RECURSO PER SALTUM
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
COAÇÃO SEXUAL
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ABUSO SEXUAL DE MENORES DEPENDENTES
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
IMPROCEDÊNCIA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário


I. A determinação da pena única, no cumulo jurídico, impõe que seja observado o critério legal e especial consistente no essencial na consideração dos factos provados, a globalidade dos mesmos e a personalidade do arguido neles manifestada como projeção da sua personalidade, o grau de conexão entre os factos incluindo, a sua temporalidade e simultaneidade, e o posterior efeito dos factos no relacionamento entre o arguido e as vitimas, para além das demais circunstancias dos casos, tudo visando a apreensão da gravidade do ilícito global
II. Sendo o recurso remédio jurídico, neste caso, em matéria de pena, a sindicabilidade da medida concreta da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, e a indicação e consideração das circunstâncias do ilícito, mas, não abrangerá a determinação, observados os parâmetros legais, do quantum exacto de pena, salvo se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar.
III. Estando em causa a privação da liberdade para além do principio da necessidade e da adequação da pena, impõe o artº18º 2 CRP – de aplicação directa e imediata – o cumprimento do principio da proporcionalidade, cuja observância compete em especial ao Supremo Tribunal de Justiça.
IV. E é tendo em conta os factos praticados pelo arguido, - apreciados num modo global em face de todas as circunstâncias apreciadas, sua conexão e idêntica natureza, a temporalidade e reiteração na sua prática -, e a personalidade do arguido neles evidenciada como uma tendência criminosa tal como ele é e se retrata nos seus actos, -sem descurar o seu estatuto social e o seu nível educacional e cultural -, e a relação arguido/ vitimas e a o limite mínimo e o máximo da moldura do concurso – que a pena única em que foi condenado, no caso concreto, não se mostra com potencialidade ofensiva do princípio da proporcionalidade, sendo por isso de manter.

Texto Integral


Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Proc. C.C. n.º 18589/24.7... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo central Criminal do ... - Juíz ... em que é arguido AA,

Foi por acórdão de 5/3/2025 proferido a seguinte decisão:

“Em cúmulo jurídico das penas parcelares impostas no âmbito dos processos:

PCS 1901/17.2...;

PCS 554/19.8...;

PCC 850/18.1...;

Delibera este Tribunal Colectivo condenar AA na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.

Nos termos do disposto nos art. 2º, n.º 1 (à contrário), 3º, n.º 1 e 7º, n.º 1, als. a-ii) e a-v) da Lei nº 38-A/2023 de 02.08, a pena única imposta não beneficia do perdão.

- Sem custas.”

Recorre o arguido para este Supremo Tribunal, o qual no final dav sua motivação apresenta as seguintes conclusões:

1 - A defesa do arguido discorda do cúmulo Jurídico da pena de prisão fixada.

2 - Atento o disposto no artigo 77 nº 1 e 2 do C.P, a moldura penal aplicável ao concurso situa-se num mínimo de 6 (seis) anos de prisão e num máximo reconduzível a 25 (vinte e cinco) anos de prisão, por a soma das penas concretamente aplicadas ultrapassar em muito o máximo permitido por lei conforme art. 77º, n.º 2 do CP.

3 - No caso concreto, entende o recorrente, que o acórdão recorrido não ponderou em concreto, as ligações e conexões existentes entre as diversas condutas, sendo certo que, a pena aplicada ao arguido pelos factos subsumíveis ao crime de violência doméstica, foi agravada atento aos factos praticados pelo arguido na pessoa das enteadas, isto é, no âmbito do proc 1901/17.2..., de ... - JL CRIMINAL -JUIZ ... e no Proc 850/18.1..., do ... - JC CRIMINAL - JUIZ ...

4 - Reportando-nos ao caso sub judice, verifica-se que, o tribunal não valorou suficientemente os aspectos ligados à personalidade, condições de vida, integração familiar, hábitos de trabalho ao longo da sua vida, bem como o facto do comportamento desviante ter ocorrido, já em idade avançada do mesmo, sem que até então o arguido tivesse adoptado comportamentos desviantes.

Tal circunstancialismo, conjugado com a sua idade, 71 anos, o facto de manter apoio familiar, e verbalizou ter consciência do mal que fez às suas enteadas, levam-nos a concluir, ser excessiva a pena que em cúmulo lhe veio a ser fixada. Na verdade,

5 - Da conjugação dos factos apurados e não apurados, somos de opinião, que a sua conduta se operou num quadro de execução homogéneo, tendo subjacente um contexto familiar destruturado, marcado pela ausência de supervisão parental.

