PROCESSO TUTELAR CÍVEL
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO A FAVOR DO OUTRO PROGENITOR
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Sumário

I- A indemnização, ao abrigo do art. 41º, nº 1, do RGPTC – incidente de incumprimento - em que um dos progenitores foi condenado a pagar ao outro, o montante de 500 €, face à sucumbência prevista no art. 629º, nº 1, do NCPC, torna o recurso inadmissível;
II- Como se vê do texto legal, em lado algum o art. 41º, nº 1, do RGPTC, exige que o incumprimento seja grave, bastando um simples e singelo, posto que relevante.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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I – Relatório

 

1. O progenitor AA instaurou (em 13.9.2023) incidente de incumprimento de acordo de regulação das responsabilidades parentais da criança BB, contra a progenitora CC, e referente a questão de particular importância, requerendo, a TÍTULO CAUTELAR, que fossem entidades competentes - mormente o SEF, junto do Aeroporto de Lisboa - notificadas para impedir a saída do território nacional do menor, caso o mesmo seja titular de bilhetes em estado Stand By ou de alguma forma de viagem não confirmada, mais requerendo que se declare o incumprimento e seja a progenitora sancionada em multa e indemnização.

Por despacho de 14.9.2023, determinou-se o imediato contacto da progenitora para que, até às 16.30 h desse dia, juntasse comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora, com expressa advertência que, nada juntando, o Tribunal entender perfunctoriamente incumprido o acordo do apenso E, determinando cautelarmente o impedimento de saída do menor.

A requerida respondeu ao despacho por requerimento de 14.9.2023.

Por despacho de 14.9.2023, o Tribunal, de modo a prevenir e acautelar os efeitos do incumprimento objectivo do acordo de 12.4.2023, no apenso E, considerando que a aquisição de reservas Stand By pela progenitora não satisfaz as condições objectivas e subjetivas do consentimento prestado pelo progenitor, não autorizou que a progenitora viajasse com o menor para o Brasil no dia 15.9.2023, sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores. No mesmo despacho, o Tribunal determinou que se contactassem as respectivas mandatárias, solicitando a mediação das mesmas para algum tipo de acordo pontual que permita a eventual prestação de consentimento pelo progenitor.

Por requerimento de 15.9.2023, a requerida deu conta que adquiriu os respetivos bilhetes aéreos, do que deu conhecimento ao progenitor, informando-se que o BB iria viajar para o Brasil entre o período compreendido entre 16 e 26 de Setembro, podendo, durante esse período, ser encontrado na morada que já havia sido anteriormente comunicada ao progenitor.

Por despacho de 15.9.2023, consignou-se que, cumpridas as condições do acordo de 12.4.2023 e da prestação de consentimento, nada impedia a progenitora de viajar com o menor no dia 16.9.2023.

Por despacho de 26.9.2023, considerando a consensualização dos progenitores quanto à deslocação do menor entre os dias 16 e 26.9, notificou-se os progenitores para que se pronunciassem, no prazo de 5 dias, sobre a eventual extinção do presente incidente por inutilidade superveniente.

Mercê dos requerimentos de 3.10.2023 e de 4.10.2023, por não se revelar infundada ou desnecessária, foi designada data para a realização de nova conferência de pais, nos termos e para os efeitos do art. 41º, nº 3, do RGPTC.

Em sede de conferência de pais (acta de 2.11.2023), por solicitação das partes, atendendo a que a situação de facto que despoletou o incidente se encontrava exaurida, determinou-se a suspensão dos presentes autos por período não superior a 3 meses e a remessa das partes para mediação familiar. Após encaminhamento do processo para a mediação familiar conjuntamente com o apenso H, e mercê da exposição do E-Mail de 27.2.2024, por despacho de 14.3.2024 determinou-se a suspensão dos presentes autos por período suplementar de 1 mês.

Frustrada a mediação familiar do apenso I, notificou-se as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem testemunhas e juntarem documentos, nos termos e para os efeitos do art. 39º, nº 4, do RGPTC, e designou-se data para a realização de julgamento.

A progenitora apresentou alegações com requerimento probatório (de 28.5.2024), e no qual defendeu que não existiu qualquer comportamento culposo e ilícito por parte da progenitora, nem tal circunstância reveste qualquer gravidade que justifique ou reclame sancionamento judicial.

O progenitor apresentou alegações, com requerimento probatório (de 28.5.2024), e no qual peticionou a declaração do incumprimento e o sancionamento da requerida em multa e indemnização. Mais requereu a condenação da progenitora como litigante de má fé, em multa e numa indemnização ao requerente.

A progenitora (em 11.6.2024) respondeu ao articulado de alegações do progenitor, tendo este respondido também (em 18.6.2024). Realizou-se audiência de julgamento (em 17.6.2024).

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A final foi proferida sentença que condenou a progenitora, por incumprimento do acordo de 12.4.2023, nos termos do art. 41º, nº 1, do RGPTC, no pagamento de uma multa processual de 5 UC e de uma indemnização no valor de 500 €, a pagar ao progenitor, mais condenando a progenitora por litigância de má fé, na multa de 2 UC.

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2. A requerida apelou, formulando as seguintes conclusões:

1.ª Interpõe-se o presente recurso da sentença proferida a 04.10.2024, que julgou procedente o incidente deduzido pelo progenitor, declarando o incumprimento, pela Requerida e Recorrente, do regime de questões de particular importância, vertido no acordo de 12.04.2023 do apenso E, condenando a progenitora no pagamento de uma multa processual de 5 UCs e no pagamento de uma indemnização no valor de Eur 500,00, ao progenitor Requerente, no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, condenando ainda a Recorrente, como litigante de má-fé, na multa processual de 2 UCs.

2.ª Os concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados são, dos factos provados, os n.ºs 28., 29., 30., 32., 36., 54., 57. e 58., ou seja:

(… transcrição)

3.ª Entende a Recorrente que tais factos deviam ter sido julgados de forma diferente, a saber, como se assinala a negrito:

«28. O regime de R2 STAND BY não permite a mesma certeza ou segurança de que à reserva corresponda nos dias dos voos de ida e de regresso um efetivo lugar nesse voo, que seria conferida pela aquisição de bilhetes em regime normal;

29. O regime de R2 STAND BY permite a aquisição de bilhetes a um preço mais económico, cerca de 10 vezes menos do que o preço dos bilhetes em regime normal, com a contrapartida da indefinição de efetivo lugar nos voos, e que só pode ser confirmado no dia do check in.

30. A progenitora não podia ter optado por outro regime de compra de bilhetes, mais dispendioso, por não ter meios para tal, a menos que recorresse à ajuda de familiares.

32. Este regime, escolhido pela progenitora para a sua devida conveniência económica, não confere certeza absoluta, mas apenas uma probabilidade elevada, de que o regresso se faça na data marcada.

36. Em 15-09-2023, ao dispor de bilhetes em regime de R2 STAND BY, a progenitora não tinha plena consciência de que iria viajar com o menor em violação do acordo de 12-04-2023 realizada no apenso E e não quis, livre e conscientemente, violar esse acordo e a sentença homologatória do mesmo.

54. Aquando do requerimento de 14-09-2023 [10059802], e a requerida não sabia que não tinha remetido ao progenitor qualquer email.

57. A requerida não sabia que tal email não tinha chegado a ser enviado.

58. (Este ponto deve ser eliminado).»

4.ª Os meios de prova que impõem decisão diversa, no que concerne ao incumprimento, são:

- as declarações da Requerida, prestadas na sessão de julgamento de 27.06.2024;

- o depoimento da testemunha DD, prestado nas sessões de julgamento de 27.06.2024 e de 18.09.2024;

- o depoimento da testemunha EE, prestado na sessão de julgamento de 18.09.2024, e

- o depoimento da testemunha FF, prestado na sessão de julgamento de 18.09.2024.

5.ª Na conferência de pais realizada a 12.04.2023, a Recorrente não esteve representada pela signatária, mas sim por outra Advogada, a Senhora Dra. GG, com substabelecimento com reserva, como resulta da respectiva acta, que se junta como Doc. 1, pelo que não é verdade o que a sentença recorrida refere, na pág. 40, de forma aliás inusitadamente não urbana e mesmo acintosa, e reveladora de má vontade do Senhor Juiz para com a Advogada signatária, a saber, que «a mesma causídica que participou no acordo de 12-04-2023 foi a mesma que assinou as peças processuais nestes autos», pois não foi, e o facto de não ter sido explica muito acerca da interpretação que foi dada ao acordo aí obtido.

6.ª Como resulta da gravação da conferência realizada nessa data naquele apenso, o progenitor opunha-se à emissão do passaporte por ter receio de subtração do menor, sendo o cerne do problema o receio do pai de subtração do menor pela mãe, ou seja, que esta, que é brasileira, viajasse para o Brasil e não regressasse a Portugal.

7.ª Para ultrapassar este (suposto) problema, ficou a constar, na cláusula 2.ª do acordo, homologado por sentença:

«2.º - Caso a progenitora pretenda deslocar-se com o menor para o estrangeiro, nomeadamente para o Brasil, deverá informar o progenitor com a antecedência mínima de 5 dias dessa pretensão, mais se comprometendo a apresentar comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora» (negritos nossos).

8.ª Não ficou expresso no texto acordo que os bilhetes não podiam ser daqueles a que a progenitora tem acesso, por ser familiar de pilotos de avião e ter o benefício de os adquirir a preço muito inferior ao corrente para o público em geral, e o facto de essa condição não constar do acordo foi determinante para a convicção da progenitora – e da ora signatária, quando leu o texto do acordo vertido na acta da conferência de pais onde não esteve presente - de que podia adquirir bilhetes em stand by, estando esta convicta que apenas tinha que apresentar ao progenitor o comprovativo da aquisição desses bilhetes, de ida e volta - pois o receio manifestado pelo progenitor era que a progenitora não regressasse do Brasil com o filho de ambos.

9.ª Atendendo ao contexto em que o acordo foi celebrado, estando em causa a autorização para a obtenção de passaporte do menor, sendo o receio manifestado pelo progenitor o de que a Recorrente subtraísse o menor, viajando para o Brasil e não regressando, não constando do texto do acordo qualquer referência à proibição de aquisição de bilhetes em stand by, e com base nas declarações prestadas pela progenitora, na sessão de julgamento de 27.06.2024, não há fundamento para afirmar – como a sentença recorrida afirma – que a mãe sabia que iria viajar com o menor em violação do acordo de 12.04.2023, realizado no apenso E (ponto 36. da matéria de facto).

10.ª Não há evidência da culpa da progenitora na violação desse acordo, por esta não ter a convicção de estar a violar o acordo e estar convencida, pelo contrário, de ter cumprido as condições nele impostas, de demonstração de aquisição de bilhetes – em stand by, mas não obstante, razão pela qual a decisão da matéria de facto contida no ponto 36. deve ser alterada e deve passar a ser a supra indicada.

11.ª No que respeita à decisão dos pontos 28., 29. e 32. da matéria de facto, entende a Recorrente que a prova produzida não conduz à conclusão de que a aquisição dos bilhetes em stand by não confere qualquer certeza ou segurança de que à reserva corresponda um efectivo lugar no voo, mas apenas que não confere a mesma certeza e segurança relativamente à data do voo, que seria conferida pelos bilhetes normais, havendo uma probabilidade elevada de que o regresso se faça na data marcada.

12.ª A prova produzida a este propósito é inequívoca, nesse sentido:

- as declarações da progenitora na sessão de 27.06.2024,

- o depoimento da testemunha DD, nas sessões de julgamento de 279.06.2024 e 18.09.2024,

- o depoimento da testemunha EE, na sessão de julgamento 18.09.2024, e

- o depoimento da testemunha FF, também na sessão de julgamento de 18.09.2024 (cfr. declarações acima transcritas).

13.ª No que respeita ao ponto 29., o tribunal a quo deu como provado que o regime stand by permite a aquisição de bilhetes a um preço mais económico, mas não deu como provada a diferença entre o custo dos bilhetes normais e os bilhetes em stand by – cfr. pontos 59. e 60. dos factos não provados.

14.ª Entende a Recorrente que o tribunal a quo devia ter dado como provado que a diferença de preço entre os dois tipos de bilhetes é de cerca de 10 vezes menos, porque nisso há concordância completa dos progenitores, complementada com prova testemunhal.

