I – Na acção executiva cujo título dado à execução é uma injunção na qual foi aposta força executiva, não há lugar a despacho liminar, podendo por isso ser proferido esse despacho logo que os autos passem pelo crivo do Juiz do Tribunal de Execução.
II – Assim, a intervenção do Juiz, quando não se mostre suscitada pelas partes ou pelo agente de execução, apenas ocorre em momento posterior ao da penhora e citação do executado.
III - Os pedidos de pagamento do montante correspondente o accionamento da cláusula penal e da indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, não podem ser objecto de injunção a qual se destina ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e, como tal, apenas é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes desses contratos, e não às obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio.
IV - A rejeição liminar não comporta qualquer audição prévia da parte, não existindo violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil.
V – Lançando a exequente mão do procedimento de injunção para cobrança de quantias a título de cláusula penal e/ou de quantias a título de despesas e ao qual é aposta a fórmula executória, é manifesta a procedência da excepção dilatória inominada que conduz à rejeição liminar na totalidade da execução.
(Sumário elaborado pela Relatora)
NOS Comunicações S.A., com sede Rua..., Lisboa, propôs acção executiva contra AA, com a última residência conhecida na Praceta..., Amadora, com vista a obter o pagamento da quantia exequenda de peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €1.497,50, correspondendo €1.167,03 a título de capital, acrescida da quantia de €523,99 a título de juros de mora vencidos à data de entrada da presente execução, juros compulsórios e demais quantias exigíveis.
Para tanto alegou, em resumo, que é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do artigo 703º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil e artigo 21º do Decreto Lei nº 269/98 de 01 de Setembro.
No contrato que está na origem da dívida foi convencionado domicílio para efeito de citação/notificação.
Não obstante ter sido notificado no âmbito da injunção que serve de base à presente execução, a executada não procedeu ao pagamento.
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Por despacho datado de 07 de Maio de 2024 foi julgada verificada a excepção dilatória de falta de título executivo e consequentemente foi a presente execução rejeitada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 734º, nº 1 e 726º, nº 2, al. a), ambos do Código de Processo Civil.
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Não se conformando, a exequente interpôs recurso de apelação da decisão para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância;
2. Por a Autora ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida;
3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei;
4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo;
5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção;
6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC;
7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores.
8. A sentença recorrida foi ainda proferida sem a Apelante ter sido convidada a oferecer o devido contraditório, o que consubstancia uma violação do artigo 3.º do CPC;
9. A sentença proferida pelo Tribunal a quo traduz-se em indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso;
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente:
- o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.;
- o artigo 734.º do CPC;
- o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98 e os artigos 227.º, número 2 e 573.º do CPC;
- o artigo 193.º do CPC;
- o artigo 3.º n.º 3 do CPC;
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos.
(…)”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto e a delimitação do recurso
Colhidos os vistos, sabendo que o recurso é objectivamente delimitado pelo teor do requerimento de interposição (artigo 635º, nº 2 do Código de Processo Civil) pelas conclusões (artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, todos do Código de Processo Civil) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas e, ainda pelas questões que o Tribunal de Recurso possa ou deva conhecer ex officio e cuja apreciação se mostre precludida.
A tanto acresce que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir expostas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Efectuada esta breve exposição e ponderadas as conclusões apresentadas, as questões a dirimir são:
- Apurar da oportunidade e legalidade da prolação de despacho de rejeição liminar da execução;
- Apurar se a prolação de despacho liminar sem o prévio exercício do contraditório viola o disposto no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil;
- Apurar se o indeferimento liminar do requerimento executivo fundado em injunção, a que foi aposta fórmula executória, com base na sua inadequação para peticionar ao devedor o pagamento de custos administrativos relacionados com diligências de cobrança de dívidas, conduzirá ao indeferimento parcial ou total do requerimento executivo;
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III. Os factos
Factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede.
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IV. O Direito
Com o presente recurso visa a Recorrente que este Tribunal revogue a decisão proferia e em sua substituição que seja proferida decisão que admita o requerimento executivo e ordene o prosseguimento dos autos.
Da sentença proferida pela 1ª Instância consta:
“Compulsados os autos constata-se que a exequente Nos Comunicações, S.A. intentou contra AA a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento dos seguintes valores:
A causa de pedir assenta no incumprimento do “contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações” celebrado entre as partes, aí se incluindo o valor correspondente ao da cláusula penal.
Apreciando.
Nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo” (nº1), sendo que, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte” (nº2).
O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património).
Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio.