Os ilícitos cessaram em 2019, não existindo qualquer reiteração da conduta delituosa, após esses factos,

7 - Tendo em conta que a moldura do concurso vai de de 6 anos a 25 anos, entende-se, pelas razões aduzidas, justo e adequado fixar a pena conjunta em 15 anos de prisão.

Pena adequada a afastar o arguido da delinquência e a promover a sua recuperação e reinserção social e a afirmar perante o mesmo e a sociedade a validade do bem jurídico tutelado.

8 - Violou-se o disposto no artigo 77 nº 1 e nº 2 do C.P .

Pelo que, deve ser revogada nos termos sobreditos

Respondeu o Mº Pº defendendo a improcedência do recurso.

Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso por em seu entender a “ponderação de todos os fatores em presença consentem que a pena conjunta adequada seja (ainda) a pena de 18 anos de prisão aplicada”

Foi cumprido mo disposto no artº 417º2 CPP

O arguido respondeu, remetendo para as razões do seu recurso.

Procedeu-se à conferência com observância das formalidades legais

Consta do acórdão recorrido ( transcrição):

“Factos Provados.

Da Instrução e Discussão da causa resultado provados os seguintes factos.

O arguido praticou crimes e sofreu penas conforme as condenações que se seguem, a saber:

- No PCS 1901/17.2..., de ... - JL CRIMINAL - JUIZ ..., por sentença de 2019/09/30, transitada em julgado em 2019/10/30, foi o arguido condenado como autor material de: 4 (quatro) crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos arts. 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, al. b), todos do CP, nas penas parcelares, por cada um dos ilícitos, de 20 meses de prisão; um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelo art. 163º, n.º 1 e 177º, n.º 1, al. b), todos no CP, na pena parcelar de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, pelos seguintes factos: BB nasceu em ...-...-1994 é filha de CC e de DD. Na sequência do divórcio dos seus pais, com cerca de 8 anos de idade, foi residir com a sua mãe, a irmã EE (com cerca de três anos de idade) e com o companheiro sua da mãe, AA, na Rua ..., em .... Em data não apurada, mas entre os anos de 2006 e 2007, tinha BB cerca de 12 anos, na residência da família, concretamente no quarto do arguido e da mãe daquela, o arguido, aproveitando-se do facto de estar sozinho com a menor, começou a aproximar-se dela e passou-lhe as mãos pelas partes intimas, no peito e vagina, por cima da roupa da mesma, num número de pelo menos, quatro vezes. Em data não concretamente apurada, quando a BB começou a perceber que tal não era normal e questionava o arguido, o mesmo dizia-lhe que gostava dela. Com o desenrolar da relação, o arguido convenceu BB a manter consigo relações sexuais. Em data não concretamente apurada, mas entre os anos de 2008 e 2009, quando a BB tinha cerca de 14 ou 15 anos, o arguido manteve com a mesma relações sexuais de cópula completa, pelo menos, duas vezes, uma na sala da residência e outra no quarto do arguido, sendo que este em ambas as vezes penetrou BB com o pénis na vagina desta, ambos despidos por completo. Na situação ocorrida na sala da residência, BB pediu ao arguido que parasse pois estava a sangrar e cheia de dores, tendo o arguido continuado a penetração vaginal naquela. As relações sexuais consistiam na introdução vaginal, com cópula completa, coito anal e oral, sempre sem preservativo e com ejaculação no interior da BB. Após manter relações sexuais com a mesma, o arguido oferecia-lhe presentes, designadamente lanches e jantares. O arguido com vista a manter as relações sexuais secretas, com foros de seriedade e para intimidar BB, dizia que iria contar à sua mãe e que tudo ia fazer para que não acreditassem nela e se ela contasse expulsava-a de casa, impedindo-a, ainda, de ver o seu irmão mais novo. Em consequência de tal BB sentiu-se assustada e acabava por aceder ao arguido com medo que concretizasse os medos que lhe anunciava. Este relacionamento sexual retomou-se no mês de Outubro do ano em que BB completou 18 anos de idade e manteve-se até 23-06-2016, data em que BB saiu de casa e engravidou. Neste período de tempo, o arguido e BB mantiveram relações sexuais de cópula completa contra a vontade desta. Neste mesmo período de tempo BB foi ver televisão para o quarto do arguido e ele introduziu-lhe os dedos na vagina. Seguidamente, já o arguido se encontrava completamente despido, BB tirou os seus calções e o arguido introduziu o pénis na vagina daquela, tendo tido relações sexuais de cópula completa, sem uso de preservativo, tendo BB dado à luz uma menina no dia ........2017, filha do arguido. O arguido quis nas circunstâncias descritas, manter relações sexuais de cópula completa com BB, apesar de conhecer a idade da mesma, constrangendo-a e intimidando-a, anunciando a sua intenção de lhe infligir mal, mantendo que iria cotar à sua mãe e que tudo ia fazer para que não acreditassem nela e se ela contasse expulsava-a de casa, impedindo-a, ainda, de ver o seu irmão mais novo. O arguido agiu com o propósito concretizado de causar medo a BB, por forma a determina-la a relacionar-se sexualmente consigo, o que quis e logrou conseguir. O arguido sabia que BB era menor de 14 e de 16 anos de idade, respectivamente, e agiu sempre contra a vontade desta. O arguido sabia que praticava com a BB actos de natureza sexual contra a sua vontade, mais sabendo que a mesma era menor de 16 anos de idade, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez, com o propósito de satisfazer os seus apetites sexuais, mais sabendo que ao agir do modo que agiu aproveitou-se da inocência e da inexperiência da BB, atentando contra o seu desenvolvimento, visto que a sua idade sequer lhe permitia avaliar os actos sexuais levados a cabo pelo arguido. O arguido ao agir do modo descrito quis e conseguiu satisfazer os seus instintos libidinosos, constrangendo BB, causando-lhe medo e inquietação e levando-a a suportar actos, quando não desejados por quem os recebe, como era o caso, são idóneos a afectar a sua autodeterminação sexual, fins que representou e alcançou. O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas. Em consequência da conduta do arguido BB sofreu tristeza, vergonha e medo, com perturbação do crescimento da sua sexualidade.

- No PCS 554/19.8..., de ... - JL CRIMINAL - JUIZ ..., por sentença de 2024/03/19, transitada em julgado em 2024/07/24, foi o arguido condenado como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º s 1, al. a), e 2 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, pelos seguintes factos: 1. Desde data não concretamente apurada, mas que se sabe ocorrida no mês de Julho de 2005, que arguido e DD mantiveram um relacionamento amoroso, residindo como se marido e mulher fossem na mesma casa, onde partilhavam mesa e cama. 2. Em .../.../05, nasceu o filho do casal FF. 3. Em 21/04/10, vieram a casar e fixaram residência na Rua .... 4. Do agregado familiar faziam ainda parte duas filhas de DD, fruto de um casamento anterior, EE e BB. 5. Nascidas, respectivamente, em .../.../2000 e em .../.../1994. 6. FF apresentava um atraso de desenvolvimento de aproximadamente dois anos, exigente de maior cuidado e atenção por parte dos seus progenitores. 7. Em datas não concretamente apuradas, mas que se sabe ocorridas durante o relacionamento amoroso que mantinham, o arguido culpava DD pelo comportamento daquele. 8. E sentia vergonha do filho comum do casal. 9. Assim como lhe tecia comentários rebaixantes de EE e BB, como consequência directa e necessária dos quais aquela sentia tristeza. 10. Acusando a própria de ter amantes e apelidando-a de “gorda”. 11. Em datas não concretamente apuradas, mas que se sabe ocorridas entre os anos de 2008 e 2009, quando DD se encontrava ausente, o arguido mantinha relações sexuais de cópula completa com EE e BB. 12. Como consequência directa e necessária das quais ambas engravidaram. Pelos factos praticados sobre a pessoa de BB, subsumidos à comissão de quatro crimes de abuso sexual de criança e um crime de coacção sexual sobre a pessoa de BB, o arguido foi condenado no âmbito dos autos de PCS n.º 1901/17.2..., por sentença proferida em 30/09/19 e transitada em 30/10/19, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão. 14. Pelos factos praticados sobre a pessoa de EE, o arguido foi condenado no âmbito dos autos de PCC n.º 850/18.1..., por acórdão proferido em 10/01/22 na pena única de 12 (doze) anos de prisão. 15. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ocorrida semanas antes do dia 04/07/17, o arguido disse a BB que DD a não queria em casa por se encontrar grávida, o que não correspondia à verdade. 16. No que aquela acreditou e abandonou a casa de morada de família, como consequência directa e necessária do que DD sentiu angústia, desconhecendo a razão do referido afastamento. 17. Em 04/07/17, BB foi mãe, posteriormente ao que, em data não concretamente apurada, regressou ao agregado familiar com a sua filha. 18. Em datas não concretamente apuradas, mas que se sabe ocorridas durante o relacionamento amoroso que mantinham, o arguido obrigou-a a dormir na sala e anunciou-lhe que a havia de matar. 19. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ocorrida durante o ano de 2017, o arguido entrou no quarto do casal enquanto DD arrumava a roupa, fechou a porta, agarrou-a por trás e deitou-a, querendo manter relações sexuais contra a sua vontade. 20. Ao que a mesma gritou, o que fez com que os filhos que se encontravam em casa viessem bater à porta do quarto apavorados e aquele cessasse com essa sua conduta. 21. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe posterior ao retorno de BB ao agregado familiar e conhecedora da paternidade do arguido, DD terminou de vez o relacionamento amoroso que mantinham e colocou-o fora da casa de morada de família. 22. Não obstante o que o mesmo, a pretexto de ver o filho de ambos, se deslocava àquele local e, aquando dessas vistas, por vezes, pernoitava na sala. 23. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ocorrida durante o ano de 2018, o arguido dirigiu-se à casa de morada de família com intenção de aí pernoitar. 24. Porque DD lhe não permitiu a entrada, forçou a porta da marquise fazendo-a abrir à força, entrou na residência e disse-lhe que a ia matar, ao mesmo tempo que, com uma ripa de madeira, lhe desferia pancadas no corpo. 25. Em 09/10/19, DD noticiou à autoridade policial que, no dia anterior, o arguido lhe transmitira que a havia de matar. 26. Em datas não concretamente apuradas, mas que se sabe posteriores à separação do casal, quando se cruzava com DD, o arguido, em voz alta e diante de quem se encontrar presente, apelidava-a de “puta”, “vaca”, “não vais conseguir pagar a renda” e “vou-te matar”. 27. Sabia o arguido que, com as descritas condutas praticadas sobre a pessoa de DD, a ofendia na sua saúde e consideração e lhe tolhia a liberdade, incutindo-lhe temor e humilhação e determinando-lhe inquietação. 28. Conhecedor de lhe dever especial respeito, enquanto sua mulher, assim procedendo repetidamente, incluindo no interior da casa de morada de família e na presença do filho menor de ambos. 29. E do sentimento de menosprezo que lhe incutia o facto de se ter relacionado sexualmente com as suas duas filhas menores e de a ambas ter engravidado. 30. Com o que a destratou enquanto pessoa, atingindo a sua dignidade. 31. Ciente de serem tais condutas proibidas e punidas por lei. 32. Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente.

- No PCC 850/18.1..., do ... - JC CRIMINAL - JUIZ ..., por acórdão de 2022/01/10, transitada em julgado em 2024/11/14, foi o arguido condenado como autor material de: 84 (oitenta e quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes agravados, p. e p. pelo art. 172º, n.º 1, com referência ao n.º 2, do art. 171º e al. b), do n.º 1, do art. 177, todos do CP, nas penas parcelares, por cada um dos ilícitos, de 3 anos de prisão; 1 (um) crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelo art. 172º, n.º 1, com referência ao n.º 2, do art. 171º e n.º 5, do art. 177, todos do CP, na pena parcelar de 6 anos de prisão. Em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 12 (doze) anos de prisão, pelos seguintes factos: 1. EE (EE, doravante) nasceu em ...-...-2000 e é filha de CC e de DD. 2. Na sequência do divórcio dos seus pais, EE (com cerca de três anos de idade), ficou a residir com a sua mãe DD, com a sua irmã BB (com cerca de sete anos de idade) e com o companheiro sua da mãe, AA, na Rua ..., em .... 3. Desde data não concretamente apurada, situada no ano de 2015, e até ao mês de Novembro de 2017, AA, aproveitando-se do facto de, coabitando com EE, estar sozinho com esta no interior do domicílio comum, por diversas vezes, procurou-a com o intuito de obter satisfação sexual. 4. Para tanto, AA aliciou EE a manter, consigo, relações sexuais de cópula completa a troco de dinheiro, roupa, calçado, telemóveis ou outros bens materiais. 5. Para o efeito, AA dizia a EE que “se queria ter as suas coisas teria de fazer tudo o que ele queria”, querendo com isso dizer que esta teria de aceitar manter relações sexuais consigo. 6. Assim, pela primeira vez, em data não concretamente apurada do ano de 2015, quando EE tinha apenas 15 anos, AA, no interior do seu quarto, com o pénis erecto, sem preservativo, penetrou a vagina de EE, em movimentos vai-vém, até ejacular. 7. A situação manteve-se durante cerca de dois anos, até ao mês de Novembro de 2017, sendo que, pelo menos uma vez por semana, no interior do seu quarto ou no da ofendida, AA manteve relações de cópula completa com EE, contra a vontade desta, o que fez sempre sem usar preservativo ou qualquer outro meio contraceptivo. 8. As condutas de AA cessaram, apenas, em Novembro de 2017, altura em que EE saiu de casa e passou a coabitar com a sua avó. 9. Em consequência de uma das relações sexuais mantidas com AA no mês de Novembro de 2017, EE engravidou, vindo a dar à luz, em ... de ... de 2018, GG, filha de ambos. 10. EE, até à data do nascimento da sua filha, nunca havia mantido relações sexuais de qualquer natureza com outra pessoa para além de AA, o que era do conhecimento deste. 11. Ao actuar do modo descrito, AA agiu com o propósito concretizado de praticar actos de cariz sexual com EE, mantendo relações sexuais de cópula completa com esta, assim logrando satisfazer os seus desejos sexuais e os seus instintos lascivos. 12. AA actuou bem sabendo que EE tinha, apenas, quinze anos de idade e que, por força da idade e da ascendência que tinha sobre ela, esta não tinha o necessário discernimento para se autodeterminar e livremente consentir na prática de quaisquer actos de cariz sexual. 13. Além disso, AA tinha perfeito conhecimento da relação de família, de afinidade e de confiança que existia entre ambos e, ainda, que lhe incumbia zelar e providenciar pela sua educação, formação e bem-estar físico e psicológico. 14. Sabia, igualmente, que coabitavam em residência comum desde que EE tinha três anos de idade. 15. Sabia, ainda, que em consequência das relações sexuais de cópula completa que mantinha com EE, sem o uso de preservativo ou de qualquer outro meio contraceptivo, poderia resultar uma gravidez, como sucedeu, resultado que representou e com o qual se conformou. 16. Não obstante, AA não se coibiu de actuar do modo descrito, aproveitando a proximidade com EE e o fácil acesso à mesma no interior do domicílio comum, assim como a imaturidade e inexperiência da menor. 17. Com efeito, AA agiu visando e conseguindo satisfazer os seus instintos e intentos libidinosos, bem sabendo que actuava contra a vontade de EE e que os seus actos atentavam contra o desenvolvimento desta, ofendendo o seu sentimento de pudor e vergonha. 18. AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