19.ª Saliente-se que foi o Requerente quem, nos pontos 25 e 26. das suas alegações de 28.05.2024, invocou os factos que foram dados como não provados nos pontos 59. e 60., reconhecendo que os bilhetes adquiridos pela Recorrente custaram cerca de 10 vezes menos que os bilhetes em regime normal, desproporção que devia ter sido dada como provada, por estar de acordo com o afirmado pela progenitora e pela testemunha EE.

20.ª Sobre as possibilidades financeiras da progenitora para adquirir bilhetes com o custo normal, de mercado, nada, nos autos, aponta para uma situação financeira da Requerida acima da média, que lhe permitisse suportar sem qualquer dificuldade o custo normal das viagens de avião para o Brasil, antes pelo contrário, resultando das regras da experiência que para qualquer pessoa é muito diferente pagar um preço das viagens de cerca de Eur 300,00 ou antes 10 vezes superior.

21.ª No que concerne à matéria de direito, a doutrina e a jurisprudência (cfr. citações supra) têm entendido que, para se preencher a previsão do artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, não basta que exista um incumprimento, é necessário, para ser relevante, que o comportamento seja culposo, grave e censurável, e que seja afectado o superior interesse da criança, pressupostos que não se verificam no caso concreto.

22.ª Em primeiro lugar, salvo o devido respeito por melhor opinião, não há ilicitude, pois, em bom rigor, o acordo não foi violado.

23.ª Saber se o acordo, homologado por sentença, foi, ou não, incumprido, depende desde logo da interpretação do mesmo, sendo certo que o acordo e a sentença homologatória são negócios formais, regendo o n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil, que consagrou um subsistema interpretativo para estes negócios, desviando-se da doutrina da impressão do destinatário, no sentido de um maior objectivismo, ao determinar que o sentido apurado segundo o princípio geral proclamado pelo n.º 1 do artigo 236.º, correspondente à impressão do destinatário, só vale, nos negócios formais, se tiver expressão, ainda que imperfeita, no texto do respectivo documento.

24.ª Ora, a proibição da Requerida de aquisição de bilhetes no regime privilegiado a que os autos aludem não tem qualquer expressão, ainda que imperfeita, no texto do documento – pelo que pode e deve entender-se que a sentença proferida no apenso E não impede a Recorrente de adquirir bilhetes em stand by, razão pela qual não há ilicitude no seu comportamento em causa nestes autos.

25.ª Em segundo lugar, não há culpa da Recorrente: até por causa da redacção que foi dada ao acordo, não há evidência que a progenitora tivesse a consciência de estar a violá-lo, ao adquirir bilhetes no regime mais benéfico dos familiares; pelo contrário, a Recorrente estava convencida que estava a cumprir o acordo, demonstrando ao Requerente a aquisição de bilhetes de ida para o Brasil e, principalmente, de volta a Portugal, para acalmar os receios manifestados por este de que não houvesse intenção de regressar e que a mãe subtraísse o menor.

26.ª Em terceiro lugar, o incumprimento não é grave, ponderando o superior interesse da criança, uma vez que é seguramente do interesse da criança poder viajar com a mãe, a custos muito reduzidos, beneficiando da circunstância de ser familiar de pilotos da aviação comercial – o que lhe permitirá conhecer o mundo, possibilidade que será obviamente salutar para o seu desenvolvimento harmonioso.

27.ª Posto isto, é fácil de concluir que a (suposta) proibição da progenitora de viajar com o menor com bilhetes de baixo custo, beneficiando ambos daquele privilégio, vai contra o superior interesse da criança.

28.ª Mais: Fundando-se tal impedimento de aquisição de bilhetes económicos num receio injustificado do pai de que a mãe não regresse, a imposição do progenitor é abusiva, por prejudicar o menor sem qualquer justificação racional.

29.ª Trata-se, na verdade, de um mero capricho do progenitor, que não merece a tutela do direito, excedendo os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social do direito, constituindo a pretensão deduzida neste apenso, de condenação da Recorrente por incumprimento do acordo obtido no apenso E, (caso se entenda que o direito existe) um abuso do direito, enquadrável no artigo 334.º do Código Civil - excepção que é de conhecimento oficioso, em qualquer fase do processo, e que determina a paralisação do mesmo e a improcedência do incidente.

30.ª O risco hipotético de privação do convívio com o pai nem sequer se verificou, em concreto, pois, como resulta dos autos, a Recorrente viajou para o Brasil, no dia 16.09.2024 regressando a 26.09.2023 (cfr. pontos 41. a 44. da matéria de facto), e o menor ficou com a mãe até ao dia 30.09.2023, altura em que o Requerente o foi buscar (cfr. pontos 48. a 50. da matéria de facto), pelo que o exacto dia do regresso do menor, melhor garantido por um bilhete normal, revelou-se, em concreto, irrelevante: o pai só o foi buscar quatro dias depois.

31.ª Donde se conclui que, na perspectiva do superior interesse do BB, a (suposta) violação do acordo não tem relevância que justifique a condenação da mãe em multa.

32.ª No que respeita à condenação em indemnização ao progenitor, também não deve ser mantida, porquanto não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, estabelecidos no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, faltando, pelos motivos expostos, a ilicitude e a culpa.

33.ª A condenação da Recorrente como litigante de má-fé. assenta exclusivamente no facto da Recorrente ter procedido à junção aos autos o e-mail de 09.09.2023, para prova da comunicação feita por ela ao progenitor, sabendo que esse e-mail não foi enviado, aludindo a sentença ao facto da Recorrente ter mentido e ter junto ao processo um documento justa-composto que falsifica essa demonstração.» (sic) – o que não corresponde à realidade, nem faz qualquer sentido.

34.ª Como resulta da fundamentação da decisão de facto, em plena audiência de julgamento, com a concordância da progenitora, foi feita uma análise ao seu telemóvel para comprovação do envio do e-mail de 09.09.2023 – que o progenitor negava ter recebido – e foi aí, nesse momento, que se constatou que o referido e-mail estava ainda na pasta de rascunho, ou seja, que afinal não tinha sido enviado, pelo que só nesse momento a Recorrente ficou ciente desses factos, ou seja, que o envio do e-mail falhara e que o mesmo tinha ficado como rascunho, e foi isso que admitiu ao tribunal.

35.ª Portanto, aquando da junção aos autos do referido e-mail, como Doc.1 do requerimento de 11.06.2024, a Recorrente estava plenamente convencida de que o dito email tinha sido enviado, razão pela qual o encaminhou para o escritório da sua mandatária, pelo que a Recorrente não mentiu, nem juntou aos autos qualquer «documento justacomposto» que «falsifica a demonstração», como se afirma erradamente na sentença recorrida.

36.ª Para além da manifestada má vontade e falta de urbanidade, para com a signatária, que é a responsável pela estratégia jurídica da defesa, apodada de inapta e inepta pelo Senhor Juiz, o certo é que o tribunal também não encontra a razão da junção de um documento falso, sem qualquer interesse.

37.ª Consequentemente, a decisão da matéria de facto deve ser alterada, nos termos acima assinalados, de onde resulta a inexistência de qualquer comportamento ilícito e culposo da Recorrente, que justifique a sua condenação como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, als. b) e d) do Código de Processo Civil, razão pela qual a Recorrente deve ser absolvida, nesta sede.

38.ª Ao decidir de forma diversa, o tribunal a quo violou, na decisão recorrida, as normas dos artigos 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 236.º, n.º 1, 238.º, n.º 1, 334.º e 483.º, n.º 1, do Código Civil e 542.º, n.º 2, als. b) e d) do Código de Processo Civil, devendo por isso ser dado provimento ao recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida, in totum.

3. O Mº Pº contra-alegou, concluindo que:

1. O presente processo iniciou-se por iniciativa processual do progenitor do menor BB com a apresentação de requerimento de incumprimento do regime da regulação das responsabilidades parentais imputado à progenitora do menor, alegando, em síntese, que progenitora do menor (aqui recorrente) com o seu comportamento entrou em incumprimento culposo do regime tutelar fixado por acordo de 12/04/2023 realizada no apenso E e quanto ao regime de viagens do menor para o Brasil;

2. Para decidir a referida questão o Tribunal a quo deu como provados os factos que se encontram exarados a fls. 4 e ss. da douta sentença ora em crise, datada de 04/10/2024;

3. A sentença proferida pelo Tribunal a quo apresenta-se exaustivamente fundamentada quer de facto quer de direito, considerando as exigências de fundamentação aplicáveis a uma decisão proferida no contexto dos autos, tendo a decisão em causa respeitado as regras adjectivas aplicáveis a este caso concreto;

4. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões de facto que importa decidir e contém todos os elementos de facto que lhe são exigíveis e que se afiguram pertinentes e relevantes para a decisão a tomar;

5. A apreciação da prova realizada pelo Tribunal a quo foi realizada de forma correcta, quer quanto à valoração do depoimento das testemunhas e das partes quer quanto à interpretação das provas documentais apresentadas;

6. A sentença proferida pelo Tribunal a quo acautela os superiores interesses do menor BB, designadamente para efeitos de futuras situações de incumprimento do determinado no regime de regulação das suas responsabilidades parentais;

7. A recorrente parece pretender impor a sua versão dos factos ao Tribunal e por essa via chegar a conclusões diferentes daquelas que foram tiradas na sentença ora recorrida;

8. A condenação da recorrente como litigante de má-fé, encontra-se estribada nas exigências legais e na formulação dos factos dados como provados, máxime nos pontos 36, 36, 51 e 58, os quais se encontram correctamente dados como provados.

Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

Desta forma se fazendo JUSTIÇA.

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4. Foram proferidos 2 despachos pelo Relator, um que não admitiu o recurso relativamente à indemnização de 500 €, e outro relativamente à não admissão de 2 documentos juntos pela recorrente, com as suas alegações.

A recorrente, requereu a intervenção da conferência, pedindo a admissão do recurso e a admissão do doc. nº 2.

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II - Factos Provados

 

A) DOS ANTECEDENTES PROCESSUAIS DO REGIME TUTELAR CIVEL E DO ACORDO DO APENSO E

1. BB, nascido em ../../2021, é filho da requerente CC e do requerido AA.

2. Em 19-10-2021, por acordo entre os progenitores, fixou-se o seguinte regime provisório de regulação das responsabilidades parentais do menor BB:

1.º - O exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor BB compete a ambos os progenitores, nomeadamente quanto às questões de particular importância, como seja a requisição de passaporte ou a alteração de residência/área geográfica do menor;

2.º - Os progenitores, nomeadamente a progenitora, compromete-se a informar o outro progenitor de todas as questões relacionadas com as rotinas do BB, comprometendo-se a comunicar exclusivamente quanto a assuntos relacionados com o menor;

3.º - O progenitor poderá estar com o BB pelo menos um dia por semana, preferencialmente ao sábado ou ao domingo, comprometendo-se a ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo entre as 18:00 horas e as 19:00 horas, sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores;

4.º - A partir de 13 de Novembro, o progenitor poderá estar com o menor BB e pernoitar com o mesmo de 15 em 15 dias, sem prejuízo dos convívios semanais, comprometendo-se nesse fim de semana a ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10:00 horas e as 11:00 horas de sábado e a entregá-lo em casa da progenitora entre as 17:00 horas e as 18:00 horas de domingo;

5.º - O progenitor poderá contactar com o menor diariamente, por chamada telefónica ou videochamada, entre as 18:00 horas e as 19:00 horas, sem prejuízo do normal descanso do menor e sem prejuízo de outro acordo ou disponibilidade de ambos os progenitores;

6.º - Aquando da entrega do menor, a progenitora compromete-se a entregar o documento de identificação do menor, o boletim de vacinas e o livro azul, comprometendo- se o progenitor a devolvê-los novamente aquando da entrega à progenitora;

7.º - O período festivo do Natal (24 e 25 de Dezembro) será passado com ambos os progenitores sendo a véspera a passar com a progenitora e o dia de Natal com o progenitor, comprometendo-se este a ir buscar o menor entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo entre as 18:00 horas e as 19:00 horas;

8.º - O período festivo do ano novo (31 de Dezembro e 01 de Janeiro) será passado com ambos os progenitores sendo a véspera a passar com a progenitora e o dia de ano novo com o progenitor, comprometendo-se este a ir buscar o menor entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo entre as 18:00 horas e as 19:00 horas;

9.º - O progenitor pagará a título de pensão de alimentos a quantia de € 100,00 (cem euros), a pagar por transferência bancária para o IBAN da progenitora até ao dia 08 do mês a que disser respeito, com início no mês de Outubro, devendo a prestação relativa ao mês de Outubro ser paga até ao dia 22;

10.º - As despesas médicas e medicamentosas serão suportadas em metade por cada progenitor, na parte não comparticipada, mediante a apresentação do respetivo comprovativo da despesa comprometendo-se o outro progenitor ao pagamento da sua metade no prazo de 10 dias após a apresentação do comprovativo.

