APOIO JUDICIÁRIO
PAGAMENTO FASEADO DA TAXA DE JUSTIÇA E DEMAIS ENCARGOS COM O PROCESSO
SUSPENSÃO DO PAGAMENTO
Sumário


1. O direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, no qual a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos (art.20º/1 da CRP), de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, vincula o legislador a consagrar soluções legislativas que garantam a todos esse efetivo direito, sem prejuízo de liberdade de conformação do regime com formalidades que não inviabilizem ou dificultem excessivamente o exercício do referido direito.
2. No regime do apoio judiciário aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29/07., que concretiza o direito do art.20º/1 e 2 da CRP:
2.1. Compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente a decisão sobre requerimento de concessão de apoio judiciário (arts.8º a 8º-B, 20º, 22º, 25º), com base: não só em critérios legalmente previstos nas normas gerais e abstratas (arts.8º, 8º-A e 8º-B); mas também em critérios de oportunidade adaptados ao caso concreto e a princípios de proporcionalidade, quando os mesmos forem necessários para salvaguardar o acesso do requerente ao direito e aos tribunais, nos termos do art.20º/1 da CRP, que não esteja acautelado pela aplicação ao caso concreto das referidas regras de legalidade estrita (art.8º-A/8).
2.2. Compete ao Tribunal reapreciar a decisão administrativa na impugnação judicial que tiver sido interposta (arts.27º e 28º da referida Lei nº34/2004, de 29/07), para salvaguarda dos direitos fundamentais do requerente e da legalidade (arts.202º ss da CRP)
3. Cabe ao interessado, que já se encontre onerado com encargo(s) judicial(ais) mensal(ais) de pagamento de prestação decorrente de decisão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos, e que pretenda concessão de apoio judiciário para outro processo:
3.1. Apresentar na Segurança Social o pedido de concessão do benefício de apoio judiciário adaptado à sua insuficiência económica, nomeadamente de dispensa de pagamento de taxa de justiça de encargos ou, ao abrigo de um princípio de oportunidade, de diferimento no tempo do pagamento de prestações de pagamento faseado de taxa de justiça.
3.2. Interpor impugnação judicial da decisão administrativa, quando esta tiver proferido decisão desfavorável, nomeadamente mediante a concessão de benefício de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos, cujo pagamento nos prazos legais implicasse a oneração do beneficiário com pagamentos simultâneos de prestações de taxa de justiça em mais de um processo.
4. Ainda que o legislador pudesse ter optado por solução mais clara quando o beneficiário de apoio judiciário tem vários processos judicias em curso, para os quais lhe foi atribuído o referido benefício na mesma modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos, a aplicação do regime legal referido em 2 e 3 supra em decisão de indeferimento do pedido de suspensão do pagamento das prestações mensais até o beneficiário ter terminado o pagamento de prestações noutro processo com igual beneficio, não viola as normas dos arts.20º/1, 18º/2, 202º e 204º da CRP, pois este podia ter usado dos meios referidos em 3 supra e não o fez.

Texto Integral


Os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na ação movida por AA contra BB e EMP01...- Unipessoal, Lda., a 02.04.2024:

1. O autor, na sua petição inicial: declarou a final «NÃO SE PROCEDE AO PAGAMENTO FASEADO DO DUC DEVIDO PELO APOIO JUDICIÁRIO DE QUE O AUTOR BENEFICIA, EM VIRTUDE DE TAL PAGAMENTO MENSAL SE ENCONTRAR A SER ASSEGURADO EM SEDE DOS AUTOS DE PROCESSO CAUTELAR N.º 2111/24.... 5 –TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA.»; juntou documento comprovativo da decisão de apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos (com prestação mensal de € 60, 00) e de atribuição de agente de execução.
2. A 04.04.2024 foi proferido despacho a determinar «a notificação do autor para proceder ao pagamento do montante devido a título de taxa de justiça em conformidade com a modalidade de apoio judiciário que lhe foi concedido no âmbito desta ação de processo comum.».
3. A 09.04.2024 o autor declarou e requereu:
«1. O autor tem diversos processos judiciais ativos,
2. Em tais processos o mesmo tem igualmente deferido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado,
3. Conforme já indicado na petição inicial, o autor encontra-se a proceder ao pagamento de taxa de justiça ainda que faseadamente no âmbito do processo judicial que corre termos em AUTOS DE PROCESSO CAUTELAR N.º 2111/24.... 5 – TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA, tendo o apoio judiciário o nº APJ/2260/2024.
4. Com efeito, o autor vive grandes dificuldades económicas e familiares.
5. O mesmo encontra-se envolvido em diversos processos judiciais, contudo, não reúne as condições económicas necessárias para fazer face a todos os encargos que advêm dessa panóplia de processos.
6. A autor só consegue sobreviver e fazer face às despesas diárias através de ajudas de familiares e amigos.
7. Nesse sentido, requer-se, muito respeitosamente, que se aguarde, nos presentes autos, pelo pagamento das prestações necessárias no âmbito do processo nº 2111/24.8T8BRG, de modo a fazer-se uso do estatuído no artigo 13º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto,
8. O que possibilitará, assim, a suspensão dos pagamentos naquele processo e, prontamente, se iniciará os pagamentos nos presentes autos.
9. Veja-se que, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 99/16.8T8CBA-A.E1, de 21 de dezembro de 2017, a parte que intervier em mais do que um processo em que beneficie de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado, o pagamento das prestações é efetuado em todos os processos, mas não de forma sucessiva, não começando por pagar as prestações que lhe sejam devidas no primeiro em que foi deferido o apoio judiciário para, só depois de findo tal pagamento, iniciar o seguinte e assim sucessivamente.
Termos em que se requer a admissão do presente requerimento com as devidas e legais consequências.».
4. A 15.04.2024 foi proferido despacho de notificação do autor, a convidá-lo a «identificar todos os processos judiciais que tem pendentes, conforme alude no requerimento em referência, especificando em que fase processual os mesmos se encontram.».
5. A 24.04.2024 o autor apresentou o seguinte requerimento:
«1. O autor encontra-se a proceder ao pagamento de taxa de justiça ainda que faseadamente no âmbito do processo judicial que corre termos em AUTOS DE PROCESSO CAUTELAR N.º 2111/24.... 5 – TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA, tendo o apoio judiciário o nº APJ/2260/2024.
Alem deste e dos presentes autos
2. Junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (Juiz ...), corre o procedimento cautelar n.º 7356/23.... já findo e a aguardar que termine o pagamento das prestações no âmbito do processo cautelar 2111/24.8T8BRG
3. Junto do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão (Juiz ...), corre o processo especial para acordos de pagamentos n.º 7755/23... em fase de negociações e a aguardar que termine o pagamento das prestações no âmbito do processo cautelar 2111/24.8T8BRG.
4. Além destes processos e aguardar decisão sobre apoio judiciário estão ainda em curso contra o requerente os seguintes processos crime:
a. Processo n.º 3523/22.... que corre termos junto do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz ...), com julgamento marcado
b. Processo n.º 4299/23.... que corre termos junto do DIAP de Braga. Ainda em fase de inquérito
c. Processo n.º 572/23.... que corre termos junto do Juízo Local Criminal de Ponte de Lima
Termos em que se requer a admissão do presente requerimento com as devidas e legais consequências.».
6. A 09.05.2024 foi proferido despacho, no qual se decidiu:
«Requerimento de 09/04/2024:
Pese embora se verifique que o autor intervém em vários processos judiciais pendentes e que beneficia de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, tal circunstância não o isenta de pagar as prestações de taxa de justiça devida nos presentes autos
Com efeito, inexiste fundamento legal para tanto, conforme claramente se refere nos Acórdãos do T.R.E. de 21/12/2027 (P99/16.8T8CBA-A.E1, disponível in www.dgsi.pt) – este citado pelo próprio autor no requerimento em apreço -, e de 12/05/2022 (P212/18.0T8FAR.E1, disponível in www.dgsi.pt).
A propósito da questão que nos ocupa, escreveu-se no primeiro Acórdão citado (sublinhados nossos):
Em 16/12/2016, o organismo competente da Segurança Social proferiu a decisão de concessão do benefício do apoio judiciário ao recorrente, apenas na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, sendo o valor mensal a pagar de € 60,00, nos termos do artº 16º, da lei 47/2007, de 28/08.
Essa decisão foi notificada ao recorrente, não a tendo impugnado.
Assim, o mesmo não estava isento de efetuar o pagamento da primeira prestação correspondente ao pagamento faseado da taxa de justiça, devendo o documento comprovativo ser junto aos autos, o que o recorrente não fez.
A questão que nos é colocada já foi apreciada por tribunais superiores, designadamente pelo Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão de 24/11/2016 (processo 2000/15.7T8CHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt), cuja fundamentação passamos a reproduzir em parte, com redacção devidamente adaptada, por estarmos em consonância com a mesma.
Não assiste razão ao recorrente por falta de fundamento legal, quando pretende que apenas seria devido o pagamento da taxa de justiça neste processo após o pagamento efetuado em anterior processo. (…)
Reconhecemos que, havendo mais do que um processo nos quais e considerando os critérios da aferição da insuficiência económica são concedidos os benefícios de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, o pagamento das taxas devidas em todos eles determina a acumulação material de encargos os quais cerceiam drasticamente o rendimento disponível do requerente.
Todavia a solução para evitar toda esta situação deve ser encontrada ao nível do organismo competente para proferir decisões sobre o apoio judiciário (ISS) mediante a utilização do mecanismo introduzido pela Lei nº 47/2007, de 28/08, no artº 8º-A, nº 8, que permite ao dirigente máximo dos serviços da segurança social competente para a decisão sobre a concessão do beneficio decidir, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da aplicação dos critérios previstos na Lei se esta conduzir, no caso concreto, a uma manifesta negação ao direito e aos tribunais (neste sentido Salvador da Costa in O Apoio Judiciário, 2013, 7ª ed, pg.62).
Tal entendimento é reiterado no segundo Acórdão citado, no qual se escreveu:
Alega o Recorrente que não podia efectuar tal pagamento, por estar a efectuar pagamentos faseados noutro processo judicial.
Porém, a decisão tomada noutro processo não é aplicável ao presente. Para todos os efeitos, a Segurança Social concedeu nestes autos a modalidade de pagamento faseado de € 60,00, e essa é a obrigação que foi definida ao Recorrente Poderá argumentar-se que, havendo mais de um processo com a concessão do benefício em modalidades idênticas de pagamento faseado, a acumulação de encargos poderá cercear o rendimento disponível do Requerente.
A solução para evitar tal situação reside no art. 8.º-A n.º 8 da LAJ, que permite ao dirigente máximo dos serviços da segurança social competente para a decisão sobre a concessão do beneficio decidir, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da aplicação dos critérios previstos na Lei se esta conduzir, no caso concreto, a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais – neste sentido Salvador da Costa in “O Apoio Judiciário”, 2013, 7.ª ed., pág. 62, bem como o Acórdão da Relação de Guimarães de 24.11.2016 (Proc. 2000/15.7T8CHV-A.G1), e desta Relação de Évora de 21.12.2017 (Proc. 99/16.8T8CBA-A.E1), ambos publicados em www.dgsi.pt.
Mas para esse efeito, competia ao Recorrente informar a Segurança Social que tinha vários processos pendentes e requerer, no exercício do seu dever de iniciativa processual, a aplicação dos critérios especiais a que se refere o mencionado art. 8.º n.º 8 da LAJ.
Tal não aconteceu, pelo que apenas nos compete verificar que ao Recorrente está concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, devendo liquidar mensalmente a quantia de € 60,00.
Em face do exposto, indefiro o requerido por falta de fundamento legal e determino nova notificação do autor para proceder ao pagamento do montante devido a título de taxa de justiça em conformidade com a modalidade de apoio judiciário que lhe foi concedido no âmbito desta ação de processo comum, com a advertência de aplicação das sanções processuais legalmente previstas.».
7. O autor interpôs recurso da decisão de I- 6 supra:
«I. O recorrente tem diversos processos judiciais em curso, em todos os quais beneficia de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.
II. O recorrente enfrenta significativas dificuldades económicas e familiares, sobrevivendo apenas com a ajuda de familiares e amigos, e não tem capacidade para arcar com todos os encargos processuais simultaneamente.
III. O recorrente informou o tribunal a quo da sua impossibilidade de pagar todas as prestações e solicitou a suspensão dos pagamentos nos presentes autos até à conclusão do pagamento das prestações no processo cautelar n.º 2111/24.8T8BRG.
IV. Está comprovado nos autos que o recorrente não reúne condições económicas para cumprir com todas as prestações devidas.
V. O artigo 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa garante o acesso ao direito e aos tribunais, independentemente dos meios económicos dos cidadãos.
VI. Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 99/16.8T8CBA-A.E1, de 21 de dezembro de 2017, a parte que intervém em múltiplos processos com apoio judiciário em pagamento faseado deve efetuar os pagamentos de forma não sucessiva.
VII. O tribunal pode considerar as dificuldades económicas do recorrente e decidir pela suspensão dos pagamentos.
VIII. Mesmo não tendo o recorrente requerido a suspensão ao Instituto da Segurança Social, o tribunal a quo detém competência funcional para suspender o pagamento das prestações, assegurando o exercício dos direitos do recorrente.
IX. Nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil (CPC), o tribunal tinha o dever de orientar o recorrente sobre a necessidade de requerer a suspensão ao Instituto da Segurança Social antes de indeferir o pedido.
X. Deveria ter notificado o recorrente para efetuar tal pedido e juntar o comprovativo nos autos.
XI. A decisão do tribunal a quo contraria os princípios constitucionais de acesso à justiça e ao direito, previstos no artigo 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e desconsidera o regime de apoio judiciário que visa proteger pessoas economicamente desfavorecidas.
XII. Dessa forma, requer-se a revogação da decisão do tribunal a quo, com o reconhecimento do direito do recorrente à suspensão dos pagamentos relativos ao apoio judiciário nos presentes autos.
XIII. Assim, devem os autos prosseguir sem a exigência do pagamento da taxa de justiça pelo recorrente, garantindo-lhe o pleno exercício dos seus direitos.

Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogado o despacho que indeferiu o pedido de suspensão de pagamento da prestação do apoio judiciário e ser substituído que reconheça o direito do recorrente em suspender o pagamento referida suspensão.