Mais se provou:

AA foi condenado por sentença de 4/07/2017, transitada em julgado em 19/09/2108, no âmbito do processo n.º 204/17.7..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – ... – Juízo Local Criminal – J..., pela prática em 3/04/2017, de dois crimes de importunação sexual, na pena única de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, extinta já nos termos do art. 57º do CP.

O arguido encontra-se preso em cumprimento da pena imposta de 4 anos e 10 meses de prisão, no PCS 1901/17.2..., de ... - JL CRIMINAL - JUIZ ..., desde o dia 12 de Janeiro de 2024, estando calculado o meio da pena para 12 de Junho de 2026; os 2/3 da pena para 01 de Abril de 2027 e o termo da pena para 12 de Novembro de 2028.

AA sempre residiu no norte do país, local onde nasceu e onde residem todos os elementos da família, irmãs e filhos.

AA tem três filhos do primeiro casamento, cujo cônjuge é falecido, já adultos e com vidas constituídas. De outra relação que veio a estabelecer, o condenado tem um filho com dezanove anos de idade e tem ainda duas filhas de seis e sete anos, de cada uma das duas enteadas.

A ex-companheira encontra-se emigrada na Suíça, juntamente com a filha mais velha e a filha desta, mantendo contactos telefónicos com o condenado. O filho mais novo, que apresenta problemas ao nível da fala, está a residir sozinho, sendo sustentado pela progenitora, que envia uma mesada a partir da Suíça.

O arguido afirma que o relacionamento com a ex-companheira era positivo e que só após o início do seu envolvimento com as enteadas, que manteve em simultâneo, é que o ambiente familiar se destruturou, segundo o próprio, pela existência de ciúmes, por parte das enteadas em relação à mãe destas.

AA encara com normalidade a dinâmica familiar e o seu envolvimento de intimidade com as enteadas e com a mãe destas e apesar de referir não pretender voltar a relacionar-se com nenhuma das vítimas, perspectiva manter com as mesmas, contactos regulares.

Quando regressar ao meio livre, AA tenciona integrar o agregado de uma das suas irmãs, até que consiga organizar a sua vida de forma independente.

No Estabelecimento Prisional da ..., onde se encontra, AA, tem cumprido as regras institucionais e apresenta um percurso adequado.

O arguido não recebe visitas, uma vez que todos os elementos da família residem na zona Norte do país, alegando a distância como dificuldade na deslocação.

O arguido verbalizou ter consciência do mal que fez às suas enteadas, no entanto, apresenta, ainda, dificuldades na assunção de um verdadeiro juízo critico sobre os seus comportamentos ilícitos, centrando a sua preocupação no facto de se encontrar numa prisão distante dos elementos da família e por isso não ter visitas.

Apresenta, pois, necessidades de reforço das competências ao nível pessoal e emocional, nomeadamente na interiorização do desvalor da sua conduta criminal e capacidade de descentração.