3. Após, no âmbito dos autos principais e apensos, foram arguidos vários incidentes de não execução do regime provisório.

4. Por despacho de 27-01-2022, o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais do menor BB foi alterado nos seguintes termos:

4.º - O progenitor poderá estar com o menor BB, sem pernoita, de 15 em 15 dias, sem prejuízo dos convívios semanais, comprometendo-se, se puder e tiver disponibilidade, a ir buscar o menor a casa da progenitora, consecutivamente ao sábado e domingo, entre as 10:00 horas e as 11:00 horas e a entregá-lo em casa da progenitora entre as 18:00 horas e as 19:00 horas, devendo avisar previamente a progenitora quando não puder em algum desses dias.

5. Por despacho de 24-06-2022, o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais do menor BB foi alterado nos seguintes termos:

4.º - Com início no fim de semana de 2 e 3 de julho de 2022, o progenitor poderá estar com o menor BB, com pernoita, de 15 em 15 dias, sem prejuízo dos convívios semanais, comprometendo-se a ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10:00 horas e as 11:00 horas de sábado e a entregá-lo em casa da progenitora entre as 17:00 horas e as 18:00 horas de domingo.

Qualquer alteração, atraso ou impedimento do progenitor deverá ser comunicada previamente à progenitora.

O progenitor poderá estar com o menor BB, com pernoita de 8 dias (7 noites), durante uma semana de férias em agosto, a comunicar à progenitora e/ou por intermédio dos Ilustres mandatários, até 15 de julho de 2022, sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores.

Após o período de uma semana de férias, o progenitor retomará os convívios, com pernoita, no fim de semana, devendo o menor passar o primeiro fim de semana a seguir à semana de férias com a progenitora e o seguinte com o progenitor, e assim sucessivamente (ex: se a semana de férias terminar no fim de semana de 19 a 21 de agosto, o progenitor voltará a estar com o menor no fim de semana de 3 e 4 de setembro).

6. Por sentença proferida nos autos principais a 20-09-2022, transitada em julgado, foi DETERMINADA A REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS RELATIVAS AO MENOR BB, nascido em ../../2021, nos seguintes termos:

A. DA RESIDÊNCIA E DA GUARDA.

i) O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida do menor, compete a ambos os progenitores, sem prejuízo das situações de urgência manifesta; abrangendo tais questões:

a) Alteração de morada de residência para fora do concelho de residência habitual;

b) Decisões sobre intervenções cirúrgicas na criança (incluindo estéticas);

c) Saída da criança para o estrangeiro;

d) Requisição de passaporte;

e) Saída da criança para países em conflito armado de onde possa advir perigo para a sua vida;

f) Obtenção de licença de condução de ciclomotores;

g) Escolha de ensino particular ou oficial para a escolaridade da menor;

h) Decisões de administração que envolvem oneração;

i) Educação religiosa da criança até atingir os 16 anos de idade;

j) Autorização parental para contrair casamento;

k) Exercício de atividade laboral pela criança até atingir os 16 anos de idade;

l) Exercício do direito de queixa-crime em representação da criança enquanto esta tiver menos de 16 anos de idade, exceto caso um dos progenitores for o agente do crime praticado contra a criança;

m) Orientação profissional do menor.

n) Participação em programas de televisão que possam ter consequências negativas para a criança.

a) O menor ficará a residir com ambos os progenitores em regime de guarda partilhada, com alternância semanal, devendo o progenitor não residente ir buscar o menor ao sábado entre as 17h e as 18h, a casa do progenitor residente, sem prejuízo de outro acordo entre os progenitores, devendo o regime de guarda partilhada/alternada (semanal) iniciar-se no dia 1 de outubro de 2022, passando o menor a semana seguinte com o progenitor.

ii) Compete ao progenitor residente a decisão sobre os atos da vida corrente do menor.

iii) Até dia 1 de outubro vigora o regime provisório fixado por despacho de 23-06-2022.

B. CONVÍVIO, CONTACTOS E VISITAS

i) Durante a semana com o progenitor residente, o progenitor não residente poderá contactar o menor diariamente através de chamada telefónica ou por vídeo chamada, entre as 18h e as 20h sem prejuízo do período normal de descanso do menor, da frequência escolar e das suas rotinas pessoais e familiares; não podendo a chamada/contactos durar mais de 15 minutos, sem prejuízo de outro acordo entre os progenitores e ou do envio de vídeos por redes sociais;

ii) O progenitor não guardião no período semanal poderá, caso se encontre na respetiva localidade, estar e visitar o BB, podendo realizar pelo menos uma refeição diária por semana com o menor – lanche, comprometendo-se a entregar o menor após essa refeição e no máximo até as 18h30min., preferencialmente à quarta-feira; devendo para o efeito comunicar previamente com o progenitor guardião, e sem prejuízo do período normal de descanso e de frequência pré-escolar do menor.

iii) O menor passará com cada um dos progenitores metade das férias escolares, podendo passar um período consecutivo de 15 dias nas férias escolares de verão, e sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores, retomando-se logo após o regime de guarda alternada;

iv) O menor passará o período do Natal (24 e 25-12) de ano novo (31-12 e 01-01), em dias alternados com cada um dos progenitores, e sem prejuízo de outro acordo pontual entre os progenitores, sendo que o progenitor deve ir buscar o menor a casa da progenitora entre as 10h00min. e as 11h00min. do dia 25-12 de 2022, e comprometendo-se a progenitora a ir buscar o menor a casa do progenitor entre as 10h00min. e as 11h00min. do dia 1 de janeiro de 2023.

C. ALIMENTOS

i) Cada um dos progenitores é responsável pelos encargos relativos aos alimentos do menor durante o período da respetiva residência, sem prejuízo de outro acordo entre os progenitores, nomeadamente quanto à aquisição de vestuário, material lúdico ou didático;

ii) Ambos os progenitores comparticiparão em metade do valor das despesas escolares, médicas e medicamentosas e outras de saúde realizadas com o menor, mediante apresentação de comprovativo da despesa, com indicação de NIF do menor, e na parte não coberta por regime assistencial ou por contrato de seguro, que abranja o menor, comprometendo-se o outro progenitor a pagar a sua metade no prazo de 10 dias, por transferência/depósito bancário;

iii) Quaisquer outros encargos com atividades extracurriculares – por exemplo explicações ou atividades desportivas, serão suportadas em metade por ambos os progenitores, desde que tenham previamente consentido nessa despesa.

D. COMUNICAÇÕES e NOTIFICAÇÕES.

i) No exercício das responsabilidades parentais ambos os progenitores devem comunicar entre si em assuntos exclusivamente relacionados como o menor, e preferencialmente através de rede social ou por correio eletrónico;

ii) Ambos os progenitores devem prestar informação ao outro progenitor sobre a saúde, educação e outros assuntos pessoais do menor com periodicidade semanal;

iii) Ambos os progenitores devem manter atualizados os contatos indicados nos autos, nomeadamente a residência, com expressa advertência de que, caso seja deduzido algum incidente de incumprimento que não implique a alteração da regulação das responsabilidades parentais, se determinará a notificação do progenitor requerido por carta registada simples.

7. A progenitora recorreu da sentença, tendo sido confirmado, por Acórdão de 28-02-2023, o regime de guarda partilhada.

8. Até à sentença de 20-09-2022, estiveram em vigor sucessivos regimes provisórios de guarda do menor junto da progenitor, com sucessivos incumprimentos do regime de convívios com o progenitor e execução dos regime provisórios.

9. Em 10-03-2022, decorridos 10 dias da prolação do Acórdão, foi instaurado processo de promoção e proteção na CPCJ ..., na sequência de sinalização por parte da progenitora, dando conta que o progenitor não teria as necessárias competências para cuidar do filho.

10. A progenitora, em entrevista na CPCJ, fez referência a condutas de ameaça por parte do progenitor, incidentes nos convívios e guarda partilhada do menor; comportamentos precoces sexualizados do menor, com indicação de que pretendia rever o regime de guarda.

11. No âmbito do apenso B, por despacho de 09-09-2022, tendo sido cumprido o devido contraditório sem que os progenitores ou menor se pronunciassem sobre a promoção de arquivamento; considerando as informações e conclusões vertidas no RELATÓRIO SOCIAL DE DIAGNÓSTICO, junto a 22-07-2022 [8910135]; considerando que dos elementos trazidos aos autos não decorria uma situação emergente ou premente de perigo para o menor; considerando que a situação de facto que determinou a pendência processual dizia respeito apenas ao conflito parental quanto à guarda e processo tutelar cível; e que o mesmo não gerava fatores de desproteção do menor junto destes progenitores; considerando a vigência de regime tutelar cível provisório, considerando que nada nos autos legitimava ou sustentava a necessidade da manutenção da intervenção ou da tutela judiciária para garantia da proteção do BB nem se impunham outras averiguações a realizar, foi determinado o arquivamento dos autos de promoção e proteção a correr termos no apenso B.

12. O despacho de arquivamento transitou em julgado sem recurso.

13. No âmbito do apenso F, o MINISTÉRIO PÚBLICO veio solicitar a reabertura do PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO em benefício do menor BB, após falta de prestação de consentimento pelo progenitor e remessa do processo pela CPCJ.

14. No âmbito do apenso F, por despacho de 02-10-2023, após elaboração de relatórios sociais de avaliação diagnóstica pelo Centro Distrital de Leiria e pelo Centro Distrital de Coimbra, aderindo aos fundamentos expostos na vista do Ministério Público e tendo sido cumprido o devido contraditório; considerando as informações vertidas nos relatórios de diagnóstico; considerando que dos elementos trazidos aos autos não decorria uma situação emergente ou premente de perigo para o menor; considerando que a intervenção judicial foi determinada por remessa do processo pela CPCJ com proposta de arquivamento; considerando a existência de litígios entre os progenitores de natureza tutelar cível, considerando que nada nos autos legitimava ou sustentava a necessidade da manutenção da intervenção ou da tutela judiciária para garantia da proteção do menor nem se impunham outras averiguações a realizar, é nosso entendimento não subsiste situação de perigo para o menor e que determine a manutenção/aplicação de uma medida de promoção e proteção, foi determinado o arquivamento dos autos de promoção e proteção a correr termos no apenso B.

15. O despacho de arquivamento transitou em julgado sem recurso.

*

16. Por sentença proferida em 03-03-2023 no âmbito do apenso A, transitado em julgado por confirmação na Relação de Coimbra, foi julgado PARCIALMENTE O PROCEDENTE O INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO relativo ao Apenso A), e, em consequência, declarar o incumprimento, pela Requerida progenitora, CC, do regime provisório das questões de particular importância e por referência à requisição de passaporte, CONDENANDO a Requerida progenitora, em consequência e nos termos do art.º 41.º, n.º 1 do RGPTC, no pagamento de uma multa processual de 0,5UC, ABSOLVENDO-A DO DEMAIS PETICIONADO no apenso A).

17. Por sentença proferida em 03-03-2023 no âmbito do apenso A, transitado em julgado por confirmação na Relação de Coimbra, foi julgado TOTALMENTE O PROCEDENTE O INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO relativo ao Apenso C), e, em consequência, declarar o incumprimento, pela Requerida progenitora, CC, do regime provisório de convívios do progenitor, CONDENANDO a Requerida progenitora, em consequência e nos termos do art.º 41.º, n.º 1 do RGPTC, no pagamento de uma multa processual de 3UCs E no pagamento de uma indemnização no valor de 300,00€ (trezentos euros), ao progenitor Requerente, no prazo de 15 dias a contar do trânsito da decisão.

18. A progenitora recorreu da sentença proferida nos apensos A), C) e D) e, após recusa do recurso.

*

B) DO ACORDO DO APENSO E

19. No apenso E, considerando o objeto dos autos (falta de acordo para deslocação ao estrangeiro), o Tribunal propôs consensualização por atenção ao direito de livre circulação do menor e ao contexto do conflito entre os progenitores: prestação de autorização pelo progenitor para a emissão de passaporte e sujeição da progenitora a dever de informação, com a antecedência mínima de 5 dias, quanto a qualquer viagem para o Brasil ou outro destino no estrangeiro, concretizando local e período da deslocação, e bem assim contactos, juntando comprovativo de aquisição de bilhete de ida de volta para o menor.

20. Nesse seguimento e após debate foi obtido o acordo na conferência de pais de 12-04-2023 realizada no apenso E, homologado por sentença, no qual ficou acordado que:

1.º - O progenitor presta acordo e consentimento quanto à emissão de passaporte em nome do menor BB, devendo a progenitora informar o progenitor do requerimento e da sequente emissão de passaporte até 10 dias, sem prejuízo de outro acordo entre os progenitores;

2.º - Caso a progenitora pretenda deslocar-se com o menor para o estrangeiro, nomeadamente para o Brasil, deverá informar o progenitor com a antecedência mínima de 5 dias dessa pretensão, mais se comprometendo a apresentar comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora;

3.º - A progenitora compromete-se a informar o progenitor com a mesma antecedência de 5 dias do local onde o menor estará no estrangeiro e de respetivos contactos locais no estrangeiro;

4.º - Durante a estadia do menor no estrangeiro, o progenitor poderá contactar telefonicamente ou por videochamada com o menor, pelo menos em duas alturas DO DIA diferentes, não podendo a chamada durar mais do que 10 minutos e sem prejuízo do período normal de descanso do menor ou de outras rotinas pessoais e familiares que impeçam no momento tal chamada;

5.º - Caso a progenitora não regresse com o menor na data previamente agendada (data do bilhete de regresso), compromete-se no pagamento ao progenitor de sanção pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso;

6.º - Caso se verifique alguma impossibilidade objetiva, não imputável à progenitora deverá a mesma informar de imediato o progenitor dessa impossibilidade objetiva apresentando nova data prevista para o regresso do menor a Portugal..

21. Tal acordo foi obtido por consensualização expressa dos progenitores quanto à necessidade de apresentação de tais comprovativos, debatendo-se, também expressamente, a essencialidade para o consentimento do progenitor de se tratarem de bilhetes de avião pagos e adquiridos.

22. O contexto do litigio impôs, neste seguimento, que tal cláusula constasse do acordo.

23. O acordo de 12-04-2023 do apenso E não determinava a entrega de comprovativo de reserva.

24. A obrigação de entrega de "comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora" teve como pressuposto que a autorização era prestada no pressuposto que a progenitora viajaria com o BB no regime do público geral e não através de bilhetes de familiar de funcionário de companhia aérea.

25. O titular de um bilhete deste tipo pode ser impedido, na porta de embarque, caso os passageiros com bilhetes "normais" tenham embarcado e preenchido a totalidade dos lugares disponíveis.

26. A progenitora diligenciou pela reserva de 2 bilhetes de avião de ida e volta para o Brasil entre os dias 15 e 26 de setembro.

27. Por conveniência própria decorrente da relação familiar com piloto de aviação civil, essa aquisição foi em regime de R2 STAND BY na companhia Azul.

28. O regime de R2 STAND BY não permite qualquer certeza ou segurança de que à reserva corresponda nos dias dos voos de ida e de regresso um efetivo lugar nesse voo;

29. O regime de R2 STAND BY permite a aquisição de bilhetes a um preço mais económico, com a contrapartida da indefinição de efetivo lugar nos voos, e que só pode ser confirmado no dia do check in.

30. A progenitora podia ter optado por outro regime de compra de bilhetes, mais dispendioso.

31. A existência de lugar no voo de ida e de regresso não depende da reserva, e sim da lotação dos respetivos voos.

32. Este regime, escolhido pela progenitora para a sua devida conveniência económica, não confere certeza de que o regresso se faça na data marcada.

33. Não realizando o check in, o dinheiro pago por reservas STAND BY é devolvido ou restituído.

34. Este tipos de reservas são adquiridas sempre a preços reduzidos comparativamente aos bilhetes do público em geral.

35. No dia 09-09-2023, a progenitora não fez a entrega ao progenitor do comprovativo de aquisição, mas sim um comprovativo de reserva, cujo estado é "standby".

36. Em 15-09-2023, ao dispor de bilhetes em regime de R2 STAND BY, a progenitora sabia que iria viajar com o menor em violação do acordo de 12-04-2023 realizada no apenso E.

*

37. No dia 09-09-2023, a progenitora, por mensagem, deu conhecimento ao progenitor de que ia deslocar-se com o BB ao Brasil entre os dias 15 e 25 de Setembro, indicando a morada e o contacto telefónico durante esse período, conforme documento 1 junto com requerimento de 28-05-2024 [10842354], que aqui se dá por reproduzida.

38. Além disso, a progenitora referia na mensagem, que enviava em anexo os respetivos bilhetes aéreos.

39. A requerida juntou print screen de uma aplicação, onde constavam duas reservas, uma em nome da progenitora e outra em nome do BB, conforme documento 2 junto com requerimento de 28-05-2024 [10842354], que aqui se dá por reproduzida.

40. A duração da viagem não seria de 15 a 25 de setembro - como a requerida escreveu ao requerente na dita mensagem (e reiterou no requerimento de 14/09/2023) - mas sim até 26 de Setembro, ou seja, 11 dias, ultrapassando 10 dias.

*

41. A progenitora procedeu à aquisição de bilhetes de dia e volta para o Brasil após a prolação dos despacho de 14-09-2023 e de 15-09-2023 e após notificação processual.

42. Em 15-09-2023, a requerida enviou a mensagem ao requerente, questionando se o mesmo autoriza a viagem do BB entre 16 e 26 de Setembro.

43. A que o requerente respondeu que autorizaria, com a condição de que lhe fosse remetido comprovativo dos bilhetes normais de ida e volta e a viagem durar até ao máxima de 10 dias.

44. No mesmo dia, a requerida enviou ao requerente o comprovativo dos bilhetes, prevendo uma viagem com a duração de 11 dias, e enviou ao Tribunal um requerimento a dar conta do acordo alcançado.

*

45. A atuação da requerida causou ao requerente ansiedade, angústia, tristeza, frustração e revolta.

*

46. A escolha das datas da referida viagem teve como intuito visitar família materna no brasil, marcar presença no aniversário do sobrinho da Requerida, primo do BB, e possibilitar a realização de uma reunião de trabalho que já se encontrava agendada.

*

47. A requerida viajou com o menor durante a semana de convívios do mesmo com o requerente e esteve com a progenitora durante 3 semanas seguidas de residência.

48. O requerente tinha a expetativa de obter período de residência de 2 semanas após o regresso do menor.

49. O requerente foi buscar a criança no dia 30 de Setembro e avisou a requerida que o entregaria no dia 21 de Outubro.

50. A requerida opôs-se a que a criança estivesse com o progenitor igual período de tempo.

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C) DA LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ

51. Por requerimento de 13-09-2023 [10055457], o Requerente progenitor AA veio instaurar incidente de incumprimento de acordo de regulação das responsabilidades parentais da criança BB, nascido em ../../2021, e referente a questão de particular importância, requerendo, a TÍTULO CAUTELAR, atenta a iminente proximidade da data de partida, que fossem entidades competentes - mormente o SEF, junto do Aeroporto de Lisboa - notificadas para impedir a saída do território nacional de BB, caso o mesmo seja titular de bilhetes em estado "standby" ou de alguma forma de viagem não confirmada, mais requerendo que se declare o incumprimento e seja a progenitora sancionada em multa e indemnização.

52. Por requerimento de 14-09-2023 [10059802], a requerida respondeu, sem juntar comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora), nos termos seguintes:

1.º

A Requerida deu conhecimento ao progenitor no passado dia 8, ou seja, com mais do que cinco dias de antecedência, que se iria deslocar ao Brasil no período compreendido entre 15 e 25 de Setembro de 2023, tendo, aquando de tal comunicação, remetido os respectivos bilhetes aéreos e dado conhecimento da morada e contactos locais do lugar onde vão ficar alojados (cfr. doc. n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido).

2.º

Factualidade que também foi dada a conhecer à Ilustre Advogada do Requerente pela Mandatária da Requerida (cfr. doc. n.º 2).

3.º

Na sequência de tal comunicação, o Requerido solicitou, além do mais, que a progenitora procedesse ao envio de um documento do qual constasse o número de voo e respectivos lugares atribuídos (cfr. doc. n.º 3).

4.º

Sucede que, a Requerida já havia procedido ao envio de toda a documentação de que dispunha, a qual lhe foi remetida por email, da qual consta, além do mais, o solicitado número do voo, não tendo, no entanto, a indicação de lugar atribuído, em virtude de tal não ser possível atendendo a que ainda não realizou o check-in.

5.º

Ou seja, a Requerida só terá conhecimento dos respectivos lugares após fazer o check-in, o que, como é de conhecimento comum, é feito no dia do próprio voo e antes do embarque.

6.º

Por essa razão e, não obstante não ter ficado obrigada a fazê-lo, a Requerida disponibilizou-se para proceder ao envio do “boarding pass” assim que o tiver, o que sucederá instantes antes do embarque, do que a sua Mandatária deu conhecimento à Ilustre Advogada do progenitor.

7.º

Não obstante ter sido remetida toda a documentação necessária, a Mandatária da Requerida procedeu ainda ao envio do documento respeitante à transacção efectuada à Ilustre Mandatária do progenitor (cfr. doc. n.º 4).

8.º

Lamentavelmente, o progenitor faz tudo para obstaculizar e impedir a realização desta viagem, que está marcada e organizada e que gerou grandes expectativas a toda a família, estando o BB entusiasmadíssimo por ir andar pela primeira vez de avião assim como por ir ver a restante família materna.

9.º

Deixando-se ainda consignado que a progenitora compromete-se a enviar também ao Tribunal o boarding pass aquando do check-in de ida e de regresso." (sublinhado nosso).

53. Aquando do requerimento de 14-09-2023 [10059802], a requerida sabia que a viagem começava em 15 e só termina em 26 de Setembro.

54. Aquando do requerimento de 14-09-2023 [10059802], e a requerida sabia que não tinha remetido ao progenitor qualquer email, sendo falso o alegado em 4.º do requerimento de 14-09-2023 [10059802].

55. O único documento que a requerida entregou ao requerente foi o que consta como documento 2 junto com requerimento de 28-05-2024 [10842354], que aqui se dá por reproduzida.

56. Por requerimento de 11-06-2024 [10878613], a requerida procedeu à junção de documento, e epigrafado como email, e no qual se pode ler:

Enviado: sábado, 9 de setembro de 2023 13:30

Para: AA <..........@.....>

Assunto: Viagem ao Brasil

Exmo. Senhor AA

Na sequência do que ficou estabelecido em Tribunal, informo que irei deslocar-me ao Brasil com o BB entre os dias 15 e 25 de Setembro, tendo, para o efeito, adquirido os respectivos bilhetes aéreos, que anexo.

Assim, em cumprimento do regime judicial que se encontra fixado, informo que durante esse período o BB poderá ser encontrado na morada que infra indico:

– Rua ..., ..., ..., cujo contacto local é o seguinte:

...18.

Sem outro assunto.

Atenciosamente,

CC

57. A requerida sabia que nunca enviou tal email.

58. A requerida sabia que aquele documento, junto por si ao processo com o requerimento de 11-06-2024 [10878613], era falso.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Questões prévias.

- Alteração da decisão da matéria de facto.

- Incumprimento culposo da recorrente do regime tutelar fixado por acordo de 12.4.2023 realizado no apenso E quanto ao regime de viagens do menor para o Brasil.

- Litigância de má fé.

2.1. Relativamente à não admissibilidade do recurso, na parte acima referida, escreveu-se no respectivo despacho que: 

“1. Na decisão apelada, a requerida foi condenada: i) ao abrigo do art. 41º, nº 1, do RGPTC, no pagamento de uma multa processual de 5 UC; ii) ao abrigo do mesmo dispositivo no pagamento de uma indemnização no valor de 500 €, ao requerente; iii) como litigante de má-fé na multa processual de 2 UC.

A requerida interpôs recurso da decisão, abarcando os referidos 3 segmentos, pedindo que a revogação da decisão in totum (cfr. conclusões de recurso 1ª e 38ª).

O recurso foi admitido in totum, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Foi admitido o recurso relativamente à 1ª e 3ª condenação atrás indicadas.

Relativamente à 2ª condenação, face à sucumbência prevista no disposto no art. 629º, nº 1, do NCPC, afigurou-se que o recurso seria inadmissível. Assim, determinou-se a audição das partes.

O Mº Pº pronunciou-se no sentido de essa parte da condenação ser irrecorrível.

