução de reconvenção fora dos prazos previstos por lei.
Consubstancia, assim, a prática de um acto proibido por lei e, consequentemente nulo, o que aqui se declara (art. 201, do CPC).
Não existem outras nulidades, excepções dilatórias ou questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra conhecer.
Considera-se que a prova documental junta aos autos permite que, desde já, se conheça do seu mérito, o que ao abrogo do disposto no art. 595º/1/b), do CPC, se passa a fazer.
III.
Factos provados:
1. Descrita na Conservatória do Registo Comercial do Porto, encontra- se a sociedade “A..., Lda”, pessoa colectiva nº ....
2. Nesse registo constam réu e autor, este casado no regime da comunhão geral de bens com a autora, como titulares de uma quota societária no valor de €12.500,00, cada um.
3. Mais constando de tal registo autor e réu como gerentes da sociedade.
4. A supra mencionada sociedade, por sentença transitada em julgado em 27-07-2016, foi declarada insolvente no processo que sob o n.º 1404/16.2T8STS correu termos pelo Tribunal de Comercio de Sto Tirso– J3.
5. Tendo tal processo sido julgado encerrado em 17-12-2019, após liquidação e rateio final, com a consequente dissolução da sociedade e cancelamento da matrícula no registo.
6. Pelo menos o réu tinha a gestão de facto da referida sociedade.
7. No dia 05/06/2003, os autores assinaram uma escritura de mútuo com hipoteca, junto do Banco 1..., conforme documento que sob o n.º 1 se mostra junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido.
8. Tendo os autores e o réu, no âmbito de tal contrato, subscrito aval em livrança.
9. Em 12-07-2011, o Banco 3..., SA, intentou contra os aqui autores e réu uma execução para pagamento de quantia certa, decorrente do incumprimento do contrato de mutuo supra referido, apresentando como título executivo tal livrança que preencheu pelo valor de € 228.327,41.
10. Nesses autos de execução que correram termos sob o nº 4993/11.4TBMTS- J2, Juízos de Execução do Porto, a aí exequente, em 14-12- 2012, logrou penhorar um imóvel dos autores, sito na Rua ..., ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....
11. Assim, com vista a resolverem definitivamente o processo, entenderam os autores negociar com o exequente e propor a dação em pagamento.
12. Lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à exequente, que o aceitou, para pagamento da quantia ainda em execução, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida.
13. Em 15-05-2019 autor pagou a quantia de € 2.871.29 junto da Autoridade Tributária, na sequencia de processo de reversão fiscal, fruto das dividas da sociedade “A...” que eram executadas nos processos de execução fiscal ..., ... e ....
Facto não provado:
14. O autor deduziu aí oposição, que não foi procedente.
Não existem outros factos a dar como provados ou como não provados com relevância para a decisão.
Os factos 1 a 3 decorrem da certidão do registo comercial da dita sociedade junta a estes autos.
Os factos 4 a 5 resultam dessa mesma certidão e ainda do que por tal processo de insolvência foi certificado nestes autos.
O facto 6 é admitido pelo réu na sua contestação.
O facto 7 decorre do documento aí mencionado, junto com a petição inicial cuja força probatória plena, por de documento autêntico se tratar, apenas poderia ser ilidida com base na sua falsidade que não foi alegada (arts. 371º e 372º, do CCivil). Os factos 8 a 12 decorrem do que de tais autos de execução já se mostra certificado nos autos e da consulta que nesta data se fez, por via electrónica de tal processo, sendo infra solicitadas as pertinentes certidões.
O facto provado 13 e o facto não provado 14 decorrem do que a este respeito informou nestes autos a Autoridade Tributária.
IV.
1.
Provou-se que autores e réu avalizaram em conjunto uma livrança, para garantia de responsabilidades de uma sociedade, entretanto declarada insolvente, da qual autor e réu eram sócios e gerentes.
E que, no âmbito da referida execução os autores pagaram o remanescente da quantia exequenda, de €103.610,85, através da dação de um imóvel de sua propriedade.
Sustentando, nestes autos, terem direito de regresso sobre o réu, também ele avalista, por metade dessa quantia.
Por intermédio da livrança determinada pessoa – o emitente, subscritor ou sacador - compromete-se para com outra – o tomador - a pagar-lhe determinada quantia em certa data (art. 75º da LULL), sendo esta a primeira e principal obrigação que a livrança origina (artigo 30º da LULL).
À livrança referem-se os artigos 75º e ss. da LULL, sendo certo que em grande medida, tal regime remete para os artigos desse mesmo diploma reguladores do regime das letras (art. 77º).
No que toca ao aval, acto pelo qual um terceiro ou um signatário do título de crédito garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores, dispõe o mencionado art. 77º, da LULL, que “São também aplicáveis ás livranças as disposições relativas ao aval (arts. 30º a 32º)”.
Não dispõe, no entanto, a LULL de norma que regule as relações entre os avalistas, designadamente no que toca ao direito do avalista pagador a exigir dos demais avalistas, em sede de regresso, a correspondente quota parte.
E é neste contexto que, face às distintas correntes jurisprudenciais que se desenvolveram, que surge o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2012, de 5 de Junho, segundo o qual «Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.».
Aí se explicando que “Remetidos para o direito comum no que concerne às relações internas entre os diversos avalistas, por falta de regulamentação do direito de regresso na L. U., não se descortinam motivos que, por uma ou outra das vias, afastem a aplicabilidade do regime estabelecido para as obrigações solidárias, o que, em regra, se traduzirá na admissibilidade do direito de regresso e na distribuição da responsabilidade de acordo com a presunção que decorre do artigo 516.º do Código Civil, sem prejuízo do funcionamento da liberdade contratual que pode levar a que, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código Civil, se estabeleçam acordos quer sobre a existência e condicionalismo do direito de regresso, quer sobre a repartição da responsabilidade (…)”
“Sustentada também em razões de justiça, esta mesma solução assoma no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24 de Março de 2004, proferido no âmbito do processo n.º 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt), em cuja fundamentação se refere que, «sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido. Razões de justiça relativa sempre militariam na distribuição do encargo entre todos os co-avalistas».”
“Em suma, na ausência de regulamentação da matéria na L. U. e sem embargo de convenção mediante a qual os avalistas regulem o exercício do direito de regresso, este segue o regime prescrito para as obrigações solidárias (…)”
Além disso, operando o direito de regresso a posteriori, ou seja, apenas depois de algum dos avalistas ter cumprido a obrigação de forma espontânea ou coerciva, não se observa qualquer inconveniente resultante da posterior distribuição do sacrifício pelos demais avalistas. Pelo contrário, a comparticipação efectiva de todos eles no esforço financeiro que tenha sido exigido apenas de algum ou alguns, além de corresponder à percepção generalizada dos efeitos que derivam da prestação de aval, integra de forma mais coerente e justa a repartição das responsabilidades e secundariza efeitos que podem ser mera decorrência de factores subjectivos ou imponderáveis (v. g. iniciativa do credor cambiário dirigida apenas a algum ou alguns dos avalistas, interesse de algum dos avalistas de assumir o pagamento, citação dos avalistas ou penhora de bens em momentos diferenciados, natureza dos bens de uns ou de outros dos avalistas, maior ou menor facilidade na penhora ou na liquidação de alguns bens, etc.).”
“Neste contexto, não se descortinam motivos de ordem racional para que, nos casos em que o pagamento da dívida tenha sido feito apenas à custa de algum ou de alguns dos avalistas, o exercício do direito de regresso contra os demais avalistas fique dependente da alegação e prova da existência de uma convenção que o legitime e que defina o seu conteúdo.”
“Um regime jurídico que em abstracto assim fosse configurado caucionaria resultados que, longe dos padrões de objectividade, poderiam ser pura decorrência de factores aleatórios ou de índole subjectiva, sem qualquer conexão com os motivos que levaram à prestação de aval por uma pluralidade de indivíduos. Alijando, por essa via, um princípio de justiça distributiva, seriam susceptíveis de tutela eventuais estratégias de outros avalistas orientados apenas pelo objectivo de se furtarem ao compromisso assumido. Argumentos que ganham especial relevância em situações, como a dos autos, em que o aval foi prestado por cada um dos sócios (e respectivos cônjuges) de uma sociedade que interveio como subscritora da livrança.(…)”
“Por outro lado, não se encontrando arreigada nos circuitos empresariais, em que é mais frequente a prestação de avales, a percepção da necessidade de uma convenção destinada a assegurar e a definir a posterior repartição da responsabilidade pelos diversos avalistas, tal exigência acabaria por penalizar o avalista ou avalistas que cumprissem ou fossem compelidos a cumprir a obrigação, mediante a liquidação de bens de mais fácil apreensão (v. g. depósitos bancários, salários), com definitivo e injustificado benefício para os demais.”