8. A 12.06.2024 foi admitido o recurso de apelação, com subida imediata e com efeito devolutivo.
9. Subido o recurso a esta Relação, a 29.07.2024 foi proferido o seguinte despacho:
«1. Solicite ao Tribunal da 1ª instância para informar qual o valor processual fixado à causa.

*
2. Notifique o recorrente para indicar o valor do recurso para efeitos tributários (correspondente ao valor da sucumbência), nos termos do art.12º/2 do RCP.».
10. Cumprido I- 9 supra:
10.1. A 04.09.2025 foi proferido este despacho pela 1ª instância, comunicado a esta Relação:
«Ofício de 27/08/2024:
Informe que, por lapso deste tribunal – pelo qual desde já se penitencia – não foi fixado valor à ação nos termos prescritos no artigo 306º, nº 3, do C.P.C., pelo que se passa a fazê-lo de imediato.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 306º, nº 3, do C.P.C., fixo à presente ação o valor de € 66.549,04 (sessenta e seis mil quinhentos e quarenta e nove euros e quatro cêntimos), considerando a causa de pedir invocada e os pedidos formulados e o disposto no artigo 297º, nºs 1 e 2, do C.P.C.».
10.2. O mandatário do requerente não respondeu.
11. A 09.04.2025 foi proferida decisão sumária, a julgar o recurso improcedente.
12. O recorrente reclamou da decisão singular referida em I-11 supra, nos seguintes termos:
«1. A presente reclamação visa a revogação da decisão singular e o reconhecimento do direito do Recorrente à suspensão temporária do pagamento das prestações de taxa de justiça, concedidas em sede de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, com fundamento:

• Em normas constitucionais que asseguram o direito de acesso efetivo ao direito e aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da CRP);
• Na autonomia da função jurisdicional (arts. 202.º e 204.º da CRP);
• Nos deveres de gestão processual e cooperação judicial (art. 6.º do CPC);
• Em princípios fundamentais como a proporcionalidade, a boa-fé processual e a proibição de denegação de justiça por insuficiência económica (arts. 18.º e 20.º da CRP).
• 2. Esta suspensão é justificada pela impossibilidade prática do Recorrente suportar simultaneamente os pagamentos em diversos processos judiciais nos quais beneficia de apoio judiciário, situação documentalmente exposta nos autos.

FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO

A. Incorreta interpretação do regime legal
3. A decisão singular funda-se exclusivamente na ideia de que a competência para decidir sobre a modulação ou suspensão do pagamento das prestações cabe apenas à Segurança Social, ao abrigo do artigo 8.º-A, n.º 8, da Lei n.º 34/2004 (Lei do Apoio Judiciário – LAJ).
4. Tal leitura configura uma interpretação excessivamente restritiva da norma, que desconsidera a natureza instrumental da decisão administrativa de concessão de apoio judiciário e ignora o papel constitucional do juiz enquanto garante da tutela jurisdicional efetiva.
5. Com efeito, a jurisprudência – e parte da doutrina, nomeadamente Salvador da Costa (O Apoio Judiciário, 11.ª ed., Almedina, 2022, p. 64) – admite que o juiz tem competência para aferir, no decurso do processo, se a exigência de pagamento permanece compatível com o princípio da justiça material, mormente quando existam alterações supervenientes das condições económicas ou sobreposição de prestações em vários processos.
6. A posição que exclui em absoluto o poder do juiz de intervir, mesmo em situações de evidente negação prática do acesso à justiça, reduz o tribunal à condição de mero executor da decisão administrativa, subvertendo o princípio da separação de poderes e violando a autonomia da função jurisdicional (art. 202.º da CRP).

B. Violação da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º da CRP)
7. A decisão recorrida, ao indeferir liminarmente o pedido sem sequer notificar o Recorrente para requerer a modulação junto da Segurança Social, impos uma formalidade que impossibilita o acesso ao tribunal por razões meramente processuais, o que é expressamente vedado pelo artigo 20.º da CRP.
8. Como afirmam Canotilho e Moreira, “o direito de acesso aos tribunais não se esgota na mera possibilidade formal de apresentar uma ação, mas exige a criação de condições reais para a sua efetivação, incluindo a superação de obstáculos financeiros” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., p. 401).
9. O entendimento adotado esvazia o conteúdo do apoio judiciário concedido, transformando um benefício constitucional em obrigação inatingível para o Recorrente, que já demonstrou (e não foi contestado) estar em situação de severa carência económica, sobrevivendo com o apoio de terceiros.

C. Dever de gestão processual e princípio da cooperação (art. 6.º do CPC)
10. O tribunal deveria, no mínimo, ter orientado o Recorrente para formular o pedido previsto no art. 8.º-A, n.º 8 da LAJ, conforme o dever de gestão processual e de boa-fé previsto no artigo 6.º do CPC.
11. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que o princípio da cooperação impõe uma atuação proativa do juiz em matéria de garantias processuais, especialmente quando está em causa uma parte vulnerável (cf. Ac. STJ de 12.05.2020, Proc. 1957/18.2T8BRG.G1.S1).
12.Tal atuação judicial não só era possível, como obrigatória, face à natureza da parte, aos documentos juntos e à evidente inviabilidade prática do cumprimento cumulativo dos encargos judiciais.

D. Inconstitucionalidade da interpretação normativa
13. Ainda que se aceite a literalidade do artigo 8.º-A, n.º 8 da LAJ, a interpretação que dela se extrai na decisão singular deve ser afastada por inconstitucionalidade material, por violação:

• Do direito de acesso aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da CRP);
• Do princípio da reserva de jurisdição (art. 202.º da CRP);
• Do princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP);
• Do dever de garantir a justiça no caso concreto (arts. 204.º e 20.º da CRP).

14. A jurisprudência constitucional e da Relação é clara ao afirmar que o legislador não pode delegar sem controle judicial eficaz a modulação de encargos processuais que condicionem o prosseguimento da causa.
15. A imposição automática e cumulativa de encargos, em múltiplos processos simultâneos, esvazia o benefício de apoio judiciário e constitui um obstáculo material ao acesso ao direito, vedado pela Constituição.