A requerida defendeu a recorribilidade, porquanto o incumprimento em causa respeita ao regime de questões de particular importância, não tendo expressão económica directa, tratando-se de um incidente que respeita a direitos indisponíveis, pelo que a regra da sucumbência não se aplica, ainda que a recorrente tenha sido condenada numa indemnização de valor inferior a metade da alçada do tribunal da primeira instância.

Aliás, a jurisprudência maioritária defende que mesmo no caso de incumprimento de obrigação de alimentos, o valor do incidente é o correspondente aos autos principais e que, portanto, o recurso é admissível independentemente do valor em dívida e em discussão, conforme os Acds. da Rel. do Porto de 12.10.2020, Proc.2601/19.4T8AVR, Rel. de Évora de 13.1.2022, Proc.1790/20.0T8STR-D, e Rel. de Coimbra de 7.2.2023, Proc.435/22.8T8PBL-B.C1, em www.dgsi.pt.

2. Independentemente de ser ou não uma questão de particular importância, a regra estabelecida no art. 629º, nº 1, do NCPC, que fixa os requisitos gerais de admissibilidade dos recursos é para ser observada. As excepções prevê-as a lei e nenhuma prevê dispensa dos requisitos gerais na indicada matéria.

Os acórdãos invocados pela requerida respeitam todos ao valor da causa, com observação da regra do art. 303º, nº 1, do NCPC, que dita o valor da causa em 30.000,01 €, como valor da acção sobre o estado das pessoas.

O presente incidente tem esse valor, pelo que chamar à colação tais arestos é inútil. Situação diferente é a questão da sucumbência, prevista como pressuposto geral no indicado 629º, nº 1 (mesmo o acórdão da Rel. Porto, de 12.10.2020, invocado pela requerida a seu favor chama a atenção para tal aspecto).

Ora, face à sucumbência de 500 € o recurso não é admissível, na parte referida. E mesmo o recurso quanto ao resto da decisão que impôs multas, por incumprimento e por litigância de má fé, só é excepcionalmente admissível porque lei expressa o prevê.

Assim, é forçoso concluir que não cabe recurso da decisão apelada na parte de que nos ocupamos.

3. Pelo exposto, nos termos dos arts. 652º, nº 1, b), e 655º, nº 1, do NCPC, não se admite o recurso da requerida do 2º segmento decisório, que condemou a mesma no pagamento de uma indemnização no valor de 500 €, ao requerente.”.

Na reclamação para a conferência, a recorrente usa exactamente a mesma argumentação, à que anteriormente tinha apresentado, sem tirar nem pôr. Nada de novo tal argumentação aportou aos autos.

Por consequência, é de manter o despacho reclamado, indeferindo-se a dita reclamação (art. 651º, nº 3, 2ª parte, e nº 4, 1ª parte, do NCPC).

2.2. Respeitante à não admissão dos 2 docs., na parte acima referida, escreveu-se no respectivo despacho que:

“1. Com o recurso a requerida juntou 2 docs.

Dispõe a lei processual, no art. 651º, nº 1, do NCPC, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425º (docs. cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da audiência) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude de julgamento proferido em 1ª instância.

A requerida recorrente apresentou justificação meramente conclusiva para a apresentação de tais 2 docs., que menciona nos pontos 20. e 102., do corpo das suas alegações, nem no final das conclusões de recurso que apresenta.

Só por esta circunstância a admissão de tais docs. teria de ser rejeitada.

De qualquer maneira sempre se dirá, de modo breve, o seguinte:

(…)

- o doc. nº 2, um email, foi enviado pela requerida/recorrente à sua advogada em 7.6.2024. Como o encerramento da audiência se deu em 18.9.2024, resulta patente que o mesmo já poderia ter sido junto aos autos até ao apontado momento.

2. Pelo exposto, não se admite a junção aos autos, em recurso, tais docs. (que se encontram a fls. 195/197), ordenando-se o seu desentranhamento e devolução à recorrente apresentante.”.

Na reclamação para a conferência, a recorrente defende que junção do doc. nº 2 deve ser admitida, porquanto no corpo das alegações do recurso explicou claramente a razão pela qual se mostrou necessária a junção de tal doc., pois o tribunal considerou que outro documento que havia sido junto aos autos era «documento justa-composto», e visou contrariar esta conclusão da sentença recorrida, e por causa dela é que foi requerida a junção de tal documento, por só com tal decisão a junção se ter tornado necessária, permanecendo nas conclusões a questão a que ele respeita.

Os 2 argumentos que a recorrente usa são similares aos que anteriormente tinha apresentado. Pelo que importa responder assim:

- como mais acima se disse, o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes. Nas conclusões, em lado algum se menciona a junção do referido doc. nº 2 (embora se mencione o mesmo no corpo das alegações), e era esta referência e pedido de junção que interessava formular, ao longo da exposição de cada conclusão (ou grupo de conclusões) ou no final das conclusões. Acrescido da respectiva justificação jurídica à sombra do art. 651º, nº 1, do NCPC, o que não aconteceu de todo.

- como resulta da fundamentação jurídica (infra transcrita) a recorrente foi condenada como litigante de má fé, atentos os factos provados 56., 57. e 58. Ou seja, por referência ao identificado email de 9.9.2023, apresentado com o requerimento de 11.6.2024. O doc. nº 2, que se pretende juntar é um email enviado pela requerida/recorrente à sua advogada em 7.6.2024. Que podia e devia ter sido junto aos autos já com este requerimento de 11.6.2024. E como o encerramento da audiência se deu em 18.9.2024, resulta patente que o mesmo poderia, também, ter sido junto aos autos até ao apontado momento. Tanto mais que a recorrente invoca na sua conclusão de recurso “34.ª Como resulta da fundamentação da decisão de facto, em plena audiência de julgamento, com a concordância da progenitora, foi feita uma análise ao seu telemóvel para comprovação do envio do e-mail de 09.09.2023 – que o progenitor negava ter recebido – e foi aí, nesse momento, que se constatou que o referido e-mail estava ainda na pasta de rascunho, ou seja, que afinal não tinha sido enviado, pelo que só nesse momento a Recorrente ficou ciente desses factos, ou seja, que o envio do e-mail falhara e que o mesmo tinha ficado como rascunho, e foi isso que admitiu ao tribunal.”. É caso para afirmar, então se foi constatado em plena audiência de julgamento – a sessão de 27.6.2024 - que o email não foi enviado, porque não foi logo nessa audiência junto aos autos o doc. nº 2 que ora se pretende juntar ? Ou seja, a recorrente teve oportunidade de juntar o indicado doc. nº 2 em três ocasiões: 11.6.2024; 27.6.2024; 18.9.2024. O que não aconteceu.

Não pode é agora querer juntá-lo fora da previsão legal. Por consequência, não pode é afirmar-se, com aparente candura, como faz a recorrente, que a junção pretendida se tornou necessária em virtude do julgamento proferido !.

Assim, é de manter o despacho reclamado, indeferindo-se a dita reclamação (art. 651º, nº 3, 2ª parte, e nº 4, 1ª parte, do NCPC).

3. A recorrente impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 28, 29., 30., 32., 36., 54., 57. e 58., propondo alteração da respectiva redacção, quanto aos primeiros sete factos e eliminação do 58., com base nas declarações da recorrente e depoimentos das testemunhas HH e EE, seus pais, e de FF seu primo (cfr. as conclusões de recurso 2ª a 20ª).

Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal exarou que:

“O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada e não provada, por referência á matéria assente pelo exercício de contraditório e prova documental probatória junta, não impugnada, quanto à comunicação e realização da deslocação do menor ao Brasil de 15 a 26 de setembro alterada para 16 a 26 de setembro, na análise das declarações dos progenitores produzidas nos autos, e por mera consulta dos autos principais, apensos A, C e D, E e F, aqui por homenagem ao princípio de aquisição probatória e à natureza do processo enquanto jurisdição voluntária.

Por conseguinte, pela sua não impugnação ou infirmação de valor e aproveitamento probatório, a factualidade provada decorre, em primeira linha, da instrução documental trazida pelos articulados de alegações dos progenitores, subtraídas as alegações de teor argumentativo, conclusivo ou de Direito acerca do cumprimento do acordo de 12-04-2023 do apenso E e/ou da imputação culposa à progenitora

A documentação junta pelas partes nos requerimentos de 13-09-2023 [10055457], de 14-09-2023 [10059802], de 28-05-2024 [10842354], e de 11-06-2024 [10878613], devidamente conjugada e sujeita a contraditório e esclarecimentos das partes, não permite qualquer dúvida, tergiversão ou reserva quanto às circunstâncias temporais da viagem, da reserva e aquisição de reserva, do cumprimento e circunstâncias do cumprimento do dever de informação, e da respetiva tramitação processual.

Sobre o objeto dos presentes autos, além das declarações das partes em conferência e julgamento, foram prestados depoimentos a DD, pai da requerida e piloto de aviação civil reformado, EE, mãe da requerida, e FF, primo da requerida.

Com o devido respeito, quanto ao presente incidente, tais depoimentos revelaram-se de nulo, inútil ou impertinente proveito, limitando a sua inquirição a obter respostas destas 3 testemunhas, por via da respetiva razão de ciência laboral ou familiar, sobre a natureza das reservas obtidas pela progenitora. Por conseguinte, a custo e elevado preço da respetiva credibilidade, verosimilhança e equidistância, tais testemunhas vieram a Tribunal defender, assertivamente, que tais reservas, obtidas por privilégio de função e com um custo de aquisição muito favorável, não apresentam qualquer risco na realização da viagem, qualificando tal risco como “impossível” atento o número diário de voos para o Brasil operado a partir de Lisboa.

Ora, estando evidente, clara e incontestada a natureza contingente e condicional de tais reservas – caso o voo não fique lotado, este Tribunal tentou, por instâncias de inquirição, notar à testemunhas que o regime destes bilhetes é, objetivamente diferente de um bilhete normal adquirido com pagamento, porquanto subsistem contingências várias e imprevisíveis na aviação civil como sejam as práticas de overbooking e cancelamentos de voos por greves ou motivo de força maior, e que originam remarcações nos voos seguintes, além de outros eventos imprevisíveis. Perante estas reservas de bom senso e sentido prático, as testemunhas mantiveram o sentido do seu relato (impossível ficar em terra) e num propósito que o Tribunal apenas imputa à defesa acrítica da posição da progenitora, desgarrada de objetividade e isenção.

Vejamos em pormenor:

(…)

ii) Pontos 19) a 36) dos factos provados: as partes participaram da conferência de 12-04-2023 do apenso E, conhecem o objeto desse litígio, estando as respetivas posições das partes bem enunciadas e vertidas nos respetivo articulados, sendo que consta destes autos o registo áudio dessa conferência. Sejamos claros. O progenitor recusou e recusava à progenitora, no âmbito do apenso E, qualquer prestação de autorização para viagem ao estrangeiro, mormente ao Brasil, invocando (difusamente) risco de rapto. Ora, este Tribunal e signatário diligenciou por uma intensa mediação entre as partes, com proposta de acordo ditado e consensualizado entre as partes, e com amplo debate sobre os seus termos e pressupostos.

Por conseguinte, as alegações de sentido impugnatório dos factos narrados nos pontos 19) a 36) tornam-se alegações espúrias, diversivas ou sob reserva mental qualquer. É por demais evidente que a aquisição de bilhete visou, expressamente, obstar a reservas de bilhetes STAND BY, sendo tal expressa e concretamente referido pelo progenitor como condicionante da sua concordância. E foi com base nesses termos que a progenitora saiu do Tribunal com um processo extinto e com a certeza de que, sem qualquer outro risco de litigância, podia viajar com o menor, desde que diligenciasse pela aquisição de bilhetes de ida e volta.

Ora, as alegações de impugnação vertidas nos requerimentos de 14-09-2023 [10059802] e de 11-06-2024 [10878613] e as declarações da progenitora sobre os termos do acordo de 12-04-2023 no que respeita a bilhetes STAND BY e à redação da cláusula 2.º são de uma intencional e despudorada deslealdade para com a diligência de 12-04-2023, e para com a intervenção de todos os envolvidos, sendo certo que este signatário, por ter sido responsável pela mediação.

