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PENHORA
IMÓVEL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
HABITAÇÃO PRÓPRIA PERMANENTE
Sumário
(elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC)
1. Embora todos os bens do devedor susceptíveis de penhora respondam pelo cumprimento das suas obrigações, a penhora deve limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, nos termos do art.º 735º, nº 3 do CPC; 2. O princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 735º, nº 3 do CPC, decorre da protecção constitucional do direito à propriedade privada prevista no art.º 62º da CRP e destina-se a proteger o executado de eventuais abusos na execução do seu património; 3. Sendo penhorado prédio que constitua habitação própria permanente do executado, a circunstância de o executado ali habitar não constitui obstáculo à penhora, estando essa situação protegida através de meios de defesa especialmente conferidos ao executado.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. Na sequência de execução contra si intentada veio a executada A … deduzir incidente de oposição à penhora, requerendo o levantamento da penhora efectuada, por a mesma ser inadmissível nos termos do art.º 784º, nº 1, als. a) e c) do CPC e por violar o princípio da proporcionalidade da penhora (arts. 752º, nº 2 do CPC e 18º, nº 2 da CRP).
2. O exequente apresentou oposição defendendo a improcedência da oposição e peticionando a condenação da executada como litigante de má fé.
3. A executada defendeu a improcedência deste pedido, tendo também peticionado a condenação da parte contrária como litigante de má fé.
4. Foi proferida decisão, julgando improcedente a presente oposição à penhora e determinando o prosseguimento da execução; bem como os pedidos de condenação de ambas as partes como litigantes de má fé.
5. É desta decisão que a executada recorre, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem por objeto a anulação da sentença proferida em 31 de janeiro de 2025, pelo Juiz 3 do Juízo de Execução de Sintra, que julgou totalmente improcedente a presente oposição à penhora, determinando o prosseguimento da execução, por violação da lei, nomeadamente do artigo 751º do CPC, mais precisamente da alínea a) do seu nº 4 e do artigo 752º, nº 2 do CPC e dos artigos 18º, nº 2 e 62º da Constituição (CRP).
2. O valor do imóvel penhorado ser de 124.060,00€;
3. O artigo 751º do CPC estabelece o princípio da proporcionalidade da penhora, devendo esta começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
4. o valor da quantia exequenda é de 6.380,08€, assim fixado pelo próprio Tribunal a quo, em sentença proferida em 9 de março de 2023, com a referência 142681398, no apenso A deste processo executivo, relativo à oposição à execução deduzida pela embargante;
5. O valor patrimonial do imóvel penhorado é de 124.060,00€, conforme caderneta predial junto aos autos, e constitui casa de morada de família da embargante e das duas filhas, comuns da embargante e do embargado.
6. O imóvel penhorado é a casa de morada de família da embargante e das suas duas filhas, por sinal, também filhas do embargado.
7. Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado só pode ser penhorado em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses [artigo 751º, nº 4, alínea a) do CPC].
8. O dobro do valor da alçada do tribunal de 1ª instância é de 10.000,00€, bem superior ao valor da quantia exequenda (artigo 44º, nº 1 da LOSJ, aprovada pela Lei 62/2013, de 26 de agosto).
9. O processo executivo da qual a penhora sobre o imóvel, habitação própria permanente da executada iniciou-se em 27 de maio de 2022 conforme referência com o nº 21157408, do processo executivo da qual a presente oposição à penhora constitui o seu apenso B.
10. A penhora sobre este imóvel foi realizada no dia 9 de novembro de 2023, conforme referência com o nº … 81 do processo executivo da qual a presente oposição à penhora constitui o seu apenso B.
11. Entre a instauração do presente processo executivo e a realização da penhora decorreram, exatamente, dezassete meses e meio.
12. No cumprimento da lei, nomeadamente, tanto do artigo 751º, nº 4, alínea a) como do artigo 752º, nº 2, ambos do CPC, a oposição à penhora do imóvel que constitui casa de morada de família da executada/embargante e das duas filhas comuns tanto da embargante como do embargado, deveria ter sido julgada totalmente procedente.
13.Também atendendo ao valor da quantia exequenda (6.380,08€) e ao valor patrimonial do imóvel penhorado (124.060,00) a penhora do imóvel ofende o princípio da proporcionalidade da penhora (artigo 752º, nº 2 do CPC);
14. O princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da suficiência, consagrado no artigo 752º, nº 2 do CPC, é um limite à penhora de bens indicados pelo exequente e tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (artigo 62º da CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada de situações jurídicas ativas privadas. A natureza gravosa da penhora deve assim limitar-se ao que seja necessário para a satisfação do crédito exequente e das custas (vg. acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 18 de junho de 2019, no processo 1920/14.0YYLSB-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt).
15. O princípio da proporcionalidade está também consagrado no artigo 18º, nº 2, da CRP, o qual se analisa em três subprincípios: necessidade (ou exigibilidade), adequação e racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito);
16.Em sede de apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado, importa observar o princípio da proporcionalidade e da adequação a que tal ato está submetido, i.e., não pode esquecer-se o interesse de o devedor (ou terceiro) não ser excessivamente e inutilmente onerado na fase da responsabilidade patrimonial (vg. vg. acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de abril de 2017, no processo 3449/09.0T2SNT-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt);
17. Acresce ainda que a penhora efetuada sobre esse imóvel não garantirá, de todo, ao exequente o pagamento da dívida exequenda, no valor de 6.380,08€.
18.Aqui residindo o comportamento antiético e antijurídico do embargado consubstanciando um claro abuso de direito, cujo instituto está expressamente previsto no artigo 334º do Código Civil.
19.O embargado conviveu com a embargante como se de marido e mulher se tratasse, na companhia das duas filhas comuns.
20. O embargado tem perfeito conhecimento que esse imóvel está onerado com uma hipoteca a favor do banco BPI, no valor de 307.800,00€, aliás, como decorre da AP. … de 2021/11/04, registada na certidão predial.
21. O valor em dívida desse crédito ascende neste momento a, sensivelmente, 290.000,00€, cujo valor o embargado também é conhecedor atendendo ao período que conviveu com a embargante. 22. Essa hipoteca confere ao banco credor um privilégio creditório sobre a penhora posteriormente registada pelo embargante através da AP. … de 2023/11/09, conforme decorre do artigo 686º, nº 1, do Código Civil.
23. Resulta assim que a eventual venda desse imóvel alicerçada na penhora registada a favor do embargante, não garantirá, de todo, que do produto da venda possa resultar, sequer, o pagamento do crédito garantido pela hipoteca a favor do banco credor, muito menos assegurará que o embargado possa receber os 6.380,80€ que reclama da embargante.
24. Ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante ((vg. acórdão proferido pelo Tribunal da relação de Coimbra, em 9 de janeiro de 2017, no processo 102/11.8TBALD.C2, disponível em www.dgsi.pt).)
25.Uma das modalidades que dogmaticamente se tem considerado configurar abuso do direito é o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, que se pode definir como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (mesmo acórdão).
26. A conceção legalmente adotada de abuso do direito é essencialmente objetiva, isto é, não é necessária a consciência de se estar a exceder com o exercício do direito os limites impostos, quer pelos bons costumes, quer pelo fim social económico do direito, importa apenas que os limites sejam excedidos de por forma, manifesta, pois como a própria lei indica, sempre se terá de ter presente, no que diz respeito ao fim social e económico do direito, os juízos de valor positivamente consagrados na lei (vg. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 30 de março de 2023, no processo 1709/19.0T8ACB-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt)
27.A boa fé, traduzida na conduta leal e correta com vista à obtenção dos fins legitimamente prosseguidos pelas partes, bem como a confiança que cada uma delas atuará de tal forma, em termos de razoabilidade, constitui uma das fundamentais exigências éticas no âmbito do comércio jurídico, surgindo assim como um princípio aplicável em todos os domínios em que possa existir um vínculo específico entre determinados sujeitos, com consagração legal em vários preceitos legais (mesmo acórdão).
28. O abuso do direito, consagrado no artigo 334º do Código Civil, corresponde, sobretudo, a uma manifestação concreta do princípio da boa fé. O comportamento, manifestamente atentatório da boa fé, deve ser repudiado pela ordem jurídica, qualificando como ilegítimo o exercício do direito baseado nesse comportamento e obstando à concretização da respetiva pretensão jurídica (múltiplos acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, acórdão proferido em 28 de setembro de 2017, no processo 97/14.6T8ACB-A.C1.S1 e acórdão proferido em 12 de janeiro de 2021, no processo 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).
29. Também este Tribunal da Relação já se pronunciou sobre a questão do abuso de direito, nos seguintes termos: “Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.” (vg. acórdão proferido em 24 de abril de 2008, no processo 2889/2008-6, disponível em www.dgsi.,pt).
30. Associada à violação dos artigos 751º, nº 4 a) e 752º, nº 2 do CPC e dos artigos 18º, nº 2 e 62º da CRP a sentença recorrida também violou o artigo 334º do Código Civil.
31.Nomeadamente, por julgar improcedente a oposição à penhora do prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra com o nº … e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Sintra, sob o artigo … 35, correspondente à moradia unifamiliar com dois pisos, sita na Urbanização Quinta …, Lote …, em Nafarros, concelho de Sintra, onerado com uma hipoteca no valor de 307.000,00€, enquanto garantia de uma quantia exequenda no valor de 6.380,08€, sem que do produto da venda desse imóvel possa resultar o pagamento desta quantia.
32.A violação do artigo 334º do Código Civil, resulta do exercício de um direito do embargado fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
33.Sobretudo quando do exercício desse direito resultará a perda da casa de morada de família da embargante e das duas filhas comuns da embargante e do embargado.
34. Em bom rigor, o que o embargado pretende não é receber a quantia exequenda que sabe perfeitamente não poder alcançar com a venda do imóvel penhorado, mas sim deixar sem abrigo a embargante e as suas próprias duas filhas, unicamente com o objetivo de satisfazer a sua pérfida vingança, motivada pela existência de um processo crime de violência doméstica que corre termos na 6ª Secção do DIAP de Sintra, com o nº …/…-…KRSNT em que a embargante denunciou o embargado pela comissão do crime de violência doméstica.
35.Nesse processo crime de violência doméstica foi atribuído à apelante o estatuto de vítima especialmente vulnerável, nos termos do artigo do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei 112/2009, de 16 de setembro, conforme cópia da notificação recebida no dia de hoje, 10 de março de 2025, que se junta como doc. 1., por não ter sido possível a sua entrega em data anterior.
36. Conclui-se assim que o despacho recorrido não merece consolidar-se na ordem jurídica, requerendo-se a sua anulação por este Venerando Tribunal, através de acórdão que também julgue totalmente procedente a oposição à penhora deduzida pela embargante e ordene o cancelamento do respetivo registo.”.
6. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, são:
- da proporcionalidade da penhora efectuada;
- do abuso de direito.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
“Fundamentação de facto
A – Factos Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, estão assentes os seguintes factos:
1. Em 16 de Maio de 2022, o Exequente B … intentou execução sumária para pagamento de quantia certa contra a ora Oponente A …, dando à execução o requerimento de injunção n.º …/….-…YIPRT, ao qual foi aposta fórmula executória em 25 de Fevereiro de 2022.
2. A execução foi intentada para pagamento da verba de € 7.147,58 a título de capital, os quais serão acrescidos dos juros moratórios e compulsórios que se vencerem, à taxa legal, até integral pagamento.
3. No âmbito da execução, a Sr.ª AE realizou diligências tendentes à identificação e localização de bens penhoráveis, com os seguintes resultados:
a) em 31.05.2022, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, da qual resulta que: - quanto à ora Oponente encontra-se inscrito na matriz, em seu nome, um prédio urbano (artigo matricial … 35 da união de freguesias de Sintra, com o valor patrimonial tributário de € 124.060), não consta como responsável pelo pagamento do imposto único de circulação de veículos, a última declaração de rendimentos por si apresentada é referente ao ano de 2021 e consta como sócia gerente da empresa com o NIF … 51.
b) em 31.05.2022, envio de comunicação electrónica para penhora de depósitos bancários, com resultados negativos;
c) em 31.05.2022, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, tendo-se apurado que a Oponente recebeu a sua última remuneração em Novembro de 2021, no valor de € 2.266,67 e que é beneficiária de subsídio de doença, no valor de € 1.606,92;
d) em 31.05.2022, consulta à base de dados da Caixa Geral de Aposentações, sem resultado positivo;
e) em 01.06.2022, consulta ao registo predial, da qual resulta que se mostra inscrita a aquisição, por compra, a favor da ora Oponente, do prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º … da freguesia de Sintra (São Martinho) e inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de Sintra sob o artigo … 35, sobre o qual incide o registo de uma hipoteca voluntária, constituída a favor do Banco BPI, S.A., a qual garante o montante máximo de € 377.079,62;
f) em 01.06.2022, registo da penhora de crédito relativo a reembolso de IRS do ano fiscal de 2021.
g) em 01.06.2022, consulta à base de dados do registo automóvel, com resultados negativos;
h) em 07.06.2022, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, tendo-se apurado que a Oponente recebeu a sua última remuneração em Novembro de 2021, no valor de € 2.266,67, que é beneficiária de subsídio de doença, no valor de € 1.739,72 e que se encontrava em curso a penhora n.º … 02, no valor total de € 8.700;
i) em 09.08.2022, a Sr.ª AE notificou o ISS, IP “para esclarecer em 10 dias quais os valores que foram penhorados à executada A …, Nif … 05, no âmbito deste processo, juntando os respetivos comprovativos”;
j) em 16.08.2022, o ISS, IP informou “(…) As penhoras não são efetuadas por este Instituto. Mais se informa que o subsídio de doença desta beneficiária foi cessado em 30.06.2022. (…).”.
k) em 18.08.2022, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, tendo-se apurado que a Oponente recebeu a sua última remuneração em Novembro de 2021, no valor de € 2.266,67, e que se encontrava pendente a penhora n.º … 01, no valor total de € 9.500;
l) em 05.09.2022, envio de comunicação electrónica para penhora de depósitos bancários, com resultados negativos;
m) em 07.09.2022 e 08.09.2022, consulta à base de dados da Caixa Geral de Aposentações, sem resultado positivo;
n) em 07.09.2022, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, com o mesmo resultado supra aludido em a);
o) em 07.09.2022, penhora de subsídio/prestação proveniente da SS, no valor de € 935,33;
p) em 07.09.2022, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, com o mesmo resultado aludido em k);
q) em 13.09.2022, envio de carta dirigida à “Pinkwishes, Unipessoal, Lda.”, da qual constava, além do mais, o seguinte: “Fica(m) V. Exa(s). pela presente notificado(s), nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado. (…).”;
r) em 27.09.2022, consulta à base de dados do registo automóvel, com resultados negativos;
s) em 27.09.2022, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, com o mesmo resultado supra aludido em a);
t) em 08.11.2022, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, com o mesmo resultado aludido em k);
u) em 09.11.2022, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, tendo-se apurado que a Oponente recebeu a sua última remuneração em Agosto de 2022, no valor de € 540,50, e que se encontrava pendente a penhora n.º … 01, no valor total de € 9.500;
v) em 09.11.2022, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, com o mesmo resultado supra aludido em a);
w) em 09.11.2022, consulta à base de dados da Caixa Geral de Aposentações, sem resultado positivo;
x) em 05.01.2023, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, com o mesmo resultado aludido em u);
y) em 06.01.2023, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, com o mesmo resultado supra aludido em a);
z) em 05.01.2023 e em 20.01.2023, consulta à base de dados da Caixa Geral de Aposentações, sem resultado positivo;
aa) em 31.01.2023, envio de comunicação electrónica para penhora de depósitos bancários, com resultados negativos;
bb) em 07.02.2023, envio de carta dirigida à “Pinkwishes, Unipessoal, Lda.”, da qual constava o seguinte: “Fica V.ª Exa. notificado que se encontra pendente um processo de embargos, contudo enquanto o mesmo não se encontrar decido deverão continuar as penhoras sobre o vencimento da executada A …, até que o tribunal profira decisão em sentido contrário. As penhoras incluem o subsídio de férias e o de Natal.”
cc) em 13.04.2023, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, tendo-se apurado que a Oponente recebeu a sua última remuneração em Março de 2023, no valor de € 760, e que se encontrava pendente a penhora n.º … 01, no valor total de € 9.500;
dd) em 13.04.2023, consulta à base de dados da Caixa Geral de Aposentações, sem resultado positivo;
ee) em 13.04.2023, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, com o mesmo resultado supra aludido em a);
ff) em 13.04.2023, registo da penhora de crédito relativo a reembolso de IRS do ano fiscal de 2022;
gg) em 20.04.2023, consulta à base de dados do registo automóvel, com resultados negativos;
hh) em 20.04.2023, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, com o mesmo resultado supra aludido em a);
ii) em 09.05.2023, a Sr.ª AE informou o Exequente “(…) que não está a ser efetuado qualquer desconto no vencimento pela entidade patronal, tendo sido enviado um requerimento à entidade patronal nesse sentido.”
jj) em 31.05.2023, envio de carta dirigida à “Pinkwishes, Unipessoal, Lda.”, da qual constava o seguinte: “Fica V.ª Exa. notificado que foi proferida sentença no apenso dos embargos, pelo que deverá dar continuidade à penhora de vencimentos até o valor de Euros: 6380,08 (seis mil trezentos e oitenta euros e oito cêntimos), conforme determinado. As entidades patronais têm o dever de colaboração com os tribunais e de dar todas as informações, inclusivamente justificar ao Agente de Execução a não penhora de valores num determinado mês. Na falta de informação será dado conhecimento ao tribunal, para eventual sanção por falta de colaboração.”
kk) em 31.07.2023, consulta à base de dados do Instituto de Segurança Social, IP, tendo-se apurado que a Oponente recebeu a sua última remuneração em Junho de 2023, no valor de € 760, e que se encontrava pendente a penhora n.º 715801, no valor total de € 9.500;
ll) em 02.11.2023, consulta à base de dados da Administração Tributária e Aduaneira, da qual resulta que se encontra ainda inscrito na matriz, em seu nome, um prédio urbano (artigo matricial … 35 da união de freguesias de Sintra, com o valor patrimonial tributário de € 124.060), não consta como responsável pelo pagamento do imposto único de circulação de veículos, a última declaração de rendimentos por si apresentada é referente ao ano de 2022 e consta ainda como sócia gerente da empresa com o NIF … 51.
mm) em 02.11.2023, consulta ao registo predial com o mesmo resultado supra aludido em e);
nn) face à parcial procedência dos embargos de executado deduzidos (apenso A), os autos passaram a prosseguir para pagamento da verba de € 6.380,08 (seis mil trezentos e oitenta euros e oito cêntimos), a título de capital, respectivos juros de mora calculados à taxa legal e vencidos desde 16.05.2022 e ainda para pagamento dos juros compulsórios;
4. Pela apresentação n.º … de 09.11.2023, foi registada a penhora, à ordem dos autos de execução de que os presentes constituem um apenso, do prédio urbano supra identificado na alínea e) do ponto 3.
5. A Sr.ª AE elaborou o auto da penhora aludida em 4., dele ficando a constar “penhora de imóvel pertencente à executada”, com o valor “€ 124.060” e contendo, em anexo, chave de acesso à respectiva certidão permanente.
6. A Oponente reside no imóvel penhorado, a título permanente.
7. A Oponente e o Exequente são progenitores de duas filhas, nascidas em 03.07.2014 e em 03.08.2016, que residem alternadamente com aqueles.