Nestes termos, requer-se a V. Exas.:
1. Que se admita e conheça a presente reclamação;
2. Que se revogue a decisão singular proferida a 09.04.2025;
3. Que se reconheça ao Recorrente o direito à suspensão das prestações relativas ao apoio judiciário concedido nos presentes autos, até que cesse o pagamento em curso noutros processos em que já beneficia da mesma modalidade;
4. Que se afaste a aplicação da norma do artigo 8.º-A, n.º 8 da LAJ, na dimensão interpretativa que veda ao juiz qualquer competência de determinação de prestações por violação dos princípios e direitos constitucionais acima invocados, ao abrigo do artigo 204.º da CRP.».
13. Não foi apresentada resposta à reclamação.
14. Inscreveu-se o processo em tabela, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Define-se, como questão a decidir nos termos do art.656º do CPC, se deve ser revogado o despacho recorrido e se o mesmo deve ser substituído por outro que reconheça o direito do recorrente suspender o pagamento das prestações de taxa de justiça (por o recorrente entender: que o Tribunal a quo tem competência para considerar as suas dificuldades económicas e proferir essa decisão; que, de qualquer forma, lhe teria cabido orientá-lo para requerer a suspensão ao Instituto da Segurança Social e juntar o comprovativo nos autos, nos termos do art.6º do CPC, antes de indeferir o pedido; que a decisão contraria os princípios constitucionais de acesso à justiça e ao direito, nos termos do art.20º/1 da Constituição da República Portuguesa, e desconsidera o regime de apoio judiciário, que visa proteger pessoas economicamente desfavorecidas, violação do direito constitucional depois ampliada na reclamação à decisão singular para a invocação da inconstitucionalidade da interpretação do art.8ºA, por violação dos arts.202º, 18º/2 e 204º da CRP).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada:
1.1. A Segurança Social, por despacho de 15.03.2024, proferido no APJ/1558/2024 após audiência prévia, concedeu a AA, em referência ao seu requerimento de 13.12.2023, apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos, com a prestação mensal de € 60, 00, e de atribuição de agente de execução, decisão na qual ponderou como fundamentos descritos: que o seu agregado era composto de duas pessoas; que o rendimento líquido completo do seu agregado era de € 13 423, 00; que a dedução para efeitos de proteção jurídica, incluindo encargos com as necessidades básicas de habitação, era de € 8 212, 00; que o rendimento anual para efeitos de proteção jurídica era de € 5 211, 00; que o rendimento mensal para efeitos de proteção jurídica sem múltiplos do salário mínimo era de € 0, 77.
1.2. AA instaurou a presente ação a 02.04.2024, na qual ocorreram os atos processuais referidos em I supra.
1.3. Após a prolação do despacho recorrido de 09.05.2024, o autor e beneficiário documentou o pagamento faseado de prestações mensais de € 60, 00 (pelo menos a 02.07.2024, a 02.08.2024, a 02.09.2024, a 24.09.2024, a 22.10.2024).