No entanto, a presente situação de reclusão em que se encontra, tem contribuído para que reflicta em relação à forma como se irá reorganizar no futuro, à necessidade de adoptar comportamentos assertivos e à interiorização da gravidade dos ilícitos por si cometidos.

AA apresenta um percurso de vida aparentemente estruturado até ao momento em que a sua primeira esposa veio a falecer. A relação de conjugalidade que veio a estabelecer após o falecimento da esposa veio a revelar-se destruturado em termos da sua dinâmica, uma vez que a companheira tinha duas filhas adolescentes, com quem o arguido se envolveu simultaneamente tendo vindo ambas a ter um filho do arguido.

Esta situação veio a pôr fim à relação conjugal, apesar de o arguido continuar a manter contacto com as mães dos filhos, ex-companheira e enteadas.

Neste momento no exterior, AA mantém o apoio das irmãs, contudo o facto de estar numa prisão distante da família, que reside no norte do país, dificulta a proximidade, uma vez que não o visitam.

Factos não provados.

Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, não escritos, contrários ou incompatíveis com os provados, e não obstante investigados, com interesse para a decisão da causa.

A convicção do tribunal assentou: No exame em audiência das certidões/informações de 22.10.2024, com as referências .....70 e ......13, respectivamente, de 06.11.2024 com a referência ......40, de 21.11.2024 com a referência ......90, de 05.12.2024 com a referência ......68; certificado de registo criminal de 16.01.2025, com a referência ......16; relatório social de 05.02.2025, com a referência ......13, este analisado em conjugação com as declarações do arguido que verbalizou ter consciência do mal que fez às suas enteadas, pelo que o teor do dito relatório foi apreciado à luz das regras da experiência comum e juízos de normalidade, tendo em conta o afirmado pelo arguido, sem olvidar que este, claramente, apresenta necessidades de reforço das competências ao nível pessoal e emocional, nomeadamente na interiorização do desvalor da sua conduta criminal, sendo que a presente situação de reclusão, tem contribuído para que reflicta em relação à forma como se irá reorganizar no futuro, à necessidade de adoptar comportamentos assertivos e à interiorização da gravidade dos ilícitos por si cometidos, o que afinal é uma das finalidades da pena (Cfr. art. 355º do CPP).

A prova assim produzida foi valorada criticamente, sempre em conjugação com as regras da experiência comum e os juízes de normalidade.”

+

Estamos perante o recurso per saltum, pelo que sendo o mesmo delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais1 e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo”, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada”, pelo que é a seguinte a questão suscitada e a apreciar segundo o recorrente:

-Medida da pena única.

+

Questiona o arguido a pena única aplicada de 18 anos de prisão, por a considerar excessiva, face à sua integração social, apoio familiar, continuar a contactar com as ofendidas, o seu bom comportamento, a idade (71 anos), o lapso de tempo dos factos e ter consciência do mal acusado, e propõe uma pena única de 15 anos de prisão.

Diz-se no acórdão recorrido, no essencial e com relevo, quanto a este ponto:

“Impõe-se, pois, proceder ao cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:

- Quatro penas parcelares de 20 meses de prisão;

- Uma pena parcelar de 3 anos de prisão;

- Uma pena parcelar de 5 anos de prisão;

- Oitenta e quatro penas parcelares de 3 anos de prisão;

- Uma pena parcelar de 6 anos de prisão.

Assim a respectiva moldura situa-se num mínimo de 6 (seis) anos de prisão e num máximo reconduzível a 25 (vinte e cinco) anos de prisão, por a soma das penas concretamente aplicadas ultrapassar em muito o máximo permitido por lei conforme art. 77º, n.º 2 do CP.

(…) o cúmulo jurídico é, antes de mais, uma forma de agilizar a Justiça, de permitir a celeridade processual e de avaliar o arguido (quando se verificam os seus pressupostos), nomeadamente as suas condutas penais de uma só vez e aplicar-lhe uma única pena, que avalie cumulativamente a personalidade e o factualismo, através de um único critério. …

Segundo preceitua o supra citado n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que deverá ter-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Assim, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.

No que concerne à personalidade do agente importa avaliar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.

Pondera-se, além do exposto, as circunstâncias em que os factos ocorreram, essencialmente na casa de morada de família, vitimando a companheira do arguido e as duas enteadas deste, sendo que num mesmo período o arguido chegou a abusar sexualmente das ambas suas enteadas.

O longo lapso de tempo em que os factos ocorreram, compreendendo os anos de 2005 a 2019.

O elevadíssimo grau de ilicitude dos factos, plasmados nos factos cometidos, no grave modo da sua execução, nas consequências psíquicas causadas nas ofendidas, tendo o arguido reiterado e intensificado em grau e modo a sua conduta; quanto aos crimes de natureza sexual, não podemos olvidar que as vítimas são apanhadas numa fase muito frágil do seu desenvolvimento ficando com uma marca emocional negativa, cujo desfecho é de difícil previsão.