A jurisprudência tem-se inclinado para a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual nesta forma processual (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT-A.L1-2; RL 17.12.2015, Processo 122528/14.9YIPRT.L1-2).
Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p.22.
A cláusula penal/indemnização por não cumprimento do contrato peticionada no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstancia uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato.
Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal/indemnizatória, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva.
O objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito.
A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil.
Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, Ac. RL, de 23.11.2021, relatado por Edgar Taborda Lopes, proc. 88236/19.0YIPRT.L1-7; Ac. RP, de 15.01.2019, relatado por Rodrigues Pires, proc.141613/14.0YIPRT.P1 (in www.dgsi.pt).
Ver, ainda, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, relatado por Cristina Pires Lourenço, proc.28046/21.8YIPRT.L1-8 (in www.dgsi.pt), assim sumariado:
“O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art.º 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.”
E, ainda, o Ac. RC, de 14.03.2023, relatado por Henrique Antunes (in www.dgsi.pt), assim sumariado:
“I - Não é admissível, através do procedimento de injunção, a exigência de créditos pecuniários objecto de reconhecimento unilateral do devedor
II - Ainda que através de negócio jurídico unilateral o devedor tenha reconhecido a dívida, o credor está vinculado, no procedimento de injunção, a alegar o contrato objecto da relação jurídica fundamental do qual a obrigação emerge;
III - O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular;
IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.” (sublinhado e negrito, nossos).
Nesta conformidade, ao requerimento de injunção dado à execução não deveria ter sido aposta força executiva, uma vez que não podia deixar-se prosseguir ação especial/comum para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que houvesse resultado da transmutação de injunção interposta para acionamento dessa cláusula, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.
Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido, por recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, repita-se, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso – neste sentido, além dos arestos supra citados, Acs. RP de 31.05.2010 (Maria de Deus Correia), de 26.09.2005 (Sousa Lameiras); Acs. RL, de 07.06.2011 (Rosário Gonçalves), de 08.11.2007 (Ilídio Sacarrão Martins); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p.39 e 40).
Porém, o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode esta ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt).
Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.pt, “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.”
Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt).
Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo. – No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt).
Entende, assim, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção.
Decisão:
Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC).
(…).”
Da análise dos autos de execução importa considerar que a executada foi citada editalmente.
O Ministério Público foi citado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21º do Código de Processo Civil, citação essa que abrangeu os termos da presente acção de execução, para deduzir oposição e ainda para os termos do recurso interposto.
O Ministério Público não apresentou oposição, bem como não apresentou contra-alegações.
Vem a Recorrente defender, entre outros, que o despacho de indeferimento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância carece de oportunidade e fundamento, sendo contrário à Lei; uma vez que a lei não habilita o Tribunal de 1ª Instância a conhecer oficiosamente de excepções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo e das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726º do Código de Processo Civil não resulta o uso indevido do procedimento de injunção.
Assim, e no entender da Recorrente, a permitir que o juiz da execução se pronuncie ex officio relativamente à excepção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14º-A, n.º 2 do Decreto Lei nº269/98, de 01 de Setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573º do Código de Processo Civil.
Conforme se alcança dos próprios autos, estes seguem a forma de processo sumária (cfr. artigos 550º, nº 2, al. b) e 855º e seguintes, todos do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 855º do Código de Processo Civil que:
“1 - O requerimento executivo e os documentos que o acompanhem são imediatamente enviados por via electrónica, sem precedência de despacho judicial, ao agente de execução designado, com indicação do número único do processo.
2 - Cabe ao agente de execução:
a) Recusar o requerimento, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o preceituado no artigo 725.º;
b) Suscitar a intervenção do juiz, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 723.º, quando se lhe afigure provável a ocorrência de alguma das situações previstas nos nºs 2 e 4 do artigo 726.º, ou quando duvide da verificação dos pressupostos de aplicação da forma sumária.
3 - Se o requerimento for recebido e o processo houver de prosseguir, o agente de execução inicia as consultas e diligências prévias à penhora, que se efectiva antes da citação do executado.
4 - Decorridos três meses sobre as diligências previstas no número anterior, observa-se o disposto no n.º 1 do artigo 750.º, sendo o executado citado; no caso de o exequente não indicar bens penhoráveis, tendo-se frustrado a citação pessoal do executado, não há lugar à citação edital deste e extingue-se a execução nos termos previstos no n.º 2 do artigo 750.º.
