REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
Sumário

I - Não chegando a completar seis meses, ao administrador de insolvência substituído só é devida a primeira prestação, a título de remuneração fixa.
II - Quanto à remuneração variável, no processo especial de revitalização, no processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, a mesma deve ser calculada a partir da diferença entre o valor dos créditos reclamados e admitidos e o valor dos créditos a pagar pelo devedor aos credores na execução do plano de recuperação aprovado, ou seja, o valor dos créditos perdoados.
III - No mesmo tipo de processos, a majoração prevista no n.º 7 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, apenas é devida se e quando o plano de recuperação do devedor aprovado previr que parte dos créditos sejam imediatamente satisfeitos por via de liquidação de bens.
IV - Nos casos de recuperação do devedor mediante um plano, quando a remuneração variável do administrador de insolvência (incluindo, se for caso disso, a majoração da mesma), implicarem um valor exorbitante, deve, por interpretação extensiva, ser aplicada a redução da remuneração, nos termos previstos no artigo 23.º, n.º 8 do EAJ.

Texto Integral

Processo n.º 1797/23.5T8OAZ.P1

Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntos: Des. Anabela Andrade Miranda;
Des. Rui Moreira.


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Sumário:

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Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntos: Des. Anabela Andrade Miranda;
Des. Rui Moreira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto,

I - Relatório

1- No processo de insolvência em que figura como devedora, A..., S.A., aprovado e homologado judicialmente o plano de insolvência desta sociedade, veio o Administrador de Insolvência (AI), AA, (que, no dia 09/10/2023, foi substituído por outro) pedir para ser remunerado num valor global de 430.029,42€ [remuneração fixa (com IVA), 2.460,00€ + remuneração variável global (com IVA), 418.344,42€ + remuneração pela elaboração do plano e acompanhamento da gestão (com IVA), 9.225,00€].

2- Contra esta pretensão manifestou-se a Insolvente, considerando que o referido AI só tem direito a receber, 5.000,00€ (mais IVA), pela elaboração do plano de insolvência; 1.500,00€ (mais IVA), pelo acompanhamento da gestão; 2.000,00€ de remuneração fixa, estabelecida pelo Tribunal; e, 5.000,00€ (mais IVA) de remuneração variável.

3- Também o credor, Banco 1..., S.A., se opôs ao pagamento da remuneração pretendida pelo AI, pedindo que se notifique o Administrador de Insolvência em funções para apresentar a respetiva nota de honorários, “ponderando-se a remuneração variável em função dos critérios previstos no nº 8 do artº 23º do EAJ, e apurando-se uma percentagem, caso assim seja entendido, a entregar a cada um dos administradores de insolvência, sempre com o limite único referido no nº 10 do mesmo artigo”.

4- Seguidamente, foi proferido despacho que:

a) Fixou a remuneração fixa, pelo acompanhamento da gestão e pela elaboração do plano, nestes termos:

“A 1ª prestação da remuneração fixa devida ao Dr. AA já foi adiantada pelo IGFEJ.

Não é devida ao Dr. AA a 2ª prestação da remuneração fixa, considerando que exerceu as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial – cfr. art. 23º n.º 3 do EAJ.

Considerando a fase processual em que foi nomeado, é devida, a título de remuneração fixa, ao Dr. BB a quantia de € 1.000,00 + IVA, a liquidar pela insolvente.

É, ainda, devida aos Srs. A.I. a remuneração decorrente da elaboração do plano de insolvência, fixada em € 5.000,00 + IVA, a repartir entre os dois A.I., sendo 60% para o Dr. AA, que elaborou a 1ª versão, e 40% para o Dr. BB, que a aperfeiçoou e completou, considerando, ademais, o período em que os mesmos estiveram em funções.

Pelo acompanhamento da gestão é devida ao Dr. AA a quantia de € 1.500,00 + IVA, referente ao período decorrido entre a assembleia de credores e a sua substituição, e ao Dr. BB a quantia de € 5.000,00 + IVA, referente ao período decorrido entre a sua nomeação e a decisão de homologação do plano de insolvência, quantias a liquidar pela insolvente”.

b) Atribuiu a remuneração variável nos termos seguintes:

“(…) Considerando que os Srs. A.I. serão remunerados autonomamente pela elaboração do plano e pelo acompanhando da gestão, a complexidade pouco significativa dos autos e a sua duração, afigura-se-nos que se justifica reduzir a remuneração variável devida à quantia de € 50.000,00 + IVA, o que se decide.

Esta quantia será a repartir da forma já supra-referida - 60% para o Dr. AA e 40% para o Dr. BB – e a liquidar pela insolvente.

A remuneração variável será a liquidar em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada de imediato e a segunda dois anos após a data de homologação do plano, caso a devedora continue a cumprir regularmente o plano aprovado, sem prejuízo da redução desta segunda prestação para um quinto, caso a devedora deixe de cumprir o plano aprovado – cfr. art. 29º do E.A.J.”;

c) Não atribuir qualquer majoração, porquanto não está previsto o pagamento de créditos através de liquidação.

5- Inconformado com este despacho, dele recorre o AI primeiramente indicado, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“A) Vem o Apelante recorrer do despacho proferido pelo Meritíssima Juiz a quo porquanto resulta o seguinte: (…):

“A 1.ª prestação de remuneração fixa devida ao Dr. AA já foi adiantada pelo IGFEJ.