2. Apreciação do objeto do recurso:

2.1. Enquadramento jurídico:
2.1.1. Acesso ao direito e aos tribunais em caso de insuficiência económica:
2.1.1.1. Proteção Constitucional:
Na Constituição da República Portuguesa, na parte dos Princípios Gerais respeitantes aos Direitos e Deveres Fundamentais, prescreve-se (Título I da Parte I):
__ No art.18º da CRP («Força jurídica», respeitante aos preceitos constitucionais de direitos, liberdades e garantias, previstos no Título II da Parte I): «1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…)».
__ No art.20º da CRP («Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva»):«1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.» (negrito aposto por esta Relação).
Sobre esta previsão do nº1 do art.20º da CRP tem-se entendido, conforme explicam Jorge Miranda e Rui Medeiros:
a) Quanto à natureza do direito «O direito à proteção jurídica em sentido amplo ou, pelo menos, o direito ao apoio judiciário, embora se traduza num direito a prestações estaduais, constitui um direito suficientemente densificado no plano constitucional, devendo ser configurado como um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (Ac. n.º364/04). Por isso, independentemente da inconstitucionalidade de normas que neguem ao interessado economicamente carenciado o acesso aos mecanismos de apoio judiciário (Ac. n.º495/96), não está excluído que o direito em causa possa ser diretamente exercido mesmo na ausência de lei.»[i].
b) Quanto às implicações na legislação ordinária:
* «O legislador, sem prejuízo do espaço de conformação nesta matéria, está constitucionalmente vinculado a consagrar soluções legislativas que, através de um sistema de apoio judiciário, garantam a todos um efetivo direito de acesso, não apenas a um direito, mas também aos tribunais (Ac. n.º467/91), isto é, a todo e qualquer tribunal- judicial ou não judicial (Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º78/93)»[ii].
* «O procedimento de concessão de apoio não pode onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa (Ac. n.º88/00).
É preciso, para impedir a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, que a concreta modelação do instituto de apoio judiciário seja adequada, em particular no que concerne aos prazos em curso, à defesa dos direitos e interesses “por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses”. (…).
Em contrapartida, são constitucionalmente admissíveis os meros condicionalismos ou formalidades que, sem inviabilizar ou dificultar excessivamente o exercício do direito, rodeiam ou regulamentam os procedimentos ou processos de apoio judiciário (Acs. n.ºs495/96 e 364/04). (…) Nada impede, por outro lado, que a lei imponha aos interessados o ónus de acionar os mecanismos de apoio e de neles provar a insuficiência de meios económicos (Ac. n.º161/93- cfr. ainda Ac. n.º395/89) ou que estabeleça um prazo razoável para a administração poder controlar a veracidade da insuficiência económica alegada pelo requerente (Ac. n.º364/04).»[iii].
Nesta mesma Constituição da República Portuguesa, na parte respeitante os Princípios Gerais dos Tribunais da Organização do Poder Político (Capítulo I do Título V da Parte II), prescreve-se:
__ No art.202º da CRP («Função Jurisdicional»): «1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. 3. No exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades. 4. A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.».
__ No art.204º da CRP («Apreciação da inconstitucionalidade»): «Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.».
__ No art.205º da CRP («Decisões dos tribunais»): «1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. 2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. 3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.». Estas decisões, cujo dever de fundamentação, força vinculativa (antes e após o trânsito em julgado) e exequibilidade é aqui garantida e que deve ser definida na legislação ordinária (como é feito, no regime processual civil, nos arts.154º e 607º, nos arts. 613º, 619º ss, nos arts.703º ss do CPC), refere-se, necessariamente, às proferidas pelos Tribunais competentes e nos procedimentos previstos da lei, em concretização do direito constitucional ao processo, tutelado pelo art.20º/4 e 5 da CRP (arts.10º ss, arts. 59º ss do CPC; regime da LOSJ; regime dos arts.27º e 28º da Lei n.º 34/2004, de 29/07).
2.1.1.2. Soluções da legislação ordinária:
A solução legislativa do acesso ao direito em caso de insuficiência legislativa, a que se refere o art.20º/1 e 2 da CRP, foi concretizada na legislação ordinária, atualmente na Lei n.º 34/2004, de 29/07., na versão vigente com a suas sucessivas revisões (em particular, a dada pela Lei nº47/2007, de 28.08).
A. Competência para a decisão e impugnação judicial:
Ao abrigo deste regime, o requerimento de concessão do apoio judiciário deve ser apresentado na segurança social e é decidido pelo dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente (arts.8º a 8º-B, 20º, 22º, 25º da referida Lei n.º 34/2004, de 29/07.).
Na apreciação do requerimento, o decisor administrativo pode e deve atender: não apenas aos critérios legalmente previstos nas normas gerais e abstratas (arts.8º, 8º-A e 8º-B da Lei n.º 34/2004, de 29/07); mas também aos critérios de oportunidade adaptados ao caso concreto e a princípios de proporcionalidade, quando os mesmos forem necessários para salvaguardar o acesso do requerente ao direito e aos tribunais, nos termos do art.20º/1 da CRP, que não esteja acautelado pela aplicação ao caso concreto das regras de legalidade estrita, decisão esta que cabe também ao dirigente máximo dos serviços de segurança social- art.8º-A/8 da Lei n.º 34/2004, de 29/07-«8 - Se, perante um caso concreto, o dirigente máximo dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de proteção jurídica entender que a aplicação dos critérios previstos nos números anteriores conduz a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais pode, por despacho especialmente fundamentado e sem possibilidade de delegação, decidir de forma diversa daquela que resulta da aplicação dos referidos critérios.»[iv].
O requerente, quando não se conforme com esta decisão administrativa, pode interpor impugnação judicial, a decidir pelo Tribunal competente, por decisão irrecorrível (arts.27º e 28º da referida Lei nº34/2004, de 29/07).
B. Modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça:
Uma das modalidades do apoio judiciário que pode ser concedida ao requerente é a do pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo (arts.8º-A/1-b), 16º/1-d) da Lei nº34/2004, de 29.07.).
Neste caso, o legislador prescreve, de acordo com o disposto no art.16º/2 a 5 da referida Lei nº34/2004, de 29.07. e art.11º da Portaria nº1085-A/2004, de 31.12.):
a) O valor da prestação mensal dos beneficiários de apoio judiciário (é de « a) 1/72 do valor anual do rendimento relevante para efeitos de proteção jurídica, se este for igual ou inferior a uma vez e meia o valor do indexante de apoios sociais; b) 1/36 do valor anual do rendimento relevante para efeitos de proteção jurídica, se este for superior a uma vez e meia o valor do indexante de apoios sociais.») sem prejuízo «de, em termos a definir por lei, a periodicidade do pagamento poder ser alterada em função do valor das prestações, nas modalidades referidas nas alíneas d) a f) do número anterior» (art.16º/2-a) e b) da referida Lei nº34/2004), alteração que veio a ser feita no art.12º da Portaria nº1085-A/2004, de 31.12. (que prevê que «O valor a liquidar pelo requerente é o constante da tabela do anexo IV desta portaria, o qual é definido por referência ao montante mensal, trimestral, semestral ou anual apurado nos termos do artigo anterior.»), em referência ao art.11º da mesma Portaria (que definiu que «1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, a prestação mensal para pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, de honorários de patrono nomeado e de remuneração do solicitador de execução designado, apurada de acordo com os critérios definidos no n.º II do anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, é liquidada mensal, trimestral, semestral ou anualmente, pelo montante correspondente ao período em referência, nos termos definidos nos números seguintes. 2 - Se o valor da prestação apurado de acordo com os critérios definidos no n.º II do anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, for igual ou superior a 0,5 UC, a liquidação é efetuada mensalmente. 3 - Se o valor da prestação apurado de acordo com os critérios definidos no n.º II do anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, for inferior a 0,5 UC, a liquidação é efetuada trimestral ou semestralmente, consoante, respetivamente, o seu triplo ou o seu sêxtuplo perfaçam, no mínimo, 0,5 UC.  4 - Nos casos não abrangidos nos números anteriores, a liquidação da prestação apurada de acordo com os critérios definidos no n.º II do anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, é efetuada anualmente.».
b) Estas prestações mensais de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos não são exigíveis quando «se vençam após o decurso de quatro anos desde o trânsito em julgado da decisão final da causa.», prazo de 4 anos este que, «Havendo pluralidade de causas relativas ao mesmo requerente ou a elementos do seu agregado familiar, (…) conta-se desde o trânsito em julgado da última decisão final.» (art.16º/3 e 4 da Lei nº34/2004).
c) O pagamento das prestações é efetuado em termos a definir por lei (art.16º/5 da Lei nº34/2004), previsão esta que Salvador da Costa refere estar conexionada com o previsto no nº2 deste art.16º da Lei nº34/2004, de 29/07 e remete para diploma regulamentar, nos termos dos arts.11º a 13º da Portaria nº1085-A/2004, de 31 de Agosto (vd. Salvador da Costa, in obra citada, anotação 11 ao art.16º, pág. 70).
O pagamento da primeira prestação mensal, caso o benefício de apoio judiciário tenha sido concedido antes da instauração da ação, deve ser comprovado juntamente com a petição inicial (art.552º/7 do CPC; arts.1º/6-d) e 9º/1, 4 e 5 da Portaria nº280/2013, de 26.08., na redação atualizada), sob pena de rejeição da petição inicial pela secretaria (art.558º/1-f) do CPC) ou, não tendo esta cumprido esta competência, de indeferimento liminar da petição inicial (art.590º/1 do CPC).
O pagamento das prestações mensais subsequentes deve continuar a realizar-se nos autos sob pena de, não procedendo o beneficiário ao «pagamento de uma prestação e mantiver esse incumprimento no termo do prazo que lhe for concedido para proceder ao pagamento em falta acrescido de multa equivalente à prestação em falta.», ser cancelado esse benefício (art.10º/1-f) da Lei nº34/2004, de 29.07.), «oficiosamente pelos serviços da segurança social ou a requerimento do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, da parte contrária, do patrono nomeado ou do agente de execução atribuído» (art.10º/1-f) da Lei nº34/2004, de 29.07.).
Não obstante estas disposições, o art.13º da referida Portaria nº1085-A/2005, de 31.12. prevê, sob a epígrafe «Limitação do número de prestações do pagamento faseado», que «1 — Se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado for, em dado momento, superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das restantes prestações; tratando-se de processo em que não seja devida taxa de justiça inicial, a suspensão pode ter lugar quando o somatório das prestações pagas pelo beneficiário for superior a 2 UC. 2 — Caso o beneficiário suspenda o pagamento das prestações, nos termos do número anterior, e da elaboração da conta resulte a existência de quantias em dívida por parte do mesmo, o seu pagamento pode ser efectuado, de forma faseada, em prestações de montante idêntico ao anteriormente estipulado pelos serviços de segurança social.». O valor da taxa de justiça inicial constante do art.13º/1 desta Portaria, em referência ao anterior Código das Custas Judiciais, corresponde, numa interpretação atualista, à primeira prestação da taxa de justiça prevista no Regulamento das Custas Processuais[v].
Em qualquer caso, existindo uma situação de insuficiência económica superveniente, o requerente pode apresentar na segurança social um pedido de apoio judiciário na pendência da ação, caso em que «suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 24.º» (art.18º/3 da Lei nº34/2004, de 29.07.).
2.1.1.3. Aplicação do regime na jurisprudência (no caso problemático em discussão nos autos):
E no caso da parte beneficiar de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos em vários processos, que possa vir a implicar o pagamento simultâneo das prestações fixadas para cada um?
A Jurisprudência maioritária tem entendido que, no quadro do regime em vigor, compete à segurança social decidir sobre esta matéria, ainda que com recurso a mecanismo excecional do art.8º/8 da Lei nº34/2004, de 29.07., introduzido pela Lei n.º 47/2007, de 28.08., regime este que não viola o direito constitucional do acesso ao direito e aos Tribunais do art.20º da CRP. Neste sentido, assinalam-se os seguintes acórdãos:
__ No Ac. RG de 24.11.2016, proferido no processo nº2000/15.7T8CHV-A.G1, relatado por Maria da Purificação Carvalho: foi sumariado que «●Havendo mais do que um processo nos quais e considerando os critérios da aferição da insuficiência económica são concedidos os benefícios de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, o pagamento das taxas devidas em todos eles determina a acumulação material de encargos os quais cerceiam drasticamente o rendimento disponível do(s) requerente(s). ●A solução para evitar toda esta situação deve ser encontrada ao nível do organismo competente para proferir decisões sobre o apoio judiciário (ISS) mediante a utilização do mecanismo introduzido pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no art. 8.º-A, n.º 8, que permite ao dirigente máximo dos serviços da segurança social competente para a decisão sobre a concessão do benefício decidir, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da aplicação dos critérios previstos na Lei se esta conduzir, no caso concreto, a uma manifesta negação ao direito e aos tribunais.»; foi entendido na fundamentação que este regime não tinha problemas de constitucionalidade, tendo em conta, nomeadamente, que «A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses" (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 163 e 164 e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp. 82 e 83).| Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cf. os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 404/87, 86/88 e 222/90, Diário da República, II série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de 1987, 22 de Agosto de 1988 e 17 de Setembro de 1990).[…]| Ora se assim é, e tendo o legislador criado uma forma de obviar à situação relatada nos autos - mecanismo introduzido pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no art. 8.º-A, n.º 8, nos termos já supra explicitados e que aqui damos por reproduzidos – onde é que está violado o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais com a exigência do cumprimento das decisões proferidas quanto ao apoio judiciário?».
__ No Ac. RE de 21.12.2017, proferido no processo nº99/16.8T8CBA-A.E1, relatado por Maria da Conceição Ferreira: concluiu-se não haver lugar a pagamento sucessivo das taxas de justiça entre vários processos («Se a parte intervier em mais do que um processo em que beneficie de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado, o pagamento das prestações é efectuado em todos os processos, mas não de forma sucessiva, isto é, não começa por pagar as prestações que lhe sejam devidas no primeiro em que foi deferido o apoio judiciário e, só depois de findo tal pagamento, é que inicia o seguinte e assim sucessivamente.»); considerou-se na sua fundamentação, em adesão ao Ac. RG de 24.11.2016, que «a solução (…) deve ser encontrada (…) mediante a utilização do mecanismo introduzido pela Lei nº 47/2007, de 28/08, no artº 8º-A, nº 8, que permite ao dirigente máximo dos serviços da segurança social competente (…) decidir, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da aplicação dos critérios previstos na Lei se esta conduzir, no caso concreto, a uma manifesta negação ao direito e aos tribunais (neste sentido Salvador da Costa in O Apoio Judiciário, 2013, 7ª ed, pg.62).» e que, «tendo o legislador criado uma forma de obviar à situação relatada nos autos – mecanismo introduzido pela Lei nº 47/2007, de 28/08, no artº 8º-A, nº 8, nos termos já supra explicitados, não se encontra violado o principio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais com a exigência do cumprimento das decisões proferidas quanto ao apoio judiciário.».
__ No Ac. RE de 12.05.2022, proferido no processo nº212/18.0T8FAR.E1, relatado por Mário Branco Coelho, concluiu-se que «1. No caso da parte intervier em vários processos e neles beneficiar de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, deve requerer, ao abrigo do art. 8.º-A n.º 8 da LAJ, que o dirigente máximo dos serviços da segurança social decida, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da aplicação dos critérios gerais. 2. Para esse efeito, compete à parte informar a Segurança Social que tem vários processos pendentes e requerer, no exercício do seu dever de iniciativa processual, a aplicação de tais critérios especiais. 3. Se não o fizer, não pode invocar qualquer direito a suspender o pagamento da taxa de justiça devida.».
Num caso em que se colocou, em particular, o problema da compatibilização entre o pagamento das prestações de pagamento de taxa de justiça faseada no processo principal e no procedimento cautelar que lhe estava apenso, o Ac. RC de 26.06.2020, proferido no processo nº1598/18.2T8CTB-A.C1, relatado por Jaime Carlos Ferreira, concluiu que: «I – Tendo já sido concedido ao Requerente/Recorrente o beneficio do apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo no processo principal, tal apoio mantém-se ou estende-se aos processos apensos, nos termos do artº 18º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29/07, na sua redação resultante da Lei nº 47/2007, de 28/08, sendo que uma das modalidades do apoio judiciário é o pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, nos termos do artº 16º, nº 1, al. d) da referida lei. II - No caso deste tipo de apoio, o valor da prestação mensal dos beneficiários resulta do disposto no nº 2, als. a) e b), do citado artº 16º, ou seja, é calculado em função do chamado ‘rendimento relevante’, e o pagamento das prestações do dito pagamento faseado é efetuado nos termos dos artºs 6º, 7º, 8º, 9º, 11º e 12º, todos da Portaria nº 1085-A/2004, de 31/08 (ou seja, a prestação mensal para pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo é liquidada mensal, trimestral, semestral ou anualmente, pelo montante correspondente ao período em referência), e em função do Anexo à Lei nº 34/2004 – ver o nº 5 do artº 16º da Lei 34/2004. III - E resulta do artº 13º da referida Portaria que se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado for, em dado momento, superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, pode esse beneficiário suspender o pagamento das restantes prestações; e nestes casos, se da elaboração da conta resultar a existência de quantias em dívida, o seu pagamento pode ser efetuado de forma faseada... IV - Parece-nos que do exposto resulta que nos casos de concessão do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos o valor a liquidar pelo beneficiário do apoio não pode ir além do fixado no anexo IV da Portaria citada, o que no presente caso terá sido no montante de €160,00/mês. V - Assim sendo, esse pagamento faseado terá de ser entendido com o referido limite e aplicável quer ao processo principal, quer ao presente apenso, pelo que só em finalizando o pagamento relativo às prestações devidas no processo principal, e que está em curso, se poderá iniciar o pagamento relativo à taxa de justiça também devida pelo apenso, em prestações sucessivas.».