“Ora, não nos parece aceitável que, na ausência de uma clara vontade do legislador nesse sentido, por via meramente interpretativa (jurisprudencial ou doutrinal), mediante a mera formulação de juízos de natureza formal, se criem condições para que se concretize um desequilíbrio patrimonial entre sujeitos que ab initio se colocaram no mesmo plano de responsabilidade perante os credores cambiários (…).”
“A não ser que os interessados tenham prevenido um tal resultado, não deve ser negada ao avalista que tenha suportado o pagamento da quantia avalizada (ou que tenha suportado uma parte mais elevada do que aquela que lhe competia) o direito de regresso relativamente aos demais avalistas, considerando mais ajustada uma solução em que se assuma, como regra, a distribuição interna da responsabilidade patrimonial nos termos que vigoram para as obrigações solidárias (artigos 524.º e 516.º do Código Civil), à semelhança do que especificamente está previsto no artigo 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores.”
No caso dos autos, não se invoca a existência, entre autores e réu, de qualquer convenção extracambiária destinada a disciplinar o exercício interno de um eventual regresso.
Assim, face ao disposto no artigo 516º do CCivil, presume-se que cada um dos três avalistas comparticipa, na proporção de 1/3, no valor pago ao abrigo dos avales em causa nestes autos.
Têm, assim, os autores, ao abrigo do disposto nos arts. 523º, 524º e 1732º, do CCivil, direito a receber do réu 1/3, da quantia liquidada, no valor de €34.536,95.
Também se provou que, em 15-05-2019 autor pagou a quantia de € 2.871.29 junto da Autoridade Tributária, na sequencia de processo de reversão fiscal, fruto das dividas da sociedade “A...” que eram executadas nos processos de execução fiscal ..., ... e ....
Valor pelo qual pretende o casal autor ser ressarcido pelo réu, alegando que apenas este exercia as funções de gerente de facto da sociedade executada.
Nos termos do art. 24º, da LGT, na redacção que aqui será aplicável atenta a data das execuções decorrente dos seus números identificativos, “1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta da pagamento (…)”.
O n.º 1 de tal norma pressupõe que o regime da reversão apenas se aplica ao gerente que efectivamente exerça tais funções e não ao mero gerente de direito (é o que resulta da expressão “que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão” (cfr., neste sentido o Ac. do TCAN de 11-03-2010, disponível em www.dgsi.pt).
O mero gerente de direito não pode ser objecto desta reversão.
No entanto, crê-se que tal questão tinha que ser discutida na própria execução fiscal e que, não o tendo feito, ficou o autor impedido de discutir tal matéria nos presentes autos, por aplicação do principio da preclusão.
Tendo que se conformar com a caracterização de gerente de direito e de facto que aí lhe foi imputada.
Como se refere no Ac, da RP de 28-11-2022 (disponível em www.dgsi.pt) a “oposição à execução tem a natureza de uma contra-acção, estruturalmente autónoma (com autonomia de instância), mas acessória da acção executiva, pois tem a estrita função de obstar à produção dos efeitos do título em que esta se baseia.”
“Quando veicula uma oposição de mérito (que é a que para o caso nos interessa) à execução, esta contra-acção «visa o acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda) de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal» (…) opera aqui o princípio da preclusão, o que é dizer que, se o executado, na oposição à execução, não deduzir as excepções que tenha contra a pretensão executiva, deixa de poder fazê-lo mais tarde. (…)”
“O que se discute é a amplitude do efeito preclusivo: se, deixando o executado de deduzir oposição à execução, fica, ou não, também, impedido de invocar noutros processos os fundamentos (excepções) que ali podia ter invocado.”
“Pela afirmativa se tem pronunciado o Professor Miguel Teixeira de Sousa (https://www.academia.edu/24956415/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_ e_caso_julgado_05.2016_?auto=download), argumentando que «…se não houvesse um efeito preclusivo decorrente da não dedução de embargos de executado, ter-se-ia de admitir que, durante a pendência da execução, o executado poderia escolher entre embargar ou defender-se numa acção própria. Ora, o que impede esta escolha? Precisamente, o efeito preclusivo decorrente da não oposição em embargos. Efectivamente, estes embargos não são um meio facultativo de oposição à execução, mas o único meio para essa oposição.»
Assim, ter-se-ão os autores que contentar com a solidariedade prevista no mencionado art. 24º, da LGT, tendo direito a receber do réu (que admitiu ser co- gerente de facto e de direito) €1.435,65, metade do valor que o autor liquidou à AT (arts. 523º, 524º e 1732º, do CCivil).
Salientando-se que havendo apenas dois gerentes, neste caso a responsabilidade se divide por dois e não por três (o que supra se determinou por haver três avalistas).
Sobres estas quantias vencer-se-ão juros, à taxa legal de juro civil, atenta a idêntica natureza da obrigação, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento (art. 804º, 805º/1 e 806º, do CCivil).
A questão da compensação suscitada pelo réu fica afastada por não se ter considerado o tribunal materialmente competente para conhecer da existência do direito em que se sustentava a existência do contra-crédito.
E o mesmo se diga quanto à excepção de não cumprimento.
Sempre a este respeito se acrescentando que prevê o artigo 428º, do Código Civil, esta excepção de não cumprimento do contrato, estipulando que “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo” (n.º 1).
Como refere Calvão da Silva (in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 334) “o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; apenas recusa a sua prestação, enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra”
Estão em causa obrigações correspectivas, entre as quais existe um nexo causal de interdependência recíproca, ou sinalagma.
Este sinalagma pode ser de dois tipos: genético (em que a correspectividade se refere ao momento constitutivo das obrigações, surgindo uma quando surge a outra e não podendo surgir uma delas sem a restante), ou funcional (em que a correspectividade se refere às obrigações já constituídas, significando que elas se vão desenvolver solidariamente).
Neste último caso, a solidariedade das obrigações ligadas por um sinalagma funcional traduz-se ma circunstância de nenhum dos contraente ter que cumprir enquanto o outro o não fizer.
Sinalagma que não se detecta quanto aos créditos reconhecidos aos autores e alegado pelo réu.
Actualmente, o art. 542º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aponta três modalidades de litigância de má fé a assacar á parte que, com dolo ou negligência grave deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignore, altere a verdade dos factos ou omita factos essenciais, faça utilização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com o fim de se conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.
No entanto, como têm vindo a entender maioritariamente doutrina e jurisprudência, não ocorre litigância de má fé quando a parte esgrime (dentro dos limites do razoável) com argumentos jurídicos que acabam por não obter acolhimento por parte do tribunal.
No caso concreto não se prova que as partes tivessem invocado factos que não se verificaram, ou que negassem factos, do seu conhecimento pessoal, que se provassem.
Não se tendo provado qualquer outro uso reprovável do processo.
No mais, ocorreu apenas que não concordou o tribunal com os enquadramentos jurídicos defendidos nos autos e, como já se referiu, tal não basta para sustentar a peticionada condenação como litigante de má fé.
Não havendo, assim, elementos nos autos que permitam a condenação de alguma das partes como litigante de má fé.
V.
Assim, ao abrigo do exposto e das disposições legais citadas:
1) Julga-se o tribunal materialmente incompetente para reconhecer da reconvenção formulada pelo valor de €196.595,85, absolvendo-se os autores da respectiva instância.
2) Condena-se o réu no pagamento aos autores das quantias de €34.536,95 (trinta e quatro mil, quinhentos e trinta e seis euros e noventa e cinco cêntimos) e de €1.435,65 (mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), ambas acrescidas de juros, à taxa legal de juro civil, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
3) Absolve-se o réu do mais peticionado.
As custas serão suportadas por autores e réu, na proporção do respectivo decaimento (art. 527, do CPC) e fixando-se o valor da acção em €251.595,85 Devolvendo o respectivo suporte físico, solicite ao processo de execução n.º4993/11.4TBMTS o envio de certidão judicial:
1) quanto ao processo principal do auto de penhora de 14-12-2012, do requerimento de 16-10-2017, do requerimento de 30-10-2020, da nota discriminativa de 22-09-2021 e da comunicação ao tribunal de 06-10-2021 e documentos que a acompanham,
2) quanto ao apenso D do requerimento inicial e decisão final aí proferida.
Registe a presente decisão e, uma vez juntas aos autos a peticionada certidão,
notifique-a em conjunto com a mesma….»
*
Inconformados com tal decisão, vieram os autores interpor o presente recurso, com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES:
I- A responsabilidade a repartir entre Recorrentes Recorridos no que diz respeito ao aval, deve ser repartida entre sócios,
II- A sociedade A... tinha dois sócios e foram estes quem prestou AVAL.
III- A conjugue mulher e Recorrente, apenas consentiu que aval fosse prestado pelo marido, e sócio.
IV- O Recorrido deve ressarcir os Recorrente pelo valor de € 51.805,40.