Daí que, se os factos narrados nos pontos 19) a 36) decorrem da mera consulta do apenso E e do registo áudio da conferência de 12-04-2023 ,também foram, nos seus pontos axiais, expressa e especificamente confirmados pela progenitora requerida em sede de audiência de julgamento, e estão corroborados, confirmados e sustentados pelos depoimentos dos próprios progenitores e prova junta sobre a comunicação e prova de aquisição das reservas, desconsiderada que seja a posição de reserva mental e a perspetiva opinativa sobre os eventos decorrentes do conflito e da impossibilidade conjuntural de estabelecerem um modelo de coparentalidade exequível.

A natureza, característica e regime comercial das reservas STAND BY é de conhecimento geral e acessível e foi devidamente contextualizado pelos depoimentos das testemunhas DD, EE, e FF, sendo amplamente conhecido e do domínio das partes por via da coabitação e do usufruto, enquanto casal, desse privilégio.

(…)

vii) Pontos 51) a 58) dos factos provados: além de decorrerem da mera consulta dos requerimentos processuais de 13-09-2023 [10055457] e de 14-09-2023 [10059802], os comprovativos das reservas e dos bilhetes não admitem tergiversão sobre a data do regresso.

Em sede de audiência de julgamento, com o consentimento da progenitora, foi solicitada realização de inspeção ao telemóvel para comprovação do envio do e-mail de 09-09-2023, tendo a progenitora exibido o respetivo e-mail do qual consta a indicação, expressamente admitida pela progenitora, de que a comunicação referente à comunicação de viagem entre os dias 15 e 25 de setembro ficou a constar de rascunho com registo de que esse rascunho não foi enviado.

Por consulta do seu telemóvel, a progenitora confirmou que consta um e-mail enviado no dia 27/09 ao qual o progenitor respondeu, mais esclarecendo a progenitora que não foi a mesma que procedeu a tal envio uma vez que considerava tal envio desnecessário nessa data.

Assim, o email junto com o requerimento de 11-06-2024 [10878613] e aludido nas alegações processuais é um documento falso no seu intuito probatório, e precisamente porque a progenitora sabia e devia saber que nunca foi por si enviado ou recebido pelo progenitor. E se sabia disto, a junção do mesmo ao processo para comprovação das suas alegações corresponde a uma conduta de falsidade processual.”.

Ouvimos a indicada prova, gravada em CD.

A recorrente declarou que a diferença entre um bilhete standby e um bilhete normal é que um bilhete de standby, você compra e embarca consoante há lugares no voo. Perguntada quando é que sabe que há lugares no voo respondeu que caso dela sabe antes, porque quem é funcionário tem uma aplicação que diz quantos lugares tem, além de nós termos informações dentro da companhia aérea. Inquirida sobre se esses lugares só existem se o voo não for lotado respondeu sim, mas quanto às passagens que comprou, especificamente naquele dia tinha a certeza que eu iria e que eu voltava. Depois de não conseguir viajar no dia em que estava agendado, por decisão do tribunal, o pai depois comprou mais caro os bilhetes. A passagem de standby, para ela e para o filho BB, dava por volta de 300 euros, e foram pagos quase 3.000 euros, a ida e a volta. Não tem possibilidades económicas de comprar os bilhetes normais.

Tinha a garantia que iria e regressaria nas datas, primeiro por causa da dita aplicação, que mostra a quantidade de assentos disponíveis, além de ter informações dentro da empresa, por eles serem pilotos.

O pai ex-piloto de aviação comercial, perguntado se sabia se os bilhetes que a filha adquiriu dava a certeza ou não de que os voos se iam realizar, respondeu que a gente tinha quase 100% de certeza, porque mesmo quando é comprado não há 100% de certeza que pode haver um atraso mas como a gente sabe o número de passageiros antes, temos um aplicativo, a gente tem a certeza no caso dela de ir e vir. Perguntado como é que tinha a certeza, no dia em que viajou, que no dia de regresso ia haver bilhete, respondeu porque o tempo entre um e outro eram 10 dias, ou menos que 10 dias, então a gente já conseguia saber o número de passageiros. Feita a observação que pode haver pessoas a comprarem bilhetes normais entre esses 10 dias, respondeu sim, mas dois ou três dias antes consegue saber com certeza. E o voo internacional não é como o nacional, que se vendem passagens em cima da hora. O voo internacional, normalmente as pessoas compram com um ano de antecedência. E no aplicativo de telefone ou de Ipad vão checkando. Além disso, eu tenho amigos na “Azul”, que foi o caso, na “GOL”, na “LATAM”, portanto a filha viria sempre. A gente tem aplicativos, tem amigos, e a gente, nesse tempo todo que eu tenho, 40 e poucos anos de aviação, sempre viajei com essas passagens, inclusive ele foi para o Brasil com essas passagens que eu coloquei nele, foi e voltou para Portugal e nunca tivemos problemas. A filha não tem possibilidades de pagar o preço das passagens normais.

A mãe disse que nas viagens, nas passagens compradas, nas passagens comerciais, há a possibilidade de um voo ser cancelado. A diferença é o preço, é uma passagem normal, só que não vem com um lugar marcado. Como nós temos um aplicativo em que diz todos os lugares tem o voo, o meu marido trabalhou 42 anos na aviação, como piloto, ele tem conhecimento, nós ligamos para os pilotos, ligamos para esse aplicativo, e nós temos a informação de quantos lugares há para embarcar. Então, quando nós vamos e quando voltamos, é com certeza de embarque. Não existe diferença de uma passagem comprada ou de Stand By, a única diferença é que o lugar é marcado na hora. O progenitor AA já viajou com essa passagem e sabe como funciona. E ele embarcou na mesma hora para o Brasil e voltou para cá sem problema nenhum.

Se com lugares Stand By à última da hora se venderem todos os bilhetes pela situação normal, pagando o preço normal, têm a possibilidade de vir na TAP, que tem 3 voos por dia, é impossível durante um dia, 3 voos não ter lugar.

O primo FF mencionou que é líder da equipa de desenvolvimento do sistema de e-commerce da TAP. A minha empresa fornece o e-commerce, eu trabalho dentro da TAP, junto com o team que cuida das vendas online das passagens da TAP. Os bilhetes standby é um benefício dado às pessoas que trabalham nas companhias aéreas e aos familiares. Depende da companhia. Pago o bilhete standby se não for no voo o dinheiro é devolvido sob condição. É um bilhete sob condição de o avião não ir lotado, na teoria. Na prática, no Brasil, eu diria que na prática é impossível estar lotado. Exceto se for em overbooking. Na prática, a TAP, hoje, tem, na média, 10 voos diários para o Brasil. Eu estou lá no sistema, e essa prática de overbooking não é feita na venda. Ele viaja com estes bilhetes. A prima não tem possibilidades económicas de comprar 2 bilhetes normais para ela e o filho BB para ir ao Brasil. Não sabe quanto ganha por mês a prima, acha que deve ganhar perto do salário mínimo.

Analisando.

Estas pessoas ouvidas conhecem bem o sistema de funcionamento dos bilhetes Stand By porque os usam como funcionários e familiares das companhias de aviação que praticam este sistema.

Cremos, pois, que merecem crédito, no que transmitiram e cujo teor e consequente resultado permite uma resposta menos absolutista que a dada no tribunal a quo aos factos provados 28. e 32., e mais ao encontro da resposta sugerida nas conclusões de recurso.

Também das declarações/depoimento dessas pessoas se retira, quanto ao facto 29., que a diferença de preços dos bilhetes Stand By para os bilhetes normais é na ordem de cerca de 10 vezes menos, confirmado pela própria afirmação do recorrido nos pontos 25. e 26. das suas alegações de 28.5.2024, acima referidas no Relatório deste aresto. Por isso, ao encontro da resposta proposta na impugnação da decisão de facto.

Relativamente aos factos 30. e 36., a recorrente pretende uma resposta de teor contrário ao que consta dos mesmos, uma resposta favorável à sua versão, pelo que lhe cabia o respectivo ónus probatório. Quanto ao 30., embora tenha sido referido que não tem possibilidades ou meios para adquirir bilhetes mais dispendiosos, a prova por declarações e depoimentos ficou-se, por isso mesmo, meras declarações/depoimentos, sem qualquer outro elemento adjuvante confirmatório. Como ficámos na dúvida, esta reverte-se contra a recorrente, nos termos do art. 414º do NCPC, pois o facto 30. com a resposta pretendida aproveitaria à apelante. No respeitante ao facto 36., nenhuma prova foi produzida, dela ou das testemunhas referidas, no sentido a que a recorrente aspirava. Até se pode dizer, com segurança que outros factos provados indiciam claramente o contrário, os 20. a 24. Por isso, não procede a impugnação da apelante nesta parte.

Relativamente aos factos 54. e 57., passa-se o mesmo, a apelante pretende uma resposta de sinal inverso ao que deles consta, assim lhe pertencendo o ónus probatório. Porém, nenhuma prova, dela ou das testemunhas referidas, foi produzida nesse sentido. Nem, igualmente, quanto à pretendida eliminação do facto 58. O que sabemos objectivamente é, como se extracta da motivação da decisão da matéria de facto, que “Em sede de audiência de julgamento, com o consentimento da progenitora, foi solicitada realização de inspeção ao telemóvel para comprovação do envio do e-mail de 09-09-2023, tendo a progenitora exibido o respetivo e-mail do qual consta a indicação, expressamente admitida pela progenitora, de que a comunicação referente à comunicação de viagem entre os dias 15 e 25 de setembro ficou a constar de rascunho com registo de que esse rascunho não foi enviado.”, ou seja, o contrário ao que a apelante agora pretende sem produzir qualquer prova para tanto. Nesta parte, indo, também, indeferida a impugnação da decisão de facto deduzida.   

Assim, atento o explicitado, importa julgar a aludida impugnação parcialmente procedente, e fazer reflectir, consequentemente, nos factos provados, a nova matéria agora alterada, com a seguinte redacção (a negrito, ficando a anterior em letra minúscula):

28. O regime de R2 STAND BY não permite a mesma certeza ou segurança de que à reserva corresponda nos dias dos voos de ida e de regresso um efetivo lugar nesse voo, que seria conferida pela aquisição de bilhetes em regime normal;

29. O regime de R2 STAND BY permite a aquisição de bilhetes a um preço mais económico, cerca de 10 vezes menos do que o preço dos bilhetes em regime normal, com a contrapartida da indefinição de efetivo lugar nos voos, e que só pode ser confirmado no dia do check in.

32. Este regime, escolhido pela progenitora para a sua devida conveniência económica, não confere certeza absoluta, mas apenas uma maior probabilidade, de que o regresso se faça na data marcada.

4. Na fundamentação jurídica da decisão recorrida escreveu-se que:

Do incumprimento do acordo de 12-04-2023.

O artigo 1906.º do Código Civil impôs como regra o exercício conjunto das responsabilidades parentais em relação às questões de particular importância, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

Nos termos do art.º 41.º, n.º 1 do RGPTC, se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.

*

Subsumamos agora os factos ligados ao Direito e no sentido da interpretação dos factos provados como incumprimento do acordo de 12-04-2023 e quanto ao regime de deslocação do menor BB ao estrangeiro, através de um encadeamento gradativo da problemática em questão.

Em primeiro lugar, é inegável que, tendo o BB 3 anos, os seus progenitores apresentam um reiterada postura de litigiosidade, nomeadamente com sucessivos incidentes enxertados nos autos principais e por apenso a propósito do regime de visitas e guarda.

De 2021 a 2023, nesses 3 anos de vida do BB, o controlo judicial das suas responsabilidades parentais resultou em cerca de 9 processos judiciais, em cerca de 16 diligências presenciais com os progenitores, e em cerca de 150 despachos judiciais.

Não obstante, até 09-2022, os progenitores sempre apresentaram uma reiterada postura de litigiosidade com sucessivos incidentes processuais de incumprimento, estando arquivados, neste momento, sucessivos processos tutelares cíveis e processos de promoção e proteção. Neste percurso, os pais do BB estiveram sempre acompanhados do melhor e mais próximo patrocínio e representação forense. Ou seja, as naturais condutas reativas e/ou emocionais no cumprimento dos papeis sociais da parentalidade, os erros de perceção e compreensão do alcance da intervenção judicial são fatores de nula ou remota importância neste caso.

O acordo sobre a questão de particular importância de 12-04-2023, constante do apenso E, agora em sindicância, surgiu num contexto de litigio advindo de um vasto lastro de pronúncias judiciais, conferências de pais, tentativas de conciliação ou de mitigação do conflito, e de decisões judiciais, incluindo de incumprimento e com remessa para mediação familiar, em que, por curiosa circunstância, além dos pais, o juiz foi sempre o mesmo, e, bem assim, os advogados também, pelo menos desde outubro de 2022.

Daí que neste quadro de ultralitigância, repetimos, os acordos homologados judicialmente devem ser escrupulosamente cumpridos pelas partes.

Em segundo lugar, perscrutando os pontos 19) a 36) dos factos provados, considerando o objeto dos autos (falta de acordo para deslocação ao estrangeiro), o Tribunal propôs consensualização por atenção ao direito de livre circulação do menor e ao contexto do conflito entre os progenitores nos seguintes termos: prestação de autorização pelo progenitor para a emissão de passaporte e sujeição da progenitora a dever de informação, com a antecedência mínima de 5 dias, quanto a qualquer viagem para o Brasil ou outro destino no estrangeiro, concretizando local e período da deslocação, e bem assim contactos, juntando comprovativo de aquisição de bilhete de ida de volta para o menor.

Nesse seguimento, e após debate, foi obtido o acordo de 12-04-2023.

Nos termos do acordo quanto à questão de particular importância de emissão de passaporte e quanto às deslocações do menor para o estrangeiro, celebrado em 12-05-2023 no apenso E entre os progenitores consta que:

2.º - Caso a progenitora pretenda deslocar-se com o menor para o estrangeiro, nomeadamente para o Brasil, deverá informar o progenitor com a antecedência mínima de 5 dias dessa pretensão, mais se comprometendo a apresentar comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora;

3.º - A progenitora compromete-se a informar o progenitor com a mesma antecedência de 5 dias do local onde o menor estará no estrangeiro e de respetivos contactos locais no estrangeiro.

Efetivamente, tal acordo foi obtido por consensualização expressa dos progenitores quanto à necessidade de apresentação de tais comprovativos, debatendo-se, também expressamente, a essencialidade para o consentimento do progenitor de se tratarem de bilhetes de avião pagos e adquiridos.

O contexto do litigio impôs, neste seguimento, que tal cláusula constasse do acordo.

Já nestes autos, perante a urgência cautelar do incidente, atento o requerimento e a previsibilidade de saída do menor logo no dia seguinte, determinou-se o contato imediato da progenitora para que juntasse comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora, com expressa advertência que, nada juntando, o Tribunal entender perfunctoriamente incumprido o acordo do apenso E, determinando cautelarmente o impedimento de saída do menor.

Repetimos uma e outra vez, os acordos expressamente consensualizados entre as partes e homologados judicialmente devem, em primeiríssima linha, ser escrupulosamente cumpridos pelas partes.

E, se falta boa fé a esse cumprimento, o Tribunal, à luz do art.º 28.º do RGPTC deve atuar provisoriamente, como atuou ao impossibilitar a deslocação do menor nos termos dos bilhetes STAND BY.

Este juízo não pode aceitar que, num contexto de intensa litigância parental, as partes se prestem a comportamentos que, objetiva e etiologicamente, representam uma subversão de acordos expressos e judicialmente vinculativos.

A cláusula é expressa, imediatamente percetível.

A progenitora, querendo viajar com o menor para o Brasil, sabia desde abril de 2023, as expressas condições em que o podia fazer.

Por conseguinte, bem sabendo das condições, pressupostos e alcance do acordo de 12-04-2023, a progenitora diligenciou pela reserva de 2 bilhetes de avião de ida e volta para o Brasil entre os dias 15 e 26 de setembro, mas, por conveniência própria, essa aquisição foi em regime de R2 STAND BY na companhia Azul.

É óbvio que o regime de R2 STAND BY não permite qualquer certeza ou segurança de que à reserva corresponda nos dias dos voos de ida e de regresso um efetivo lugar nesse voo.

É óbvio que regime de R2 STAND BY permite a aquisição de bilhetes a um preço mais económico, com a contrapartida da indefinição de efetivo lugar nos voos, e que só pode ser confirmado no dia do check in.

É óbvio que a progenitora podia ter optado por outro regime de compra de bilhetes, certamente mais dispendioso.

É óbvio que a existência de lugar no voo de ida e de regresso não dependia da progenitora nem da reserva, e sim da lotação dos respetivos voos, circunstância condicional não controlada pela progenitora.

É óbvio que este regime de reserva, escolhido pela progenitora para a sua devida conveniência económica, consubstanciava uma direta violação do acordo e no sentido em que não conferia ao progenitor certeza de que o regresso se fizesse na data marcada, conflituando imediatamente com o regime de guarda partilhada, e mais importante, com a vontade expressa no acordo de 12-04-2023.

É óbvio que as condições estabelecidas no acordo não foram objetivamente salvaguardadas pela progenitora, num contexto de intensa litigância entre os progenitores, e conhecendo a progenitora o sentido da vontade do progenitor no mesmo acordo de 12-04-2023, numa intencionalidade do incumprimento do acordo de 12-04-2023 que só se pode de qualificar como de dolo intenso, admitindo-se plena e total boa fé da progenitora em assegurar o regresso do menor a 26-09.

A progenitora foi contatada por oficial de justiça e expressamente advertida – cfr. cota de 14-09-2023, notificando-se o despacho de seguida, tendo respondido nos termos do requerimento de 14-09-2023 [10059802].

Perante este quadro, o único espaço de atuação deste juízo era o de determinar o cumprimento conforme do acordo de 12-04-2023 e que devia passar por evitar a consolidação de efeitos deste incumprimento, impedindo o menor de viajar, compreendendo, também, o que isso pode significar na gestão das rotinas da família materna.

A verdade é que sabendo a progenitora do conflito que determinou o acordo de 12-04-2023, sabendo a progenitora da oposição do progenitor a prestar consentimento para o menor viajar; sabendo a progenitora as razões que presidiram à redação expressa das cláusulas do acordo; e sabendo a progenitora de que há um intenso e reiterado conflito parental, optou, livre e conscientemente, por reservas STAND BY que não garantiam a certeza de que o menor viaje nos dias constantes na reserva.

Em terceiro lugar, perscrutando os pontos 41) a 44) dos factos provados, e no que respeita à consolidação dos efeitos do incumprimento e utilidade na lide, a efetiva realização da viagem para o Brasil entre 16 e 26 de setembro, com aquisição de bilhetes de ida e volta em 15-09-2024, não corresponde a uma inexistência de incumprimento.

O regime do acordo de 12-04-2023 tinha várias dimensões, entre as quais uma antecipação de deveres de comunicação e comprovação por referência ao dia da viagem.

Por conseguinte, se a progenitora, depois da interdição judicial a viajar, procedeu a uma aquisição de bilhetes de avião de ida e volta em 15-09 nos termos consensualizados e para uma viagem a iniciar a 16-09, o objeto do incumprimento é precisamente a dimensão da antecedência mínima de 5 dias do dever de informação e de comprovação.

Se o progenitor, no contexto de um litígio, prestou consentimento a essa deslocação nos termos dos pontos 41) a 44) dos factos provados, a sua aquiescência não esvazia o objeto do incumprimento, ainda que desagrave a ilicitude e os efeitos da violação do acordo de 12-04-2023.

A cláusula 2.ª do acordo de 12-04-2023 do apenso E apresentava um conteúdo normativo estrito, rigoroso e inflexível, e que assim constou do acordo para atender ao risco de conflito parental.

Aliás, sempre foi esse o objeto deste processo após a consensualização para a viagem do menor entre 16 e 26 de setembro: o incumprimento do dever de informação e comprovação da deslocação.

Note-se: por via dos factos supervenientes, o objeto do incumprimento deixou de ser a deslocação do menor para o estrangeiro sem autorização do progenitor, como parecia iminente no requerimento inicial de 14-09-2023.

Neste sentido, sem prejuízo da sua gravidade e/ou qualificação, o presente incidente deve cogitar a factualidade provada nos pontos 19) a 36) dos factos provados, e, acessória e instrumentalmente, os pontos 37) a 45) dos factos provados, não havendo qualquer outra factualidade a considerar para efeitos da verificação judicial de incumprimento.

Neste conspecto, os pontos 19) a 36) e 45) dos factos provados descrevem uma conduta objetiva e culposa de incumprimento, que causou imediata e diretamente dano ao progenitor e aos seus direitos parentais.

Em quarto lugar, neste conspecto, a postura da progenitora, na primeira oportunidade de execução do acordo de 12-04-2023, revelou-se manifestamente incapaz de qualquer maturidade ou responsabilidade, redundando em novo escalamento inadmissível do conflito, frustrando, mais uma vez, a possibilidade de manter esta criança num modelo de coparentalidade não litigante.

E, diga-se, a história do caso é tão simples que temos de confessar uma certa estupefação com o resultado da diligência do apenso E e que na altura pareceu a todos um momento diferenciado neste longo conflito parental. Pela primeira vez, numa primeira conferência e em novo processo com posições extremadas, havia sido possível uma conciliação sem protelamento do processo, e num contexto, até então, de coparentalidade viciada, inquinada e dirigida volitivamente por ambos os progenitores para o conflito.

A progenitora pretendia viajar com o menor para o Brasil.

O progenitor não concordava.

A progenitora solicita a intervenção do Tribunal em processo tutelar comum.

Em diligência de conferência de pais, o progenitor presta consentimento mediante a assunção expressa de deveres de informação e comprovação e que visam, direta e imediatamente, evitar a reserva por bilhetes STAND BY.

A progenitora presta consentimento ao acordo, aos termos e pressupostos do acordo de 12-04-2023.

5 meses volvidos, com a antecedência de 7 dias, a progenitora informa o progenitor da viagem e apresenta reservas de voo e viagem em STAND BY.

Após intervenção judicial que impede a viagem do menor a 15-09, o progenitor autoriza a deslocação após comprovação de aquisição de bilhetes um dia antes da deslocação.

E a progenitora assumiu esta conduta posterior ao acordo de 12-04-2023 sempre com a mesma representação forense, incapaz esta de transmitir à progenitora a grosseira violação do acordo que arriscava, e assumindo nos autos a (sempre legitima) defesa intransigente da progenitora e que, até 14-09-2024, ainda pugnava por inexistência de qualquer risco de incumprimento do acordo.

Assim, há uma tutela jurisdicional reclamada, de forma gritante, pelo caso concreto e que nos parece irrenunciável, ainda que a mesma tenha de ser depurada de leitura, alegações e argumentos de caráter sofista sobre o acordo de 12-04-2023 e sobre o modo como a progenitora optou por o executar na deslocação de 15-09-2023.

(…)

Se o incumprimento a declarar é o incumprimento do acordo de 12-04-2023 e das cláusula 2.ª por referência à viagem de 16 a 26 de setembro; considerando a intensa litigância dos progenitores sobre o regime tutelar cível e de guarda do menor exposto nos pontos 1) a 18) dos factos provados; considerando a intensa litigância dos progenitores sobre os incumprimentos precedentes, temos por preclaro e evidente que a factualidade descrita nos 19) a 36) e 45) dos factos provados corresponde a uma violação grosseira, arbitrária e ostensiva, especial e intensamente dolosa, do acordo de 12-04-2023 imputável à progenitora requerida, fortemente desagravada na sua ilicitude pelo consentimento do progenitor.

Numa palavra, a progenitora Requerida, num primeiro momento, agiu de acordo com o seu superior interesse na aquisição de bilhetes por reserva de STAND BY, fazendo-o coincidir, sem justificação plausível, com o interesse do menor à custa do interesse do progenitor e da própria pronúncia judicial de homologação do acordo de 12-04-2023.

Esse primeiro momento de risco de incumprimento foi tão ou mais gravoso quando se considera que a progenitora Requerida repetiu argumentos que tinham sido expressamente cotejados e ponderados pelo Tribunal, limitando-se a impor a sua vontade sobre o progenitor, a expensas da segurança e certeza jurídica de decisões judiciais, e abrogando, por completo, a autoridade da decisão judiciária.

A justificação que veio apresentar a pleito perante o risco de intervenção liminar de proibição da deslocação, denota, uma vez mais, uma personalidade diversiva, exculpativa e incapaz de qualquer juízo crítico sobre a sua atuação e conduta na salvaguarda do próprio interesse do menor.

Num mero ato em setembro de 2023, a progenitora fez letra morta de todo o objeto do apenso E, vertido no acordo de 12-04-2023.

Ora, se sabia do teor, conteúdo e alcance do acordo de 12-04-2023, a via disponível era a do consenso, expresso tantas vezes na intervenção desde juízo junto destes pais e que procura evidenciar os méritos da cedência mútua e da comunicação ativa.