Não é devida ao Dr. AA a 2.ª prestação da remuneração fixa, considerando que exerceu as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial – cfr. art. 23.º n.º 3 do EAJ.” Considerando a fase processual em que foi nomeado, é devida, a título de remuneração fixa, ao Dr. BB a quantia de € 1.000,00 + IVA, a liquidar pelo insolvente.

É, ainda, devida aos Srs. A.I. a remuneração decorrente da elaboração do plano de insolvência, fixada em € 5.000,00 + IVA, a repartir entre os dois A.I., sendo 60% para o Dr. AA, que elaborou a 1.ª versão, e 40% para o Dr. BB, que a aperfeiçoou e completou, considerando, ademais, o período em que os mesmos estiveram em funções.

Pelo acompanhamento da gestão é devida ao Dr. AA a quantia de € 1.500,00 + IVA, referente ao período decorrido entre a assembleia de credores e a sua substituição, e ao Dr. BB a quantia de € 5.000,00 + IVA, referente ao período decorrido entre a sua nomeação e a decisão de homologação do plano de insolvência a liquidar pela insolvente.”

B) Ademais, enuncia no concernente à fixação do valor devido a título de remuneração variável que: “(…) afigura-se-nos que, considerando que os Srs. A.I. serão remunerados autonomamente pela elaboração do plano e pelo acompanhamento da gestão, a complexidade pouco significativa dos autos e a sua duração, afigura-se-nos que se justifica reduzir a remuneração variável devida à quantia de € 50.000,00 + IVA, o que se decide.

Esta quantia será a repartir da forma já supra-referida – 60% para o Dr. AA e 40% para o Dr. BB – e a liquidar pela insolvente.”

C) Os Administradores de Insolvência em processos especiais para acordo de pagamento, processos especiais de revitalização e de Insolvência com Plano de Insolvência têm direito a uma remuneração fixa, a uma remuneração variável e, nos processos de insolvência em que tenha sido incumbido ao Administrador de Insolvência a elaboração de um Plano e a gestão/acompanhamento da gestão, uma remuneração por tais serviços, devendo os mesmos ser aprovados em sede de Assembleia de Credores.

D) O relatório a que alude o artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) foi devidamente elaborado e instruído pelo Apelante, foi aprovado pela maioria dos credores.

E) A Assembleia de credores incumbiu o apelante de elaborar o Plano de Insolvência e definiu uma remuneração de 5.000,00 euros para a elaboração do mesmo;

F) O plano foi feito, depositado no tribunal e aceite pelo mesmo, de aforma a que se procedeu à votação e aprovação do mesmo;

E) O Apelante da elaboração de um Plano de Insolvência ficou também incumbido de acompanhar a sua gestão.

F) Nos termos anteditos, o aqui Apelante auferiria os montantes de €5.000,00 e €500,00 mensais, pela elaboração do Plano de Insolvência e pela sua gestão, respetivamente.

G) De acordo com o disposto no artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (doravante EAJ), a remuneração fixa no âmbito do PER, PEAP e Processo de Insolvência é de €2.000,00.

H) Por sua vez, o valor da remuneração variável é dependente do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente.

I) Mormente, sobre os 10% da situação líquida calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ.

J) Em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que se já aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.

K) Considerando a teleologia presente na norma supracitada, não temos alternativa de interpretação e será de concluir que para o legislador “situação líquida” é igual a “resultado da recuperação”.

L) Uma vez que, situação líquida em termos contabilísticos é igual a capitais próprios, que, por sua vez, é igual à diferença do ativo e do passivo, conceitos que não se aplicam em sede de PEAP.

M) O valor alcançado, nos termos e para os efeitos do artigo 23.º do EAJ, deve ser majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.

N) Não se aplicam, no caso da recuperação do devedor, os limites dos números 8 e 10 do artigo 23.º do EAJ, porque não há liquidação da massa insolvente.

Por conseguinte,

O) No concernente à remuneração fixa, e tendo em conta a disposição legal que versa sobre o assunto e que se assume como sendo clara e inequívoca, esta corresponderá ao valor de €2.000,00 ao qual deverá acrescer IVA no valor de €460,00.

P) No que se refere à remuneração variável, e mediante a exposição dada pelo Apelante, hão de ser considerados como equivalentes e correspondentes a situação líquida, resultado da liquidação e o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrantes do Plano.

Q) O montante dos créditos reclamados e reconhecidos corresponde ao valor de €3.984.398,86.

R) O montante dos créditos a satisfazer aos credores corresponde ao valor de €2.267.449,44.

S) Assim, tendo em conta os 10% da situação líquida calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor o valor a receber pelo Apelante será de €226.744,94.

T) De acordo com o artigo 23.º n.º 7, ao valor constatado previamente deve ser acrescentada uma majoração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.

U) Sendo o montante total dos créditos reclamados e reconhecidos o de €3.984.398,86, e o montante total dos créditos satisfeitos pelo PEAP, PER ou Plano de Insolvência o de €2.267.449,44, o grau de satisfação dos créditos corresponde a €56,91%.

V) Pelo que, a majoração de 5% a aplicar considerando o grau de satisfação dos créditos que ora se verifica, implica o pagamento ao Apelante do valor de €113.372,47.

W) Ante o exposto, a título de remuneração variável deverá o apelante receber a quantia total de €340.117,42, à qual acresce IVA na taxa de 23% (€78.227,01), culminando num valor de €418.344,42.