ASSIM, DEVE A DOUTA SENTENÇA, SER PARCIALMENTE REVOGADA, e em substituição ser proferida outra que CONDENE O RECORRIDO NO PAGAMENTO DE METADE DO VALOR QUE RECORRENTES SUPORTARAM AQUANDO DO PAGAMENTO DA QUANTIA PETICIONADO NO PROCESSO EXECUTIVO. SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE CONDENE RECORRIDO A PAGAR AOS RECORRENTES METADE DO VALOR pago por aqueles e que ascende a € 51.805,40. COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA..».
*
O réu veio juntar contra-alegações e deduziu recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES:
I. Inconformados, os Autores interpuseram Recurso da douta Sentença do Tribunal a quo, que condenou o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 34.536,95.
II. No entanto, ressalvando o devido respeito, entendemos que nenhuma razão assiste aos Autores.
III. O Tribunal a quo decidiu:
“Assim, ao abrigo do exposto e das disposições legais citadas:
1) Julga-se o tribunal materialmente incompetente para reconhecer da reconvenção formulada pelo valor de €196.595,85, absolvendo-se os autores da respectiva instância.
2) Condena-se o réu no pagamento aos autores das quantias de €34.536,95 (trinta e quatro mil, quinhentos e trinta e seis euros e noventa e cinco cêntimos) e de €1.435,65 (mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), ambas acrescidas de juros, à taxa legal de juro civil, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
3) Absolve-se o réu do mais peticionado.”
IV. Com relevância para a decisão da causa, resultam provados da douta Sentença os seguintes factos: “Factos provados: “(…) 12.Lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à exequente, que o aceitou, para pagamento da quantia ainda em execução, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida.”(sublinhado nosso)
V. Resulta da fundamentação da Sentença do Tribunal a quo: “… E que, no âmbito da referida execução os autores pagaram o remanescente da quantia exequenda, de €103.610,85, através da dação de um imóvel de sua propriedade.”
VI. No entanto, não existe qualquer prova testemunhal, nem documental, que suporte tal conclusão, ou seja, que o remanescente da quantia exequenda era de € 103.610,85, pois o referido valor resulta apenas da declaração unilateral da B... na escritura de cessão de crédito e dação, da qual menciona que vende o crédito comprado ao Banco 2... à cessionária C..., S.A pelo preço de € 103.610,85, mas não refere qual o valor do crédito do Banco 2....
VII. Ou seja, não consta em lado algum o valor do crédito cedido pelo Banco 2... à B....
VIII. Nem mesmo dos documentos juntos aos autos provenientes da mencionada execução 4993/11.4TBMTS, resulta qualquer informação que leve o tribunal a concluir que o valor em divida nessa execução eram os referidos € 103.610,85.
IX. Pelo que, não fez o tribunal a quo uma correta interpretação da prova documental apresentada ao dar como provado o ponto 12 com aquela redação, devendo a mesma ser alterada da seguinte forma: Lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à cessionária C..., S.A, que o aceitou, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida.
X. ACRESCE QUE, nunca o Réu teve conhecimento, nem interveio em qualquer contrato de cessão de crédito do “Banco 3..., S.A.” para a “B..., S.A.”, nem da “B..., S.A.” para a “C..., S.A.”, nem na dação em pagamento. Desconhecendo em que termos foram feitos tais negócios e quais os valores acordados.
XI. Pois, foi única e exclusivamente uma decisão voluntária e independente dos Autores, sendo o Réu desconhecedor das mencionadas escrituras (cfr. Escritura junta como doc. 2 com a petição inicial).
XII. Pelo que, não sendo o contrato de Cessão de Créditos e Dação, negociado, acordado ou subscrito pelo Réu, este não pode ser responsabilizado por valores reclamados pelos Autores, no âmbito desse negócio, como aliás foi alegado pelo próprio Réu, na sua contestação (artigos 31 a 44).
XIII. Também resulta das certidões que o Tribunal a quo solicitou junto do processo de insolvência nº 1404/16.2T8STS, que correu termos no Tribunal de Comércio de Santo Tirso, J3, nomeadamente, do documento nº 1 junto com a contestação do Réu - Relação de Créditos Reconhecidos – Retificação, emitida pelo senhor Administrador Judicial, datado de 09/02/2017, um crédito do “Banco 2..., S.A.”, privilegiado, com garantia de hipoteca, no montante de € 229.031,78.
XIV. Bem como resulta, da certidão do Mapa de Rateio Final, datado de 26/09/2019, junto aos presentes autos em 24/11/2022 (cfr. Refª CITIUS 33971000), a pedido da Meritíssima Juiz junto do processo de insolvência, o mencionado crédito reclamado e reconhecido e a recuperação do montante de € 208.642,88.
XV. Pois, o mapa de rateio data de 26/09/2019 e o pagamento dos € 208.642,88 terá sido pouco tempo depois daquela data e a escritura de cessão de crédito e dação objeto dos presentes autos foi outorgada em 30/09/2021, ou seja, já depois do banco ter recebido os € 208.642,88.
XVI. Ora, se o Banco reclamou € 228.327,81 no requerimento executivo e recebeu € 208.642,88 na insolvência, significa que apenas ficou em divida a diferença, no valor de € 19.684,93.
XVII. NO ENTANTO, da mencionada escritura de cessão de crédito e dação, resulta o seguinte paragrafo: “Que, por contrato de cessão de créditos, celebrado em sete de junho de dois mil e dezanove, o Banco 2..., cedeu à sociedade B..., S.A., a totalidade dos créditos que detinha sobre os segundos outorgantes (…)”, que são os Autores nos presentes autos.
XVIII. E nesta mesma escritura aquela sociedade “B..., S.A.” cede também a totalidade dos referidos créditos à empresa “C..., S.A.” pelo preço global de € 103.610,85.
XIX. No entanto, não resulta desta escritura qualquer informação, ou documento comprovativo do valor do crédito cedido pelo Banco 2... à sociedade “B..., S.A.” e se foi entregue a quantia recuperada pelo Banco 2..., no âmbito do processo de insolvência, em data posterior à celebração da mencionada cessão.
XX. Ora, - Em 12/07/2011 o Banco 3..., S.A. intentou contra os Autores e Réu uma execução para pagamento da quantia exequenda de € 228.327,81; - Em 07/06/2019 - Banco 2... cede o seu crédito à “B..., S.A.”; - Em 26/09/2019 – O Banco 2... recupera € 208.642,88, no âmbito do processo de insolvência, conforme mapa de rateio; - Em 30/12/2019 - Habilitação da “B..., S.A.” no processo de insolvência, com posterior desistência; - Em 30/09/2021 - escritura de cessão de crédito e dação objeto dos presentes autos, na qual a “B..., S.A.” cede o seu crédito no valor de € 103.610,85 a “C..., S.A.”.
XXI. Nenhum destes factos alegados pelo Réu na sua contestação, nem nenhuma destas informações retiradas dos documentos oficiais junto aos autos foram relevadas pela Meritíssima Juiz a quo.
XXII. Sendo que, a serem valorados, como deveriam a decisão do Tribunal a quo, teria necessariamente de ser diferente, não imputando ao Réu o pagamento dos € 34.536,95, mas tão só o pagamento de € 1.435,65.
XXIII. Não podem agora os Autores que, a seu belo prazer resolveram pagar uma divida de € 103.610,85, que nem sequer tiveram o cuidado de averiguar se a divida existia, se o valor estava correto, se foram, devida e corretamente, realizadas as cessões de crédito e cumpridos os devidos formalismos legais das invocadas cessões de crédito, ou seja:
- Qual o documento que comprova a cessão de crédito do Banco exequente para a sociedade “B..., S.A.” e qual o valor cedido?
- Se o Réu foi notificado da mencionada cessão de crédito?
- Se o Réu aceitou a cessão?
XXIV. No que concerne à figura da cessão de créditos, veja-se o entendimento nos Acórdãos do Tribunal de Coimbra, no âmbito do processo n.º 3956/16.8T8CBR.C1, de 2016/11/22 (disponível em www.dgsi.pt); do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 12414/14.4T8PRT-A.P2.S1, de 2021/01/28 (disponível em www.dgsi.pt) e do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 5143/15.3T8OERA. L1-7, de 2020/05/19 (disponível em www.dgsi.pt):
XXV. Pelo que, não podem vir agora os Autores exigir ao Réu, que não foi conhecedor, nem interveio, nem aceitou qualquer cessão, o pagamento de 50% do valor que foi, voluntaria e levianamente, adiantado pelos Autores.
XXVI. A Mma. Juiz a quo entendeu que não existindo entre os Autores e o Réu convenção para disciplinar o exercício de um eventual direito de regresso, presume-se que os três avalistas comparticipam em partes iguais, fundamentando a sua decisão no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2012, de 5 de junho.
XXVII. In casu, embora resulte como facto provado que o Réu prescreveu o aval (cfr. Facto provado 8), a dação em pagamento de um bem imóvel dos Autores foi uma decisão voluntária destes, sem qualquer conhecimento ou acordo do outro sócio (o Réu). Assim, não se poderá considerar que o caso dos autos seja subsumível ao exercício do direito de regresso entre co-obrigados, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 4254/14.7TBCSC.L1-7, de 2019/11/19 (disponível em www.dgsi.pt).
XXVIII. E, ainda que assim não se entenda, da análise da documentação junta aos autos e que não foi impugnada, no máximo resultaria a favor da sociedade credora, um crédito de apenas € 19.684,93, crédito esse que a existir deveria ser repartido pelos três avalistas, na proporção de 1/3 para cada um.
XXIX. Pelo que, a nosso ver, a considerar como certo a existência de um crédito, bem andou o Tribunal a quo, ao decidir no que concerne ao critério da divisão de responsabilidades, que o valor terá de ser repartido na proporção de 1/3.
XXX. POR ÚLTIMO, em sede de reconvenção, o Réu peticionava aos Autores a quantia de € 196.595,85, correspondente a metade do valor de suprimentos que injetou na sociedade “A...”, da qual Autor marido e Réu eram sócios.
XXXI. O Tribunal a quo considerou ser materialmente incompetente para conhecer desse pedido reconvencional. O que o Réu discorda.
XXXII. Foi alegado pelo Réu e documentalmente comprovado pelo mesmo que, este foi mutuando, ao longo dos anos diversas quantias à sociedade comercial “A... Lda” e que, Autor marido e Réu eram os únicos sócios da mencionada sociedade, detendo a totalidade do capital social, na proporção de 50% para cada um.
XXXIII. E, à data da insolvência da sociedade, o Réu era credor reconhecido da sociedade da quantia de € 393.191,69, referente aos suprimentos que injetou ao longo dos anos, conforme resulta do documento nº 1 junto com a contestação do Réu e não impugnado.
XXXIV. Devendo por isso, e sem margem de dúvidas, ser também considerado provado o facto de que o Réu é credor reconhecido na sociedade “A...” da quantia de € 393.191,69, devendo ser aditado tal facto para o elenco dos factos provados.
XXXV. Sendo o Autor marido e Réu os únicos sócios, detentores do capital social, na proporção de 50% cada, o Réu será credor do outro sócio e aqui Autor marido, da quantia de € 196.595,85.
XXXVI. No caso sub judice, o que o Réu pretende não é um pedido de reembolso dos valores mutuados, a título de suprimentos, à sociedade. Mas, um pedido de reembolso de um ex-sócio, em relação a outro ex-sócio, de metade do valor que o primeiro injetou na sociedade a título de suprimentos.
XXXVII. Assim sendo, e considerando que, os direitos sociais são aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa qualidade jurídica, no caso discutido nos presentes autos, não está em causa o exercício de um direito social.
XXXVIII. Pelo que, o pedido reconvencional não se insere na competência do juízo de comércio, não se verificando incompetência material do Tribunal a quo, cfr Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 612/08.4TVPRT.P1, de 2010/03/09 (disponível em www.dgsi.pt),
XXXIX. Face ao supra exposto, a pretensão do Réu nunca foi a restituição pela sociedade, de suprimentos que este efetuou, na qualidade de sócio, portanto não está em causa uma ação relativa ao exercício de um direito social.
XL. Ora, constando dos autos documento judicial comprovativo de que o ora Recorrente injetou na mencionada sociedade suprimentos no valor de € 393.191,69 e tendo o Réu reclamado do Autor marido o valor de € 196.595,85, deverá a decisão da Mma. Juiz a quo considerar o tribunal competente para apreciar a reconvenção e em consequência considerar que o Réu é credor reconhecido na sociedade “A...” da quantia de € 393.191,69, condenando o Autor marido a pagar ao Réu a quantia de € 196.595,85.
XLI. Deve assim, a douta Sentença ser alterada, devendo:
- Ser aditado o facto que reconhece o credito do Réu na sociedade “A...”, no montante de €393.191,69;
- Alterar a redação do facto 12, passando a redação a ser: Lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à cessionária C..., S.A, que o aceitou, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida
- Considerar o Tribunal a quo competente para apreciar e julgar o pedido reconvencional - os Autores condenados a pagar ao Réu a quantia reclamada de € 196.595,85;
- E o Reu condenado a pagar aos Autores a quantia de € 1.435,65.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, requer-se que o presente recurso seja julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser parcialmente revogada, sendo substituída por outra, que admita o pedido reconvencional e condene o Autor marido a pagar ao Réu a quantia de € 196.595,85 e condene o Réu no pagamento aos Autores da quantia de € 1.435,65, assim se fazendo SÃ E COSTUMEIRA JUSTIÇA!..».
*
Os recursos foram admitidos nos seguintes termos: « … Admitem-se os recursos principal e subordinado, tempestivamente interpostos, de decisão que os permite, por quem tem legitimidade para o efeito (artigos 629º, n.º 1, 630º, ‘a contrario’, 631º, n.º 1, 633º e 638º, n.ºs 1, 3 e 7, do CPC).
Os recursos são de apelação, sobem imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644º, n.º 1, al. a), 645º/1/a) e 647º/1, do CPC). Notifique.…»..
*
Nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre decidir.
***
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, resulta que são os seguintes os pontos a analisar:
Recurso dos autores (recurso principal):
Alteração da decisão de mérito (saber se o réu deve ser condenado a pagar 51.805,40 Euros decorrente dos autos executivos).
Recurso subordinado do réu
Alteração da matéria de facto: -(mudar redacção do ponto 12)
Alteração da decisão que indeferiu a reconvenção (- e aditar o facto que reconhece o credito do Réu na sociedade “A...”, no montante de €393.191,69)
Alteração da decisão de mérito.
Consigna-se que no caso, por uma questão de sequência lógica, ter-se-á de iniciar pela decisão do recurso subordinado, dado versar sobre questões prévias á decisão de mérito (admissão da reconvenção e alteração da matéria de facto).
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito de apreciação do objecto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório.
A sentença recorrida foi proferida quanto á matéria de facto nos termos acima referidos, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado:
Factos provados:
1. Descrita na Conservatória do Registo Comercial do Porto, encontra- se a sociedade “A..., Lda”, pessoa colectiva nº ....
2. Nesse registo constam réu e autor, este casado no regime da comunhão geral de bens com a autora, como titulares de uma quota societária no valor de €12.500,00, cada um.
3. Mais constando de tal registo autor e réu como gerentes da sociedade.
4. A supra mencionada sociedade, por sentença transitada em julgado em 27-07-2016, foi declarada insolvente no processo que sob o n.º 1404/16.2 T8STS correu termos pelo Tribunal de Comercio de Sto Tirso– J3.
5. Tendo tal processo sido julgado encerrado em 17-12-2019, após liquidação e rateio final, com a consequente dissolução da sociedade e cancelamento da matrícula no registo.
6. Pelo menos o réu tinha a gestão de facto da referida sociedade.
7. No dia 05/06/2003, os autores assinaram uma escritura de mútuo com hipoteca, junto do Banco 1..., conforme documento que sob o n.º 1 se mostra junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido.
8. Tendo os autores e o réu, no âmbito de tal contrato, subscrito aval em livrança.
9. Em 12-07-2011, o Banco 3..., SA, intentou contra os aqui autores e réu uma execução para pagamento de quantia certa, decorrente do incumprimento do contrato de mutuo supra referido, apresentando como título executivo tal livrança que preencheu pelo valor de € 228.327,41.
10. Nesses autos de execução que correram termos sob o nº 4993/11.4TBMTS- J2, Juízos de Execução do Porto, a aí exequente, em 14-12- 2012, logrou penhorar um imóvel dos autores, sito na Rua ..., ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....
11. Assim, com vista a resolverem definitivamente o processo, entenderam os autores negociar com o exequente e propor a dação em pagamento.
12. Lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à exequente, que o aceitou, para pagamento da quantia ainda em execução, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida.
13. Em 15-05-2019 autor pagou a quantia de € 2.871.29 junto da Autoridade Tributária, na sequencia de processo de reversão fiscal, fruto das dividas da sociedade “A...” que eram executadas nos processos de execução fiscal ..., ... e ....
Facto não provado:
14. O autor deduziu aí oposição, que não foi procedente.
Não existem outros factos a dar como provados ou como não provados com relevância para a decisão.
Os factos 1 a 3 decorrem da certidão do registo comercial da dita sociedade junta a estes autos.
Os factos 4 a 5 resultam dessa mesma certidão e ainda do que por tal processo de insolvência foi certificado nestes autos.
O facto 6 é admitido pelo réu na sua contestação.
O facto 7 decorre do documento aí mencionado, junto com a petição inicial cuja força probatória plena, por de documento autêntico se tratar, apenas poderia ser ilidida com base na sua falsidade que não foi alegada (arts. 371º e 372º, do CCivil). Os factos 8 a 12 decorrem do que de tais autos de execução já se mostra certificado nos autos e da consulta que nesta data se fez, por via electrónica de tal processo, sendo infra solicitadas as pertinentes certidões.
O facto provado 13 e o facto não provado 14 decorrem do que a este respeito informou nestes autos a Autoridade Tributária.