5 - Nas execuções instauradas ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 550.º, a penhora de bens imóveis, de estabelecimento comercial, de direito real menor que sobre eles incida ou de quinhão em património que os inclua só pode realizar-se depois da citação do executado, em consequência da aplicação do disposto no artigo 726.º.”
Deste normativo resulta desde logo que os presentes autos não são objecto de indeferimento limiar, ou seja, não passam num primeiro momento pelo crivo do Juiz do Tribunal de Execução.
A intervenção do Juiz, quando não se mostre suscitada pelas partes ou pelo agente de execução, apenas ocorre em momento posterior ao da penhora e citação do executado.
No caso que aqui cuidamos constamos que a Mmª Juiz de 1ª Instância logo que o processo lhe foi concluso (primeiro acto de Magistrado Judicial) conheceu logo da excepção dilatória de falta de título executivo e consequentemente rejeitou a execução com fundamento na falta de título executivo.
Dúvidas não existem que a matéria de excepção aqui em causa é de conhecimento oficioso (artigo 726º, nº 2 do Código de Processo Civil) e que o juiz de 1ª Instância pode conhecer dessa excepção até ao primeiro acto de transmissão dos bens (cfr. artigo 734º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 551º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Mais se refira que a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Fevereiro de 2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6 (in www.dgsi.pt), “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.”
Tudo visto, somos de concluir que o Juiz pode e deve conhecer oficiosamente das situações susceptíveis de indeferimento liminar previstas no nº 2 do artigo 726º do Código de Processo Civil, o que foi feito pela Mmª Juiz da 1ª Instância assim que o processo lhe foi concluso, motivo pelo qual o momento foi oportuno, tem fundamento legal e não é violador de qualquer principio da concentração da defesa.
Defende ainda a Recorrente que o entendimento que a cláusula penal/as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo, não determina a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores (extinção parcial).
Na decisão sob recurso consta que: “(…) O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património).
Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio.
A jurisprudência tem-se inclinado para a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual nesta forma processual (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT-A.L1-2; RL 17.12.2015, Processo 122528/14.9YIPRT.L1.2).
Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p.22.
A cláusula penal/indemnização por não cumprimento do contrato peticionada no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstancia uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato.
Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal/indemnizatória, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva.
O objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito. (…)”.
Conforme supra referido o requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória constitui o título executivo.
Como é sabido, o procedimento de injunção e da acção declarativa especial visa o cumprimento de uma obrigação pecuniária – directamente - emergente de contrato. No caso da injunção, sendo deduzida oposição ou frustrando-se a notificação do requerido, transmuta-se a mesma em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
No que diz respeito ao pagamento da quantia devida a título de cláusula penal importa realçar que o procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, motivo pelo qual o processo de injunção não possui a virtualidade de ser utilizado para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual tal como o pagamento de quantia a título de cláusula penal por incumprimento contratual.
A cláusula penal não consubstancia uma obrigação pecuniária directamente emergente de um contrato, mas sim uma promessa de pagamento de uma quantia a liquidar, ou seja, de uma obrigação secundária derivada do incumprimento do período mínimo do contrato, motivo pelo qual o pedido de pagamento da factura referente à Cláusula Penal não pode ser deduzido no âmbito do processo de injunção.
Posto isto, não surgem dúvidas que o pedido de pagamento da quantia correspondente à cláusula penal e do montante correspondente à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida não podem ser deduzidos em requerimento de injunção previsto no Decreto Lei nº 269/98, de 01 de Setembro, uma vez que o procedimento de injunção visa conferir celeridade à cobrança de obrigações pecuniárias. Os pedidos de pagamento do montante correspondente o accionamento da cláusula penal e da indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, não podem ser objecto de injunção a qual se destina ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e, como tal, apenas é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes desses contratos, e não às obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio (neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Setembro de 2022; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Novembro de 2014 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 28 de Outubro de 2015, in www.dgsi.pt).
Tratando-se de uma excepção dilatória é óbvio que nada obsta a que o Tribunal de 1ª Instância delas conheça ex officio.
No que diz respeito à invocada violação do princípio do contraditório a que alude o artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil, de modo breve, em primeiro lugar há que ter em consideração que o conceito de rejeição liminar comporta o despacho de indeferimento liminar. Ora, tal como a própria palavra deixa antever, se é liminar é porque não comporta qualquer audição prévia da parte. Se assim fosse estaria previsto que antes de ser proferido despacho liminar seria necessário ouvir as partes, como sucede em muitas previsões legais.
No sentido que aqui defendemos vide, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Maio de 2018; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Fevereiro de 2019, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Abril de 2018; e mais recente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2024, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Deste modo, improcede, nesta parte a apelação.