2.1.2. Dever de Gestão processual e Princípio da Cooperação:
No Título I «Das disposições gerais e dos princípios fundamentais» do processo civil, o legislador prevê:
__ No seu art.6º do CPC, sob a epígrafe “Dever de Gestão Processual” que, «1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.».
__ No seu art.7º do CPC, sob a epígrafe «Princípio da Cooperação», os segmentos materiais e formais em que dever operar uma cooperação entre magistrados, partes e mandatários para a justa composição do litígio: «1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º. 4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.».
O normativo do dever de gestão processual exprime «com precisão dois pilares do processo civil: o da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais. O direito adjetivo só existe porque existe direito substantivo integrado por normas que, de modo abstrato generalizado, concedem direitos, fixam obrigações ou impõem ónus ou limitações. Em caso de conflito de interesses, impõe-se a intervenção reguladora do juiz com funções de tutela de direitos subjetivos ou de interesses juridicamente relevantes. (…)». No entanto, são «insanáveis designadamente (…), a incompetência absoluta (ressalvado o eventual aproveitamento do processado, nos termos do art.99º, nº2), o caso julgado ou a litispendência. (…)»[vi].
O princípio da cooperação concretiza-se quanto às partes e quanto ao Tribunal e, como sublinham Castro Mendes e Teixeira de Sousa, deve ser conjugado com outros princípios processuais e ser orientado pela proporcionalidade: «O dever de cooperação assenta, quanto às partes, num dever de actuação orientado pela eficiência e proporcionalidade. Em concreto, o dever de cooperação traduz-se no dever de litigância de boa fé (art.8.º), bem como no dever de fornecer, a convite do juiz, os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes (art.7.º, n.º2). O dever de cooperação implica a transformação de auto- responsabilização das partes que é característica do princípio do dispositivo na responsabilização das partes que é própria do princípio da cooperação.»; e «O dever de cooperação do tribunal (trata-se, na realidade, de um poder dever ou de um dever funcional) destina-se a incrementar a eficiência do processo, a assegurar a igualdade de oportunidade das partes, a promover a descoberta da verdade e a garantir um processo equitativo. Este dever de colaboração do tribunal é uma “forma de expressão de um processo civil dialógico” (…)»[vii] (sublinhado aposto nesta Relação). Entre os segmentos em que se desdobra o princípio da cooperação e os deveres do juiz perante o mesmo[viii], o legislador prevê o dever do tribunal prestar auxílio às partes para a remoção de obstáculos ou dificuldades sérias para o exercício não só dos seus direitos e faculdades, mas também para o cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais (art.7º/4 do CPC).