***
IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
Recurso subordinado do réu
O réu em sede de recurso peticiona o seguinte:
«Deste modo, e salvo melhor entendimento devem as Alegações agora apresentadas pelo Réu serem julgadas procedentes e a douta Sentença ser alterada, devendo:
- Ser aditado o facto que reconhece o crédito do Réu na sociedade “A...”, no montante de €393.191,69;
- Alterar a redação do facto 12, passando a redação a ser: Lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à cessionária C..., S.A, que o aceitou, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida;
- Considerar o Tribunal a quo competente para apreciar e julgar o pedido reconvencional
- Os Autores condenados a pagar ao Réu a quantia reclamada de € 196.595,85;
- E o Reu condenado a pagar aos Autores a quantia de € 1.435,65.».
Para o efeito, alega o réu que não existe qualquer prova testemunhal, nem documental, que suporte a conclusão, ou seja, que o remanescente da quantia exequenda era de € 103.610,85, pois o referido valor resulta apenas da declaração unilateral da B... na escritura de cessão de crédito e dação, da qual menciona que vende o crédito comprado ao Banco 2... à cessionária C..., S.A pelo preço de € 103.610,85, mas não refere qual o valor do crédito do Banco 2.... Ou seja, não consta em lado algum o valor do crédito cedido pelo Banco 2... à B..., (até pode ter comprado um crédito de 20.000 e vendê- lo mais tarde por 103.000, agora não pode é exigir ao devedor principal ou avalistas, valor superior ao que efetivamente esta em divida, como mais à frente se vai demonstrar que foi o que aconteceu).
Refere que nem mesmo dos documentos juntos aos autos provenientes da mencionada execução 4993/11.4TBMTS, resulta qualquer informação que leve o tribunal a concluir que o valor em divida nessa execução eram os referidos € 103.610,85. Nem poderiam ser, pois como à frente se dirá, o Banco peticionou no requerimento executivo, instaurado em 12/07/2011, € 228.327,81 e recebeu no processo de insolvência, instaurado no ano de 2016, € 208.642,88.
Conclui que o tribunal a quo não fez uma correta interpretação da prova documental apresentada, ao dar como provado o ponto 12 com aquela redação, devendo a mesma ser alterada da seguinte forma:
«Lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à cessionária C..., S.A, que o aceitou, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida.».
Por outro lado, refere que o réu nunca teve conhecimento, nem interveio em qualquer contrato de cessão de crédito do “Banco 3..., S.A.” para a “B..., S.A.”, nem da “B..., S.A.” para a “C..., S.A.”, nem na dação em pagamento. Desconhecendo em que termos foram feitos tais negócios e quais os valores acordados.
Pois, foi única e exclusivamente uma decisão voluntária e independente dos Autores, sendo o Réu desconhecedor das mencionadas escrituras (cfr. escritura junta como doc. 2 com a petição inicial).
Refere que não sendo o contrato de Cessão de Créditos e Dação, negociado, acordado ou subscrito pelo Réu, este não pode ser responsabilizado por valores reclamados pelos Autores, no âmbito desse negócio. Referem que não resultando dos documentos juntos pelos Autores, a referida qualidade de avalistas a que se arrogam, não se compreende o teor do documento, junto com a PI e designado por “Doc. 2” intitulado: “Cessão de Créditos e Dação” (nesse documento não existe menção á qualidade de avalista, nem se sabe que créditos detinha o Banco 2... ou se se reportavam á sociedade A... Ld.ª ). Questiona se a predita sociedade foi notificada de tal cessão pelos autores ou pela instituição bancária ou foi envolvida nas negociações.
E questiona se os valores negociados com a dita instituição bancária, alguma vez foram comunicados ao aqui Réu? E em caso negativo, porquê?
Conclui que os Autores aludem a uma posição que não detêm (avalistas) sugerem a existência de uma dívida que suportaram perante uma Instituição bancária, sem sequer se dignarem a identificar em que moldes assumiram tais responsabilidades e sobretudo, o porquê de o aqui Réu (desconhecedor de tais negociações) vir agora ser demandado como responsável por uma obrigação e por um valor que desconhece.”
Alega ainda o réu que resulta das certidões que o Tribunal a quo solicitou junto do processo de insolvência nº 1404/16.2T8STS, que correu termos no Tribunal de Comércio de Santo Tirso, J3, nomeadamente, do documento nº 1 junto com a contestação do Réu- Relação de Créditos Reconhecidos – Retificação, emitida pelo senhor Administrador Judicial, datado de 09/02/2017, um crédito do “Banco 2..., S.A.”, privilegiado, com garantia de hipoteca, no montante de € 229.031,78.
Bem como resulta, da certidão do Mapa de Rateio Final, datado de 26/09/2019, junto aos presentes autos em 24/11/2022 (cfr. Refª CITIUS 33971000), a pedido da Meritíssima Juiz junto do processo de insolvência, o mencionado crédito reclamado e reconhecido e a recuperação do montante de € 208.642,88. Pois, o mapa de rateio data de 26/09/2019 e o pagamento dos € 208.642,88 terá sido pouco tempo depois daquela data e a escritura de cessão de crédito e dação objeto dos presentes autos foi outorgada em 30/09/2021, ou seja, já depois do banco ter recebido os € 208.642,88.
Conclui, o réu que se o Banco reclamou € 228.327,81 no requerimento executivo e recebeu € 208.642,88 na insolvência, significa que apenas ficou em divida a diferença, no valor de € 19.684,93.
Mas na escritura de cessão de crédito e dação, resulta o seguinte paragrafo: “Que, por contrato de cessão de créditos, celebrado em sete de junho de dois mil e dezanove, o Banco 2..., cedeu à sociedade B..., S.A., a totalidade dos créditos que detinha sobre os segundos outorgantes (…)”, que são os Autores nos presentes autos.
E nesta mesma escritura aquela sociedade “B..., S.A.” cede também a totalidade dos referidos créditos à empresa “C..., S.A.” pelo preço global de € 103.610,85.
No entanto, não resulta desta escritura qualquer informação, ou documento comprovativo do valor do crédito cedido pelo Banco 2... à sociedade “B..., S.A.” e se foi entregue a quantia recuperada pelo Banco 2..., no âmbito do processo de insolvência, em data posterior à celebração da mencionada cessão, uma vez que a cessionária foi habilitar-se ao processo de insolvência depois do encerramento do processo (30/12/2019), tendo desistido dessa habilitação, conforme resulta também da certidão das informações prestadas pelo tribunal do comercio nos presentes autos (cfr. ficheiro nº 7 das informações de 24/11/2022, com Refª CITIUS 33971000).
Conclui que em 12/07/2011 o Banco 3..., S.A. intentou contra os Autores e Réu uma execução para pagamento da quantia exequenda de € 228.327,81; Em 07/06/2019 - Banco 2... cede o seu crédito à “B..., S.A.”; Em 26/09/2019 – O Banco 2... recupera € 208.642,88, no âmbito do processo de insolvência, conforme mapa de rateio; - Em 30/12/2019- Habilitação da “B..., S.A.” no processo de insolvência, com posterior desistência, dado que o processo já havia encerrado; - Em 30/09/2021- escritura de cessão de crédito e dação objeto dos presentes autos, na qual a “B..., S.A.” cede o seu crédito no valor de € 103.610,85 a “C..., S.A.”.
E alega que nenhum destes factos, alegados pelo Réu na sua contestação, nem nenhuma destas importantes e muito relevantes informações retiradas dos documentos oficiais junto aos autos foram relevadas pela Meritíssima Juiz a quo.
Sendo que, a serem valorados, como deveriam a decisão do Tribunal a quo, teria necessariamente de ser diferente, não imputando ao Réu o pagamento dos € 34.536,95, mas tão só o pagamento de € 1.435,65 (50% do valor de € 2.871,29 pago pelos Autores à AT).
Mais refere que, não podem agora os Autores, -que a seu belo prazer resolveram pagar uma divida de € 103.610,85, que nem sequer tiveram o cuidado de averiguar se a divida existia, se o valor estava correto, se foram, devida e corretamente, realizadas as cessões de crédito e cumpridos os devidos formalismos legais das invocadas cessões de crédito-, vir exigir ao Réu, que não foi conhecedor, nem interveio, nem aceitou qualquer cessão, o pagamento de 50% do valor que foi, voluntaria e levianamente, adiantado pelos Autores.
Embora se tenha dado como provado que a Ré “prestou aval neste contrato” está em causa uma relação jurídica perfeitamente distinta e autónoma, diferente da que se terá constituído, ou não, no domínio estritamente cartular, e nessa medida considera que não existe qualquer direito de regresso entre co-obrigados.
E que, ainda que assim não se entenda, da análise da documentação junta aos autos e que não foi impugnada, no máximo resultaria a favor da sociedade credora, um crédito de apenas € 19.684,93, crédito esse que a existir deveria ser repartido pelos três avalistas, na proporção de 1/3 para cada um.