A elevadíssima culpa do arguido face à intensidade do dolo – o arguido quis os próprios actos ilícitos, forma mais intensa da vontade criminosa –, a revelar forte resolução criminosa em todas as situações, denotando os factos cometidos uma personalidade altamente desvaliosa. Para além do mais, era-lhe exigível que vivenciasse a sua sexualidade com homens e/ou mulheres que estejam dentro dos parâmetros ético-penais consentidos em sociedade. Acresce toda a sua actuação sobre a sua companheira e mãe do filho que em comum têm.

As elevadas e fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir para restabelecer a confiança na vigência e validade das normas violadas, apontando para um maior sancionamento dos agentes deste género de criminalidade, quer de violência familiar quer de cariz sexual, face à sua perturbante frequência, ao eco e ressonância social de repulsa e nojo que provoca na comunidade, gerando forte alarme social, intranquilidade e insegurança. Igualmente são fortes exigências de prevenção geral quanto ao crime de violência doméstica face ao seu crescente número e ao alarme social que, também, é gerador.

A anterior condenação sofrida pelo arguido por crime de natureza sexual.

Impõe-se o reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorrida e que se fazem sentir, principalmente no quadro actual da sociedade, com fortíssima intensidade, uma vez que os ilícitos em apreço têm vindo a causar grande perplexidade quanto à sua difusão.

Com efeito, a sociedade assiste impotente à violência no seio familiar e quando se apercebe que as crianças vivem verdadeiros pesadelos no interior das suas famílias, em que o agressor é alguém muito próximo.

As elevadíssimas necessidades de prevenção especial por a reinserção social do arguido depender da devida interiorização da ilicitude dos actos praticados, particularmente ao nível do respeito pelo direito à liberdade e autodeterminação sexual.

Note-se que a ex-companheira, vitima de violência doméstica, encontra-se emigrada na Suíça, juntamente com a filha mais velha (vitima de abusos sexuais) e a filha desta, sendo que mantêm contactos telefónicos com o arguido. (…)

O arguido afirma que o relacionamento com a ex-companheira era positivo e que só após o início do seu envolvimento com as enteadas, que manteve em simultâneo, é que o ambiente familiar se destruturou, segundo o próprio, pela existência de ciúmes, por parte das enteadas em relação à mãe destas, o que denota dificuldades na assunção de um verdadeiro juízo critico sobre os seus comportamentos ilícitos, tanto quanto fala das enteadas como, então, capazes de se autodeterminar sexualmente e como se de um relacionamento consentido entre adultos se tratasse, sendo que se envolveu simultaneamente com ambas as enteadas, tendo cada uma tido um filho do arguido.

AA encara com normalidade a dinâmica familiar e o seu envolvimento de intimidade com as enteadas e com a mãe destas e apesar de referir não pretender voltar a relacionar-se com nenhuma das vítimas, perspectiva manter com as mesmas, contactos regulares.

Quando regressar ao meio livre, AA tenciona integrar o agregado de uma das suas irmãs, até que consiga organizar a sua vida de forma independente.

No Estabelecimento Prisional da ..., onde se encontra em cumprimento de pena, AA, tem cumprido as regras institucionais e apresenta um percurso adequado. (…)

O arguido verbalizou ter consciência do mal que fez às suas enteadas, no entanto, apresenta, ainda, dificuldades na assunção de um verdadeiro juízo critico sobre os seus comportamentos ilícitos, centrando a sua preocupação no facto de se encontrar numa prisão distante dos elementos da família e por isso não ter visitas.

Apresenta, pois, necessidades de reforço das competências ao nível pessoal e emocional, nomeadamente na interiorização do desvalor da sua conduta criminal e capacidade de descentração.

No entanto, a presente situação de reclusão em que se encontra, tem contribuído para que reflicta em relação à forma como se irá reorganizar no futuro, à necessidade de adoptar comportamentos assertivos e à interiorização da gravidade dos ilícitos por si cometidos.

AA apresenta um percurso de vida aparentemente estruturado até ao momento em que a sua primeira esposa veio a falecer. A relação de conjugalidade que veio a estabelecer após o falecimento da esposa veio a revelar-se destruturado em termos da sua dinâmica, uma vez que a companheira tinha duas filhas adolescentes, com quem o arguido se envolveu simultaneamente.

Esta situação veio a pôr fim à relação conjugal, apesar de o arguido continuar a manter contacto com as mães dos filhos, ex-companheira e enteadas.