Ultrapassada esta questão cumpre apurar se a procedência da excepção dilatória inominada conduz ao indeferimento liminar total da execução ou se apenas gera o indeferimento liminar.
No que tange a esta questão a jurisprudência divide-se.
Para uma corrente jurisprudencial, com fundamento no princípio da economia processual e do máximo aproveitamento dos actos, o título executivo é parcialmente válido na parte que não se encontra afectada pela excepção.
Assim, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Setembro de 2022, lê-se que:
“(…) face ao princípio do máximo aproveitamento dos actos presente no direito adjectivo português relativamente a nulidades, erros ou outros vícios de natureza processual, impõe-se a utilização do título obtido na parte remanescente porquanto o mesmo é válido e se encontra apenas parcialmente viciado pela inclusão de um pedido não admissível e todos os outros aos quais foi conferida força executiva são aproveitáveis em nome das regras da economia processual e da proporcionalidade e no carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada.”
Neste sentido veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 24 de Abril de 2025, proferido por esta secção, no qual se defende que:
“(…) Defender a absolvição total, o indeferimento total, é fazer exactamente o contrário, ou seja, estamos perante uma interpretação que se revela contrária ao propósito e à lógica do legislador, havendo de presumir-se que o legislador sabe exprimir o que quer, e que não legisla sem sentido. Repare-se que o legislador, ou melhor dizendo, a lei, por definição, é geral e abstracta. Não pode o intérprete não a considerar como tal, como tendo sido feita nesses termos. Se há credores que têm condições para saber como devem legalmente fazer e se esses credores recorrem massivamente a este tipo de procedimento, em função dos seus negócios e dos volumes de negócio, não quer isto dizer que não haja credores sem essas condições nem nessas condições de volume de negócios, que não tenham interesse em agilizar as suas cobranças.
Em suma, entendemos que não se encontra na lei qualquer indício de um propósito sancionatório nem discriminatório dos credores, de modo que, por efectivo e racional princípio de aproveitamento dos actos processuais, por um princípio de utilidade, e porque em sede executiva se prevê realmente esse aproveitamento, como assim resulta claramente do artigo 726º nº 3 do Código de Processo Civil, não podemos, em conclusão, concordar com a posição jurisprudencial que defende o indeferimento total. Em cada caso, ou processo, o indeferimento será parcial ou total, consoante a origem das dívidas relativamente às quais houve recurso ao procedimento de injunção.».
Neste particular, face ao princípio do máximo aproveitamento dos actos presente no direito adjectivo português relativamente a nulidades, erros ou outros vícios de natureza processual, impõe-se a utilização do título obtido na parte remanescente porquanto o mesmo é válido e encontra-se apenas parcialmente viciado pela inclusão de um pedido não admissível e todos os outros aos quais foi conferida força executiva são aproveitáveis em nome das regras da economia processual e da proporcionalidade e no carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada (neste sentido cfr. os acórdãos da Relação de Évora proferido no processo 2274/20.1T8ENT.E1 em 15.09.2022 (Rel. Tomé Carvalho); da Relação do Porto de 8.11.2022 no processo 901/22.5T8VLG-A.P1 (Rel. Alexandra Pelayo); da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2024 (Rel. Eduardo Petersen Silva)
Desta feita, procede parcialmente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida na parte em que conheceu oficiosamente da excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção quanto à factura relativa à indemnização por incumprimento do prazo de duração do contrato e quanto à quantia reclamada a título de “Outras quantias” com a necessária repercussão nas quantias de juros vencidos pedidos, mas não se confirma a decisão quanto ao indeferimento da execução relativamente às demais quantias dadas à execução e sobre as quais foi obtida a fórmula executiva.
(…)”.
Uma outra corrente jurisprudencial defende que o uso indevido do processo de injunção inquina todo o processo o que impossibilita qualquer aproveitamento do título.
Neste sentido vide sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Janeiro de 2019, in www.dgsi.pt, no qual se lê que:
“I – Só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não podem ser peticionadas naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil.
II - A cláusula penal, mesmo que se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, está excluída do âmbito da injunção por não se tratar de uma obrigação pecuniária em sentido estrito.
III – Quando o autor/requerente use de forma indevida ou inadequada o procedimento de injunção verifica-se uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
IV – Tal exceção dilatória inominada, afectando o conhecimento e o prosseguimento da acção especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento.”
No Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Novembro de 2021, in www.dgsi.pt, defendeu-se que:
“(…) se no pressuposto de uma utilização indevida do processo de injunção, estando o processo já no Tribunal, é possível fazê-lo prosseguir quanto à matéria que podia - efectivamente - ser objecto do referido processo.
O Tribunal a quo entendeu que não e, em seu apoio, foi buscar uma decisão do Tribunal da Relação de Coimbra (20/05/2014, Processo n.º 30092/13.6YIPRT.C1-Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt), onde se refere que “tal exceção dilatória inominada, afetando o conhecimento e o prosseguimento da ação especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento; caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”.
Numa situação semelhante à dos presentes autos, o Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2013 (Processo n.º 32895/12.0YIPRT.P1 - Fernando Samões, disponível em www.dgsi.pt) expressamente assinala que a injunção que se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor superior a € 15.000 e inferior a € 30.000, requerida depois de 01/01/2008 e em cujo requerimento não se alegue que elas emergem de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/2, à qual tenha sido deduzida oposição, não pode seguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, por se verificar um obstáculo impeditivo do conhecimento do mérito, que, por não permitir qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, dá lugar à absolvição da instância”.
Sublinhe-se que o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 14/12/2012 (Processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1 - Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt), definiu uma solução que importa levar em consideração: quando o processo de injunção tem um valor superior ao da alçada da Relação e é transmutado em processo comum ordinário, por força da dedução de oposição (artigo 7.º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro), a questão de saber se a transacção comercial que esteve na origem do crédito reclamado é ou não daquelas que permitem a injunção, não exerce qualquer influência no mérito da causa, nem na sua tramitação, visto que estamos em processo comum (e não em processo especial) e, portanto, sem quaisquer diminuição de garantias.
E é esta mesma decisão que nos traz luz aos autos e nos permite concluir nos mesmos termos que a decisão recorrida.
Com sólidos fundamentos.
De facto, “ainda que a transação invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que em ação declarativa ordinária é indiferente a natureza da transação que deu origem ao crédito, não exercendo qualquer influência na tramitação da causa ao contrário do que sucede na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que a lei determina que seja a aplicável nos casos em que, em razão da oposição, se converteu a providência de injunção respeitante a transações comerciais de valor inferior à alçada da Relação”.
Certo que face “a uma absolvição da instância, as partes teriam de reiniciar um percurso processual, muitas vezes longo, tudo isto evidenciando perda de economia processual, sendo certo que o objetivo pretendido pelo requerente - a injunção - está já definitivamente afastado”, mas “um tal estado de coisas é fruto da responsabilidade do requerente da injunção quando decide iniciar um procedimento de injunção para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção”.
Muitas vezes – assinala-se no mesmo Acórdão - havendo dedução de oposição, é o próprio Réu que tem interesse em vê-la aproveitada, mas (acrescentamos nós) nos casos em que o Requerido não teve qualquer intervenção nos autos e não há transmutação em acção comum, permitir que a acção pudesse prosseguir constituiria uma situação de benefício do infractor, que não temos como tolerável.
In casu, a ora Recorrente poderia – logo à cabeça – ter utilizado como meio processual para obter a condenação do seu devedor, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, mas não o fez, preferindo utilizar uma estratégia de risco recorrendo ao mecanismo da Injunção (para, assim, com mais facilidade, obter um título executivo), ficando na expectativa da notificação e não oposição do Requerido, para assim obter um benefício ilegítimo.
Correu o risco, mas, com a frustração na notificação e a apreciação judicial que foi feita da situação pelo Tribunal a quo, esse risco concretizou-se e tem agora de “sofrer” as consequências.
E elas respeitam ao inquinar de todo o processo e não apenas da parte que a ora Recorrente colocou “a mais” do que poderia e deveria.
Caso assim não fosse, como se sublinha no já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 20/05/2014 (Fonte Ramos), estaria “encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”.
Voltando ao Acórdão do STJ (Salazar Casanova), assentamos em que “as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação”, já o mesmo não sucedendo quando a transmutação da acção é para acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (valor inferior à alçada da Relação), caso em que o processo se torna inaproveitável e a absolvição da instância faz terminar a acção pela procedência da excepção dilatória inominada de uso indevido/inadequado da providência de injunção.
Assim sendo, a consequência a tirar deste uso indevido do procedimento de injunção (por ausência das condições de natureza substantiva que a lei impõe para a decretar) é a verificação da presença desta excepção dilatória inominada, a qual, obstando a que se possa conhecer do mérito da causa, com a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil. (…)”.
Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Abril de 2022, in www.dgsi.pt), lê-se que:
“O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art.º 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.”
No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Março de 2023, consultável na mesma página da web, defende que:
“I – Não é admissível, através do procedimento de injunção, a exigência de créditos pecuniários objecto de reconhecimento unilateral do devedor;
II – Ainda que através de negócio jurídico unilateral o devedor tenha reconhecido a dívida, o credor está vinculado, no procedimento de injunção, a alegar o contrato objecto da relação jurídica fundamental do qual a obrigação emerge;
III – O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular;
IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.”
Recentemente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2024, desta secção, relatado por Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia, processo 5820/24.8T8SNT.L1-6, in www.dgsi.pt, pode ler-se no sumário que:
“I. A tramitação da execução sumária não prevê a prolação despacho liminar (art.º 855., n.º 1, do CPC), mas tal não obsta a que o juiz venha a conhecer questões que sejam passíveis de conhecimento oficioso, designadamente as de falta ou de insuficiência do título executivo.
II. O regime processual especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir o credor obter, por esta via, indemnização por encargos decorrentes da cobrança da divida.
III. O uso indevido do procedimento de injunção (numa concreta situação que não permitia o recurso ao mesmo), sem oposição do requerido, do qual resulta a obtenção de um título executivo, inquina todo o processo, implicando a inaproveitabilidade total do título, justificando assim o indeferimento liminar in totum.
IV. Não obstante a perda de economia processual que tal solução acarreta, a opção por um indeferimento liminar parcial (na dicotomia indeferimento liminar parcial/ indeferimento liminar in totum) apenas contribuiria para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção (quando tal direito não se lhes assistia), aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente.
V. A prolação da decisão de indeferimento liminar da execução sem exercício prévio do contraditório não constitui violação do artigo 3.º do CPC”.
Expostas as duas teses que se perfilam na nossa jurisprudência seguimos esta última posição.
Tal como se defendeu no citado Acórdão de 10 de Outubro de 2024, que a aqui relatora subscreveu, “(…) Com efeito, não se podendo pessoalizar a decisão a tomar em função do requerente/exequente (como sendo um litigante de massas), não podemos deixar de tomar em consideração a exposição de motivos do DL 269/98, de 01-09, onde se refere expressamente os especiais interesses que se pretendem acautelar e quais os titulares desses interesses: “A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar.
Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano. Acresce, como já alguém observou, que, a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da 'funcionalização' dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e de sentenças.
É impossível uma melhoria do sistema sem se atacarem a montante as causas que o asfixiam, de que se destaca a concessão indiscriminada de crédito, sem averiguação da solvabilidade daqueles a quem é concedido.”
Ou seja, foi a pensar nestas concretas situações que o legislador avançou com o procedimento de injunção. O que a nosso ver faz decair a critica que se tece ao supra citado Ac. da Relação de Lisboa de 23-11-2021, assim como ao Ac. do STJ nele citado, de que os argumentos neles utilizados pessoalizam a pessoa do credor.
Esta opção legislativa criada tendo em vista estes concretos credores, visou “facilitar-lhes a vida” e descongestionar os Tribunais.
Por esta razão, entendemos que, tendo os mesmos utilizado indevidamente o procedimento de injunção – com todas as benesses que o mesmo lhes acarreta ao nível do valor da taxa de justiça e redução de prazos de defesa -, a responsabilidade desse uso indevido deverá recair sobre o requerente/exequente, não lhes concedendo oportunidades de aproveitamento de actos processuais que, de todo o modo, neste caso concreto não existiriam caso o requerido tivesse deduzido oposição, tendo em atenção o valor do pedido do procedimento de injunção.
(…)”.
A estes argumentos acrescem ainda os constantes do Acórdão deste Tribunal e secção datado de 20 de Fevereiro de 2025, no qual foi relator Nuno Gonçalves, com o seguinte sumário:
“- Não é de admitir o uso do procedimento de injunção para reclamar o pagamento de quantia relativa a indemnização devida no âmbito contratual;(…)
- Não constando do título executivo apresentado pela exequente o montante devido a título de indemnização, não é possível afirmar "a exequibilidade parcial do título dado à execução e determinada a continuação da execução para cobrança das obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato celebrado entre as partes".
Tudo visto, improcede na sua totalidade o recurso interposto.
*
Tendo decaído no recurso, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso interposto e consequentemente confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 22 de Maio de 2025
Cláudia Barata
J Eduardo Petersen Silva (vencido quanto ao indeferimento total da execução)
Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia