CITAÇÃO DE PESSOA SINGULAR POR VIA POSTAL
ASSINATURA DO AVISO DE RECEÇÃO
INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADES PRÉVIAS
REPETIÇÃO DA CITAÇÃO
PROVAR POR DECLARAÇÕES DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
Sumário

1. - Na citação de pessoas singulares por via postal, com aplicação, por isso, do disposto no art.º 228.º do CPCiv. (na redação do DLei n.º 97/2019, de 26-07), não tendo sido observada – e teria de sê-lo – a norma do respetivo n.º 3, preceituando que, antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação, tem de considerar-se irregular a citação.
2. - Não tendo sido observadas as formalidades legalmente impostas, apenas constando manuscrito nos avisos de receção o vocábulo “Vaz”, sem outros elementos, designadamente identificativos, restava ao tribunal, nos termos do disposto no art.º 566.º do CPCiv., a repetição da citação dos réus, em vez de os considerar em situação de revelia por falta de contestação, com as legais consequências (art.º 567.º do mesmo Cód.).
3. - Atenta a consabida falibilidade, em geral, da prova por declarações de parte, em que a parte no pleito afirma, de forma interessada e em lógica adversarial, factos que lhe são favoráveis (no intuito, comummente, de com eles ganhar vantagem no desfecho da ação, por antítese ao sentido da prova por confissão), é de considerar, por regra, necessária prova independente corroborante, tendo em conta o grau de certeza e segurança que é exigível no julgamento de uma ação judicial, também, e desde logo, no julgamento da matéria de facto relevante.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

AA e marido, BB, com os sinais dos autos,

intentaram ([1]) ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

CC e mulher, DD, também com os sinais dos autos,

pedindo que os RR. sejam condenados a pagar aos AA. a quantia de € 730.156,88, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como a quantia que vier a ser apurada “em incidente próprio”.

Para tanto, alegaram, em síntese:

- tendo os AA. celebrado um contrato de arrendamento rural com EE, pai do R. marido, nos termos do qual lhes foi dado de arrendamento, pela renda anual de € 200,00 e com início a 01/10/2016, determinado prédio rústico, os demandantes celebraram, na sequência, acordos com diversas instituições e iniciaram “todos os estudos e trabalhos para um projeto de instalação jovem agricultor – cabras de leite promovido pelo PDR2020, no valor de investimento de mais de 958.400,56€”;

- porém, após o falecimento do senhorio, em 17/10/2017, os RR. venderam, sem conhecimento dos AA., o referido prédio rústico a FF e GG, livre de ónus e encargos, mediante documento particular outorgado em 12/11/2019, pelo preço de € 300,00 (a proprietário de terreno confinante);

- os AA. consideram que, como arrendatários, gozavam de direito de preferência prevalecente sobre os dos compradores/confinantes, tendo intentado ação de preferência, a qual foi julgada improcedente, com trânsito em julgado;

- todavia, do contrato de arrendamento consta promessa de compra e venda por € 12.000,00, que os RR. incumpriram;

- em resultado do mencionado contrato promessa os AA. ficavam autorizados a realizar todos os trabalhos constantes do projeto do PDR2020, que foi devidamente aprovado, pelo que pretendem ser indemnizados dos danos que sofreram em consequência da conduta inadimplente aludida, de natureza patrimonial (“perderam o incentivo de 292.584,03€”, bem como “os resultados esperados nos 3º a 5º anos de atividade no valor de 367.624,10€”, e tiveram que suportar o pagamento dos custos referentes à implementação do projeto) e não patrimonial (viram as suas expectativas frustradas após a venda do prédio, o que os deixou “tristes, desmotivados, perdidos sem saber a que se dedicar, no que investir, pois as suas esperanças de futuro, de trabalho e investimento de uma vida foi destruído”, motivo pelo qual reclamam o pagamento de uma indemnização, no valor de € 25.000,00, a este título).

Em 23/10/2023, com referência à citação dos RR. (e aos A/R que constam de fls. 89 do processo físico), foi proferido despacho com o seguinte teor:

«Compulsados os autos, verifico que ambos os avisos de receção relativos à citação dos Réus (…) contêm idêntica assinatura na qual pode ler-se o apelido HH, não constando dos mesmos qualquer outro elemento que permita identificar a pessoa que os assinou (cfr. referências n.º 3263593 e n.º 3274118, respetivamente).

Decorrido que se encontra o prazo concedido aos Réus para apresentarem contestação, os mesmos não o fizeram, não constituíram mandatário, nem intervieram de qualquer outra forma no processo.

Nos termos do disposto no artigo 566º do CPC, “se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, o tribunal verifica se a citação foi feita com as formalidades legais e ordena a sua repetição quando encontre irregularidades”.

Por outro lado, em conformidade com o disposto no artigo 228º, n.º 1, do CPC, “a citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé”.

Para além disso, o n.º 2 do mesmo artigo 228º do CPC esclarece que “a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando”.

Já o n.º 3 do citado artigo 228º do CPC dispõe que, “antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação”.

Assim, não tendo sido identificada a pessoa a quem foram entregues as notas de citação dirigidas aos Réus, não se encontra documentado nos autos se as mesmas foram entregues a algum dos Réus ou a terceira pessoa que ficasse incumbida de as entregar aos respetivos destinatários.

Para além disso, não deixará de se acrescentar ainda que, aparentando as assinaturas em causa ter sido apostas pela mesma pessoa, e mesmo que essa pessoa seja um dos Réus, sempre se imporia o cumprimento do preceituado no artigo 233º do Código de Processo Civil relativamente ao Réu que não assinou o correspondente aviso de receção.

Assim, não poderá deixar de se concluir que na realização da citação a que se tem vindo a aludir não foram observadas todas as formalidades legalmente impostas.

Deste modo, nos termos do disposto no artigo 566º do CPC, impõe-se proceder à repetição da citação dos Réus.

Tendo em conta que, apesar das duas tentativas já efetuadas, não foi possível concretizar a citação dos Réus, por via postal, com observância de todas as formalidades legais aplicáveis, deverá a respetiva citação ser agora concretizada pelos serviços consulares competentes, em conformidade com o disposto no artigo 239º, n.º 3, do CPC.

Em face do exposto, determino que se oficie ao consulado português territorialmente competente, solicitado que providencie pela citação dos Réus (…).».

Na sequência, os RR. vieram contestar (articulado datado de 27/05/2024), defendendo-se por exceção e impugnação, assim concluindo pela improcedência da ação, para além de deduzirem reconvenção, e afirmando, para tanto e em síntese, que:

- o escrito apresentado pelos AA. não pode sustentar uma relação locatícia de arrendamento rural, sendo que, por falta de forma e requisitos, também não tem a virtualidade de suportar uma promessa de compra e venda;

- os AA. não executaram o projeto por si mencionado, não tendo promovido nenhuma ação nos terrenos abrangidos pela candidatura apresentada no âmbito do PDR2020;

- porém, de uma forma abusiva, procederam ao corte das árvores (pinheiros e eucaliptos) existentes no prédio, fazendo seu o produto da venda das mesmas, razão pela qual pedem os RR., em sede reconvencional, a condenação dos AA./Reconvindos no pagamento da quantia indemnizatória de € 6.000,00.

Os AA./Reconvindos, no exercício do contraditório, vieram replicar, concluindo pela improcedência da matéria de exceção deduzida pela contraparte e pela improcedência do pedido reconvencional.

No prosseguimento dos autos, com admissão da reconvenção, foi proferido despacho saneador, com definição do objeto do litígio e dos temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença (datada de 26/11/2024), julgando improcedentes a ação e a reconvenção, com a consequente absolvição das partes dos pedidos contra si deduzidos.

Os AA., inconformados, vieram interpor o presente recurso, seja de tal sentença, seja do anterior despacho de 23/10/2023, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([2]):

«1ª

Consideram os recorrentes que devem ser considerados provados [os] factos não provados 05, 08, 10, 22 e 23.

O que resulta da audição da testemunha, II, gravado no dia 21/11/2024, desde as 10.48h a 11.28h, cujas passagens se ressalvam de 03 min. a 10.33 min. e 19 min. a 23.36 min.

Considerando o depoimento da testemunha, o responsável pelo projecto que o reiterou e validou na íntegra, para o qual remete, e o teor do doc.2 da P.I. do qual resulta as ajudas que os AA. deviam ter recebido,

6.1 Quadro Resumo

A- Investimento Total 958400.56€

B- Investimento Elegível Proposto 725280.24€

C- Investimento Elegível Validado 421974.61€

D-Redução de Elegível (B-C) 303305.63€

E-Apoio ao Investimento 210987.61€

F- Investimento Elegível Validado para Apuramento do Prémio 421974.61€

G-Prémio Jovem Agricultor 30000.00€

E ainda com o teor dos capítulos 7.1.1 “Capril+Prado1 ... ... 4.417ha”

E do do 7.2.1 “9000001870614 CARVALHEIRAS 2423299675001* ... ... 4.252ha”

De onde resulta que seria no prédio dos autos, Carvalheiras que iria ser implantada a base de todo o projecto.

Conclui-se que o facto nº12 deve ser provado.

Resultando tal do depoimento da testemunha, FF, com depoimento gravado no dia 21/11/2024, desde 11.29h a 11.23h, cuja passagem se ressalva de 3.55 min. a 5.47 min. e 10.48 min. a 13.14 min-

Afirma que comprou muitas propriedades na zona e que foi juntando as propriedades.

Não se recorda de o A. ir ao local para tirar medidas.

Sendo natural que alguém que adquire várias propriedade e as anexa, na sequência delimita-as, pelo que se deve concluir que os AA. não podiam aceder a propriedade provada sem autorização sob pena de cometerem um crime

Conclui-se que os factos nº18, 19 e 33-

Considerou o tribunal “a quo” não provados estes factos dizendo,

“uma vez que as declarações de parte prestadas pelo Autor BB a esse propósito não se mostraram credíveis, e não tendo sido produzida qualquer outra prova que os confirmasse, não poderia o Tribunal deixar de considerar não provados os factos descritos sob os números 18. a 21. e 33. Do elenco dos factos não provados.”

Terá de se[r] dada credibilidade aos AA., pois estão juntos aos autos emails que comprovam contactos entre as partes na manutenção dos efeitos do contrato promessa outorgado com o falecido. (cfr. documentos junto em 15/11/2024 refª 3787703).

Alterando-se a resposta à matéria de factos supra impugnada deverá ser entendida a responsabilidade extracontratual dos RR. pela violação da boa-fé subjacente aos contratos e, ainda, pela actuação que tiveram entre o falecimento do pai do R. e a compra venda do prédio a terceira pessoa enganando os AA. afirmando que iriam cumprir as obrigações do falecido determinando-os a prosseguir com o projecto e com todos os custos e associados, causando-lhes prejuízos graves.

Repetida a citação foram os RR. citados, por via postal, tendo o R., marido, aposto os dizeres “HH”.

Os quais chegaram aos autos a 06 e 16 de junho de 2023.

Contudo, o tribunal “a quo” veio dizer em 23/10/2023, “…Para além disso, não deixará de se acrescentar ainda que, aparentando as assinaturas em causa ter sido apostas pela mesma pessoa, e mesmo que essa pessoa seja um dos Réus, sempre se imporia o cumprimento do preceituado no artigo 233º do CPC relativamente ao Réu que não assinou o correspondente aviso de receção. Assim, não poderá deixar de se concluir que na realização da citação a que se tem vindo a aludir não foram observadas todas as formalidades legalmente impostas. Deste modo, nos termos do disposto no artigo 566º do CPC, impõe-se proceder à repetição da citação dos Réus. Tendo em conta que, apesar das duas tentativas já efetuadas, não foi possível concretizar a citação dos Réus, por via postal, com observância de todas as formalidades legais aplicáveis, deverá a respetiva citação ser agora concretizada pelos serviços consulares competentes, em conformidade com o disposto no artigo 239º, n.º 3, do CPC. Em face do exposto, determino que se oficie ao consulado português territorialmente competente, solicitado que providencie pela citação dos Réus CC e DD.”

Os RR. ofereceram contestação no dia 28/05/2024.

Os AA. não se conformam com o douto despacho de 23/10/2023, pelo que dele, também, recorrem, nos termos do art.644º nº03 do CPC.

Assim, tendo sido o último R. citado em 16/06/06/2024 a contestação oferecida quase um ano depois é extemporânea.

Assim, devem ser considerados provados todos os factos alegados pelos AA. e considerado procedente o pedido formulado nos autos.

Nestes termos, requerem a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso e em consequência revogarem a douta sentença, condenando os RR. no pedido.».

Os RR. não contra-alegaram, limitando-se a juntar breve tomada de posição no sentido da improcedência do recurso.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Cumpridos os vistos e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, CPCiv.) –, cabe saber ([4]):

a) Se, desde logo, merece censura, por ilegalidade, o despacho (datado de 23/10/2023) que determinou a repetição da citação dos RR., posto ter ocorrido citação válida anterior, com a consequência de ser extemporânea a contestação apresentada, devendo, nessa senda, serem seguidas as regras da revelia (art.º 567.º do CPCiv.);

b) Se ocorre erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido, no âmbito impugnado;

c) Se, por força de tal alteração e/ou por razões de direito, deve revogar-se a sentença recorrida nos moldes pretendidos pelos AA./Apelantes, com condenação dos RR. no pedido.


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III – Fundamentação

         A) Da ilegalidade do despacho datado de 23/10/2023, que determinou a repetição da citação dos RR.

         Referem os Apelantes, sob o ponto 6.º da sua alegação, que, «Repetida a citação foram os RR. citados por via postal tendo o R., marido, aposto os dizeres “HH”. Os quais chegaram aos autos a 06 e 16 de junho de 2023».

Trata-se dos avisos de receção que constam de fls. 89 do processo físico, dos quais apenas consta, no local reservado à data e assinatura do destinatário/citando, manuscrita a palavra “HH”.

Assim, não foi preenchido o espaço destinado a determinar se o aviso foi assinado “pelo Destinatário” ou “Por pessoa a quem foi entregue”, tal como nada consta quanto ao “BI ou outro documento oficial” (do recetor).

Por isso, não se pode afirmar, com o necessário rigor, que tal pessoa que manuscreveu “HH” seja o R. marido ou a R. mulher ou outra pessoa (tenha ela o apelido “HH” ou não).

Sem nome completo e sem menção a documento de identificação, simplesmente não é possível saber a quem foi entregue a correspondência para citação e quem foi o autor da palavra manuscrita “HH”.

Não pode, pois, dar-se acolhimento à argumentação dos Recorrentes no sentido de ter «sido o último R. citado em 16/06/2024”, posto os ditos avisos de receção estarem manifestamente em situação de preenchimento incompleto – tudo o que contêm, no que respeita ao recetor, é a dita palavra “HH”.

Ou seja, não se sabe se o recetor foi algum dos RR., e qual deles, ou outrem, de identidade não apurada, por falta de identificação [nome completo e documento oficial de identificação, não exarados no documento, o(s) dito(s) A/R].

Tem, por isso – e salvo sempre o devido respeito –, razão o Tribunal a quo, quando alude ao seu dever – que exerceu – de verificar “se a citação foi feita com as formalidades legais e ordena[r] a sua repetição quando encontre irregularidades” (art.º 566.º do CPCiv.).

Ora, tratando-se de citação de pessoas singulares por via postal, com aplicação, por isso, do disposto no art.º 228.º do CPCiv. ([5]), é notório que não foi observada – e teria de sê-lo – a norma do respetivo n.º 3, preceituando que, “Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação” (destaques aditados).

Ou seja, os ditos avisos de receção não permitem, manifestamente, tal identificação.

Por isso, e pelo mais enunciado no dito despacho recorrido, tem de concluir-se, também aqui, que «não foram observadas todas as formalidades legalmente impostas», obrigando, nos termos do disposto no art.º 566.º do CPCiv., à repetição da citação de ambos os RR., como bem determinado e realizado nos autos, em vez de os perspetivar como em situação de revelia, com as gravosas consequências daí decorrentes (cfr. art.º 567.º do mesmo Cód.).

Em suma, improcedem as conclusões dos Recorrentes em contrário, sendo de manter aquele despacho impugnado.

B) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Importa agora sindicar a decisão relativa à matéria de facto, na parte impugnada, considerando os Apelantes que devem ser julgados provados os factos dados como “não provados 05, 08, 10, 22 e 23” (conclusão 1.ª), bem como “o facto n.º 12” (conclusão 2.ª) e “os factos nº 18, 19 e 33” (conclusão 3.ª).

Vejamos, então.

É a seguinte a redação daqueles factos dados como “não provados”:

«5. Desde o início do contrato a que se alude em 5. dos factos considerados provados ([6]) a Autora iniciou todos os estudos e trabalhos necessários para o seu projeto de instalação de jovem agricultor.

(…)

8. Os Autores agiram nos moldes indicados em 13. dos factos considerados provados ([7]) por forma a limpar o terreno para a implantação das obras de construção de salas de ordenha, de armazenamento, de acondicionamento de matérias-primas e de guarda de animais.

(…)

10. Consequentemente, os compradores do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados retiraram área essencial à execução e à continuação do projeto dos Autores.

(…)

12. Os compradores do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados não autorizaram os Autores a aceder ao mesmo nessas ocasiões.

(…)

18. Os Réus sabiam da existência do contrato-promessa de compra e venda e assumiram que o iriam cumprir após o falecimento do promitente EE.

19. Os Réus sabiam que o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados era a base de todo o projeto apresentado pelos Autores no âmbito do PDR2020.

(…)

22. Devido à anulação da candidatura os Autores perderam o incentivo de € 292.584,03.

23. Devido à anulação da candidatura os Autores perderam os resultados esperados nos terceiro a quinto anos de atividade, no valor de € 367.624,10.

(…)

33. Entre a data do falecimento de EE e a data da celebração do contrato de compra e venda a que se alude em 9. dos factos considerados provados, os Réus afirmaram que iriam cumprir as obrigações do falecido, determinando os Autores a prosseguir com o projeto e com todos os custos associados ao mesmo.» (itálico aditado).

O Tribunal recorrido apresentou a seguinte justificação da convicção negativa a respeito:

«Já a decisão proferida a respeito dos factos considerados não provados ficou a dever-se a circunstância de não ter sido produzida prova suficientemente consistente a propósito dos mesmos.

(…)

De igual forma, também os factos indicados sob os números 4., 5. e 7. foram confirmados apenas pelo Autor BB, sem que a restante prova produzida em sede de audiência final tenha corroborado as declarações de parte pelo mesmo prestadas.

Aliás, tanto o Réu CC, como a testemunha FF afirmaram não se ter apercebido de qualquer outro trabalho que os Autores pudessem ter executado no prédio rústico a que se tem vindo a aludir, a não ser o corte das árvores nele existentes.

Deste modo, não poderia o Tribunal deixar de considerar não provados os factos atrás indicados.

Embora se refira, na cláusula primeira do contrato datado de 16 de novembro de 2016, que a Autora AA “toma conta do prédio a fim de efetuar todos os trabalhos para executar o projeto” (cfr. fls. 10-verso e 11 dos presentes autos), o certo é que, de acordo com o comprovativo de submissão de candidatura cuja cópia foi junta a fls. 13 a 38 dos autos, a candidatura referente ao projeto ao qual foi atribuído o código ...58 foi submetida somente no dia 24 de julho de 2017.

Assim, não tendo sido produzida qualquer prova de que EE tenha sido previamente informado dos concretos trabalhos que iriam constar do referido projeto, ficou por demonstrar que, ao outorgar o escrito datado de 16 de novembro de 2016, pudesse ter autorizado a realização dos mesmos, como se refere em 6. do elenco dos factos considerados não provados.

A prova produzida em sede de audiência final não versou sobre os factos integrados no elenco dos factos considerados não provados sob os números 9. e 10..

De resto, como decorre do que foi já mencionado, consta da Ficha Resumo da Candidatura anexa à decisão de aprovação proferida pela Autoridade de Gestão do PDR2020 a 27 de janeiro de 2021 que a parcela situada em Carvalheiras consubstanciava uma das “parcelas com dados de titularidade em falta no Sistema do Parcelário do IFAP, IP”.

Assim, não tendo sido produzida qualquer prova da qual decorresse que o prédio rústico a que se reportam os presentes autos alguma vez tenha sido inscrito, para esse efeito, em nome dos Autores, não poderia o Tribunal deixar de considerar não provados os factos a que se reportam os números 9. e 10. do elenco dos factos não provados.

Os factos descritos sob os números 11. a 16. do elenco dos factos considerados não provados foram mencionados apenas pelo Autor BB, sem que a restante prova produzida em sede de audiência final os tenha confirmado.

Pelo contrário, a testemunha FF, que adquiriu o prédio rústico a que se reportam os presentes autos no dia 12 de novembro de 2019, afirmou não se recordar de nenhuma ocasião em que os Autores pretendessem deslocar-se ao referido prédio rústico com vista a providenciar pela abertura de um furo artesiano ou pela execução de outras atividades relacionadas com a medição desse prédio.

Aliás, de acordo com a informação constante da decisão de aprovação proferida pela Autoridade de Gestão do PDR2020 no dia 27 de janeiro de 2021, a charca em causa seria inutilizada, o que significa que não seria necessária a obtenção de qualquer licença para esse efeito (cfr. fls. 40-verso dos autos).

Para além do mais, impõe-se acrescentar ainda que, nos termos indicados na informação datada de 21 de fevereiro de 2022 cuja cópia foi junta aos autos a fls. 170 e 171, “atendendo a que, apesar dos vários pedidos de esclarecimentos efetuados, não foram apresentados os documentos necessários à validação das «Condicionantes ao Termo de Aceitação», não tendo sido identificadas parcelas alternativas para a execução do projeto e dado que o impedimento identificado não tem um prazo limite para a sua resolução, propõe-se a anulação da decisão de aprovação proferida para esta candidatura por incumprimento das «Condicionantes ao Termo de Aceitação».”.

Quer isto dizer que, contrariamente ao que foi afirmado em sede de audiência final quer pelo Autor BB, quer pela testemunha II, a Autoridade de Gestão do PDR2020 admitiria a identificação de “parcelas alternativas para a execução do projeto”, o que significa que não estaria afastada a possibilidade de os Autores diligenciarem pela substituição do prédio rústico a que se reportam os presentes autos por uma outra parcela na qual pudessem abrir o furo artesiano e implantar as demais infraestruturas que se encontravam previstas no projeto apresentado pela Autora.

Por último, não deixará de se acrescentar ainda que os motivos pelos quais a aprovação da candidatura submetida pela Autora foi anulada pela Autoridade de Gestão do PDR2020 são os que se encontram discriminados na decisão datada de 2 de março de 2022 cuja cópia foi junta aos autos a fls. 49, os quais não se reduzem à impossibilidade de abrir um furo artesiano no prédio rústico identificado nos presentes autos e de o integrar no Parcelário dos Autores.

Deste modo, ficaram por demonstrar os factos a que aludem os números 11. a 16. do elenco dos factos considerados não provados.

(…)

Relativamente aos factos descritos sob os números 18. a 21. e 33. do elenco dos factos considerados não provados cumpre começar por referir que, em sede de declarações de parte prestadas em audiência final, o Autor assegurou ao Tribunal que o Réu CC tinha conhecimento não só do contrato celebrado com o seu pai EE, mas também do próprio projeto que os Autores pretendiam implementar no prédio rústico a que o mesmo se reporta.

Com efeito, o Autor BB declarou ter falado com o Réu CC duas vezes presencialmente, mais uma ou duas vezes por telefone, tendo também trocado alguns emails com o mesmo.

Inclusivamente, segundo o Autor, o Réu CC ter-lhe-á dito que quando viesse a Portugal tratariam da escritura de compra e venda do imóvel.

Pelo contrário, o Réu CC afirmou, em audiência final, desconhecer o acordo firmado pelo seu pai, assim como o projeto que os Autores pretenderiam implementar, acrescentando ainda que nunca disse ao Autor que lhe venderia o prédio rústico identificado nos presentes autos.

Aliás, o Réu CC declarou desconhecer que os Autores pretendiam adquirir o prédio rústico a que se tem vindo a aludir por € 12.000,00 e que se tivesse tido conhecimento dessa pretensão teria vendido o prédio aos Autores.

Ora, a análise do teor do documento particular autenticado cuja cópia foi junta a fls. 8 a 10 dos presentes autos revela que, no dia 12 de novembro de 2019, os Réus CC e DD venderam o mencionado prédio rústico à testemunha FF pelo preço de € 300,00.

Reservando, naturalmente, o respeito devido por entendimento diverso, afigura-se que essa circunstância torna inverosímeis as declarações de parte prestadas pelo Autor BB.

Com efeito, não tendo resultado da prova produzida em sede de audiência final a existência de nenhuma explicação que o pudesse justificar, não é credível que o Réu CC tivesse conhecimento de que os Autores pretendiam adquirir o prédio rústico que se encontra em causa nos presentes autos pelo preço de € 12.000,00 e, ainda assim, tivesse optado por vender o mesmo à testemunha FF por apenas € 300,00.

Na verdade, a única justificação plausível para esse facto reside na ausência de qualquer manifestação de interesse junto dos Réus, por parte dos Autores, quanto à aquisição do imóvel pelo preço de € 12.000,00.

Para além do mais, não deixará de se reiterar que, como decorre do teor da informação datada de 21 de fevereiro de 2022, cuja cópia foi junta aos autos a fls. 170 e 171, seria admissível a identificação de “parcelas alternativas para a execução do projeto”, o que significa que, na verdade, nenhuma das parcelas inicialmente identificadas pelos Autores seria essencial e imprescindível para esse efeito.

Assim, uma vez que as declarações de parte prestadas pelo Autor BB a esse propósito não se mostraram credíveis, e não tendo sido produzida qualquer outra prova que os confirmasse, não poderia o Tribunal deixar de considerar não provados os factos descritos sob os números 18. a 21. e 33. do elenco dos factos não provados.

Decorre da análise do teor da decisão de aprovação datada de 27 de janeiro de 2021, cuja cópia foi junta a fls. 40-verso a 48 dos presentes autos, ter sido concedido à Autora “um apoio ao investimento no montante de 210.987,61€”, a que acresceria o “prémio à instalação de jovem agricultor no montante de 30.000,00€”, o que infirma o valor indicado em 22. do elenco dos factos considerados não provados.

Já o valor indicado em 23. do elenco dos factos considerados não provados coincide com o valor resultante da diferença entre os proveitos da operação e os custos da operação referentes aos terceiro a quinto anos de execução do projeto que se encontram indicados no documento comprovativo de submissão de candidatura cuja cópia foi junta a fls. 13 a 38 (cfr. página 49 desse documento).

Sucede, porém, que a perda dos resultados esperados pelos Autores não constitui uma consequência da anulação da decisão de aprovação da candidatura apresentada pela Autora, mas antes da circunstância de o projeto em causa não ter sido executado.

Nestes termos, foram considerados não provados os factos integrados no elenco dos factos não provados sob os números 22. e 23..

(…)».

Contrapõem os AA./Recorrentes, desde logo, com o depoimento da testemunha II – passagens desde o minuto 03:00 ao minuto 10:33 e 19:00 a 23:36.

Sintetizando, referem que tal testemunha:

a) «declarou ser consultor de empresas na área agroalimentar. // Esclareceu que a empresa que gere foi a responsável pelo projecto de investimento, que se iniciou em 2017, desde a aquisição de animais, plantações, construções, entre outras. // A diferença entre o investimento total e o elegível corresponde ao IVA, o elegível é

Explicou que mediante a exploração da actividade e concatenando os preços de mercado e as expectativas de produção elaborou um mapa de alcance do estabilizar os proveitos e custos. // Que após o terceiro (ano cruzeiro) até ao quinto ano de actividade alcançar-se-ia o valor de 367.624,10€.» [03 min. a 10.33 min.]; e

b) «Explica as condicionantes necessárias à aprovação do projecto, possuir o terreno, efectuar prospecção de recurso hídricos, local onde colocar o furo artesiano, aceder ao terreno, que não foi possível aceder ao terreno por não ter direito de utilização da propriedade.» [19 min. a 23.36 min.].

Nada se mostra, assim, no sentido de a testemunha ter deposto – como importava que ocorresse – quanto à matéria específica do dito ponto 5 dos factos não provados.

Por isso, subsiste a justificação da convicção formulada pelo Tribunal recorrido, enunciando que a matéria apenas foi afirmada «pelo Autor BB, sem que a restante prova produzida em sede de audiência final tenha corroborado as declarações de parte pelo mesmo prestadas».

Âmbito, pois, em que se concorda que seria necessária prova independente corroborante, atenta a consabida falibilidade, em geral, da prova por declarações de parte, em que a parte no pleito afirma, de forma interessada e em lógica adversarial, factos que lhe são favoráveis (no intuito de com eles ganhar vantagem no desfecho da ação).

De notar ainda que a parte recorrente nada opõe – e, por isso, não infirma – ao dito na sentença no sentido de que, «tanto o Réu CC, como a testemunha FF afirmaram não se ter apercebido de qualquer outro trabalho que os Autores pudessem ter executado no prédio (…), a não ser o corte das árvores nele existentes».

Em suma, permanece de pé o juízo – e a respetiva justificação – do Tribunal a quo nesta parte, não se mostrando que as provas imponham decisão diversa (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do CPCiv.).

Quanto ao ponto 8 dos factos não provados – corte das árvores e sua motivação/intencionalidade –, nada os Apelantes invocam, de concreto, que a testemunha II tenha dito a respeito (como resulta da súmula antecedente).

Relativamente ao ponto 10, cabe referir que o mesmo decorre, no seu conteúdo, do ponto 9, com o qual se encontra interligado, designadamente em termos de relação de “causa-efeito”, como logo resulta do vocábulo “Consequentemente”, que inicia tal impugnado ponto 10.

Acontece que não vem impugnado aquele ponto 9, que, por isso, tem de quedar-se como não provado, o que logo prejudica a inversão do juízo probatório quanto ao “consequente” âmbito do ponto 10.

Ademais, a sumula do depoimento da dita testemunha convocada também não alude a esta específica factualidade, razão pela qual, também aqui, e na falta de outras provas substanciais (designadamente, de cariz documental) no sentido pretendido pelos Recorrentes, não se mostra que ocorra erro de julgamento de facto, por haver provas que impusessem decisão diversa.

Relativamente agora aos pontos impugnados 22 e 23 – perdas invocadas de € 292.584,03 (no tocante a incentivo) e € 367.624,19 (quanto a resultados esperados) –, cabe dizer que os AA./Apelantes não impugnaram o ponto 18 do quadro fáctico julgado provado, o qual, assim, se assumiu com um caráter definitivo.

Ora, nesse ponto está dado como assente que a Autoridade de Gestão do PDR2020 comunicou à A.:

«Consultado o SIP na presente data, verifica-se que não foi comprovada a titularidade da quase totalidade das parcelas associadas ao projeto aprovado, pelo que poderemos inferir que a impossibilidade identificada pelo beneficiário se mantém em 21-02-2022.

Face ao exposto, e tendo em consideração que não estão reunidas as condições legais para se proceder à Aceitação do apoio, fica V. Exa. notificada da decisão da Gestora de 2022-03-02 de anulação da decisão de aprovação, nos termos dos fundamentos suprarreferidos.» (destaques aditados).

Tais “parcelas” prediais são as aludidas em 16 e 17, que vão muito para além, em número e extensão, do prédio em discussão. Por isso, não seria credível estabelecer, desde logo e sem mais, um nexo de causalidade entre a dimensão daquelas perdas – repare-se nos elevadíssimos montantes invocados – e a parcela/prédio em questão.

Aliás, os pontos 20 e 21 dos factos julgados como não provados também não foram objeto de impugnação recursiva, adquirindo, por isso, a respetiva decisão negativa foros de definitividade, quando é certo terem os mesmos o seguinte teor:

«20. Os Réus tinham conhecimento de que o projeto não teria viabilidade sem o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados.

21. Os Réus agiram livre e conscientemente, ao venderem o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados a terceiros, bem sabendo dos danos que causaram aos Autores, com o que se conformaram, apesar de terem nestes criado a convicção de que iriam cumprir o contrato-promessa, mantendo-os com a legítima expectativa de concluir o projeto da candidatura.».

O que se compagina com o facto – esse julgado provado (e também não objeto de impugnação recursiva) – 23 do elenco apurado, inculcando a ideia de que o R. marido não sabia da existência de algum contrato celebrado entre o seu pai e os AA..

Concorda-se, assim, com o Julgador a quo, ao sublinhar que a perda dos resultados esperados pelos AA. não constitui uma consequência da anulação da decisão de aprovação da candidatura apresentada pela A., mas antes da circunstância de o projeto em causa não ter sido executado, com o consequente juízo negativo quanto aos pontos de facto dos “números 22. e 23.”.

Não se vislumbram, pois, salvo o devido respeito, provas credíveis que imponham decisão diversa também nesta parte.

Passando ao impugnado ponto 12, é de referir que o mesmo se encontra conexionado com o ponto anterior (n.º 11), que não se mostra impugnado, o que lhe confere dimensão de definitividade.

Cabe, pois, notar que aquele ponto 12 decorre do ponto 11, com o qual se encontra interligado, como respetivo pressuposto (antecedente lógico), constando desse ponto 11 – não provado – que «Os Autores tiveram que aceder ao prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados no final do ano de 2020 e no ano de 2021».

Ora, falhando este pressuposto lógico, insubsistente se queda o ponto 12, no sentido de os compradores do prédio não terem autorizado os AA. a aceder ao mesmo nessas ocasiões (ocasiões não provadas).

Assim, não vindo impugnado aquele ponto 11, que, por isso, tem de quedar-se como não provado, tal logo prejudica a inversão do juízo probatório quanto ao subsequente âmbito do ponto 12.

Ademais, a sumula do depoimento da invocada testemunha FF – tal como oferecida pelos Recorrentes – também não alude a esta específica factualidade em termos de conhecimento direto e pessoal, antes avançando para enunciados conclusivos, em vez de, como se impunha, um relato claro e convincente de factos concretos do seu conhecimento direto e pessoal.

Restam os também controversos pontos 18, 19 e 33 dados como não provados (âmbito de conhecimento dos RR. quanto à existência de um contrato promessa e suas consequências e, bem assim, afirmação de pretenderem cumprir as obrigações do falecido, de modo a determinar os AA. a prosseguirem com o projeto e custos associados).

Pretendem os Recorrentes que as declarações de parte do A. – a que o Tribunal de 1.ª instância não conferiu credibilidade, também por falta de prova corroborante – devem suportar um juízo positivo, por suportadas/corroboradas por prova documental pertinente e idónea, traduzida em mensagens de “email”, que comprovariam contactos entre as partes no sentido da manutenção do contrato promessa.

Tratar-se-á, então, dos documentos juntos em 15/11/2024 – cfr. fls. 217 a 220 (mormente, fls. 219-220) do processo físico –, documentos esses que, para além de terem merecido expressa impugnação da contraparte (fls. 222 e v.º, também do processo físico), vieram a ser rejeitados pelo Tribunal (cfr. despacho de indeferimento de junção de prova documental constante da ata de audiência final de 21/11/2024, a fls. 224 e seg. do processo físico).

Ou seja, trata-se de prova não admitida – não adquirida para os autos –, razão pela qual não pode ser utilizada, desde logo para corroboração de declarações de parte.

Assim sendo, soçobra a argumentação dos AA./Recorrentes em contrário, sendo certo, por fim, que a invocada venda do prédio pelos RR. pelo valor/preço “de trezentos euros” não deixa transparecer, por si e sem mais, as circunstâncias e motivações da parte vendedora, mormente que a intenção de quem declarou vender fosse a de prejudicar os AA. e que tal ocorresse depois de conduta determinante ao prosseguimento pela contraparte (AA.) com o projeto e custos associados (intenção deliberada/dolosa e gratuita de prejudicar).

Em suma, improcedendo a empreendida impugnação, mantém-se intocada a parte fáctica da sentença, tornando-se definitiva a respetiva factualidade provada, a única a considerar, assim, para decisão do recurso.

C) Da Matéria de facto

1. - Após a sindicância da Relação, é a seguinte a factualidade provada a considerar para a decisão:

«1. O prédio rústico situado em Carvalheiras, com a área total de 44.820 m2, composto de cultura arvense, olival, pinhal e solo subjacente cultura arvense em olival, que confronta a norte com JJ, herdeiros de KK, herdeiros de LL e MM, a sul com herdeiros de NN, a nascente com FF e a poente com FF, OO e PP, encontra-se inscrito na matriz sob o artigo ...3º da Secção CC e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...14, da freguesia ....

2. Pela apresentação n.º 994, de 14 de novembro de 2019, foi registada a aquisição do prédio rústico identificado em 1., por compra, a favor de FF, casado com GG sob o regime da comunhão de bens adquiridos.

3. O prédio rústico identificado em 1. foi inscrito na matriz no ano de 1982, resultou da desanexação do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...7 da Secção CC e tem o valor patrimonial atual, determinado no ano de 1982, de € 55,18.

4. No dia 24 de outubro de 2019, mediante escrito intitulado Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos, referente ao Autor da Herança EE, QQ, RR e SS declararam, na Conservatória do Registo Civil ..., o seguinte:

“O autor da herança faleceu no dia 17 de outubro de 2017, na freguesia ..., concelho ....

O autor da herança não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade.

Declarado único herdeiro do falecido:

- Seu filho, CC, já devidamente identificado.

Que não há quem lhe prefira ou com ele possa concorrer na sucessão.”.

5. Mediante escrito no qual foi manuscrita a data 16 de novembro de 2016, assinado por EE e pela Autora AA, foi acordado o seguinte:

“Contrato de arrendamento n.º 0

Terreno agrícola para pastagem de gado

Primeiro outorgante, EE, com morada AV Dos ... N.º ..., ..., ... ... – ..., estado civil divorciado, com o n.º BI: ...52 vitalício, com o NIF: ...33, na qualidade de Proprietária.

Segundo outorgante AA, com Morada em Rua ... ... A..., estado civil casada, com BB, com o CC: ...52, com o NIF: ...05, na qualidade de arrendatário.

Celebram entre si um contrato de arrendamento agrícola para pastagem de gado com prazo certo, nos termos do artigo 1095º do código civil, com as alterações introduzidas pela lei n.º 06/2006, de 27 de fevereiro e com as cláusulas seguintes:

Primeira

Primeiro outorgante é dona legítima do terreno agrícola, com posto de mato e eucaliptos, situado Carvalheiras com uma área total de 8,500000 HÁ com Secção CC Artigo Matricial n.º ...3 ARV Freguesia: 050202 Tipo: R Artigo 17 ARV/COL: À Presente data o Segundo outorgante toma conta do prédio a fim de efetuar todos os trabalhos para executar o projeto

Segunda

Primeiro outorgante arrenda ao Segundo outorgante, que aceita a fração descrita na cláusula anterior.

Terceira

O prazo de duração do arrendamento é até à data da escritura.

Quarta

1. A renda anual será 200 euros (Duzentos euros)

2. Onde se efetuara a escritura pelo o valor 12.000.00 euros (Doze mil euros).

Quinta

O presente contrato é feito em duplicado um será para o Primeiro Outorgante e o Segundo Outorgante estando estes ambos assinados e datados com o número de identificação.”.

6. Mediante escrito datado de 25 de outubro de 2016, assinado pela Autora AA e pelo Ex.mo Senhor Presidente da Junta de Freguesia ... foi acordado o seguinte:

“Protocolo de Colaboração entre Espaço da Exploração Agrícola de A... e Junta de Freguesia ...

Primeiro Outorgante: AA, com morada em Rua ..., ... A..., pessoa coletiva n.º ...05, na qualidade de representante do espaço da exploração agrícola de A...;

E

Segundo Outorgante: Junta de Freguesia ..., com sede em Rua ..., ... ..., com o NIF ...82..., aqui representada por TT.

AA e a Junta de Freguesia ... consideram de muito interesse promover a cooperação humana e técnica entre os dois Outorgantes, pelo que é livremente e de boa fé que celebram o presente protocolo, regendo-se pelas cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira

(Objeto)

O presente Protocolo tem por objeto o estabelecimento dos termos e condições da cooperação entre AA e a Junta de Freguesia ....

Cláusula Segunda

(Ações a empreender)

O Primeiro outorgante compromete-se às seguintes atividades:

• Realização de visitas de estudo à quinta pedagógica;

• Execução de visitas e excursões;

• Organização e realização de formações nas áreas de:

o Animais caprinos;

o Leite e queijo.

O Segundo outorgante compromete-se a contribuir para a melhoria do caminho da estrada principal até à instalação central e tomar as diligências necessárias junto da EDP a fim de se proceder à iluminação do respetivo caminho;

Cláusula Terceira

(Ações de cooperação específica)

As partes estabelecem que cada ação a desenvolver será definida e detalhada, através de documentos complementares.

Cláusula Quarta

(Gestão do Protocolo)

A gestão do protocolo será assegurada por AA e pelo Presidente da Junta de Freguesia ..., TT.

Cláusula Quinta

(Vigência e Denúncia)

O presente protocolo produz efeitos imediatamente após a assinatura pelos representantes das partes que nele outorgam e vigorará por tempo indeterminado.

Qualquer das partes poderá denunciar o presente Protocolo, caso a outra não cumpra qualquer uma das suas disposições.

Cláusula Sexta

(Disposições finais)

As omissões ao presente protocolo de cooperação serão oportunamente analisadas e resolvidas pelas partes envolvidas.

O presente protocolo é feito em duplicado, sendo um exemplar entregue a cada um dos Outorgantes.”.

7. No dia 24 de julho de 2017 a Autora submeteu a sua candidatura relativa a um projeto de instalação de jovem agricultor – cabras de leite, promovido no âmbito do PDR2020, que previa um investimento no valor total de € 958.400,56 e a “aquisição de um núcleo de 450 fêmeas de caprinos de leite de uma raça melhorada – raça murciana, que se pretende aumentar até às 850 fêmeas em produção, para exploração em regime intensivo”.

8. EE faleceu no dia 17 de outubro de 2017.

9. Mediante documento particular autenticado intitulado Compra e Venda, datado de 12 de novembro de 2019, outorgado pelos Réus CC e DD, na qualidade de Primeiros Intervenientes, e por FF, na qualidade de Segundo Interveniente, foi acordado o seguinte:

“Pelo primeiro interveniente foi dito:

Que, pelo valor já recebido de trezentos euros, vende ao segundo interveniente, livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio rústico, sito às Carvalheiras, na freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com JJ, Herdeiros de KK, Herdeiros de LL e MM, do sul com Herdeiros de NN, do nascente com FF e do poente com FF, OO e PP, composto de cultura arvense, olival, pinhal e solo subjacente cultura arvense em olival, com a área de quarenta e quatro mil oitocentos e vinte metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo ...3º da secção CC, com o valor patrimonial tributário de 275,40€, omisso no registo, não sendo nem fazendo parte do descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...07, da freguesia ....

Que faz a presente venda, na qualidade de único herdeiro de seu pai, EE, tal como consta do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos, outorgado no dia vinte e quatro de outubro de dois mil e dezanove na Conservatória do Registo Civil ..., registado sob o número ...19, de cuja herança o prédio ora vendido faz parte.

Pelo segundo interveniente foi dito:

Que aceita a presente venda, nos termos exarados.

Pela primeira interveniente foi dito:

Que a seu marido presta o necessário consentimento para a inteira validade deste ato.”.

10. Os Autores tiveram conhecimento da venda indicada em 9. no mês de julho de 2020.

11. No dia 2 de setembro de 2020 os Autores instauraram a ação de preferência que correu termos no Juízo Local Cível de Castelo Branco – Juiz 3 sob o número 1130/20...., invocando, para tanto, o facto de serem arrendatários do prédio rústico identificado em 1., na sequência do contrato celebrado com EE e reduzido a escrito no dia 16 de novembro de 2016.

12. Por sentença proferida a 9 de maio de 2021, já transitada em julgado, a ação de preferência instaurada pelos Autores foi julgada improcedente.

13. No decurso do ano de 2018 os Autores ordenaram o corte dos pinheiros e dos eucaliptos existentes no prédio rústico identificado em 1., fazendo seu o produto da venda dos mesmos.

14. A candidatura a que se alude em 7. não foi aprovada em virtude de a posição em que a Autora ficou hierarquizada não lhe ter permitido alcançar dotação orçamental, tendo a mesma sido convidada a realizar a transição para o anúncio 02/Ação 3.1.2/2018 e, subsequentemente, para o anúncio 04/Ação 3.1.2/2019, o que fez.

15. A candidatura a que se alude em 7. acabou por vir a ser aprovada por decisão datada de 27 de janeiro de 2021, na qual se refere, para além do mais, o seguinte:

“Operação 3.1.2 – Investimento de Jovens Agricultores na Exploração Agrícola

- Valia Global da Operação

Mantém-se a pontuação obtida na Valia Global da Operação (VGO) de 14.500.

- Valor do Investimento Elegível

Alterou-se o valor do investimento elegível inicialmente apurado, para 421.974,61 €.

Operação 3.1.1 – Jovens Agricultores

- Valor do Investimento Elegível para Prémio

Alterou-se o valor do investimento elegível para cálculo do prémio para 421.974,61 €.

- Critérios de Seleção

Mantém-se o enquadramento no critério: Localização da exploração. (…).

Face ao exposto, considerando a dotação orçamental atribuída no Anúncio n.º 04/Ação 3.1.2/2019, para o período de 2019-09-23 a 2019-11-08 e no Anúncio n.º 09/Ação 3.1/2019, para o período de 2019-09-23 a 2019-11-08 e o número de candidaturas aos mesmos submetidas, fica V. Exa. desde já notificada, da decisão final de aprovação da sua candidatura, proferida pela Gestora em 2021-01-27, e da concessão de um apoio ao investimento no montante de 210.987,61 € e da concessão do prémio à instalação de jovem agricultor no montante de 30.000,00 €, nos termos da Ficha Resumo em anexo, que faz parte integrante da presente decisão.

A lista final de hierarquização das candidaturas aprovadas no âmbito deste Anúncio será publicitada no site do PDR2020.

No prazo máximo de 10 dias úteis, a contar da receção da presente notificação, deverá V. Exa. entregar, através do Balcão do Beneficiário, a documentação referente às «Condicionantes ao Termo de Aceitação». (…).”.

16. Da Ficha Resumo da Candidatura anexa à decisão de aprovação datada de 27 de janeiro de 2021 consta, para além do mais, o seguinte:

“7.2 Lista de Parcelas

Para a emissão do Termo de Aceitação da candidatura é necessário que a titularidade de todas as parcelas listadas abaixo esteja associada ao beneficiário titular da candidatura no Sistema do Parcelário do IFAP, I.P. É ainda necessário que tenha sido apresentado no Sistema do Parcelário do IFAP, I.P. documento comprovativo de propriedade ou, no caso de contrato de arrendamento ou comodato ou cedência, uma validade com data termo igual ou superior à perenidade da operação.

Se alguma parcela não cumprir os referidos requisitos, não será possível a emissão do Termo de Aceitação da candidatura, pelo que deverá dirigir-se a uma sala de parcelário por forma a corrigir a situação.”.

17. As trinta e três parcelas indicadas na decisão de aprovação datada de 27 de janeiro de 2021, com a área total de 14.739 ha, entre as quais se encontra a parcela número 2423299675001, situada em Carvalheiras, com a área aprovada de 4.252 ha, estão identificadas na mesma decisão como “parcelas com dados de titularidade em falta no Sistema do Parcelário do IFAP, I.P.”, com exceção da parcela denominada Remendinhas com a área de 1.136 ha.

18. Mediante notificação datada de 9 de março de 2022, a Autoridade de Gestão do PDR2020 comunicou à Autora o seguinte:

“Findo o prazo estabelecido para efeito de comprovação do cumprimento das Condicionantes ao Termo de Aceitação da candidatura acima identificada, foi V. Exa. notificada para se pronunciar sobre os fundamentos de incumprimento, em audiência prévia, de acordo com os artigos 121º e 122º do Código do Procedimento Administrativo. V. Exa. apresentou resposta no prazo estipulado para o efeito, a qual nos mereceu a seguinte apreciação:

A assinatura do Termo de Aceitação do projeto, de acordo com os termos da decisão, ficou dependente do cumprimento das «Condicionantes ao Termo de Aceitação», tendo sido fixado, ao beneficiário, um prazo de 10 dias úteis, após conhecimento da decisão de aprovação, para efeito de apresentação dos documentos comprovativos das condicionantes:

- Apresentação da declaração de início de atividade com a CAE associada ao setor do investimento – Observação: Declaração de início de atividade. Deverá ser possível identificar a data de início de atividade, o CAE, e o regime de contabilidade existente

- Apresentação de certificado do IAPMEI (micro ou pequena empresa)

- Licença de utilização de recursos hídricos – Observação: Relativo a todas as captações de água a utilizar no âmbito desta candidatura

- Titularidade da Exploração Agrícola – Apresentação no SIP (Sistema de Identificação Parcelar) de comprovativo de propriedade ou contrato com data termo igual ou superior à perenidade da operação

De acordo com o procedimento estabelecido, não tendo sido apresentados os documentos necessários à validação das «Condicionantes ao Termo de Aceitação», o respetivo beneficiário foi notificado, em sede de Audiência Prévia, da intenção da Gestora de anular a referida decisão de aprovação em 01-04-2021.

Em 09-04-2021 o beneficiário respondeu às «Condicionantes ao Termo de Aceitação» referindo a necessidade de um prazo mais alargado para apresentar a documentação necessária:

“Em virtude de se encontrar a decorrer em Tribunal um processo de regularização da titularidade da exploração alvo de investimento, não é possível apresentar dentro do prazo, 10/02/2021, nem a curto prazo, as condicionantes ao termo de aceitação, mas precisamente a Licença de Utilização dos Recursos Hídricos (do furo) e a Titularidade da Exploração Agrícola.”.

Analisada a resposta apresentada, foi solicitada nova resposta às «Condicionantes ao Termo de Aceitação» em 30-07-2021, tendo o beneficiário respondido na mesma data e nos mesmos termos:

“Em virtude de se encontrar a decorrer em Tribunal um processo de regularização da titularidade da exploração alvo de investimento, não é possível apresentar as condicionantes ao termo de aceitação, mas precisamente a Licença de Utilização dos Recursos Hídricos (do furo) e a Titularidade da Exploração Agrícola.”.

O mesmo pedido de resposta às «Condicionantes ao Termo de Aceitação» foi efetuado através de esclarecimentos adicionais em 15-10-2021, 21-10-2021 e 18-01-2022.

Em 19-01-2022, em resposta ao último pedido de esclarecimentos o beneficiário informa uma vez mais:

“Em virtude de estar a decorrer a disputa em Tribunal da titularidade da exploração objeto de investimento, local onde é para executar o investimento, em particular a realização do furo, não nos é possível proceder à entrega dos documentos exigidos para a fase de contratação. Pois, para a emissão da licença dos recursos hídricos é necessário que o furo seja realizado, o que não é possível uma vez que o atual proprietário não permite/não autoriza que o furo seja efetuado, mesmo sabendo da existência desta candidatura e das suas exigências. Pelo que, mais se informa que à presente data não se encontram reunidos os elementos exigidos pelo PDR2020.”.

Consultado o SIP na presente data, verifica-se que não foi comprovada a titularidade da quase totalidade das parcelas associadas ao projeto aprovado, pelo que poderemos inferir que a impossibilidade identificada pelo beneficiário se mantém em 21-02-2022.

Face ao exposto, e tendo em consideração que não estão reunidas as condições legais para se proceder à Aceitação do apoio, fica V. Exa. notificada da decisão da Gestora de 2022-03-02 de anulação da decisão de aprovação, nos termos dos fundamentos suprarreferidos.”.

19. A candidatura submetida pela Autora no âmbito do PDR2020 previa o início da operação para o dia 25 de julho de 2017, a conclusão da operação no dia 25 de julho de 2019, sendo o ano cruzeiro atingido em 2021.

20. A candidatura submetida pela Autora no âmbito do PDR2020 previa a utilização do prédio rústico identificado em 1. para a instalação das infraestruturas relativas à criação de cabras de leite que a Autora iria desenvolver.

21. Os Autores não promoveram nenhuma ação ao abrigo do Protocolo de Colaboração a que se alude em 6..

22. Quando foi questionado pelo Réu a propósito do corte das árvores a que se alude em 13., o Autor respondeu-lhe que não tinha dinheiro para lhe pagar.

23. Quando adquiriu, por sucessão hereditária, o prédio rústico identificado em 1., o Réu CC desconhecia a existência de qualquer contrato celebrado entre o seu pai e os Autores.».

2. - E resulta julgado não provado:

«1. O contrato a que se alude em 5. dos factos considerados provados teve início a 1 de outubro de 2016.

2. O contrato a que se alude em 5. dos factos considerados provados só foi reduzido a escrito no dia 16 de novembro de 2016 porque o senhorio não se pôde deslocar a ... em data anterior.

3. O prédio rústico identificado no contrato a que se alude em 5. dos factos considerados provados destinava-se à agricultura e à pastagem de gado.

4. O Protocolo a que se alude em 6. dos factos considerados provados tem por objeto o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados.

5. Desde o início do contrato a que se alude em 5. dos factos considerados provados a Autora iniciou todos os estudos e trabalhos necessários para o seu projeto de instalação de jovem agricultor.

6. Ao outorgar o escrito a que se alude em 5. dos factos considerados provados, EE autorizou os Autores a realizar todos os trabalhos constantes do projeto com o código ...58.

7. Em conformidade com o referido projeto, os Autores iniciaram a preparação do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados.

8. Os Autores agiram nos moldes indicados em 13. dos factos considerados provados por forma a limpar o terreno para a implantação das obras de construção de salas de ordenha, de armazenamento, de acondicionamento de matérias-primas e de guarda de animais.

9. A viabilidade do projeto indicado em 7. dos factos considerados provados foi colocada em causa desde o início em virtude de os compradores do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados terem comunicado esse prédio à mesa de parcelário, retirando-o do parcelário agrícola dos Autores.

10. Consequentemente, os compradores do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados retiraram área essencial à execução e à continuação do projeto dos Autores.

11. Os Autores tiveram que aceder ao prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados no final do ano de 2020 e no ano de 2021.

12. Os compradores do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados não autorizaram os Autores a aceder ao mesmo nessas ocasiões.

13. Os Autores necessitavam de proceder à realização de um furo artesiano no prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados, de efetuar um levantamento topográfico desse prédio, de efetuar um estudo dos respetivos recursos hídricos, de repor o parcelário e de obter licenças de construção de charca e do furo artesiano no mesmo prédio.

14. Os Autores não puderam responder às solicitações da entidade gestora do projeto por não terem podido efetuar o furo artesiano no prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados e por não terem conseguido alterar o parcelário.

15. No mês de janeiro de 2021 o Autor tentou entrar no prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados para marcar no terreno o local onde iria ser aberto o furo artesiano, para efeitos do PDR2020, não tendo sido autorizado pelos compradores do mesmo.

16. No mês de abril de 2021 o Autor tentou entrar no prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados para demarcar as estremas, para efeitos do PDR2020, não tendo sido autorizado pelos compradores do mesmo.

17. Com a improcedência da ação de preferência e face aos impedimentos de acesso ao prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados os Autores deixaram de ter expectativas na candidatura, uma vez que o arrendamento não lhes interessava e o que pretendiam era adquirir a propriedade desse prédio.

18. Os Réus sabiam da existência do contrato-promessa de compra e venda e assumiram que o iriam cumprir após o falecimento do promitente EE.

19. Os Réus sabiam que o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados era a base de todo o projeto apresentado pelos Autores no âmbito do PDR2020.

20. Os Réus tinham conhecimento de que o projeto não teria viabilidade sem o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados.

21. Os Réus agiram livre e conscientemente, ao venderem o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados a terceiros, bem sabendo dos danos que causaram aos Autores, com o que se conformaram, apesar de terem nestes criado a convicção de que iriam cumprir o contrato-promessa, mantendo-os com a legítima expectativa de concluir o projeto da candidatura.

22. Devido à anulação da candidatura os Autores perderam o incentivo de € 292.584,03.

23. Devido à anulação da candidatura os Autores perderam os resultados esperados nos terceiro a quinto anos de atividade, no valor de € 367.624,10.

24. Devido à anulação da candidatura os Autores suportaram o pagamento dos custos com a empresa responsável pelo projeto, B..., L.da, no valor total de € 14.046,29.

25. Devido à anulação da candidatura os Autores suportaram o pagamento dos custos com o veterinário.

26. Devido à anulação da candidatura os Autores suportaram o pagamento dos custos com a Conservatória do Registo Predial, no valor de € 15,00.

27. Devido à anulação da candidatura os Autores suportaram o pagamento dos custos com o Instituto Politécnico ..., relativos à realização de análise química de terra e emissão de pareceres, no valor total de € 33.21.

28. Devido à anulação da candidatura os Autores suportaram o pagamento dos custos com os projetos de arquitetura, especialidades, licenciamento, coordenação de obra e fiscalização, no valor de € 30.750,00.

29. Devido à anulação da candidatura os Autores suportaram o pagamento dos custos com a APABI, a título de serviços de polígonos e parcelário, no valor de € 104,25.

30. Os Autores viram as suas expectativas frustradas após a venda do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados.

31. Os Autores andam tristes, desmotivados, perdidos, sem saber a que se dedicar, no que investir, pois as suas esperanças de futuro, de trabalho e investimento de uma vida foram destruídas.

32. Os Autores sentem-se envergonhados, não descansam, andam ansiosos e permanentemente nervosos.

33. Entre a data do falecimento de EE e a data da celebração do contrato de compra e venda a que se alude em 9. dos factos considerados provados, os Réus afirmaram que iriam cumprir as obrigações do falecido, determinando os Autores a prosseguir com o projeto e com todos os custos associados ao mesmo.

34. Os Autores instauraram a presente ação para tentarem evitar a cobrança dos milhares de euros de que os Réus são credores.

35. Os Autores não pagaram nenhuma renda a EE, nem aos Réus, nem aos compradores do prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados.

36. O que as partes pretenderam, ao outorgar o escrito a que se alude em 5. dos factos considerados provados, foi assegurar a possibilidade de os Autores disporem de uma área que pudessem identificar, como área de pastagem, no projeto por si apresentado no âmbito do PDR2020, sendo salvaguardada a intenção do proprietário EE de vender o imóvel, fixando o valor desta venda.

37. EE nunca teve a intenção de dar de arrendamento o prédio rústico identificado em 1. dos factos considerados provados para a finalidade de exploração agrícola e pecuária.

38. Os Autores nunca entenderam o escrito a que se alude em 5. dos factos considerados provados, nem a relação que se estabeleceu com o proprietário EE como uma relação locatícia.

39. O escrito a que se alude em 5. dos factos considerados provados destinou-se unicamente a facilitar que os Autores pudessem sustentar a candidatura que apresentaram no âmbito do PDR2020, na expectativa de que, com a sua aprovação, pudessem ter condições para adquirir o prédio rústico identificado em 1..

40. Nos anos de 2016 e 2017 os Autores abordaram diversos proprietários, aliciando-os com uma promessa de compra de terrenos por valores muito bons, referindo que os pagavam a pronto logo que o projeto que iriam submeter como jovens agricultores fosse aprovado.

41. Nessa altura, os Autores estabeleciam um limite de dois anos para a aprovação e instalação do seu projeto e solicitavam a identificação de terrenos para sustentarem o mesmo.

42. A certa altura foi isso que EE comentou com os Réus.

43. Foi isso que motivou EE a assinar a segunda página do escrito a que se alude em 5. dos factos considerados provados.

44. A primeira página do escrito a que se alude em 5. dos factos considerados provados não corresponde ao escrito que foi dado a assinar a EE.

45. EE referiu ao seu filho que o tinham abordado para a compra do terreno por um valor superior a € 10.000,00, mas que o contrato ficava sem efeito se, passados dois anos, os Autores não tivessem dinheiro para lhe comprar o imóvel.

46. O valor do produto da venda das árvores a que se alude em 13. dos factos considerados provados ascende a cerca de € 6.000,00.

47. Na ocasião indicada em 22. dos factos considerados provados, o Autor disse ao Réu que quando o projeto se encontrasse aprovado pagaria o prejuízo causado.

48. As árvores a que se alude em 13. dos factos considerados provados ocupavam entre 45 e 60 metros cúbicos por hectare.

49. Os Autores pagaram a EE, em numerário, as rendas referentes aos anos de 2016 e 2017.

50. Os Autores estavam autorizados, por EE, a proceder ao desbaste e ao corte das árvores a que se alude em 13. dos factos considerados provados e a fazer seu o produto de tal abate de árvores.».


***

D) O Direito

Os AA./Recorrentes fundavam a sua pretensão recursória, com alteração do verdito absolutório em matéria de ação, no triunfo da sua impugnação da decisão relativa à matéria de facto (com transposição de diversos factos julgados não provados para o elenco dos provados).

Por isso, se limitaram, no essencial, a oferecer uma conclusão em matéria de direito ([8]), com o teor que se volta a reproduzir:

«Alterando-se a resposta à matéria de factos supra impugnada deverá ser entendida a responsabilidade extracontratual dos RR. pela violação da boa-fé subjacente aos contratos e, ainda, pela actuação que tiveram entre o falecimento do pai do R. e a compra venda do prédio a terceira pessoa enganando os AA. afirmando que iriam cumprir as obrigações do falecido determinando-os a prosseguir com o projecto e com todos os custos e associados, causando-lhes prejuízos graves.».

Ora, aquele pressuposto – de alteração da decisão de facto – não se verificou, deixando, desde logo, prejudicada a restante matéria recursiva.

Assim, não apresentam os Recorrentes qualquer questão de direito que devesse agora ser decidida em sentido contrário ou diverso ao vertido na sentença, não tendo, pois, sido deduzida impugnação útil em matéria de direito.

Apenas restando dizer que, manifestamente, não se prova – nem os AA. o mostram – factualidade que permita integrar os pressupostos da responsabilidade civil, a violação do princípio da boa-fé, uma conduta enganosa e/ou de intencional determinação de danos ou mesmo um exercício abusivo do direito.

Em suma, perante o teor das conclusões dos Apelantes, nenhuma questão jurídica se mostra suscitada em termos de merecer apreciação recursiva de direito.

Improcede, pois, a apelação.

As custas da apelação devem caber aos AA./Recorrentes, atento o respetivo decaimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

                                               ***

IV – Sumário ([9]): (…).

                                               ***

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter ambas as decisões recorridas.

Custas da apelação pelos AA./Recorrentes.

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 13/05/2025

Vítor Amaral (relator)

Fernando Monteiro

Fonte Ramos


([1]) Em 31/10/2022, junto do Juízo Central Cível de Castelo Branco – Comarca de Castelo Branco.
([2]) Cujo teor se deixa reproduzido (com destaques retirados).
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de outras ou se quede inútil e, por outro lado, seguindo uma ordem lógico-sistemática de apreciação das mesmas (independentemente da ordem por que enunciadas nas conclusões dos Apelantes).
([5]) Na redação aplicável ao caso, a introduzida pelo DLei n.º 97/2019, de 26-07.
([6]) Referenciado “contrato de arrendamento agrícola para pastagem de gado com prazo certo”, celebrado «Mediante escrito no qual foi manuscrita a data 16 de novembro de 2016, assinado por EE e pela Autora AA».
([7]) É a seguinte a redação desse ponto provado: «13. No decurso do ano de 2018 os Autores ordenaram o corte dos pinheiros e dos eucaliptos existentes no prédio rústico identificado em 1., fazendo seu o produto da venda dos mesmos.».
([8]) Soçobrando, como visto, a pretendida revogação do despacho (prévio e também recorrido) que determinou a repetição da citação.
([9]) Da exclusiva responsabilidade do relator, nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do CPCiv..