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Verifica-se que o Banco 3..., S.A. intentou contra os Autores e Réu uma execução para pagamento da quantia exequenda de € 228.327,81, tendo invocado como titulo executivo uma livrança que foi avalizada por três pessoas singulares (os autores e o réu).
O titulo dado á execução foi uma livrança a e não qualquer escritura de dação em pagamento, sendo nessa medida não releva para a decisão da causa as invocadas questões quanto á cessão de créditos e os valores e notificações ou intervenção ou não do réu ou sociedade nas negociações.
A causa de pedir desta acção versa sobre o direito de regresso dos autores decorrentes do valor pago em sede da execução que foi instaurada em 12-07-2011, pelo Banco 3..., SA, contra os aqui autores e réu, decorrente do incumprimento do contrato de mutuo supra referido, apresentando como título executivo tal livrança que preencheu pelo valor de € 228.327,41 (tendo os réus sido demandados como avalistas).
Nesses autos de execução que correram termos sob o nº 4993/11.4TBMTS- J2, Juízos de Execução do Porto, a aí exequente, em 14-12- 2012, logrou penhorar um imóvel dos autores, sito na Rua ..., ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2514/19960124. E, com vista a resolverem definitivamente o processo, entenderam os autores negociar com o exequente e propor a dação em pagamento, e lograram os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/09/2021, os autores declararam dar à exequente, que o aceitou, para pagamento da quantia ainda em execução, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de €103.610,85, conforme escritura junta como documento nº 2, com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzida.
O réu foi executado nesses autos como avalista, sedo que não foi alegada a existência de qualquer dedução de oposição á execução por parte dos executados tendo alegado nomeadamente a impugnação do valor do preenchimento da livrança (competia aos executados o ónus da prova do preenchimento abusivo da livrança), ou a dação em pagamento, ou a cessão de créditos, ou o seu valor, ou ausência de intervenção nas negociações ou falta de notificação. Igualmente não foi deduzida oposição á execução invocando a questão dos valores recebidos pelo banco em sede de processo de insolvência da sociedade, tratando-se de uma questão nova, a qual não pode ser apreciada em sede de recurso.
Acresce que não foi alegado ter-se deduzido oposição ou embargos de executado quanto á execução que o banco instaurou contra as partes desta acçaõ e nessa medida, atento o princípio da preclusão, está prejudicada a análise das questões invocadas nas alegações de recurso (quer quanto ao valor, cessão de créditos, ou negociações ou valor recebido em sede de processo de insolvência).
Por fim, cumpre referir que neste segmento do recurso, improcede igualmente a questão da alteração da redação dada ao artigo 12 dado que independentemente do teor da escritura da dação, verifica-se que o exequente foi o banco e nessa medida mantem-se o teor da redação constante da sentença recorria.
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Por fim, cumpre analisar a questão da admissibilidade da reconvenção.
Em sede de reconvenção, o Réu peticionava a condenação dos Autores no pagamento da quantia de € 196.595,85, correspondente a metade do valor de suprimentos que injetou na sociedade “A...”, da qual Autor marido e Réu eram sócios.
O Tribunal a quo considerou ser materialmente incompetente para conhecer do pedido reconvencional formulado pelo Réu, na parte em que peticiona a compensação pelos Autores da mencionada quantia de € 196.595,85.
Mas o apelante réu discorda da interpretação que Tribunal a quo faz quanto à competência do Tribunal. Dado que foi alegado pelo Réu e documentalmente comprovado pelo mesmo que, este foi mutuando, ao longo dos anos diversas quantias à sociedade comercial “A... Lda”, atendendo à indisponibilidade manifestada pelo Autor.
Ficou ainda provado que, Autor marido e Réu eram os únicos sócios da mencionada sociedade, detendo a totalidade do capital social, na proporção de 50% para cada um.
E, à data da insolvência da sociedade, o Réu era credor reconhecido da sociedade da quantia de € 393.191,69, referente aos suprimentos que injetou ao longo dos anos, conforme resulta do documento nº 1 junto com a contestação do Réu e não impugnado, denominado Relação de Créditos Reconhecidos – Retificação, emitido pelo senhor Administrador Judicial, no âmbito do processo de insolvência da mencionada sociedade “A... Lda.”.
Considera o réu que, deve por isso, e sem margem de dúvidas, ser também considerado provado o facto de que o Réu é credor reconhecido na sociedade “A...” da quantia de € 393.191,69.
E tendo-se em conta esse facto e estando provado que o Autor marido e Réu eram os únicos sócios, detentores do capital social, na proporção de 50% cada, logo, o Réu será credor do outro sócio e aqui Autor marido, da quantia de 50% dos mencionados suprimentos, ou seja, da quantia de € 196.595,85.
Conclui, o apelante que, estando a mencionada quantia relacionada com diversos suprimentos, à primeira vista, é equacionável que o tribunal competente seja um juízo de comércio, atendendo ao disposto no artigo 128º, nº 1, alínea c) da LOSJ.
No entanto, no caso sub judice, o que o Réu pretende não é um pedido de reembolso dos valores mutuados, a título de suprimentos, à sociedade. Mas, um pedido de reembolso de um ex-sócio, em relação a outro ex-sócio, de metade do valor que o primeiro injetou na sociedade a título de suprimentos.
Conclui, que sedo considerando que, os direitos sociais são aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa qualidade jurídica, no caso discutido nos presentes autos, não está em causa o exercício de um direito social.
Face ao supra exposto, a pretensão do Réu nunca foi a restituição pela sociedade, de suprimentos que este efetuou, na qualidade de sócio, portanto não está em causa uma ação relativa ao exercício de um direito social.
Acresce que, o pedido do Réu, ora Recorrente, no pedido reconvencional, era o seguinte: “Seja a reconvenção ora deduzida julgada integralmente procedente por provada e em consequência ser o Autor marido, AA, condenado a pagar ao Réu/Reconvinte CC, a quantia de € 220.996,53 (…).”
Ora, constando dos autos documento judicial comprovativo de que o ora Recorrente injetou na mencionada sociedade suprimentos no valor de € 393.191,69 e tendo o Réu reclamado do Autor marido o valor de €196.595,85, correspondente a 50% da mencionada quantia, deverá a decisão da Mma. Juiz a quo considerar o tribunal competente para apreciar a reconvenção e em consequência que o Réu é credor reconhecido na sociedade “A...” da quantia de € 393.191,69, condenando o Autor marido a pagar ao Réu a quantia de € 196.595,85.
Pelo que, o pedido reconvencional não se insere na competência do juízo de comércio, não se verificando incompetência material do Tribunal a quo.
Pelo exposto, quanto a este segmento considera o réu que deve:
- Ser aditado o facto que reconhece o crédito do Réu na sociedade “A...”, no montante de €393.191,69;
- Considerar o Tribunal a quo competente para apreciar e julgar o pedido reconvencional
- Os Autores condenados a pagar ao Réu a quantia reclamada de € 196.595,85;
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Em sede reconvencional o réu peticiona a compensação, com o crédito invocado pelos autores, da quantia de €196,595,85, que sustenta corresponder a metade do valor de suprimentos que injectou na sociedade aqui em causa.
O tribunal recorrido, considerou que fundando-se a acção em alegados suprimentos de um sócio à sociedade, cuja constituição está vedada a não sócios e cujo reembolso tem de respeitar as limitações impostas pelo citado art.º 245º do CSC, que é de considerar que o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a presente acção é o juízo de comércio, pois está no exercício de um direito social.
E nessa medida, decidiu, conforme o teor da fundamentação acima referida, que se entende que competente para tramitar a reconvenção que se analisa é, o tribunal de comércio e desta forma declarou este tribunal materialmente incompetente para conhecer da reconvenção, absolver os autores da respectiva instância (para além das normas já citadas, artigos 64º, 96º/a), 97º e 99º/1, do Código de Processo Civil).
Cumpre decidir.
Um dos pressupostos processuais relativos ao Tribunal é a competência.
Para que possa decidir sobre o mérito ou fundo da questão é imprescindível que o Tribunal perante o qual a acção foi proposta, seja competente.
O requisito da competência resulta do facto de o poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos Tribunais. Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica, apenas, com o poder de julgar num círculo limitado de acções e não em todas as acções que os interessados pretendam submeter à sua apreciação jurisdicional.
É para a delimitação do poder jurisdicional de cada Tribunal que existem regras de competência.
Nesta matéria, o entendimento dominante na jurisprudência vai de encontro á tese sustentada, nomeadamente, por M.Andrade (in, «Noções Elementares de Processo Civil», 1993, pág.91), segundo a qual o objecto das condições de facto do pressuposto da competência devem reconduzir-se exclusivamente pela versão apresentada pelo Autor -vide, RL 17/5/84, CJ 1984, t.3, 129, e RE 7/6/1990, Cj, t.3, pág. 281.
Oposta a esta, surge a posição sustentada por A. Castro, (in, «Processo Civil Declaratório», 2, 1982, 259 a 263), segundo a qual, as condições de facto teriam de ser aferidas pela versão do Autor e do Réu.
Afigura-se-nos que esta problemática deverá ser equacionada no quadro da problemática geral dos pressupostos processuais, atentas as teses sustentadas pela doutrina no domínio da legitimidade processual, mais concretamente pela tese de B. Magalhães, que defende a aferição pela pretensa relação material controvertida na configuração dada pelo Autor.
Sendo a competência um pressuposto processual, a mesma deve aferir-se pelo objecto do processo e não pelo conteúdo da decisão sobre a matéria de facto, ou seja, o objecto de processo não é a relação jurídica provada, mas sim a relação jurídica a ser demonstrada.
Do exposto decorre que o objecto do processo é, em regra, conformado pela pretensão do autor, salvo nos casos específicos em que ao Réu é permitido ampliar tal objecto para além desses limites, nomeadamente na hipótese de reconvenção.
Da leitura do pedido reconvencional deduzido pelo réu resulta que o mesmo peticiona peticiona a compensação, com o crédito invocado pelos autores, da quantia de €196,595,85, que sustenta corresponder a metade do valor de suprimentos que injectou na sociedade aqui em causa.
Nos termos do disposto no art.93º, do CPC, “O tribunal da acção é competente para as questões deduzidas por via de reconvenção, desde que tenha competência para elas em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; se a não tiver, é o reconvindo absolvido da instância”.
Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.
Conforme resulta do artigo 40º da LOSJ e artigos 64 e 65 do CPcivil, relativamente à competência em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, cabendo à LOSJ determinar a competência, em razão da matéria, entre os tribunais judiciais de primeira instância, estabelecendo as causas que competem às secções de competência especializada dos tribunais de comarca ou aos tribunais de competência territorial alargada.
Nos termos do artigo 130º, nº1, al. a) da dita LOSJ, as Secções de competência genérica da Instância Local detêm uma competência residual, cabendo-lhes preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da Instância Central ou Tribunal de competência territorial alargada.
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (art.º 96º, al. a), do CPC).
Nos termos da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ/aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8, na redacção conferida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22.12), estabelece o artigo 128.º, que 1 - Compete aos juízos de comércio preparar e julgar:
a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
2 - Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.
No caso dos autos consideramos que a decisão recorrida deve ser confirmada, dado que os juízos de comércio tem competência para “preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais” e que no conceito normativo em análise se incluem as ações em que um sócio visa exercer um direito que esse estatuto lhe confere e também os casos em que a sociedade exerce um direito que também é conferido aos sócios enquanto tais, embora em benefício da sociedade.
O contrato de suprimento “consiste no empréstimo ou mútuo (em dinheiro ou outros bens fungíveis) efetuado pelo sócio em prol da sociedade, com caráter de permanência (disponibilização financeira superior a um ano nos termos do art. 243º, nº2) e ficando a sociedade obrigada a restituir bens do género e qualidade dos que forem disponibilizados, ou é o contrato pelo qual o sócio acorda com a sociedade o diferimento, por prazo superior a um ano, do vencimento de créditos que tem sobre a mesma.
No caso verifica-se que o Juízo de comércio é competente para apreciar o pedido de reembolso de suprimentos feitos pelo réu ao autor, dado que ao caso se aplicam as disposições dos artigos 243º a 245º do Código das Sociedades Comerciais. É manifesto que um contrato de suprimento não se equipara ao mero contrato de mútuo e nem tem os mesmos efeitos deste.
Portanto, no caso do contrato de suprimento, estamos no âmbito próprio do exercício de direitos sociais, mostrando-se as obrigações em causa não só especialmente ligadas à qualidade de sócio, mas igualmente reguladas especificamente no Código das Sociedades Comerciais.
Neste sentido, vide o Ac da RP, Processo: 3334/19.7T8AVR-A.P1 Relator: EUGÉNIA CUNHA, 21-06-2021 Sumário: I - Na aferição da competência material atende-se aos elementos estruturais da causa: pedido e causa de pedir, tal como configurados pelo Autor, na petição inicial.
II - São da competência material do Tribunal de Comércio, integrando-se na alínea c), do n.º 1, do artigo 128.º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)), aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26/01, relativa ao exercício de «direitos sociais», as ações relativas ao exercício de direitos que se integram na esfera jurídica do sócio, enquanto tal, por força do contrato de sociedade, direitos que são inerentes à qualidade e estatuto de sócio e são dirigidos à proteção dos seus interesses sociais.
III - É relativa ao exercício de “direitos sociais” a ação em que o Autor, invocando a sua qualidade de sócio, pretende obter a restituição de suprimentos por si efetuados, enquanto tal, à sociedade Ré, contrato de suprimento este tipificado e especialmente regulado pelos arts 243º e segs, do Código das Sociedades Comerciais, e enformado pelos princípios fundamentais do Direito das Sociedades Comerciais, sempre a contenderem com específicas matérias, a exigir especial preparação técnica;
IV - E, destarte, estando especificadamente atribuída ao Juízo de Comércio a competência para julgar do pedido de restituição de quantia relativa a suprimentos do sócio à sociedade, não é o caso subsumivel à competência, residual, dos Tribunais comuns (nº1, do art. 40º, da referida Lei e art. 64º, do CPC).
E vide o Ac da RLProcesso: 1757/14.7T8LSB.L1-6 Relator: ANTÓNIO SANTOS, 18-01-2018 Sumário: – A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir).
– O Tribunal de Comércio é, de entre vários outros (cfr. artº 78º da LOFTJ), um Tribunal de competência especializada e ao qual incumbe, designadamente, preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais (cfr. artº 128º, nº1, alínea c), da Lei da Organização do Sistema Judiciário) .
– Os direitos sociais, como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, são todos aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa mesma qualidade jurídica, dirigidos à protecção dos seus interesses sociais, ou seja, são direitos que nascem na esfera jurídica do sócio, enquanto tal, por força do contrato de sociedade, baseados nessa particular titularidade.
– Atendendo a que a causa petendi da presente acção relaciona-se com invocados suprimentos do autor a uma sociedade comercial, na qualidade de sócio, é de considerar que o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a presente acção é o Tribunal de Comércio, nos termos do artº 128º, nº1, alínea c), da Lei da Organização do Sistema Judiciário - Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - pois quando um sócio acciona a sociedade invocando um contrato de suprimento está no exercício de um direito social.
Conclui-se que não merece censura o despacho que não admitiu a reconvenção e nessa medida não se adita o facto peticionado pelo apelante dado que o mesmo pressuponha a admissão do pedido reconvencional,.
Improcedem desta forma, integralmente as conclusões de recurso subordinado.
*
Recurso principal dos autores
A discordância dos Recorrentes autores quanto á sentença recorrida, resulta tão só da forma como a Mma. Juiz procedeu á divisão de responsabilidades no que diz respeito á quantia de € 103.610.
O tribunal recorrido considerou que o recorrido só teria de reembolsar/ ressarcir os Recorrente na proporção de 1/3, dado serem 3 (três) avalistas.
Mas os apelantes entendem que o tribunal errou nessa decisão de direito dado que:- a sociedade A...” tinha 2 ) sócios, sendo o Recorrente marido e o Recorrido.
- Desses 2 (dois) sócios, um era solteiro e o outro era casado.
- Naturalmente o conjugue do sócio, tem de autorizar o aval do outro cônjuge.
- No entanto, tal como o cônjuge não é sócio da Sociedade apenas por se casado, também a posição de avalista não se transmite pelo casamento.
- E se para dividir lucros e dividendos é em função das participações sociais,
-A mesma leitura e interpretação tem de ser feita na divisão da responsabilidades e das obrigações que assumiram.
-E confundir “ AVAL” prestado por cada um dos sócios, no caso Recorrente- marido e Recorrido, com consentimento para prestar aval, não é sequer razoável. Sob pena de a comparticipação nas responsabilidades, ser superior à comparticipação decorrente das participações sociais.
REGISTE-SE a discrepância:
- Eventuais lucros seriam a dividir por dois na proporção da metade.
- Divisão de responsabilidades seria a dividir por três, porque um dos sócios é casado, e o cônjuge aceitou o aval dado pelo sócio.
Concluem que, tal entendimento e interpretação contraria a assunção de responsabilidades que cada sócio faz com o património pessoal, ao avalizar obrigações para a sociedade. Não podendo ser ignorado que, o que foi feito pela via do aval, e da autorização para que aval fosse prestado, foi tão só tendo por referencia a participação social na sociedade.
Referem que a sociedade “A...” tinha 2 sócios, cada um com uma quota de € 12.500,00 e que foram sócios da A... quem avalizaram os financiamentos contraídos pela sociedade.
E concluem, que deve assim a divisão de responsabilidades ser pela metade e o Recorrido ser condenado a pagar metade do valor de € 103.010,85, e consequentemente compensa os Recorrentes com a quantia de € 51.805.40.