X) No âmbito do Plano de Insolvência e Gestão o valor a pagar ao Apelante foi fixado em Assembleia de Credores, como aqui já se referiu.

Y) A elaboração do Plano pressupõe o pagamento de €5.000,00 ao Apelante, sendo que a sua gestão e acompanhamento, referente aos meses de julho de 2023 a novembro de 2024, pressupõem o pagamento de €2.500,00, sendo €500,00 o valor do seu pagamento mensal.

Z) Assim sendo, o valor total a pagar ao Apelante neste âmbito será de €7.500,00 mais IVA na taxa de 23%, ou seja, o valor de €9.225,00.

AA) Uma vez dissecados todos os pressupostos que assistem ao cálculo da remuneração a ser paga ao Apelante, é de fixar que lhe é devido o valor total de €430.029,42.

AB) Como é sabido, quando o Apelante foi substituído como Administrador Judicial, o processo encontrava-se todo instruído, inclusive a nível da reclamação dos créditos.

AC) Aliás, como já fora afirmado, o cumprimento do artigo 129.º n.º 4 do CIRE foi dado pelo Apelante.

AD) Ademais, aquando da verificação dos pressupostos para a existência de Insolvência Culposa o novo Administrador Judicial nada disse, visto desconhecer o processo.

AE) Sendo-lhe, tão só e apenas, devida a remuneração pela responsabilidade de acompanhar a gestão da devedora até à homologação do processo e nada mais.

AF) O Parecer de Qualificação foi feito pelo aqui Apelante e em sede de julgamento foram as declarações e esclarecimentos do aqui Apelante que contribuíram para a descoberta da verdade, que resultaram na qualificação da insolvência como fortuita e,

AG) No seguimento, na Homologação do Plano apresentado pelo aqui Apelante.

Neste sentido,

AH) No que respeita à remuneração variável devida, o Tribunal a Quo começa a sua vasta explanação dando razão ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Proc. 4020/21.3T8AVR.P1, transcrevendo o despacho proferido pelo Sr. Juiz do Juízo de Comércio de Aveiro - ... – Vide despacho com referência citius 135624188.

AI) Sinceramente não se percebe a alusão ao referido acórdão, tanto mais que facilmente se entenderá que a grande conclusão do mesmo não é aplicável ao caso em questão:

“(…) Não podendo a remuneração do administrador judicial constituir precisamente obstáculo (e em alguns casos o maior) a tal recuperação.

Descendo ao caso, não se poderá deixar de notar que a requerente teve uma redução de créditos de apenas € 34.520,14, mas terá de pagar a título da primeira rubrica da remuneração variável o montante de€ 10.490,92 (o que acrescido de IVA dará um total de€ 13.457,34) (…)”

AJ) Até porque, como reconhece, e bem o Tribunal a Quo:

“(…) ln casu, o valor dos créditos que ficarão por liquidar ascende a€ 1.716.944,42 (…)”.

AK) O peso da remuneração do referido acórdão ascende a mais de 40% do valor dos créditos reduzidos, no caso em apreço representa cerca de 20%.

AL). Além do mais, não podemos de relembrar que o referido acórdão, tão bastante utilizado sustenta-se no despacho proferido pelo Sr. Juiz do Juízo de Comércio de Aveiro - ....

AM) O mesmo Juiz, Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo, que refere no seu documento A REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL E A SUA APRECIAÇÃO JURISDICIONAL DEPOIS DE ABRIL DE 2022 - UMA PRIMEIRA APRECIAÇÃO ÀS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NO CIRE E NO EAJ PELA LEI Nº9/2022, DE 11-1, que "Por outro lado, não está prevista a apreciação pelo Juiz de uma possível redução da remuneração variável em caso de recuperação do devedor, quando o seu valor seja superior a €50.000,00, no art. 23.º/8, que apenas se refere a essa possibilidade para “processos em que haja liquidação da massa insolvente” e, portanto, sem alusão nem aplicação aos processos de recuperação. Finalmente, a remuneração por recuperação não tem limites, i. é, não está sujeita ao limite máximo de € 100.000,00 estabelecido no art.º. 23.º/10 somente para a remuneração por liquidação prevista na al. b) do nº4”.

AN) Entendimento claro e que infelizmente o Tribunal a Quo fez “tábua rasa”.

AO) Convenhamos que, reduzir ao limite mínimo de remuneração um processo com 5 milhões de euros de créditos reclamados e com uma redução de créditos de 1.716.944,42, é injustificável.

AP) Devendo, sem grandes dúvidas, o presente recurso ter provimento, revogando a decisão do Tribunal a Quo, devendo ser aprovada a proposta de remuneração apresentada.

AQ) Não se pode deixar de concluir, face ao exposto, que o pedido de honorários foi feito de forma perfeitamente sustentado.

Ora,

AR) Há quem defenda que, na verdade, o que é dito no EAJ não deve ser aplicado em sede de remuneração dos PEAP, PER e Processos de Recuperação em sede de Insolvência aprovados e homologados, já que mantendo os devedores a sua personalidade jurídica e autonomia do ponto de vista económico e financeiro é sua obrigação suportar os valores de remuneração do Administrador de Insolvência.

AS) Mas, partindo do pressuposto que o legislador quando determinou a remuneração fixa e variável, bem como definiu o modelo de cálculo e pagamento fê-lo com a convicção de que seria necessária a intervenção do Tribunal para dar força executiva aos direitos dos Administradores Judiciais e de Insolvência, sob pena de obrigar esses profissionais, no caso de incumprimento por parte dos devedores, a terem de se socorrer de ações judiciais de cobrança, nos exatos moldes das que são utilizadas pelos demais intervenientes no circuito empresarial, para serem ressarcidos em caso de falta de pagamento.

AT) Logo, neste contexto não podemos olvidar que existem pressupostos legais a atender para a definição da remuneração a atribuir ao Administrador Judicial.

AU). Pressupostos estes que não podem, convenientemente, ser descartados em ordem a prejudicar aquele que foi o esforço e intervenção do Administrador ao longo do Processo de Insolvência.

AV). Pelo que devem ser impreterivelmente cumpridos.

AW) Nessa medida, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erroneamente o disposto no artigo 23.º e 29.º do EAJ.

AX). Devendo, por tal, o aqui Apelante ser remunerado em conformidade com as disposições legais que aqui se dissecaram e as quais determinam que lhe cabe uma remuneração total de €430.029,42”.

É, em suma, o que pretende com este recurso.

6- Respondeu a Insolvente alegando, em síntese, que a repartição de honorários estabelecida na sentença recorrida não é justa.

Já quanto ao restante, entende que o Apelante não tem razão.

O Apelante tem direito aos valores relativos à elaboração do plano de insolvência (5.000€, mais IVA), ao acompanhamento de gestão desde a data da assembleia que a determinou (05/07/2023) até que foi nomeado novo administrador (09/10/2023), isto é, à quantia de 1.500,00€, mais IVA, correspondente a três meses de acompanhamento de gestão ao valor mensal de 500,00€.

Assiste-lhe igualmente o direito a receber a quantia de 2.000,00€, fixada pelo tribunal na sentença que decretou a insolvência.

Já quanto a remuneração variável, nada lhe é devido. Daí que essa pretensão deva improceder.

7- Recebido o recurso nesta instância, foi determinado que o Tribunal recorrido esclarecesse (face às disparidades verificadas) o exato montante dos créditos reconhecidos e daquele que foi previsto ser pago aos credores, através do plano de insolvência aprovado, o que foi cumprido, acompanhado da documentação que se teve por relevante para a comprovação daqueles dados.

8- Transmitidos estes dados às partes, nenhuma oposição foi deduzida.

9- Preparada, pois, que está a deliberação, importa tomá-la.


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II- Mérito do recurso

A- Inexistindo, no caso presente, questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), “ex vi” artigo 17.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)], cinge-se a saber se o Apelante tem direito à remuneração que reclama.


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B- Fundamentação de facto

Para além dos factos que constam do relatório que antecede, julgam-se ainda provados, a partir da documentação junta aos autos e da informação constante do despacho proferido no dia 20/03/2025, os seguintes factos relevantes para a decisão a tomar nesta sede:

1- A sociedade, A..., S.A., apresentou-se à insolvência no dia 10/05/2023, tendo, entre o mais, apresentado um Plano de Insolvência, ao qual está anexa uma declaração do Apelante em que o mesmo declara aceitar o cargo de Administrador de Insolvência da devedora e ainda “que estará disposto para prescindir de parte dos honorários, nomeadamente no que respeita à remuneração prevista na alínea a) do n.º 4 do art.º 23 do EAI, reduzindo a referida percentagem para 5 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5 do referido artigo”.

2- Por sentença proferida no dia 11/05/2023, foi declarada a insolvência da aludida sociedade, A..., S.A., e o Apelante nomeado Administrador da Insolvência.

3- Na mesma sentença foi ainda decidido o seguinte:

“Nos termos dos artigos 60º do CIRE e 22º, 23º, 26º e 29º do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, e do artigo 1º da Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro, determina-se o pagamento ao/à Senhor(a) Administrador(a) de Insolvência da quantia de 2.000,00 euros, a título de remuneração, e de 2 UC´s, a título de provisão para despesas.

O pagamento da remuneração será feito em duas prestações, vencendo-se, de imediato, a primeira.

A segunda prestação da remuneração vence-se no termo do prazo de seis meses a contar desta data, mas nunca após a data do encerramento do processo.

A provisão para despesas vence-se de imediato”.

4- No dia 28/06/2023, o Apelante juntou aos autos o relatório previsto no artigo 155.º, do CIRE, no qual, entre o mais, propôs que fosse elaborado de um plano de insolvência e os seguintes valores remuneratórios:

- 5.000,00€, pela elaboração do plano de insolvência; e,

- 500,00€, pelo acompanhamento da gestão.

5- Posteriormente, no dia 05/07/2023, foi realizada a Assembleia de Credores, na qual o Apelante esteve presente, e, na sequência do aí deliberado, foi determinado “o prosseguimento dos autos para apresentação de plano de insolvência, no prazo de 60 dias, com a consequente suspensão da liquidação, mantendo-se a administração da massa insolvente pela devedora”.

6- O Apelante apresentou o Relatório de Verificação de Créditos, no dia 12/09/2023.

7- Subsequentemente, no dia 19/09/2023, o Apelante apresentou também a proposta do plano de insolvência.

8- No mesmo dia 19/09/2023, o Apelante apresentou igualmente o seu parecer sobre a qualificação da insolvência e, no âmbito do julgamento do correspondente incidente, prestou declarações, no dia 14/03/2024.

9- Entretanto, por despacho proferido no dia 09/10/2023, o Apelante foi substituído por outro Administrador de Insolvência (BB).

10- Este último Administrador juntou os autos, no dia 10/11/2023, a proposta de plano de insolvência corrigido, que veio a ser admitida por despacho proferido no dia 12/11/2023.

11- Este Administrador de Insolvência participou na Assembleia de Credores realizada no dia 10/01/2024, destinada à discussão do referido plano.

12- O mesmo Administrador de Insolvência apresentou, no dia 08/02/2024, o quadro resumo da votação dos credores votantes na assembleia de credores.

13- O referido plano de insolvência foi homologado por sentença proferida no dia 05/08/2024.

14- O valor dos créditos reconhecidos neste processo de insolvência ascende a 4.885.661,44€; o valor dos créditos a pagar ascende a 2.078.445,69€ e o valor dos créditos perdoados ascende a 2.807.215,75€.


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C- Fundamentação jurídica

Neste recurso, como vimos, nada mais se discute que não seja o valor da remuneração a atribuir ao Apelante. Seja a título de remuneração fixa; seja a título de remuneração variável (incluindo ou não majoração); seja ainda pela elaboração do plano de insolvência e acompanhamento da gestão. O Apelante não se conforma com a decisão recorrida em nenhum destes aspetos, ainda que não exatamente pelas mesmas razões.

Importa, por isso e antes de mais, ter presentes as pertinentes regras legais e confrontá-las com a situação em apreço, em ordem a determinar a remuneração efetivamente devida ao Apelante.

Quanto à remuneração fixa:

Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ)[1], “[o] administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro)”.

No entanto, acrescenta o n.º 3: “Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º”. Isto é, 1.000,00€.

No caso, o Apelante foi nomeado Administrador de Insolvência no dia 11/05/2023. Todavia, foi substituído no exercício dessas funções, por despacho proferido no dia 09/10/2023.

Assim, é manifesto que, não tendo chegado a completar seis meses de funções, só a primeira das prestações lhe é devida, como se decidiu no despacho recorrido. Isto é, o Apelante apenas tem direito a receber, a este título, 1.000,00€.

Passemos à análise de uma outra rubrica: a remuneração variável.

Neste âmbito, aquilo que começa por estar em causa é a identificação da base de cálculo dessa remuneração, quando é aprovado um plano de recuperação do devedor: se, como defende o Apelante, a situação líquida do devedor, correspondente ao montante dos créditos a satisfazer aos credores; ou, como se decidiu no despacho recorrido, o valor dos créditos perdoados.

A lei, diga-se, desde já, não é totalmente linear, a este respeito.

Assim, depois de dispor no n.º 4 al. a), do citado artigo 23.º do EAJ, que os administradores judiciais auferem uma remuneração variável, em função do resultado da recuperação do devedor, que corresponde a “10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5”, acrescenta neste último número, que, para esses efeitos, “em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano”. Ou seja, usa duas expressões, “a situação líquida” e o “montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano”, que não são exatamente sobreponíveis nos seus sentidos.

Por isso há quem entenda que “o conceito de “situação líquida” é a diferença entre o montante dos créditos reclamados (…) e o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano”[2].

Mas, não tem sido este o entendimento maioritário.

Com efeito, como se refere no Acórdão deste Tribunal, de 11/03/2025([3]), “a posição que tem vindo a prevalecer maioritariamente na jurisprudência (…), sustenta que a “situação líquida” a atender, corresponderá à diferença entre a situação económica do devedor antes e depois da aprovação do plano de recuperação, traduzindo-se assim na diferença entre o valor dos créditos reclamados e admitidos e o valor dos créditos a pagar pelo devedor aos credores na execução do plano de recuperação aprovado, ou seja, no valor do perdão dos créditos”. Isso – acrescentamos nós – tanto no processo de revitalização, como no processo especial para acordo de pagamento, como, ainda, no processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação do devedor.

Em todas essas situações, a recuperação do devedor será tanto maior quanto maiores forem “as restrições dos direitos dos credores previstas no plano, já que será por via destas restrições que aquela obterá o necessário desafogo económico e financeiro e como tal a sua recuperação”. Logo, tendo em vista esse desiderato, é em função da medida da recuperação e não apenas em função do montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, que a medida da remuneração deve ser encontrada[4]. Até porque, a ser deste modo e seguindo-se o último critério indicado, o incentivo para o Administrador de Insolvência seria para integrar no plano o maior volume de créditos e não para os restringir, com as inevitáveis consequências nefastas na recuperação do devedor. Daí que se rejeite este critério e se opte pelo que tem sido seguido pela maioria da jurisprudência.

Significa isto que tendo, no caso presente, sido perdoados créditos no montante 2.807.215,75€ e tendo o Apelante aceitado reduzir a sua remuneração, a este título, a 5% de tal montante, o valor global a atribuir seria de 140.360,77€, só neste capítulo. Isto, sem levar em consideração o critério legal (correspondente, como vimos, a “10% da situação líquida”), que necessariamente devia ser aplicado para obter a remuneração do outro Administrador de Insolvência que substituiu o Apelante.

Ora, como veremos mais adiante, o aludido montante mostra-se desajustado e manifestamente desproporcionado, em relação ao trabalho desenvolvido pelos Administradores de Insolvência que desempenharam funções nestes autos. Tanto mais que, como também veremos, os mesmos, para além da remuneração fixa, terão ainda direito à remuneração pela elaboração do plano de insolvência e pelo acompanhamento da gestão da devedora.

Mas, vamos por partes.

Por ora, importa ainda enfrentar uma outra questão que se prende com o problema de saber se o Apelante tem igualmente direito à majoração remuneratória que reclama. Isto é, 113.372,47€, correspondentes a 5% do grau de satisfação dos créditos que, a seu ver, se verifica neste caso.

E a resposta, adiantamo-lo desde já, não pode deixar de ser negativa. Tal como, de resto, se decidiu no despacho recorrido.

Efetivamente, a indicada majoração, quando aplicável, é determinada “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles” – n.º 7, do referido artigo 23.º, do EAJ.

Ora, sendo necessário que haja créditos satisfeitos e sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação desses créditos, é pressuposto de tal majoração que a mesma seja precedida de liquidação do ativo com esse desiderato.

Esta, de resto, tem também sido a orientação jurisprudencial dominante.

“A majoração a que se refere o n.º 7 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial – refere-se no Ac. RG de 25/05/2023([5]) -, apenas será aplicado no PEAP (e no PER e no plano de recuperação aprovado em processo de insolvência) se e quando o Plano de Pagamento (ou Plano de revitalização ou plano de recuperação) previr que parte dos créditos sejam imediatamente satisfeitos por via de liquidação de bens”.

Se, como se refere no Ac. RG de 17/11/2022([6]), “a intenção do legislador fosse que a majoração contemplasse todos os casos, não faria sentido o número 7. Bastaria, para tanto, aumentar a percentagem da majoração referida no nº 4 do preceito”. O que não sucedeu.

Por conseguinte, cremos ser de concluir que a referida majoração só é devida se, no plano de recuperação aprovado, tiver havido satisfação efetiva de créditos reconhecidos, designadamente, por via da liquidação, ainda que parcial, do património do devedor[7].

Ora, não sendo esse o caso presente, é evidente que tal majoração não é devida.

Importa, agora, saber se a remuneração variável apurada é devida na totalidade ou se, pelo contrário, a mesma deve ser reduzida para o montante de 50.000,00€, como se decidiu no despacho recorrido. Isto porque o Apelante considera que não se aplicam, no caso da recuperação do devedor, os limites previstos no artigo 23.º, n.ºs 8 e 10, do EAJ, uma vez que não há liquidação da massa insolvente.

E, na verdade, ambos os preceitos aludem a essa condicionante.

No primeiro caso, prescreve o artigo 23.º, n.º 8, do EAJ, que [s]e, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções”.

Já no segundo, estatui o mesmo normativo, mas agora no n.º 10, que “a remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 [“5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6”] não pode ser superior a 100 000 (euro)”.

Resulta daqui que, em ambas as hipóteses, é delas pressuposto expresso que estejamos perante um caso de liquidação, ainda que parcial do ativo do devedor.

E nas outras hipóteses, nos casos, como o presente, de recuperação do devedor, não poderá haver esses limites ? Ou seja, o valor da remuneração variável não tem qualquer valor máximo ?

Do nosso ponto de vista, deve ter.

O Ac. RC, de 23/04/2024 ([8]), ajuda-nos a compreender porquê:

“Antes das alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022, não se encontrava previsto qualquer teto ou limite legal máximo para o valor da remuneração variável, fosse na situação de recuperação, fosse de liquidação da massa insolvente, prevendo-se, tão só, no nº6 do art. 23º, a possibilidade de uma redução com base na equidade:

6- Se, por aplicação do disposto nos termos anteriores, a remuneração exceder o montante de 50.000 € por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.

Não se distinguia, então, entre a remuneração variável a atribuir em caso de recuperação ou de liquidação da massa, podendo o juiz, em qualquer das situações, reduzir tal remuneração até ao montante de 50.000 €, quando da aplicação dos critérios legais resultasse um valor desproporcionado.

Com a redação atualmente em vigor, a possibilidade de redução da remuneração anteriormente prevista no nº 6, apenas se encontra prevista para os casos de liquidação da massa insolvente e criou-se um teto no valor 100.00,00€, mas também neste caso, unicamente para os casos de liquidação da massa:

(…)

Questionando-nos que razões poderão estar na base da previsão destas clausulas de salvaguarda com vista a evitar a fixação de remunerações desproporcionais e excessivas unicamente para as situações de liquidação da massa – para além de lapso do legislador –, e a única que nos ocorre é que, nessa hipótese a remuneração do administrador é suportada pela massa insolvente (art. 29º, nº1), sendo paga com valores que, saindo precípuos da massa, diminuem o montante a distribuir pelos credores. Já no caso de aprovação de um plano de recuperação, a remuneração será suportada pela empresa/ devedor (art. 17º-C, 6, quanto ao PER, e 222º-C, nº6, quanto ao PEAP), não implicando uma direta diminuição do montante a pagar aos credores, cujos créditos serão satisfeitos nas condições previstas no plano.

Ora, se pela aplicação da al. a) do nº, 4 e nº5, nas suas várias interpretações possíveis, alcançámos resultados perfeitamente exorbitantes e desajustados (…), tal significa que podemos estar perante uma lacuna legal.

Não desconhecemos que, na origem das alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022, esteve a intenção de valorizar o trabalho do administrador judicial em caso de recuperação, criando incentivos, que se refletem, desde logo, no facto de se prever uma taxa de incidência superior em caso de recuperação (uma prct. 10%, enquanto que no caso de liquidação, a prct. de 5%).

Em comparação com os regimes anteriores, temos que, no anterior Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei nº 32/2004, de 22/07, a remuneração variável apenas se encontrava prevista para as situações de liquidação da massa (artigo 20º, ns. 2 a 5). No caso de aprovação de um plano de insolvência, o administrador de insolvência apenas tinha direito à remuneração fixa e, eventualmente, ainda à remuneração pela elaboração do plano ou pela gestão do estabelecimento compreendido na massa insolvente, se tais funções lhe fossem cometidas (artigos 22º e 23º).

De qualquer modo, quer no anterior Estatuto do Administrador de Insolvência, quer no Estatuto do Administrador Judicial aprovado pela Lei nº 22/2013, que vem alargar a atribuição da recuperação variável aos casos de recuperação, a remuneração variável era calculada através da aplicação de uma taxa de incidência variável em função do valor da liquidação da massa (quanto maior o valor fosse o valor da liquidação, menor a percentagem a aplicar), precisamente para evitar a obtenção de valores excessivos e desajustados ao trabalho exercido pelo AI.

E, quer face ao EAI, quer ao EAJ, na sua versão original, existia ainda a possibilidade de, caso por aplicação dos critérios legais a remuneração excedesse o montante de 50.000,00 €, o juiz determinar a que a remuneração devida para além desse montante, tendo em conta, designadamente os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligencia empregue no exercício das funções.

Nenhuma das soluções que ensaiamos através das várias hipóteses de interpretação daquelas normas leva a resultados satisfatórios.

Tais dificuldades mais se agravam quando a lei atual apenas prevê como fatores corretivos, a possibilidade de redução da remuneração prevista no nº8, quer do limite máximo previsto no nº10, apenas nos casos de liquidação da massa.

David Sequeira Dinis e Tiago Lopes da Veiga, defendem uma interpretação extensiva, ou por recurso à analogia, que permita abranger pelo mecanismo do nº8, também os casos de homologação de um plano de recuperação – precisamente, por entenderem que, “em ambas as situações existem motivos e circunstâncias que podem justificar a redução da remuneração. Aliás, tal redução pode até ser mais justificada em caso de recuperação, pois, para além da remuneração fixa e variável, o administrador judicial poderá ter direito a uma remuneração adicional pela elaboração do plano e, porventura, pela gestão do estabelecimento[…]”.

Tais autores vão ainda mais longe ao afirmar que, não permitir que o tribunal reduza a remuneração do administrador em casos de recuperação, equivale a pagar-lhes à cabeça 10% do total dos créditos perdoados, significando que o perdão da dívida teria sempre associado um custo de 10%, o que representaria um desincentivo fortíssimo ao recurso a esta medida.

Concluem, assim, que “não admitir que o tribunal reduza a remuneração do administrador judicial em casos de recuperação seria uma solução manifestamente inconstitucional, quer por representar uma restrição desadequada e desproporcional da garantia do acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa””

E, assim, concluiu-se no referido Aresto que “[s]e, pela aplicação da al. a) do nº 4, e do nº 5, do art. 23º, nas suas várias interpretações possíveis, forem alcançados resultados exorbitantes e desajustados às funções exercidas pelo AJ, haverá que, por interpretação extensiva, aplicar a faculdade de redução da remuneração até ao montante de 50.000,00 €, prevista no nº 8, aos casos de homologação de um plano de recuperação”.

Concordamos com esta solução. Estamos nitidamente perante uma lacuna legal que carece de ser preenchida pelo indicado método. Até porque, nos casos de recuperação do devedor através de um plano, havendo, por exemplo, apenas a liquidação parcial mediante a venda de um bem de reduzido valor, o critério já implicaria a aplicação dos referidos limites[9]. Neste contexto, portanto, não se justifica qualquer diferenciação. Pelo contrário, aquilo que faz sentido, em ordem à recuperação do devedor, é que, quando esta recuperação esteja em causa, haja também limites para a remuneração variável do Administrador de Insolvência, quando essa remuneração atinja valores exorbitantes.

Ora, é isso, justamente, que se verifica no caso presente. Como vimos, só a título de remuneração variável aos administradores da insolvência, seriam devidos, no mínimo, 140.360,77€. Isto, para além da remuneração fixa, da remuneração pela elaboração do plano de insolvência e pelo acompanhamento da gestão da devedora, quando é certo que esta última foi declarada em estado de insolvência no dia 11/05/2023 e o plano para a sua recuperação foi aprovado no dia 05/08/2024; ou seja, passado pouco mais de um ano.

Como tal, pois, tendo em conta os fatores previstos no artigo 23.º, n.º 8, do EAJ, que aqui se têm por aplicáveis por interpretação extensiva, não se considera desajustada a redução da remuneração variável para 50.000,00€, como se decidiu no despacho recorrido.

Resta por determinar, então, a repartição deste valor e do que foi atribuído para remunerar a elaboração do plano de insolvência (5.000,00€), pelos administradores de insolvência que desempenharam funções nestes autos. Isto porque o Apelante considera injusta a repartição operada na decisão recorrida (de 60% para si e 40% para o novo administrador nomeado), uma vez que:

- “quando o Apelante foi substituído como Administrador Judicial, o processo encontrava-se todo instruído, inclusive a nível da reclamação dos créditos”;

- “o cumprimento do artigo 129.º n.º 4 do CIRE foi dado pelo Apelante”;

- “aquando da verificação dos pressupostos para a existência de Insolvência Culposa o novo Administrador Judicial nada disse, visto desconhecer o processo”;

- “O Novo AI não faz ideia do que foi apresentado, sequer participou em alguma negociação/alteração do plano de insolvência”;

- “O processo de homologação do Plano apenas se arrastou no tempo devido ao pedido de qualificação da insolvência como culposa”;

- “O parecer de qualificação da insolvência foi efetuado, de igual forma, pelo aqui apelante e em sede de julgamento”.

Além disso, “a sentença que determinou a repartição de 60-40% do valor do mesmo não pode ser observada até porque contraria uma decisão da entidade Magnânima e soberana em sede de processo falimentar, a Assembleia de Credores”.

“A decisão foi incumbir o apelante de fazer o Plano, ele e não outro, e pagar-lhe 5.000,00 euros”.

“Logo, não existe qualquer dúvida de que o valor é-lhe devido”.

Ora, começando, justamente, por esta última argumentação, diremos que a mesma não colhe, na medida em que a Assembleia de Credores, efetivamente, sancionou a proposta do Apelante no sentido de que a elaboração da proposta do plano de insolvência devia ser remunerada com 5.000,00€, mas daí não resulta que esse valor lhe seja devido exclusivamente a ele. Até porque a mesma assembleia também sancionou a proposta no sentido de que o acompanhamento da gestão devia ser remunerado à razão de 500,00€ mensais, e o Apelante não pede, e bem, a remuneração relativa ao período em que não desempenhou essas funções (já agora, diga-se de passagem, o Apelante foi substituído por despacho proferido no dia 09/10/2023 e não em novembro de 2023, como o mesmo refere).

Por outro lado, se é verdade que o Apelante elaborou o plano de insolvência, também é verdade que esse plano veio a ser, posteriormente, corrigido pelo outro Administrador de Insolvência, não sendo assim, a versão final aprovada, da exclusiva autoria daquele.

Não obstante isto e o facto do Administrador de Insolvência que substituiu o Apelante ter participado na Assembleia de Credores realizada no dia 10/01/2024, destinada à discussão do referido plano, e de o mesmo Administrador de Insolvência ter apresentado, no dia 08/02/2024, o quadro resumo da votação dos credores votantes na Assembleia de Credores, certo é, ainda assim, que a grande maioria das tarefas que foram realizadas nestes autos, o foram pelo Apelante.

Assim, foi ele quem, no dia 28/06/2023, juntou aos autos o relatório previsto no artigo 155.º, do CIRE; quem, posteriormente, no dia 05/07/2023, esteve presente na Assembleia de Credores e quem, nessa sequência, elaborou a primeira versão do plano de insolvência; quem apresentou o Relatório de Verificação de Créditos, no dia 12/09/2023; quem, no dia 19/09/2023, apresentou também o parecer sobre a qualificação da insolvência; e quem, no âmbito do julgamento do correspondente incidente, prestou declarações, no dia 14/03/2024.

Não há dúvidas, portanto, de que a grande maioria das tarefas cometidas ao Administrador de Insolvência foram realizadas pelo Apelante.

E, porque assim, é, tal como sucede no caso do administrador judicial que cesse funções antes do encerramento da liquidação ou que seja substituído pelos credores (artigos 23.º, n.º 11, e 24.º, n.º 2, do EAJ), também nesta hipótese a remuneração (variável e pela elaboração do plano de insolvência, quando este não seja elaborado só por um) deve ser repartida proporcionalmente, em função do trabalho desenvolvido por cada um dos administradores. Não na medida decretada na decisão recorrida, mas na proporção de 3/4 para o Apelante e 1/4 para o Administrador de Insolvência que o substituiu. É este critério que se afigura mais justo e que melhor corresponde o trabalho realizado.

Em resumo, ressalvado este aspeto, o presente recurso é de julgar improcedente e, nessa medida confirmada a decisão recorrida.


*


III – Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em:

1.º Julgar parcialmente procedente o presente recurso e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida e determina-se que a remuneração variável e aquela que é devida pela elaboração do plano de insolvência sejam repartidas na proporção de ¾ para o Apelante e 1/4 para o Administrador de Insolvência que o substituiu.

2.º Quanto o mais, julga-se improcedente este recurso e confirma-se na mesma medida, a decisão recorrida.


*

- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão pagas pelo Apelante e pela Insolvente, na proporção do decaimento de cada uma- artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.










Porto, 27/5/2025.

João Diogo Rodrigues;
Anabela Miranda;
Rui Moreira.

________________________________
[1] Aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro.
[2] Ac. RG, de 25/05/2023, Processo n.º 601/22.6T8VRL-A.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 1230/24.5T8STS.P1, consultável no mesmo endereço eletrónico.
[4] Neste sentido, por exemplo, Ac. RLx de 24/01/2023, Processo n.º 26107/20.0T8LSB.L1-1 e Ac. RLx de 28/11/2023, Processo n.º 73/23.8T8FNC-B.L1-1, consultáveis no dito endereço eletrónico.
[5] Processo n.º 601/22.6T8VRL-A.G1, consultável no endereço eletrónico indicado.
[6] Processo n.º 3529/21.3T8GMR.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, Ac. RP de 20/02/2024, Processo n.º 1142/23.0T8STS.P1, relatado pelo ora 2.º Adjunto, consultável no local já indicado.
[8] Processo n.º 137/21.2T8VLF-K.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, por exemplo, Ac. RC, de 21/05/2024, Processo n.º 2308/22.5T8CBR.C1, consultável em www.dgsi.pt