Neste momento no exterior, AA mantém o apoio das irmãs, contudo o facto de estar numa prisão distante da família, que reside no norte do país, dificulta a proximidade, uma vez que não o visitam. (…)

… o conjunto desses factos é reconduzível a uma verdadeira tendência criminosa no que aos crimes sexuais concerne.(…)

Nestes termos, atendendo aos factos apurados (sempre com dolo directo), à ilicitude e culpa decorrentes dos mesmos, e à personalidade do arguido documentada pelos mesmos e também nas condutas concretamente empreendidas, e todas as acima circunstâncias que militam em seu favor e seu desfavor, o tribunal julga por justo e equilibrado, em cúmulo jurídico das penas parcelares em causa fixar a pena única em 18 (dezoito) anos de prisão.”

Visto o exposto, verificamos que foi observado o critério legal e especial para a determinação da pena única, no essencial considerando os factos provados, a globalidade dos mesmos e a personalidade do arguido neles manifestada, como projeção da sua personalidade, vista a intensa conexão entre eles incluindo com o de violência doméstica, a sua temporalidade e simultaneidade, e o posterior efeito dos factos no relacionamento entre o arguido e as vitimas, que mantêm contacto entre si. Apenas não é referido o factor que o arguido enuncia, qual seja o da sua idade – 71 anos, que também deve ser relevado.

Assim, pareceria que, tirando essa circunstância, a pena se deveria manter nos seus termos.

Estando em causa a privação da liberdade para além do principio da necessidade e da adequação da pena, impõe o artº18º 2 CRP – de aplicação directa e imediata2 – a observância do principio da proporcionalidade3 cuja observância compete em especial ao Supremo Tribunal de Justiça. Todavia sendo o recurso remédio jurídico, neste caso, em matéria de pena, a sindicabilidade da medida concreta da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, e a indicação e consideração das circunstâncias do ilícito, mas, não abrangerá a determinação, observados os parâmetros legais, do quantum exacto de pena, salvo se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”4 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar5.

Sabido, e tido em conta no acórdão recorrido, que “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global … “, atendendo à conexão e temporalidade entre os ilícitos de molde a compreender se traduzem a sua personalidade, e se esta é ou não produto de uma tendência criminosa, em ordem a apurar o efeito ressocializador da pena sobre o condenado”6, apenas há que analisar se a mesma é excessiva e desproporcionada, pois sendo-o impõe-se a intervenção corretiva deste Tribunal7.

Nesse âmbito há que atender aos factos na sua globalidade, desde o seu inicio (2005) até ao seu final (2019) e influência na dinâmica e vivência familiar e suas consequências, em especial, para as ofendidas menores, causa de todos os males relatados, e a personalidade do arguido vista como uma tendência, e pese embora casos divergentes no que à pena respeita, mas dissemelhantes nos factos e suas consequências, e as exigências de prevenção geral que são acentuadas em relação a todas as espécies de crime em apreciação e em especial as que envolvem menores e sua natureza sexual, sendo que neste contexto a idade do arguido não assume relevo especial, até porque pode beneficiar de um regime especial na execução da pena, e não constituiu facto positivo em face da sua conduta, a que acrescem os deveres a que perante as vitimas estava obrigado a observar.

E é tendo em conta os factos praticados pelo arguido, - apreciados num modo global tendo em conta todas as circunstâncias já atrás elencadas, sua conexão e idêntica natureza, a temporalidade e reiteração na sua prática, e a personalidade do arguido neles evidenciada (como uma tendência criminosa) tal como ele é e se retrata nos seus actos, sem descurar o seu estatuto social e o seu nível educacional e cultural, e a relação arguido/ vitimas, e tendo em conta o limite mínimo e o máximo da moldura do concurso, e o pedido de redução de pena restringido pelo arguido – que a pena única em que foi condenado não se mostra com potencialidade ofensiva do princípio da proporcionalidade, sendo por isso de manter.

Improcede assim o recurso.

+

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça decide:

Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida.

Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 6 UCs e nas demais custas

Registe notifique

Dn

+

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 14/5/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

Maria Margarida Almeida

Antero Luis

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1. – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor: “ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”)

2. “2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

3. Seguimos neste ponto o teor no nosso ac. STJ de 9/4/2025, proc. 1102.23.0JAPDL.S1 in www.dgsi.pt em que a pena se fixou em 16 anos de prisão;

4. Neste sentido também os acórdãos do STJ de 15.10.2008 e 11.7.2024, nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1; e de 17/12/2024 Proc. 158/24.3JACBR.S1, www.dgsi.pt

5. Cfr por todos Ac.s do STJ de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639; F. Dias Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197.

6. Ac STJ 17/12/2024 citado

7. “A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1)