Portanto a questão que cumpre dirimir é a de saber se o avalista que procedeu ao pagamento da obrigação cambiária (nos casos de aval colectivo) tem direito de regresso em relação aos demais avalistas, ou seja, se os autores, que procederam ao pagamento da quantia exequenda referida, tem direito a obter do réu, também avalista relativamente à livrança referida, a quota-parte deste no valor cujo pagamento asseguraram, quando, como sucede no caso presente, não foi celebrada entre o autores e o réus qualquer acordo extracambiário que regule as suas relações internas.
No caso dos autos cumpre ter em conta que, e tal como resulta da matéria de facto, a autora esposa não se limitou a autorizar o autor a prestar o aval, sendo que a própria autora esposa prestou o aval.
“O aval, especialmente quando prestado ao subscritor de uma livrança, constitui um negócio jurídico cambiário cujo regime jurídico está consagrado na Lei Uniforme das Letras e das Livranças (LULL), designadamente, nos arts. 30.º a 32.º e 46.º, ex vi do art. 78.º. A LULL não regula especificamente quanto ao eventual exercício do direito de reembolso entre os avalistas do mesmo avalizado pois que se limita, apenas, a dispor sobre a responsabilidade do avalista perante o credor cambiário e o exercício do seu direito de reembolso contra o respetivo avalizado.
É prática comum na vida das sociedades que a pluralidade de avalistas do mesmo obrigado, seja realizada através da aposição de assinatura de cada um no título de crédito, sendo que mediante esse aval os sócios ou gerentes ou até terceiros mais ou menos “estranhos” à sociedade reforçam, junto do credor, a garantia patrimonial.
Como a LULL não dispõe sobre as relações internas entre os diversos avalistas do mesmo avalizado, a solução terá necessariamente de encontrar-se no âmbito do direito substantivo comum, no caso no regime da solidariedade entre devedores prevista no Código Civil. Nos termos do principio da liberdade contratual (art. 405.º, do CC), nada obsta que os diversos avalistas regulem a distribuição das respetivas responsabilidades para tanto celebrando convenção que reparta equitativa ou diferenciadamente a quota parte da responsabilidade de cada um ou até mesmo se a exclua relativamente a um ou mais garante-avalistas.
Mas perante a inexistência de qualquer convenção nesse sentido, é no quadro do regime previsto nos arts. 524.º e 516.º, do CC, que se deve encontrar a resposta, presumindo-se que os “coavalistas participam, nas relações entre si, em partes iguais da dívida.”
Por outras palavras, perante a inexistência de convenção do concreto exercício do direito de regresso, deve seguir-se o regime previsto para as obrigações solidárias fixado no regime do art. 524.º, do CC.
Esta é a posição defendida pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2012, de 05-06-2012, Rel. Abrantes Geraldes ao qual aderimos integralmente.
Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 733/03.0TBAND.C1.S1, Relator: HELDER ROQUE, 13-07-2010 Sumário: I - O direito de regresso dos autores, avalistas que pagaram a totalidade da livrança exequenda ao banco beneficiário, e que, consequentemente, a receberam por endosso, são, embora endossados, conjuntamente com os ora réus, também, avalistas, responsáveis pelo pagamento da aludida livrança, perante aqueles, não por força da relação cambiária, regulada pela LULL, mas antes da relação de solidariedade passiva entre devedores, disciplinada pelo Direito Civil.
II - O co-avalista que pagou a livrança ao tomador é o portador legítimo do título, gozando de legitimidade para accionar os demais co-avalistas, reclamando destes, que a não satisfizeram, o pagamento do seu montante, na qualidade de obrigados de regresso.
III - O direito de regresso que cabe ao avalista que pague a livrança ao subscritor, em relação a qualquer um dos seus co-avalistas, não se exercita através de uma acção cambiária, mas antes de uma acção causal de direito comum, regulável pelas normas que disciplinam o instituto da fiança.
IV - Na acção causal de direito comum, a posse da livrança não condiciona o exercício do respectivo direito, não se mostrando imprescindível à efectivação do crédito reclamado pelos autores.
V - Tendo-se constituído entre o banco financiador e a sociedade subscritora uma obrigação de mútuo, os autores e os réus, para além de se terem responsabilizado como avalistas da subscritora da livrança, responsabilizaram-se, também, por via de assunção cumulativa, como co-devedores solidários da obrigação de mútuo.
VI - O avalista que pagou ao tomador da livrança, em quantia superior à que lhe competia, por força do regime da solidariedade passiva, no âmbito das relações externas, perante o credor, tem direito de reaver dos restantes avalistas, no domínio das relações internas, com base no direito de regresso, a parte que a cada um destes compete, que se presume ser igual para todos, nas relações entre os devedores solidários.
VII - O número de condevedores solidários que respondem pelo aval não se multiplica em função do respectivo estado civil ou da habilitação a que se procedeu, em consequência do falecimento de ambos os membros do casal dador do aval.».
E vide o Ac da RP 842/11.1TVPRT.P1, Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS, 07-11-2016 Sumário: I - Assiste direito de regresso ao avalista que pagou a dívida titulada na livrança relativamente aos demais coavalistas do mesmo subscritor avalizado, quanto à importância que pagou a mais, através da aplicação ao caso das regras da responsabilidade solidária passiva (arts. 516º e 524º do Cód. Civil), dispensando-se consequentemente a necessidade de existência de qualquer convenção extracartular entre coavalistas, dado que a lei presume que esse acordo existe e que a responsabilidade entre eles é igualitária.
II - O acórdão uniformizador de jurisprudência, apesar de não ser dotado de força obrigatória geral, goza, implicitamente, de um efeito persuasivo.
III - Como assim, atentas as implicações neste domínio do princípio do interesse da unidade interpretativa e aplicativa do direito e do princípio do interesse na estabilidade da corrente jurisprudencial por ele firmada, deverão, pois, os tribunais aplicar a jurisprudência uniformizada, salvo se ocorrerem razões ponderosas, devidamente fundamentadas, que justifiquem a sua inobservância.
IV – Nas relações dos coavalistas entre si não há nexo cambiário, sendo a relação obrigacional entre eles existente regulada pelo direito comum.
V- O direito de regresso do coavalista sobre os demais coavalistas do mesmo avalizado, para obter destes a parte que lhes competia no direito no credor, não está sujeito ao prazo de prescrição de três anos estabelecido no art. 70º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, mas antes ao prazo de prescrição ordinária consagrado no art. 309º do Código Civil.
VI- O avalista pode exigir dos demais coavalistas do mesmo avalizado juros moratórios sobre a importância que pagou ao legítimo portador do título de crédito, mas que a eles competia, a partir do momento em que os haja interpelado para lhe restituírem o que pagou a mais.
E, vide o Ac da RP Processo: 454/14.8TBGDM.P1 Relator: AUGUSTO DE CARVALHO, Data do Acórdão: 05-03-2018 Sumário: I - o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores.
II - O avalista dá garantia à obrigação cartular do avalizado, só dispondo de ação cambiária contra a subscritora e não contra os outros co-avalistas, ou seja, entre os vários avalistas não existe qualquer relação cambiária, podendo, no entanto, haver relações de direito comum, que seguem o regime das obrigações solidárias, nos termos do artigo 512º e seguintes.
III - Daí que a Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças não regule a relação jurídica estabelecida entre os avalistas do mesmo obrigado cambiário e apenas o faça quanto ao direito de regresso do avalista, face ao avalizado e demais responsáveis cambiários.
IV - Foi em tal contexto que surgiu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2012, de 5 de junho de 2012, estabelecendo que, sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança nos termos previstos para as obrigações solidárias.»
Voltando ao caso vertente, aderimos integralmente á fundamentação da sentença recorrida, sendo que resulta provado que os autores e Réu avalizaram a livrança subscrita pela sociedade comercial e que uma vez intentada a competente ação executiva, a exequente apresentou como título executivo uma livrança que preencheu pelo valor de € 228.327,41. E que nesses autos de execução, a exequente, em 14-12-2012, logrou penhorar um imóvel dos autores, e que os autores conseguir a aceitação da proposta, e por escritura de Cessão de Créditos e Dação, outorgada no dia 30/03/2021, os autores declararam dar à exequente, que o aceitou, para pagamento da quantia ainda em execução, o imóvel referido em 10, ao qual foi atribuído o valor de 103.C10,85.
Assim, face ao disposto no artigo 51Cº do CCivil, presume-se que cada um dos três avalistas comparticipa, na proporção de 1/3, no valor pago ao abrigo dos avales em causa nestes autos.
Têm, assim, os autores, ao abrigo do disposto nos arts. 523º, 524º e 1732º, do CCivil, direito a receber do réu 1/3, da quantia liquidada, no valor de €34.53C,35.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso dos autores.
*
V – DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação principal e a apelação do recurso subordinado, improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso principal a cargo dos apelantes autores e do recurso subordinado a cargo do apelante réu (art. 527º, nºs 1 e 2).
DS
Porto, 4/6/2025
Ana Vieira
José Manuel Correia
Paulo Dias da Silva