AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇAO DE LABORALIDADE
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Sumário

Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Em face do disposto no art. 12.º do Código do Trabalho, basta que se verifiquem duas das situações aí previstas para que se presuma a existência de um contrato de trabalho, presunção essa que, por ser uma presunção juris tantum, permite à entidade empregadora efetuar contraprova, ou seja, comprovar que, apesar de tais situações em concreto se verificarem, na análise da globalidade da relação contratual estabelecida, inexiste contrato de trabalho.

II – Mostrando-se preenchidas as als. a), b) e d) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho (que o prestador exercia a atividade em lugar determinado pela recorrente, que utilizava a viatura automóvel e o combustível, essenciais ao desenvolvimento da sua atividade, cedidos pela recorrente e que recebia, independentemente daquilo que viesse a realizar, determinada quantia diária certa, com uma periodicidade mensal), a que acresce o facto de o prestador (i) ter como única fonte de rendimento a atividade que desenvolve para a recorrente, (ii) receber instruções diretas para o desempenho das suas tarefas no local de trabalho onde fora colocado pela recorrente, (iii) ter de registar os tempos de trabalho na aplicação Planday, que instalou no seu telemóvel, com o perfil da recorrente e (iv) ter de avisar a recorrente caso faltasse ao serviço, é de qualificar tal relação contratual como de contrato de trabalho.

Texto Integral

Proc. n.º 520/24.1T8BJA.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


O Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos dos arts. 186.º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra as Rés “CTT – Correios de Portugal, S.A.”2 e “Arraial D’Ingredientes, Lda.”3, peticionando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada, e, em consequência, seja a Ré “CTT” ou, subsidiariamente, a Ré “Arraial” condenadas a reconhecer a existência de contrato de trabalho, sem termo, entre elas e AA, com início a 01-08-2023, exercendo este as funções de distribuidor postal/carteiro.


A Ré “Arraial D’Ingredientes” apresentou contestação, invocando a incompetência territorial e pugnando pela inexistência de contrato de trabalho e a Ré “CTT” apresentou contestação, invocando a sua ilegitimidade ou, caso assim se não entenda, a improcedência da ação.


Em resposta às exceções, o Ministério Público pugnou pela sua improcedência.


Proferido despacho saneador, foram julgadas improcedentes as exceções invocadas e marcada a data do julgamento.





Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 28-11-2024, com o seguinte teor decisório:


Pelo exposto:

- Reconheço a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a ré ARRAIAL D’INGREDIENTES, LDA. e AA, com início a 26/8/2023, e desempenhando este as funções de distribuição de EMS no CDP de Local 1;

- Absolvo do pedido a ré CTT- CORREIOS DE PORTUGAL, S.A.

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Custas pela ré ARRAIAL D’INGREDIENTES, LDA que saiu vencida, cfr. artigo 527º do Código de Processo Civil.

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Valor da ação: € 2.000,00 (dois mil euros) - art.º 12.º n.º 1 al. e) do Regulamento das Custas Processuais ex vi do art.º 186.º-Q, n.º 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho.

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Após trânsito: comunique-se a decisão à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) – Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo e ao Instituto da Segurança Social, I.P., cfr. art.º 186.º-O, n.º 9, do CPT.

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Registe e notifique.




Não se conformando com a sentença, veio a Ré “Arraial D’Ingredientes” interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a final nos presentes autos, tendo por objeto a reapreciação da matéria de facto e de Direito.

2) O ponto 11. Da matéria de facto provada encontra-se incorretamente provado, pois não resulta de qualquer elemento de prova que a testemunha AA exercesse a sua atividade num horário entre as 8h e as 18h, único elemento que se fundamento a referido ponto.

3) A mesma refere que iniciava pelas 9h para terminar mais cedo, sendo que se entregasse tudo, terminava o serviço a essa hora.

4) Entendemos pois, que o ponto 11. deveria ser eliminado e ser dado como provado o ponto D. da matéria de facto não provada:

D. AA, no exercício das funções de recolha e distribuição de EMS no CDP de Local 1, escolhe o horário que quer praticar, bem como os dias em que trabalha.

5) Sobre o ponto 15., e como abaixo se irá descrever, entende-se que não se deverá ser utilizada a palavra instruções mas sim indicações.

6) Quanto o ponto 17., não foi feita qualquer prova sobre a suposta aplicação planday, sendo uma aplicação de uso livre devendo o referido ponto ter a seguinte redação:

17.Para o desempenho das suas tarefas, AA faz uso da supra indicada viatura de matrícula AX-..-XA;

7) Nada resultou provado quanto ao ponto 19., devendo este ser eliminado.

8) O ponto 20., pelas razões acima aduzidas, deveria ser retirada a frase: “e dentro do horário referido das 08h às 18h.”

9) O ponto 21. Deveria ser corrigido, pois, além da R. CTT, a testemunha igualmente declarou não ter de justificar a sua falta à R. aqui recorrente, devendo ter a seguinte redação:

21. AA não tinha que justificar qualquer falta a ambas as RR. nem registar quaisquer tempos de trabalho junto das mesmas.

10) O ponto 45. deveria igualmente ser eliminado, pois não esclarece quem coloca as questões sendo uma conclusão genérica e não tendo suporte em qualquer prova produzida.

11) De acordo com a prova produzida e a cláusula 4ª do contrato de trabalho, deveria ter ficado ainda como provado:

X – A R. disponibilizou uma viatura a AA por este não dispor de viatura à data.

12) Nas definições, respetivamente, de contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, previstas respetivamente, nos artigos 1152.º e 1154.º do CC, verifica-se que entre as duas, a atividade/trabalho manual ou intelectual e a retribuição (podendo no caso da prestação não existir retribuição, porém, tal não acontece quando o prestador faz disso a sua profissão) são comuns.

13) Porém, a autoridade e direção são elementos essenciais para a qualificação da relação jurídica como contrato de trabalho.

14) Para que tal existe essa autoridade e direção, é necessário que o trabalhador execute a sua prestação às ordens e fiscalização do seu empregador, nada tendo sido provado a esse respeito.

15) Não se provou existir qualquer presunção das alíneas do artigo 12.º do Código do Trabalho, nomeadamente na alínea a), não se provou que era a R. que determinava o local da mesma, pois esta não tinha qualquer gestão, influência ou participação das rotas que a testemunha executava, sendo a atividade determinada pelo número de encomendas que existissem.

16) Sobre a alínea b), considerando-se procedente o recurso quanto à matéria de facto, deverá considerar-se que o veículo foi apenas atribuído por indisponibilidade de AA, nada mais sendo pertença da R. e sendo indispensáveis ao exercício da função.

17) No atinente à alínea c), refere-se na sentença colocada em crise que a menção de “incumprimento de horários” indicia a existência de um horário, não tendo se provado qualquer incumprimento, não se pode presumir tal facto, sendo este meramente conclusivo.

18) Veja-se ainda que, na fundamentação da sentença em crise, se refere que o horário das 8h às 18h tinha pausa para almoço, quando na matéria de facto nada se provou nesse sentido.

19) Por fim, relativamente à alínea d), pois a e) é excluída pela própria sentença, salienta-se desde já que os recibos apresentam valores variáveis, sendo que são emitidos na maioria das vezes 2 ou 3 recibos referência ao mesmo mês, em dias diferentes, desde € 40,00 a 1.700,00 não existindo dois recibos iguais em datas e valores, não se podendo dar como verificada esta presunção.

20) A autonomia do trabalhador afere-se pelas funções desempenhadas e também pelo cumprimento de horários de trabalho, e ficou provado que AA procedia às entregas conforme as entregas que existiam, em dias e horas que entendesse, sendo retribuído de acordo com as encomendas entregues.

21) O Tribunal a quo, violou assim, o artigo 12.º do Código do Trabalho, e os artigos 1152.º e 1154.º do Código Civil.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVERÁ SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, SENDO DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, FAZENDO-SE ASSIM, A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA!!!




O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.





O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


Neste Tribunal, o recurso foi admitido nos seus precisos termos e os autos foram aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Impugnação da matéria de facto; e


2) Inexistência de contrato de trabalho.





III – Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. A Ré CTT - Correios de Portugal, S.A. é uma sociedade anónima, que tem como objecto social, designadamente, a) assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e do serviço público de correios; b) a prestação de serviços de logística, de transporte rodoviário de mercadorias, por conta de outra que atividades relacionadas com sistemas de segurança de consultoria informática, de processamento de dados, domiciliação de informação e outras actividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares subsidiárias ou acessórios das referidas na linha anterior, bem como de comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede pública de correios designadamente a prestação de serviços da sociedade de informação redes e serviços de comunicação electrónicas, incluindo recursos e serviços conexos.

2. A Ré CTT - Correios de Portugal, S.A. dedica-se a “actividades postais sujeitas a obrigações do serviço universal” (CAE 53100 - Rev3) e tem como local de trabalho, entre outros, o estabelecimento Centro de Distribuição Postal sito na Rua ... Local 1.

3. A Ré Arraial d’Ingredientes, Lda., é uma sociedade por quotas, que tem como objecto social entregas ao domicílio e serviço de estafetas urbanos; transportes rodoviários de mercadorias exclusivamente por meio de veículos ligeiros; serviços de organização do transporte exclusivamente por meio de veículos ligeiros; outras atividades auxiliares dos transportes terrestres exclusivamente por meio de veículos ligeiros; gestão de infra-estruturas dos transportes terrestres exclusivamente por meio de veículos ligeiros; armazenagem frigorífica e não frigorífica.

4. A 2ª Ré usa o nome comercial «Delivery Express» e dedica-se à actividade de "transportes rodoviários de mercadorias" (CAE 49410 - Rev3).

5. A Ré CTT - Correios de Portugal, S.A. é concessionária do serviço postal universal em Portugal, cabendo-lhe, para além do mais, as obrigações de recolha e distribuição de envios postais.

1. À CTT – Expresso Serviços Postais e Logística, S.A., empresa do grupo CTT, cabe a recolha e distribuição de correio urgente, designadamente EMS.

2. A CTT – Expresso S.A adjudicou à Ré Arraial D’Ingredientes a entrega de EMS’s em alguns pontos do território nacional, designadamente, Local 1.

3. Com data de 26/8/2023, a 2ª Ré e AA, subscreveram documento escrito intitulado «contrato de prestação de serviço de estafeta».

4. No referido contrato, a 1ª Ré é identificada como «agenciador» e AA, identificado como «prestador de serviço», sendo de 6 meses, renovável, a duração do indicado contrato e estando o respetivo termo previsto para dia 26/3/2024.

5. Nos termos do referido acordo e com efeitos a 26/8/2023, AA obrigou-se a prestar serviços àquela relativos a estafeta, sob a modalidade de serviço de entrega de mercadorias no CDP de Local 1, 8 horas diárias, mediante o pagamento de 26,67€/dia, acrescido de IVA, e comissão por entrega, com a emissão de recibos eletrónicos.

6. Nos termos do referido acordo, a Ré Arraial D’Ingredientes, Ld.ª entregou a AA, para utilização no desempenho das funções de distribuidor, designadamente: uma carrinha comercial alugada, de matrícula AX-..-XA e um cartão frota de combustível para abastecimento da viatura.

7. Consta do n.º 2 da cláusula 2.ª desse acordo: «2. O Agenciador e o Prestador de Serviços estão interligados pelo dever de colaboração mútua, nomeadamente no tocante a prestação recíproca de informações necessárias à boa e atempada execução do presente contrato.»

8. Consta da cláusula 3.ª do mesmo acordo: «1.O prestador de Serviço, prestará os serviços ora contratados sem subordinação ou dependência hierárquica, cabendo-lhe em exclusivo a preparação e planificação dos serviços, sendo remunerado no valor de €26,67.

2.O valor referido no número anterior é sujeito a IVA, quando aplicável, e pressupõe a realização de pelo menos 8 horas diárias de disponibilidade ativa.

3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o Prestador de Serviço prestará o serviço ora contratados com zelo, dedicação, diligência e em colaboração com o Agenciador, com foco à plena obtenção dos objetivos visados com a prestação de serviço.»

9. Consta da cláusula 5.ª desse acordo: «O pagamento será realizado via depósito bancário a cada dia primeiro do mês subsequente à prestação de serviço, considerando, não atraso, até ao quinto dia útil de cada mês de referência.»

10. Consta da cláusula 6.ª desse acordo «4. O incumprimento de horários, mau comportamento, má utilização da viatura ou dos respetivos equipamentos fornecidos pelo Agenciador, constituiu justa causa da prestação de serviços.»

11. Apesar do referido contrato desde, pelo menos, 10.08.2024, AA exercia a referida atividade no CDP de Local 1, regra geral, entre as 08h00 e as 18h00. (Alterado, conforme fundamentação infra)

12. Para o efeito foi inicialmente acompanhado por funcionários da Ré CTT, S.A. no percurso de distribuição diária, para aprendizagem da circunscrição de atuação e bem assim para aprender a trabalhar com o PDT (PDA) fornecido pelo CDP de Local 1.

13. Desde então, AA procede à distribuição de EMS na zona de Local 1, desempenhando as seguintes tarefas:

a. - proceder diariamente ao levantamento das encomendas/EMS a distribuir;

b. - distribuir as referidas EMS pelos destinatários finais;

c. - entregar à Ré CTT, no fim de cada distribuição diária, o PDT, as encomendas não entregues, bem como a documentação relativa à distribuição efetuada.

14. Esta atividade era a única fonte de rendimentos de AA.

15. Para o desempenho das suas tarefas, AA recebe instruções de BB, funcionário da Ré CTT, S.A. e responsável pelo CDP de Local 1.

16. No desempenho das suas tarefas, AA usa um colete cinzento com o logotipo “CTT” e um PDT (equipamento/terminal portátil, PDA) - aparelho obrigatório para registar os recebimentos/entregas das encomendas/EMS -, fornecidos pela Ré CTT, S.A.

17. Para o desempenho das suas tarefas, AA faz uso da supra indicada viatura de matrícula AX-..-XA; e regista os tempos de trabalho na aplicação Planday, que instalou no seu telemóvel, com o perfil da ré Arraial D’Ingredientes que usa o nome DELIVERY EXPRESS.

18. AA organizava a forma como procedia às entregas das encomendas recolhidas no âmbito da sua área de atuação, podendo acabar a atividade mais cedo que as 18 horas, caso tivesse terminado todas as entregas.

19. Caso faltasse ao serviço, AA teria de avisar o trabalhador responsável da ré Arraial D’Ingredientes para que pudesse ser substituído ou o serviço pudesse ser redistribuído.

20. A AA competia o desenho das suas rotas, bem como a escolha do melhor horário para cada entrega, sem prejuízo dos horários fixados pelos clientes e dentro do horário referido das 08h às 18h. (Alterado, conforme fundamentação infra)

21. AA não tinha que justificar qualquer falta à ré CTT nem registar quaisquer tempos de trabalho junto da mesma.

22. A Ré CTT tem um acordo com a CTT Expresso para distribuição de EMS – serviço pertencente à CTT Expresso – em que por cada EMS entregue pelos seus trabalhadores carteiros (CRT’s) a Ré CTT fatura à CTT Expresso.

23. Todos os trabalhadores da Ré CTT recebem um vencimento base fixo, não auferindo qualquer quantia variável por conta dos EMS distribuídos.

24. Nos termos do acordo existente entre a CTT Expresso e a Ré Arraial D’Ingredientes é considerado, para efeitos de contrapartida, a entrega efetiva em morada.

25. Assim, por cada paragem com entrega com sucesso foi acordado um valor com a Ré Arraial D’Ingredientes; se não houver entrega bem-sucedida não é devido qualquer valor; de igual modo, se para a mesma morada/destinatário existirem três encomendas para entregar só é considerada como uma única entrega.

26. A Ré CTT nunca determinou qualquer hora de início e termo da prestação ao prestador AA.

27. Ao contrário do que sucede com os seus trabalhadores, que têm horários a cumprir, sendo-lhe determinada a hora de entrada e saída e o período de pausa para refeição (entre 45 minutos a 1h).

28. Todos os trabalhadores da Ré CTT têm a categoria de CRT e fazem muitas outras tarefas para além da distribuição de EMS’s.

29. Os trabalhadores da Ré CTT fazem tarefas de divisão e sequenciamento da correspondência que levam para o seu giro.

30. O prestador AA tem já todas as encomendas devidamente separadas pelos CRT’s da Ré CTT.

31. Os CRT’s da Ré CTT entregam todo o tipo de objetos de correio (cartas e registo, por exemplo).

32. O prestador/distribuidor AA efetua apenas a recolha dos EMS no CDP e prepara a rota dos EMS’s que tem para distribuir, procede à distribuição dos mesmos e no final do dia presta contas dos EMS’s entregues no CDP.

33. São os CRT’s, trabalhadores da Ré CTT, que fazem o tratamento dos objectos devolvidos/cuja entrega não foi conseguida pelo distribuidor AA.

34. São os CRT’s, trabalhadores da Ré CTT, quem tratam da divisão e sequenciamentos (separação) das encomendas que depois serão entregues pelo distribuidor AA.

35. Todos os trabalhadores da Ré CTT têm que “picar o ponto”, servindo o seu cartão de identificação como pontógrafo.

36. O prestador AA utiliza um cartão de identificação que refere expressamente CTT Expresso e serve para o identificar junto dos destinatários como sendo alguém afeto à distribuição de EMS dos CTT Expresso.

37. Os trabalhadores da Ré CTT estão obrigados a justificar as suas ausências.

38. Incumbe à Ré Arraial D’Ingredientes arranjar quem substitua o prestador Sílvio se este faltar.

39. A rota do prestador/distribuidor não existe nos estudos/escalas da Ré CTT, na medida em que surge quando o tráfego de EMS’s está acima do que o estudo prevê, e é criado exclusivamente para a entrega de EMS’s.

40. Não há CRT’s da Ré CTT a fazerem estas rotas/giros, porque os mesmos não constam dos estudos e escalas existentes.

41. O gestor do CDP de Local 1 determinou a área geográfica em que a distribuição deveria ser efetuada pelos distribuidores de EMS da Ré Arraial D’Ingredientes alocados àquele CDP.

42. O prestador tem um PDA que lhe é entregue diariamente de modo que possa proceder à picagem dos EMS’s que tem para entregar.

43. Ao prestador AA é entregue uma lista de distribuição diária onde constam os objectos para entrega.

44. A prestação com a Ré Arraial D’Ingredientes apenas se tornou necessária atento o aumento substancial de tráfego de EMS’s que se verificou a partir de Agosto de 2023, por referência ao período homólogo anterior, não conseguindo os trabalhadores da Ré CTT dar vazão à entrega dos EMS’s/escoar as encomendas (EMS’s) na medida em que a sua prioridade são as cartas e os registos, em cumprimento com o serviço postal universal.

45. Todas as questões que se coloquem relativamente à atividade do distribuidor AA são comunicadas à Ré Arraial D’Ingredientes, na pessoa de CC e DD. (Eliminado conforme fundamentação infra)

46. A Ré Arraial D’Ingredientes vinculou-se a proporcionar um certo resultado à CTT Expresso – entrega de encomendas (EMS’s) – sendo paga por cada encomenda entregue num ponto de entrega.

47. Os trabalhadores da Ré CTT que têm que trabalhar 7h48 por dia.

48. Nunca existiu, por parte da ré CTT controlo de assiduidade ou do tempo alocado pelo referido distribuidor à Ré CTT.

49. A Ré CTT procede ao controlo da assiduidade dos seus trabalhadores subordinados, atualmente através do chamado sistema biométrico.

50. Nos dias 24/11/2023, pelas 9.00 horas e no dia 31/1/2024, pelas 9.00 horas, AA encontrava-se no Centro de Distribuição Postal, da Ré CTT, sito na Rua ... Local 1, a desenvolver tarefas complementares à sua atividade de distribuidor, quando ocorreram visitas inspetivas por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho.

51. Após a ação inspetiva, as Rés foram notificadas pela ACT para regularizar a situação do AA ou pronunciar-se, nos termos do art. 15º-A, nº1 da Lei nº107/2009, de 14/9, e nenhuma das Rés regularizou a situação.




E deu como não provados:

A. A Ré CTT - Correios de Portugal, S.A. acordou verbalmente com a Ré Arraial D’Ingredientes, Ld.ª a adjudicação, desde agosto de 2023, de parte do serviço de distribuição do correio, em Local 1.

B. Para o desempenho das suas tarefas, AA acede ao computador propriedade da Ré CTT e por esta disponibilizado na CDP de Local 1, designadamente para consulta ou registo dos dados relativos aos objectos postais.

C. AA, no exercício das funções de recolha e distribuição de EMS no CDP de Local 1, escolhe o horário que quer praticar, bem como os dias em que trabalha.

D. A atividade do AA é desenvolvida em exclusividade para a Ré CTT, S.A., desempenhando as mesmas tarefas que os demais distribuidores da indicada Ré.

E. Os funcionários da Ré CTT, S.A. acompanharam o prestador de atividade AA no percurso de distribuição diária, para avaliação do desempenho do distribuidor.

F. EE procede à distribuição de correspondência postal.

G. Em contrapartida do trabalho prestado, AA aufere a quantia mensal fixa de 800€.

H. As despesas de combustível são sempre apresentadas à R. Arraial D’Ingredientes, Ld.ª para pagamento, acrescendo aos valores do serviço prestado, optando a R. por entregar cartão de frota, uma vez que facilita a verificação da despesa e reduz os custos.

I. A ré Arraial D’Ingredientes monitoriza as entregas efetuadas pelo prestador de atividade com os comprovativos de entrega que os CTT dispõem.




IV – Enquadramento jurídico


1 – Impugnação da matéria de facto


Considera a recorrente que foram incorretamente julgados os factos provados 11, 15, 17, 19, 20, 21 e 45; que o facto não provado D deve ser dado como provado; e que deve ser acrescentado um novo facto à matéria dada como provada.


A recorrente pretende que o facto provado 11 seja substituído pelo facto não provado D, porém, certamente por lapso fez menção ao facto não provado D, visto que o facto não provado que se reporta à situação do horário de AA é o facto não provado C. Assim, será sobre este facto que iremos proceder à nossa apreciação.


Uma vez que a recorrente cumpriu os requisitos previstos no art. 640.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.


a) Factos provados 11 e 20 e facto não provado C


Consta do facto provado 11 que:

11. Apesar do referido contrato desde, pelo menos, 10.08.2024, AA exercia a referida atividade no CDP de Local 1, regra geral, entre as 08h00 e as 18h00.

20. A AA competia o desenho das suas rotas, bem como a escolha do melhor horário para cada entrega, sem prejuízo dos horários fixados pelos clientes e dentro do horário referido das 08h às 18h.

Consta do facto não provado C que:

C. AA, no exercício das funções de recolha e distribuição de EMS no CDP de Local 1, escolhe o horário que quer praticar, bem como os dias em que trabalha.

Pretende a recorrente que o facto provado 11, nos moldes em que se encontra, seja eliminado, uma vez que as declarações de AA não permitem a sua prova, e que passe tal facto a ter a redação que consta do facto não provado C.


Por sua vez, pretende que, em face do deferimento da pretendida alteração do facto provado 11, se retire do facto provado 20 “e dentro do horário referido das 08h às 18h”.


Acontece, porém, que não lhe assiste razão quanto ao pretendido.


A testemunha AA foi bastante clara ao referir que a empresa “Arraial” lhe impunha o início do seu horário às 09h00 na Central dos “CTT” e que tinha de regressar a esta Central no final das entregas em momento anterior às 18h00, pois é o horário de fecho dos “CTT”. É verdade que referiu que, quanto à hora de fecho, podia sair mais cedo, desde que se despachasse mais cedo, porém, nunca referiu que tal sequer alguma vez tivesse acontecido. Aliás, até precisou que apenas trabalhava para a empresa “Arraial” porque nas horas remanescentes precisava de descansar. Referiu ainda que quando regressava à Central dos “CTT”, no final do dia, tinha ainda de efetuar outro tipo de serviço, concretamente tinha de prestar contas sobre o que entregara e sobre o que tinha de devolver por não ter sido entregue, bem como sobre o dinheiro ou cheques que recebera dos clientes que apenas pagavam no momento da entrega das encomendas. Diga-se, ainda, que a testemunha AA confirmou que sempre que faltasse, o que nunca, porém, lhe aconteceu, tinha de avisar alguém da “Arraial” para registarem a sua falta e a comunicarem aos “CTT”.


Este depoimento mostra-se, no essencial, corroborado pelo depoimento da testemunha BB, que era o gestor dos “CTT”, e que organizava diariamente o serviço da testemunha AA. Atente-se que a testemunha BB referiu, inclusive, que estes trabalhadores entravam às 08h00 ou às 09h00. Acresce que, tendo por referência o tipo de serviço a que a testemunha AA se dedicava, o qual pressupunha o funcionamento, em conjunto, com outras equipas dos “CTT”, resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida, que se tornava necessário, para que o trabalho se realizasse sem disrupções, o cumprimento, por parte da referida testemunha, de um horário compatível com as necessidades dos serviços dos “CTT”.


De igual modo, as testemunhas FF e GG, inspetores da “ACT”, confirmaram a existência de um horário de início e de termo quanto à testemunha AA.


Por fim, de acordo com o contrato celebrado entre AA e a Ré “Arraial D’Ingredientes”, resulta que aquele tinha de realizar para esta pelo menos 8 horas diárias de disponibilidade ativa (cláusula 3.ª, n.º 2) e que o incumprimento dos horários acordados constituía justa causa da prestação de serviços (cláusula 6.ª, n.º 4). Ora, se inexistisse qualquer horário atribuído à testemunha AA, estas cláusulas constantes do contrato celebrado não fariam qualquer sentido.


Assim, improcede a pretendida alteração fáctica, relativamente aos factos provados 11 e 20 e ao facto não provado C, porém, quanto aos factos provados 11 e 20 terá de se proceder à alteração da hora de início da atividade.


Deste modo, os factos provados 11 e 20 passam a ter a seguinte redação:

11. Apesar do referido contrato desde, pelo menos, 10.08.2024, AA exercia a referida atividade no CDP de Local 1, regra geral, entre as 09h00 e as 18h00.

20. A AA competia o desenho das suas rotas, bem como a escolha do melhor horário para cada entrega, sem prejuízo dos horários fixados pelos clientes e dentro do horário referido das 09h às 18h.

b) Factos provados 15, 17, 19, 21 e 45


Consta destes factos que:

15. Para o desempenho das suas tarefas, AA recebe instruções de BB, funcionário da Ré CTT, S.A. e responsável pelo CDP de Local 1.

17. Para o desempenho das suas tarefas, AA faz uso da supra indicada viatura de matrícula AX-..-XA; e regista os tempos de trabalho na aplicação Planday, que instalou no seu telemóvel, com o perfil da ré Arraial D’Ingredientes que usa o nome DELIVERY EXPRESS.

19. Caso faltasse ao serviço, AA teria de avisar o trabalhador responsável da ré Arraial D’Ingredientes para que pudesse ser substituído ou o serviço pudesse ser redistribuído.

21. AA não tinha que justificar qualquer falta à ré CTT nem registar quaisquer tempos de trabalho junto da mesma.

45. Todas as questões que se coloquem relativamente à atividade do distribuidor AA são comunicadas à Ré Arraial D’Ingredientes, na pessoa de CC e DD.

Relativamente ao facto provado 15, considera a recorrente que a expressão “instruções” deverá ser substituída pela expressão “indicações”.


No caso em apreço, a testemunha AA esclareceu que a testemunha BB, gestor dos “CTT”, foi quem lhe determinou a área de atuação e que apenas podia decidir a rota a efetuar dentro dessa área de atuação, sendo que, por existirem entregas com horários pré-determinados e pagos pelos clientes, na rota diária a efetuar tinha de atender a esses horários, de forma a poder cumpri-los. Referiu ainda que era a referida testemunha BB quem organizava o trabalho dos vários distribuidores de encomendas. Referiu também que lhe foi explicado como efetuar o seu serviço e os atos obrigatórios que tinha de realizar para registar as entregas, as não entregas e o dinheiro ou cheques recebidos.


No essencial, este seu depoimento foi corroborado pela testemunha BB.


Assim, não se vislumbrando qualquer razão para efetuar a solicitada alteração, mantém-se o facto provado 15 nos seus exatos termos.


Relativamente ao facto provado 17, pretende a recorrente, uma vez que não foi efetuada qualquer prova relativamente à aplicação Planday, que tal facto passe a ter a seguinte redação:

17.Para o desempenho das suas tarefas, AA faz uso da supra indicada viatura de matrícula AX-..-XA;

Não lhe assiste, porém, razão.


Efetivamente, as testemunhas FF e GG, inspetores da ACT, confirmaram a existência desta aplicação, gerida pela Ré “Arraial D’Ingredientes”, onde eram registados os tempos de trabalho da testemunha AA.


Consta igualmente nos autos, aquando da participação junta em 02-04-2024, fotografias da aplicação “Planday”, a qual se mostra gerida pela “Delivery Express” (que é o nome comercial da Ré “Arraial D’Ingredientes” – facto provado 4) e onde constam os itens “Os seus turnos” e “Turnos em aberto”.


Pelo exposto, mantém-se na íntegra a redação do facto provado 17.


Relativamente ao facto provado 19, entende a recorrente que este facto deve ser eliminado, por não corresponder ao declarado pela testemunha AA.


Acontece, porém, que a testemunha AA esclareceu perentoriamente que, apesar de nunca ter faltado, caso faltasse, tinha de avisar os seus supervisores, que são funcionários da “Delivery Express”, para depois eles apontarem os dias em que faltou, confirmando que, a ele, compete-lhe apenas comunicar àquela, a qual, posteriormente, comunica aos “CTT”. Confirmaram igualmente, este procedimento, as testemunhas FF (inspetor da “ACT”), BB (gestor dos “CTT”), HH (diretor de área dos “CTT Express”), II (trabalhador dos “CTT” na área de negociação com parceiros) e JJ (diretor operacional da Ré “Arraial D’Ingredientes”), ainda que este último tenha tido alguma dificuldade em reconhecer que a Ré “Arraial D’Ingredientes” pedia aos prestadores, como a testemunha AA, que avisassem se faltassem.


Nesta conformidade, é de manter este facto nos seus exatos termos.


Relativamente ao facto provado 21, entende a recorrente que, em face do depoimento da testemunha AA, deveria ser dado como provado o seguinte:

21.AA não tinha que justificar qualquer falta a ambas as RR. nem registar quaisquer tempos de trabalho junto das mesmas.

Acontece, porém, que a testemunha AA, apesar de ter expressamente referido que, caso faltasse, tinha de comunicar a sua falta à Ré “Arraial D’Ingredientes”, mencionou, de igual modo, que não sabia se tinha ou não de justificar tal falta, uma vez que nunca tinha faltado.


Quanto à segunda parte da pretensão da recorrente (“nem registar quaisquer tempos de trabalho junto das mesmas”), a mesma contraria o facto provado 17, cuja versão, diferentemente do pretendido pela recorrente, se manteve.


Assim, mantém-se na íntegra o facto provado 21.


Relativamente ao facto provado 45, considera a recorrente que tal facto deve ser eliminado, por não ter qualquer sustento probatório e por se tratar de uma conclusão genérica.


Efetivamente, nesta parte, assiste razão à recorrente, visto que não se invoca quais sejam as questões a que este facto faz menção.


Assim, e na esteira do que foi decidido por esta secção social em recursos semelhantes,4 por conclusivo, elimina-se o facto 45 do elenco dos factos provados.


c) Novo facto


Pretende a recorrente que seja aditado aos factos provado um novo facto, em face dos depoimentos das testemunhas AA e JJ e da cláusula 4.ª do contrato celebrado, com o seguinte teor:

A R. disponibilizou uma viatura a AA por este não dispor de viatura à data.

Tal facto resulta do que se mostra alegado no art. 15.º da contestação da recorrente, pelo que procederemos à sua apreciação.


Contrariamente ao invocado pela recorrente, a testemunha AA afirmou que, apesar de não possuir viatura, a Ré “Arraial D’Ingredientes” não lhe perguntou se possuía viatura própria, tendo-lhe dito, sim, que lhe forneciam viatura, o que, efetivamente, fizeram.


Assim, e independentemente do que consta da cláusula 4.ª do contrato assinado, sendo incontestável que a viatura que a testemunha AA usava tinha sido fornecida pela Ré “Arraial D’Ingredientes” e que tal testemunha já se encontrava ao serviço desta Ré desde 26-08-2023, ou seja, há mais de um ano, em face da data em que ocorreu a 1.ª ação inspetiva da ACT (24-11-2023), não se mostra cumprido o ónus da prova pela referida Ré para que se possa dar este facto como provado.


Assim, improcede nesta parte a pretensão da recorrente.


Em conclusão, procede parcialmente a impugnação fáctica da recorrente, sendo, em consequência eliminado o facto provado 41 e oficiosamente altera-se a redação dos factos provados 11 e 20, que passam a ter a seguinte redação:

11. Apesar do referido contrato desde, pelo menos, 10.08.2024, AA exercia a referida atividade no CDP de Local 1, regra geral, entre as 09h00 e as 18h00.

20. A AA competia o desenho das suas rotas, bem como a escolha do melhor horário para cada entrega, sem prejuízo dos horários fixados pelos clientes e dentro do horário referido das 09h às 18h.

2 – Inexistência de contrato de trabalho


Considera a recorrente que não se provou a existência de qualquer das presunções previstas no art. 12.º do Código do Trabalho, concretamente:


- não se provou que a recorrente determinasse o local de trabalho da testemunha AA;


- provou-se que o único objeto, atribuído pela recorrente, que esta testemunha usava, apenas lhe tinha sido disponibilizado por não ter veículo automóvel;


- não se provou a existência de horário; e


- não se provou que recebesse uma quantia certa mensal.


Por fim, concluiu que não se provou que o referido prestador exercesse a sua atividade sob a autoridade e direção da recorrente, atuando, sim, com autonomia, procedendo às entregas conforme essas entregas existiam, em dias e horas que entendesse, sendo retribuído de acordo com as encomendas entregues.


Dispõe o art. 11.º do Código do Trabalho que:

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Estipula o art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:

1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Por fim, o art. 1154.º do Código Civil estatui que:

Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Ora, em face do disposto no citado art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, basta que se verifiquem duas das situações aí previstas para que se presuma a existência de um contrato de trabalho, presunção essa que, por ser uma presunção juris tantum, permite à entidade empregadora efetuar contraprova, ou seja, comprovar que, apesar de tais situações em concreto se verificarem, na análise da globalidade da relação contratual estabelecida, inexiste contrato de trabalho. Deste modo, provados os factos que permitem que a presunção funcione, compete à entidade empregadora o ónus da prova de que não se mostra preenchido o elemento fundamental do contrato de trabalho, isto é, o contexto de subordinação jurídica.


Vejamos, então, por um lado, se foram dados como provados factos que permitam fazer funcionar a referida presunção, e, por outro, caso tais factos existam, se a recorrente conseguiu ilidir a presunção.


Relativamente à al. a) – “A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado” –, deu-se como provado que, em face do acordo existente entre a Ré “Arraial D’Ingredientes” e a “CTT Expresso”, AA tinha como local para prestar a sua atividade, e que lhe foi indicado pela Ré “Arraial D’Ingredientes”, o CDP de Local 1. Este era o local onde tinha de se apresentar diariamente, de manhã, para receber as encomendas a distribuir e onde tinha de regressar ao fim da tarde para prestar contas da atividade exercida (factos provados 11, 13, 24, 25 e 32).


É, assim, manifesto que se mostra preenchida a al. a) do referido artigo.


Relativamente à al. b) – “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade” –, deu-se como provado que a Ré “Arraial D’Ingredientes” entregou a AA, para utilizar no desempenho das suas funções de distribuidor junto do CDP de Local 1, a carrinha comercial alugada, de matrícula AX-..-XA, e um cartão frota de combustível para abastecimento da viatura, carrinha essa que AA utilizava no desempenho das suas tarefas de distribuição de encomendas (factos provados 6 e 17). É, assim, evidente que a recorrente pôs à disposição de AA instrumentos de trabalho (ou seja, a carrinha comercial e um cartão frota de combustível) indispensáveis para o desempenho da função de distribuidor de encomendas junto do CDP de Local 1, pelo que se mostra igualmente preenchida a al. b) do referido artigo.


Relativamente à al. c – “O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma” –, deu-se como provado que AA exercia a atividade no CDP de Local 1, regra geral, entre as 09h00 e as 18h00 (factos provados 11 e 20).


Assim é incontestável que AA observava horas de início e de termo para o exercício da sua prestação, porém, não resultou provado que tenha sido por determinação da recorrente que o referido AA procedia ao cumprimento desse horário. Atente-se que não se provou que AA tivesse que avisar a recorrente caso se atrasasse no cumprimento do horário de entrada.


Assim, e diferentemente da posição assumida na sentença recorrida, conclui-se que a al. c) do referido artigo não se mostra preenchida.


Por fim, relativamente à al. d)5 – “Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma” –, deu-se como provado que, nos termos da cláusula 5.ª do contrato assinado entre AA e a recorrente, o pagamento seria realizado, por esta àquele, através de depósito bancário a cada dia primeiro do mês subsequente à prestação de serviço, tendo ficado também acordado que AA receberia a quantia certa de €26,67, acrescido de IVA, por 8 horas de trabalho diário, quantia essa a que acresceria uma comissão por entrega (factos provados 5 e 8).


Ora, daqui resulta que era paga a AA, como contrapartida da atividade por si exercida, e independentemente daquilo que viesse a realizar, determinada quantia diária certa, com uma periodicidade mensal.


É, deste modo, evidente, que se mostra preenchida a al. d) do referido artigo.


Mostram-se, assim, preenchidas as als. a), b) e d) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, ou seja, três das alíneas, pelo que, funcionando a presunção aí prevista, passa a competir ao empregador, ou seja, à recorrente, provar factos suscetíveis de afastar tal presunção, de maneira a que se verifique uma descaracterização da relação contratual como sendo de trabalho. Porém, a recorrente não provou quaisquer factos que permitissem proceder a tal descaracterização.


Na realidade, não só se mostram preenchidas três das alíneas da presunção prevista no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, como todo o contexto em que a atividade de AA se desenvolvia, se insere num contexto de subordinação jurídica típica de uma relação laboral. Veja-se ainda que AA tinha a atividade que desenvolvia para a recorrente como a sua única fonte de rendimentos (facto provado 14); recebia instruções diretas para o desempenho das suas tarefas no local de trabalho onde fora colocado pela recorrente (facto provado 15); tinha de registar os tempos de trabalho na aplicação Planday, que instalou no seu telemóvel, com o perfil da recorrente (facto provado 17); e tinha de avisar a recorrente caso faltasse ao serviço, de molde a que esta o pudesse substituir ou avisar os “CTT Express” para que estes distribuíssem o serviço (facto provado 19 e 38).


Diga-se, ainda, que a circunstância de AA emitir recibos eletrónicos (facto provado 5) ou de o contrato celebrado entre si e a recorrente se encontrar designado como “contrato de prestação de serviço de estafeta” (facto provado 3), não só não abalam os variadíssimos elementos, dados como provados, referentes à existência de subordinação jurídica, como são comummente utilizados sempre que a entidade empregadora, apesar de estabelecer com os trabalhadores uma relação laboral, não a pretenda assumir. Na realidade, os aparentes aspetos de autonomia de AA não permitem, por si só, concluir, pela existência de uma relação contratual efetivamente autónoma e independente.


Pelo exposto, apenas nos resta concluir que, mostrando-se provados os elementos factuais que se subsumem a três das situações previstas no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, passa a atuar a presunção aí prevista de que estamos perante um contrato de trabalho, não tendo a recorrente logrado ilidir tal presunção, pelo que bem andou a sentença recorrida em qualificar a presente relação contratual como sendo um contrato de trabalho.


Assim, improcede o presente recurso.








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida


Custas a cargo da recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 22 de maio de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Filipe Aveiro Marques

Paula do Paço

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎

2. Doravante “CTT”.↩︎

3. Doravante “Arraial D’Ingredientes”.↩︎

4. Nos processos nºs. 532/24.5T8BJA.E1 e 523/24.6T8BJA.E1, consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

5. Não se aprecia a al. e), uma vez que a mesma não se mostra imputada à recorrente na sentença recorrida.↩︎