2.2. Apreciação da situação em análise:
2.2.1. Delimitação preliminar do efeito jurídico a apreciar:
O recorrente, no presente recurso de apelação do despacho de 09.05.2024, pediu apenas a suspensão do pagamento das prestações de apoio judiciário, suspensão esta que, na reclamação da decisão sumária que conheceu o recurso, foi pedida até que cessasse o pagamento em curso noutros processos em que o requerente beneficia da mesma modalidade.
No entanto, o despacho recorrido de 09.05.2024 indeferiu o requerimento de 09.04.2024, requerimento este que baliza a apreciação que pode ser feita neste recurso em relação à decisão sobre o mesmo incidente (ainda que com atendimento dos factos novos esclarecidos na informação subsequente de 24.04.2024).
Ora, neste requerimento de 09.04.2024 (I-3 supra) o requerente limitou-se a pedir ao Tribunal a quo que o processo aguardasse o pagamento das prestações do processo nº2111/24...., com vista a depois fazer uso do art.13º da Portaria nº 1085-A/2004, de 31.08 e vir a suspender os pagamentos “naquele processo” e a prontamente iniciar o pagamento das prestações neste processo. Este requerimento não foi antecedido ou seguido de qualquer pedido concreto distinto (o autor, na sua petição inicial limitou-se a declarar que não juntava o DUC do pagamento faseado por estar a fazer pagamentos na mesma modalidade num processo nº2111/24.... supra; o autor, após ser notificado para identificar os processos pendentes, limitou-se a identificar dois outros processos- cível e comercial- com benefício da mesma modalidade de apoio judiciário e que aguardavam o pagamento das prestações no processo nº2111/24.8T8BRG, e mais três processos crime que aguardavam a decisão de apoio judiciário- vd. I-5).
2.2.2. Reapreciação do mérito da decisão recorrida:
No quadro de reapreciação delimitado em III- 2.1. supra, importa apreciar se assiste razão ao recorrente quando defende o erro do Tribunal a quo no indeferimento do requerimento de 09.04.2024: por má interpretação da lei; por aplicação de norma interpretada de forma inconstitucional; por omissão do dever de gestão processual e do princípio de cooperação.
2.2.2.1. Quanto à má interpretação e aplicação da Lei Ordinária:
Por um lado, o recorrente, neste seu recurso, sustentou que o Tribunal tinha “competência funcional” para suspender o pagamento das prestações fixadas na decisão administrativa de concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, por ser parte noutros processos e beneficiar nos mesmos de apoio judiciário na mesma modalidade, com o consequente encargo (atual ou diferido).
Todavia, para este efeito: não explicou as razões concretas do erro de interpretação do regime legal exposto em III- 2.1.1.2.- A e B supra, quer quanto à divisão de competências da lei ordinária para a decisão de apoio judiciário e para a sua reapreciação em impugnação judicial, quer quanto ao regime de pagamento, de inexigibilidade e de suspensão de pagamento de prestações faseadas da taxa de justiça; não indicou qualquer a fonte legal para defender a “competência funcional do tribunal” para decidir a sua pretensão de suspensão.
Por outro lado, o recorrente defendeu na reclamação para a conferência da decisão singular do recurso, que esta fez uma interpretação restritiva da Lei (em particular ao conferir poder de modelação do art.8º-A da Lei nº34/2004, apenas à Segurança Social): sem explicar esta afirmação (e em referência à globalidade do regime de competências exposto em III- 2.1.1.2.- A  supra); e com suporte numa invocada posição doutrinária de Salvador da Costa, não concretamente transcrita e inexistente na obra e na página assinalada (nem nas páginas seguintes das anotações ao art.16º da Lei nº34/2004).
Ora, de acordo com o regime legal referido em III-2.1.1.2.-A e 2.1.2. supra: foi atribuída à Segurança Social a competência para decidir sobre o apoio judiciário; foi atribuído ao Tribunal, no âmbito da impugnação judicial, o poder de reapreciação da decisão administrativa que tenha sido proferida, de forma a garantir o cumprimento da lei ordinária e dos direitos, liberdades e garantias que não tivessem sido acautelados ao requerente na referida decisão, nos termos dos arts.202º ss da CRP; o regime do art.6º e 7º do CPC não contempla possibilidades de alteração deste regime ordinário.
Por sua vez, de acordo o regime legal referido em III-2.1.1.2.-B supra, as prestações de pagamento faseado do benefício de apoio judiciário, que se vencem com a periodicidade prevista na lei, apenas se suspendem e têm o pagamento inexigível nos termos também legalmente previstos, sendo: que na altura da prolação da decisão recorrida não se verificava o disposto no art.13º da Portaria nº1085-A/2004, de 31.12 (uma vez: que esta norma faz depender a suspensão do pagamento de prestações da modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos, num processo sujeito ao pagamento de primeira prestação de taxa de justiça- arts.6º, 11º, 14º do RCP, art.15º a contrario do RCP e Tabelas I- A e I-C- como o presente processo, de no mesmo já terem sido pagas prestações de pagamento faseado com o valor global superior em quatro vezes o valor da 1ª prestação da taxa de justiça global devida pelo processo; que neste processo, nessa altura anterior à decisão recorrida, ainda não tinha sido pago qualquer valor de prestações para pagamento faseado da taxa de justiça e encargos); que não se está perante o caso de inexigibilidade de pagamento de prestações após 4 anos do trânsito em julgado da decisão final da causa (art.16º/3 e 4 da Lei nº34/2004).
2.2.2.2. Quanto à violação da Constituição da República Portuguesa:
O recorrente: no seu recurso, invocou que a decisão do Tribunal a quo violou o seu direito constitucional de acesso aos tribunais do art.20º/1 da CRP, e desconsiderou que o regime de apoio judiciário pretende proteger pessoas economicamente mais desfavorecidas; na reclamação à decisão singular, desenvolveu a arguição de inconstitucionalidade, considerando que a interpretação do art.8º-A/8 da Lei nº34/2004 é inconstitucional por violação do art.20º/1 da CRP (entendendo: que o indeferimento liminar, sem notificação prévia para apresentar pedido na Segurança Social, impôs uma formalidade que impossibilitou o acesso ao tribunal por razões meramente processuais; que a interpretação adotada esvazia o conteúdo do apoio judiciário concedido) e por violação do princípio de reserva de jurisdição do art.202º da CRP, do princípio da proporcionalidade do art.18º/2 da CRP, do dever de garantir a justiça no caso concreto do arts.204º e 20º da CRP (violações estas não explicadas para além da enunciação das normas violadas).
Todavia, examinando esta arguição face aos factos provados e ao regime legal referido em III-2.1.1. - 2.1.1.1. supra a 2.1.1.3. supra, verifica-se que não assiste razão ao recorrente, com os fundamentos invocados.
Por um lado, o regime legal exposto confere ao requerente a possibilidade de apresentar na Segurança Social os pedidos que entender, nomeadamente de concessão do benefício de apoio judiciário adaptado à sua insuficiência económica, também onerada com outros encargos judiciais (com dispensa de pagamento de taxa de justiça de encargos ou, ao abrigo de um princípio de oportunidade, com diferimento do pagamento de prestações para depois da satisfação de prestações de pagamento faseado de processos prévios) e confere à Segurança Social a possibilidade de aplicar, não apenas regras de legalidade estrita, mas de adaptar a decisão de forma a evitar que a aplicação das mesmas implique uma negação do acesso ao direito.
Todavia, o recorrente não demonstrou que suscitou junto da entidade administrativa competente para a decisão do pedido de apoio judiciário, nos termos dos arts.8º a 8º-B (em particular o referido art.8º-A/8), 20º, 22º, 25º da referida Lei nº34/2004, de 29.07., que aquela decretasse efeito(s) jurídico(s) (quanto à modalidade de apoio judiciário a conceder ou quanto aos termos a conceder no escalonamento das prestações), adaptado(s) à maior oneração do seu agregado familiar (por ter outros processos pendentes, em relação aos quais lhe foi concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos), nomeadamente por via distinta daquela que decorresse da aplicação das regras gerais e abstratas.
Por outro lado, o regime legal exposto confere ao requerente a possibilidade de impugnar judicialmente a decisão administrativa proferida, de forma a que o Tribunal possa restabelecer a legalidade ou os seus direitos constitucionais, decisão judicial esta que, sendo proferida, prevalece sobre a decisão administrativa.
Todavia, neste caso, o requerente: juntou aos autos uma decisão administrativa que lhe concedeu apoio judiciário para instaurar este processo na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos, mediante prestações mensais de € 60, 00 (III-1-1.1. supra), na qual não consta qualquer decisão de diferimento do pagamento das prestações mensais de € 60, 00 para tempos distintos daqueles decorrentes da aplicação do regime geral referido em III-2.1.1. supra (por o requerente estar onerado com o pagamento de prestações mensais da modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e encargos em outros processos- matéria esta totalmente ausente da decisão, presumivelmente por a mesma não ter sido alegada pelo requerente); não alegou e provou que esta decisão administrativa foi alterada pelo Tribunal em impugnação judicial, que cabia ao requerente/aqui recorrente ter interposto, nos termos dos arts.27º e 28º da Lei nº34/2004, no caso de não se conformar com a decisão administrativa, nomeadamente por a segurança social não ter apreciado questões que tivesse submetido à sua apreciação (como, nomeadamente, a oneração por encargos judiciais de processos prévios, nos quais já lhe tivesse sido concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça).
Assim, ainda que a regulação do regime jurídico do apoio judiciário pudesse ter previsto uma solução mais clara (quando o beneficiário de apoio judiciário tem vários processos judicias em curso, para os quais lhe foi atribuído o referido benefício na mesma modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos), não se pode reconhecer que a aplicação das normas em vigor implique a denegação dos direitos e princípios constitucionais assinalados.
2.2.2.3. Quanto à omissão de gestão processual e cooperação com o requerente:
O recorrente defendeu que o Tribunal a quo devê-lo-ia ter orientado para pedir a suspensão do pagamento no Instituto de Segurança Social, ao abrigo do dever de gestão processual do art.6º do CPC.
Admite-se que o Tribunal a quo poderia ter convidado o requerente a formular o pedido de suspensão no processo de apoio judiciário, junto da autoridade administrativa (arts.6º e 7º do CPC), não obstante o pedido de suspensão ter-lhe sido a si dirigido.
Todavia, esta omissão não é relevante para apreciar a pretensão pedida neste recurso, nem reveste qualquer utilidade prática atual.
Por um lado, o recorrente não pediu neste recurso a prolação de despacho de convite à apresentação de pedido na segurança social mas pediu novamente que o próprio Tribunal ad quem decretasse a suspensão de pagamento das prestações de pagamento faseado.
Por outro lado, o despacho recorrido ao indeferir liminarmente o decretamento judicial de uma suspensão de pagamento faseado da taxa de justiça (apenas por haver uma decisão administrativa e o requerente não ter formulado o pedido junto do dirigente máximo da segurança social, ao abrigo do art.8º-A/8 da LAJ) não impediu, nem impede ainda o requerente, devidamente representado por advogado: de pedir ao dirigente máximo da segurança social a suspensão aqui pretendida ou formular outro pedido, nomeadamente por causa superveniente, nos termos do art.18º/3 da Lei nº34/2004); de comprovar essa apresentação nos autos, para os efeitos legais aplicáveis.
Assim, o referido III-2.2.2.1. a 2.2.2.3. supra, determina a não atendimento da reclamação e a improcedência do recurso de apelação.
Ainda que se tivesse considerado que o Tribunal poderia decidir neste processo a ordem pela qual a prestação mensal de pagamento faseado de taxa de justiça aqui devida poderia e deveria ser paga, em relação à globalidade de prestações decorrentes de decisões de apoio judiciário concedido para outros processos, verificar-se-ia que o requerente não havia provados quaisquer factos que permitissem proferir essa decisão (v.g. nem as decisões administrativas proferidas, com conteúdo e data; nem os encargos que estão a ser satisfeitos em cada processo para que se destinaram; nem os despachos proferidos em processos que admitiram o diferimento do pagamento da taxa de justiça).