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B – Factos não provados
Com relevância para a boa decisão da causa, ficaram por provar os seguintes factos:
i) Corre termos no DIAP de Sintra um processo crime com o n.º …/…-…GDSNT contra o exequente, pela comissão, contra a executada, dos crimes de violência doméstica, abuso de confiança e difamação.”.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se a apelante com a decisão recorrida alegando que a penhora efectuada não atende ao disposto nos arts. 751º, nº 4, al. a) e 752º, nº 2 do CPC, sendo desproporcional, assim violando os arts. 18º, nº 2 e 62º da CRP e ainda que a penhora efectuada não garantirá o pagamento da dívida exequenda.
Mais alega que o comportamento do exequente ao longo do processo consubstancia uma situação de abuso de direito, nos termos do art.º 334º do CC.
Vejamos.
Importa recordar que os presentes autos se assumem como um incidente de oposição à penhora.
Nos termos do art.º 784º do CPC, a oposição à penhora pode ter os seguintes fundamentos:
“a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência”.
A defesa da apelante subsume-se à inadmissibilidade da penhora do bem penhorado, face à desproporção entre o valor do bem e o montante exequendo, situação que se enquadra na citada al. a) do art.º 784º.
Importa, assim, apurar se a penhora efectuada é ou não violadora do princípio da proporcionalidade, previsto nos arts. 735º, nº 3 e 751º do CPC.
Refira-se que o disposto no art.º 752º, nº 2 do CPC não tem aplicação ao caso vertente, na medida em que se destina aos casos em que se execute dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, o que não é o caso dos autos.
O princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 735º, nº 3 do CPC, determina que a penhora se deve limitar aos bens do devedor que sejam necessários e suficientes para garantir a satisfação da dívida exequenda e custas prováveis.
Decorre este princípio da protecção constitucional do direito à propriedade privada prevista no art.º 62º da CRP e destina-se a proteger o executado de eventuais abusos na execução do seu património.
Assim, quando tenham sido penhorados bens ou direitos cujo valor exceda o da quantia exequenda e demais custas da execução ocorre uma violação do princípio da proporcionalidade, previsto nos arts. 735º, nº 3 e 751º do CPC. Neste sentido, veja-se António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Coimbra, 2020, pág. 178, em anotação ao art.º 784º, e jurisprudência aí citada, e ainda Marco Carvalho Gonçalves in Lições de Processo Civil Executivo, 5ª edição, Coimbra, 2023, pág.385 e ss..
Como se pode ler no Ac. TRL de 03-03-2020, proc. 17732/11.0T2SNT-A.L1-7, relator Micaela Sousa, “o incidente de oposição à penhora previsto no art.º 784º do CPC cinge-se à impugnação do acto de penhora, que deve assentar nos fundamentos enunciados no nº 1 desse normativo legal, desde logo, na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela tenha sido realizada. O incidente de oposição à penhora é, conforme refere Rui Pinto, a «acção funcionalmente acessória da acção executiva, pela qual o executado se defende de um acto de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável». – cf. apud acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 450/08.4TBSTB-D.E1, disponível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em endereço www.dgsi.pt”.
Pode ler-se ainda neste aresto que “O art.º 735º, n.º 3 do CPC consagra o princípio da proporcionalidade da penhora, de acordo com o qual esta deve limitar-se aos bens do devedor que sejam necessários e suficientes para garantir a satisfação da dívida exequenda e as custas da execução.
A penhora pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda.
(…)
O princípio da proporcionalidade tem uma génese constitucional posto que a faculdade de penhorar bens do devedor (ou de terceiro) representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação constitucionalmente conforme, impõe o respeito do princípio constitucional da proporcionalidade referido às restrições aos direitos, liberdades e garantias – cf. art.ºs 817º e 818º do Código Civil e art.ºs 18º, n.º 2 e 62º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 526.
(…)
Não existindo uma ordem de prioridade dos bens sobre os quais deve incidir a penhora, não deixa a lei de orientar o agente de execução no sentido de a fazer recair inicialmente sobre os bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e que se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo (cf. art.º 751º, n.º 1 do CPC), havendo ainda que respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, a menos que tal indicação viole norma legal imperativa, ofenda o princípio da proporcionalidade ou infrinja manifestamente o princípio da adequação”.
Concretizando, dir-se-á que deve existir uma ponderação entre o interesse do exequente na obtenção do pagamento do seu crédito, com o interesse do executado na salvaguarda do seu património. Ou seja, não deve ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a satisfação da obrigação exequenda, sempre tendo como escopo a concretização do aludido princípio da proporcionalidade.
Sendo penhorado prédio que constitua habitação própria permanente do executado, a circunstância de o executado ali habitar não constitui obstáculo à penhora, estando essa situação protegida através de meios de defesa especialmente conferidos ao executado.
Assim, o art.º 751º, nº 4 do CPC dispõe que “4 - Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado:
a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses;
b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses.
Por outro lado, os arts. 704º, nº 4, 733º, nº 5, 756º, nº 1, a) e 861º, nº 6, todos do CPC, estabelecem normas especificas de protecção da habitação, no caso de sentença pendente de recurso e no âmbito das diligências de venda.
Quer isto dizer que todos os bens do devedor susceptíveis de penhora respondem pelo cumprimento das suas obrigações, assistindo ao credor o direito de executar o património do devedor, mesmo quando tal património é constituído pela habitação própria permanente do executado.
Não obstante, a penhora deve limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (art.º 735º, nº 3 do CPC), sendo, como já referido, a inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos, fundamento de oposição à penhora.
Como se explica no Ac. TRL de 27-04-2021, proc. 1102/07.8JDLSB-AR.L1, relator Carla Câmara, no qual o ora 1º Adjunto teve intervenção também como 1º Adjunto, “A penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente, devendo o agente de execução respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou não se referiam aos bens porque deve começar a penhora (artigo 751º, nºs 1 e 2, do CPC).
A observância dos princípios da proporcionalidade e da adequação subjacentes à penhora, acautelam que o executado não seja colocado na posição de ver penhorados bens de valor superior ao necessário para o pagamento da divida exequenda e despesas previsíveis da execução.”.
No que se refere aos autos, recorde-se que o imóvel penhorado é a habitação própria permanente da executada e que a alçada dos tribunais de primeira instância, em matéria cível, é de € 5.000,00 (cfr. art.º 44º, nº 1 da LOSJ, aprovada pela Lei 62/2013, de 26 de Agosto).
Assim, nos termos do citado art.º 751º, nº 4, al. a), o imóvel dos autos só pode ser penhorado se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses.
Da análise dos factos assentes extrai-se que a execução foi intentada em 16 de Maio de 2022, tendo sido iniciadas diligências com vista à penhora em 31 de Maio de 2022; foram realizadas várias diligências de penhora nos termos previstos no art.º 751º, nº 1 do CPC, as quais resultaram infrutíferas, após o que se procedeu à penhora do prédio em causa em 9 de Novembro de 2023.
Constata-se, assim, que o bem penhorado é o único bem pertencente à executada e cuja penhora se logrou efectuar, estando assim cumprida a exigência do citado art.º 751º, nº 4, al. a).
Sustenta a apelante que face ao valor da quantia exequenda (€ 6.380,08) e ao valor patrimonial do imóvel penhorado (€ 124.060,00), não pode subsistir a penhora efectuada e ainda que a eventual venda do imóvel não garantirá nem pagamento do crédito garantido pela hipoteca a favor do banco credor, nem o pagamento da quantia exequenda.
Ora, da análise dos autos através do sistema Citius não resulta que o crédito hipotecário tenha sido reclamado, nem nada consta quanto ao não pagamento dos valores da hipoteca.
Acresce que nada consta quanto ao valor base de venda do imóvel penhorado, nomeadamente que o mesmo seja superior ou inferior ao seu valor patrimonial, dificuldades de realização da venda e possível incapacidade do produto da venda satisfazer o crédito hipotecário e o crédito exequendo.
Deste conjunto de circunstância não é possível concluir que a penhora do bem em causa neste incidente seja desproporcional ou que exista uma concreta insusceptibilidade de o exequente obter o pagamento da quantia exequenda.
Como se afirma no citado acórdão de 27-04-2021 “A penhora do imóvel seria violadora dos princípios da adequação e da proporcionalidade, caso resultasse dos autos que o valor dos créditos hipotecários, fundados na garantia real de hipoteca e, assim, com privilégio, uma vez reclamados e determinado o seu pagamento pelo valor da venda do imóvel, pagos estes, nada viesse a sobrar para o pagamento do crédito exequendo.”
Nada resultando dos autos nesse sentido, tem de se concluir que não existe qualquer violação do princípio da proporcionalidade e dos princípios constitucionais na sua base.
Por outro lado, verifica-se que a apelante não indicou outros bens que pudessem responder pela quantia exequenda, assim evitando a penhora em causa, ou permitindo o seu levantamento e substituição por outro bem.
Ora, “Invocando a violação do princípio da proporcionalidade da penhora e da adequação, cabia-lhe o ónus de alegar a existência de outros bens penhoráveis que pudessem satisfazer integralmente o crédito exequendo no lapso de tempo previsto no artigo 751º, nº 4 alíneas a) e b), do CPC” (Ac. TRL de 27-04-2021 supra citado).
Concluindo, a penhora efectuada nos autos não é desproporcional, assim improcedendo a apelação.
Alega ainda a apelante que o exequente age em abuso de direito, o que vem alegar pela primeira vez no âmbito da presente apelação.
Como vem sendo entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. Na verdade, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não é possível ao tribunal de recurso conhecer de novas questões. Neste sentido, vide Ac. STJ, de 7-07-2016, proc. 152/12.0TTCSC.L1.S1, relator Gonçalves Rocha e ampla Jurisprudência aí citada.
Tem sido também entendido que esta regra comporta como excepção as questões que, por serem do conhecimento oficioso do julgador, este tem de apreciar, mesmo sem que tal lhe haja sido pedido.
Como se pode ler no Ac. STJ, de 17-04-2018, proc. 1530/15.5T8CSC-C.P1.S1, Relator João Camilo, “O julgador, na elaboração da sentença, nos termos do art.º 608º, nº 2 apenas pode conhecer das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Sendo as questões levantadas nas conclusões das alegações dos recorrentes que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, há que aplicar a este limite a exceção decorrente da ressalva da parte final do nº 2 do art.º 608º.”
Considerando que é jurisprudência quase uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que o abuso de direito é de conhecimento oficioso (neste sentido, veja-se, entre outros, Ac. STJ de 20-12-2022, proc. 8281/17.4T8LSB.L1.S1, relator Manuel Aguiar Pereira), passa-se a conhecer a questão.
Nos termos do art.º 334º do CC, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Assim, há abuso de direito quando o titular de um direito extravasa o exercício deste direito, em termos tais que esse excesso seja manifesto ou ofenda de forma gritante o sentimento jurídico-socialmente dominante.
Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pág. 298, o legislador adoptou uma concepção objectiva de abuso de direito. “Não énecessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites”, não obstante serem relevantes os factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido, sendo determinante atender ao sentir da colectividade quanto à percepção desse direito e do seu fim social.
Como se lê no Ac. do TRL, de 31-01-2012, relator Cristina Coelho, proc. 5991/08.0TBOER.L1-7 “A figura do abuso de direito surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida.
Serve como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social vigorante em determinada época, evitando que, observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se excedam manifestamente os limites que se devem observar tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo”.
Nas palavras de Jorge Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, pág. 43, “Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem”.
No que diz respeito à situação dos autos, e na ausência de quaisquer factos comprovativos de uma conduta desproporcionada do apelado ao persistir na penhora realizada, impõe a conclusão que não há qualquer abuso de direito, improcedendo, por conseguinte, a pretensão da apelante.
Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões do recurso, impõe-se a manutenção da decisão recorrida.
As custas devidas ficam a cargo da apelante, cfr. art.º 527º do CPC.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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Lisboa, 26 de Maio de 2025
Ana Rodrigues da Silva
José Capacete
Diogo Ravara