IV. Decisão:

Pelo exposto, não se atende à reclamação e julga-se improcedente o recurso de apelação.
*
Custas pelo recorrente (art.527º/1 do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia.
Guimarães, 22 de maio de 2025
Assinado eletronicamente pelo Coletivo de Juízes Desembargadores

Alexandra Viana Lopes
Maria João Marques Pinto de Matos
Gonçalo Magalhães


[i] Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, Universidade Católica Portuguesa, 2ª Edição Revista e Atualizada, fevereiro de 2017, Anotação III- VI- e) ao art.20º da CRP, pág.314.
[ii] Jorge Miranda e Rui Medeiros, in obra citada, Anotação III- VI- e) ao art.20º da CRP, pág.313.
[iii] Jorge Miranda e Rui Medeiros, in obra citada, Anotação III- VII ao art.20º da CRP, pág.314.
[iv] Salvador das Costa, in Apoio Judiciário, Almedina, 11ª edição, págs.36 e 37
[v] Salvador da Costa, in obra citada, pág.233.
[vi] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição- Reimpressão, 2021, anotações 5 e 6 ao art.6º do CPC, pág.35.
[vii] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in Manual de Processo Civil, AAFDL Editora, 2022, págs. 95 e 96.
[viii] Vide, sobre isto, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in obra citada, págs.97 ss.