Se queria ou precisava mesmo de viajar em regime de STAND BY deveria ter procurado o consenso pontual com o progenitor, antes de avançar, potestativa e unilateralmente, para esse resultado.

Se a progenitora estava vinculada ao acordo de 12-04-2023, a aquisição de bilhetes em STAND BY deveria ter exigido uma postura de consenso junto do progenitor, em que, por exemplo, podia sugerir um alargamento do período de convívio sequente da viagem (ex: duas semanas consecutivas) e de modo a obter pontualmente aquilo que não se ganhou no apenso E.

Então, ninguém neste conflito, foi capaz de sugerir isto? De tentar isto?

O único espaço de atuação que esta mãe encontrou foi a comunicação escrita e liminar, por WhatsApp a 08-09, de uma viagem e com comprovativos que sabia que lhe estavam vedados?

A deslocação ao Brasil para o evento familiar era francamente previsível e antecipada, já desde a autuação do apenso E.

Por que razão ou expediente lógico, a progenitora escolheu comunicar tal deslocação ao progenitor cerca de 7 dias antes com bilhetes de reserva STAND BY, assumindo um risco de litigio flagrantemente provável?

É para nós especialmente confrangedor estarmos novamente numa instância de condenação de acordos e decisões da nossa lavra em que se debate o próprio teor, conteúdo e alcance do acordo, obtido pessoalmente com os mesmos intervenientes processuais.

Se ninguém o diz, é preciso dizer a esta mãe que todo este processo era absolutamente previsível desde aquela primeira comunicação.

Se ninguém o diz, é preciso dizer a esta mãe e pai que as posturas que assumem para o consenso resultam em meras aparências por conveniência de ocasião, sendo reflexo do enviesamento da parentalidade por cada um dos lados.

Se ninguém o diz, é preciso dizer a estes pais que a resolução dos conflitos não pode continuar a ser obtida com comportamentos de intenso risco de incumprimento.

Não há nenhum ganho no trabalho e labor judicial que estes apensos denotam se o conselho, conclusão ou resultado for a progenitora fez tudo bem e em cumprimento do acordo de 12-04-2023.

A sensação que fica é que todos os intervenientes do acordo de 12-04-2023 construíram, a esforço, um abrigo para que um desses mesmos intervenientes o arrasasse na primeira ocasião.

Não se deve ou pode trabalhar assim na jurisdição de família e menores.

Há um índice e capital de confiança que se estabelece entre todos os intervenientes numa conferência que resulta num acordo difícil e, como era o caso, até improvável na altura.

Se a progenitora não quis, recusou, ou preferiu não tentar consenso pontual, valia o acordo de 12-04-2023, obtido 5 meses antes. Isto parece-nos elementar, tanto mais que a progenitora sempre esteve acompanhada por Ilustre advogada.

Qualquer entendimento contrário equivale a afirmar que as decisões dos Tribunais são para cumprir quando der jeito às partes.

Qualquer entendimento contrário equivale a afirmar que é irrelevante a boa-fé negocial, o contexto ou a base de qualquer declaração negocial obtida numa sala de tribunal.

Em quinto lugar, em crescendo e indo cerce ao sofismo dos argumentos da progenitora, diremos que:

i) à luz dos factos provados, a motivação para o núcleo de incumprimento não foi premeditada mas resultou de uma intensa premeditação e dolosa no que se refere ao comportamento anterior de obtenção de reserva em STAND BY;

ii) a progenitora não tem qualquer direito, expetativa ou prerrogativa de viajar com o menor sem consentimento do progenitor ou em preterição do acordo de 12-04-2023;

iii) o direito de recusa do progenitor, além de irrenunciável, legítimo e legal, seria plenamente adequado à sua pretensão e defesa dos seus direitos de parentalidade perante a atualidade do acordo de 12-04-2023;

iv) o superior interesse do menor, na inexistência de perigo ou risco, corresponde, em primeira linha, ao direito em manter o regime tutelar em vigor, sem alterações ou ruturas bruscas e unilaterais, nomeadamente no regime de execução de questões de particular importância.

A arbitrariedade da progenitora mais não fez do que sujeitar o progenitor a uma situação de stress emocional apenas e só para proteger a visão individual da progenitora sobre o direito a viajar com o menor quando e como entendesse, em direta e dolosa violação da decisão judicial de 12-04-2023 e dos direitos do progenitor.

A motivação – vantagem económica e privilégio na aquisição das passagens aéreas para o Brasil - é, portanto, manifestamente espúria, contingente e instrumentalizada pela progenitora, a qual se encontra representada por Ilustre Advogada.

Perante uma divergência sobre a alteração pontual do regime de questões de particular importância, deve valer precisamente o regime vigente. Isto deve ser elementar nesta jurisdição.

Em sexto lugar, quanto às consequências do ato culposo e doloso da progenitora importa aqui considerar, por ordem de importância e gravidade:

i) a lesão do interesse superior do menor e o imediato dano e prejuízo para o progenitor – cfr. ponto 45) e dos factos provados;

ii) a deslealdade e a má-fé processual para com a expetativa processual do progenitor e do menor em ver cumprido o regime de questões de particular importância quanto às viagens ao estrangeiro;

iii) o protelamento de mais uma situação de conflito parental, desta feita potenciada pela conduta precedente e unilateral da progenitora;

iv) o incumprimento de deveres acessórios de informação e comprovação;

v) a atenuação ou mitigação do incumprimento pela prestação de consentimento à deslocação do menor.

Em sétimo lugar, posta a problematização do litígio em torno do incumprimento dos deveres de informação e comprovação, qualificados os atos e a imputação culposa à progenitora, e encontradas as consequências desse ato culposo e doloso, afigura-se-nos que qualquer tutela coerciva direta do regime de convívios não deve ser de ponderar, uma vez que, o progenitor já se encontra protegido nos seus diretos de parentalidade.

(…)

Assim, apenas valerá a tutela punitiva prevista no art.º 41.º, n.º 1 do RGPTC, nomeadamente através da condenação da progenitora remissa em multa até vinte unidades de conta, estando reunidos os seus pressupostos, nomeadamente a ilicitude do incumprimento do acordo de 12-04-2023; a imputação à progenitora Requerida com culpa dolosa, os danos e a causalidade desses danos.

Por fim, em jeito de síntese destes pontos argumentativos, face aos elementos dos autos, estamos perante uma situação de incumprimento de deveres acessórios de informação e comprovação da antecipação da viagem, exponenciados por um risco de violação dos termos do consentimento para deslocações ao estrangeiro, evitado por uma conduta posterior da progenitora na aquisição de bilhetes de ida e volta, com consentimento do progenitor à deslocação entre 16 e 26 de setembro.

O assinalado comportamento da progenitora revela, à suficiência, a indisponibilidade da mesma para respeitar o acordo de 12-04-2023; subvertendo o interesse do seu filho aos seus próprios interesses, num quadro de intensa litigância sobre os direitos de decisão do progenitor.

Se existe um regime de regulação das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, ainda por mais obtido por acordo entre progenitores, esse regime é para cumprir.

Se os pais não estiverem contentes com esse regime, têm à sua disposição mecanismos processuais de revisão e sindicância por alteração.

Neste âmbito, cabe ao Tribunal enviar um sinal evidente que passará pelo sancionamento patrimonial da progenitora Requerida conforme se dispõe no art.º 41.º, n.º 1 do RGPTC.

Quanto à tipologia da sanção, entendemos aqui, além da condenação em multa processual, que o segmento da indemnização terá uma vertente mais pedagógica e que exigirá da progenitora Requerida a consciência da posição e dos direitos daqueles que foram lesados pela sua conduta.

(…)A medida destas sanções partirá do referencial básico de 1UC, e terá de ter em conta:

i) a recorrente pendência litigiosa entre as partes;

ii) a gravidade e a intensidade da culpa após pronúncia expressa do Tribunal sobre a proibição de viajar com recurso a reservas STAND BY;

iii) a séria atenuação da culpa e gravidade logo após a decisão do Tribunal e por obtenção de consentimento do progenitor para viajar entre 16 e 26-09;

iv) os danos não patrimoniais causados ao progenitor;

v) a colaboração demonstrada pela progenitora nesta instância;

vi) os sérios antecedentes da progenitora quanto a outros incumprimentos, nomeadamente de regime de questões de particular importância e regime de convívios com o progenitor;

vii) a medida da condenação da progenitora quanto a outros incumprimentos, por decisões judiciais transitadas em julgado, em multa de 3Ucs e 0,5UC e indemnização no valor de 300,00€ a pagar ao progenitor;

viii) o tempo decorrido entre a definitividade daquelas condenações, em 03-2023, e o comportamento da progenitora em 09-2023, cerca de 6 meses volvidos das primeiras condenações;

ix) a verificação de finalidades sérias e atendíveis de prevenção de outros incumprimentos ao regime tutelar cível e regime de questões de particular importância;

x) a resistência da progenitora à compreensão do alcance da intervenção judicial, assumindo reiterados comportamentos de violação de decisões judiciais;

xi) a manutenção de um sério risco de incumprimento perante a manutenção do regime de guarda partilhada do menor;

xii) a necessidade de uma intervenção de pedagogia preventiva por parte da progenitora no acionamento de meios judiciais, evitando-se uma permanente intervenção do tribunal no espaço da parentalidade.

Por tudo, afigura-se-nos equitativo, adequado e proporcional ao incumprimento a condenação da progenitora no pagamento de uma multa processual de 5UCs e de uma indemnização no valor de 500,00€ (quinhentos euros), a pagar ao progenitor Requerente, em 15 dias a contar do trânsito desta decisão.”.

A recorrente discorda, pelas razões constantes das suas conclusões de recurso (as 21ª a 31ª).

Apreciando.

- defende a recorrente que concernente à matéria de direito, a doutrina e a jurisprudência entendem que, para se preencher a previsão do art. 41º do R. G. Proc. Tutelar Cível, não basta que exista um incumprimento, é necessário que ele seja grave.

Reza tal artigo, no seu nº 1, que “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais … não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o … outro progenitor, requerer, … as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa”.

Como se vê do texto legal, em lado algum a lei exige que o incumprimento seja grave. Como decorre do Ac. da Rel. Coimbra, de 18.2.2020, Proc. 1513/19.6T8CBR-B, em www.dgsi.pt, (em que o signatário foi 1º adjunto),  tal preceito não exige a prova de um incumprimento grave - bastando um simples e singelo, posto que relevante.

Certo é que, aqui como noutros casos e matérias, não pode, também, numa sensata e razoável postura hermenêutica, ser um qualquer minudente incumprimento que pode clamar a conclusão sobre a verificação de um incumprimento. Isto é, só um não cumprimento da obrigação de escassa importância, arreda o seu relevo como incumprimento e respectiva censura.

Ora, a recorrente com a sua conduta incumpriu o acordado, o que não se mostrou de escassa importância, pois demandou actividade preventiva do recorrido progenitor e actividade cautelar do tribunal junto de terceiras entidades, para impedir a recorrente progenitora de viajar para o Brasil, por inobservância das condições estipuladas em prévio acordo entre eles e o tribunal.

- defende, também, a apelante que não há ilicitude, pois, em bom rigor, o acordo não foi violado, já que, de acordo com a interpretação do mesmo e da sentença, como negócios formais, regidos pelo nº 1 do art. 238º do CC, que consagrou não poder a declaração valer com um sentido que não tenha expressão, ainda que imperfeita, no texto do respectivo documento. Sendo que a proibição da recorrente de aquisição de bilhetes no regime privilegiado a que os autos aludem não tem qualquer expressão, ainda que imperfeita, no texto do documento, pelo que pode e deve entender-se que a sentença proferida no apenso E não impede a recorrente de adquirir bilhetes em Stand By, razão pela qual não há ilicitude no seu comportamento.

Não precisamos de recorrer à figura da interpretação dos negócios jurídicos formais, para podermos concluir que a recorrente agiu ilicitamente. Basta convocar os factos provados para perceber que assim foi. Os factos 20., 2º, 21., 22., e 24.: - foi obtido acordo na conferência de pais de 12.4.2023, homologado por sentença, no qual ficou estabelecido que caso a progenitora pretenda deslocar-se com o menor para o estrangeiro, nomeadamente para o Brasil, deverá informar o progenitor, mais se comprometendo a apresentar comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora; - tal acordo foi obtido por consensualização expressa dos progenitores quanto à necessidade de apresentação de tais comprovativos, debatendo-se, também expressamente, a essencialidade para o consentimento do progenitor de se tratarem de bilhetes de avião pagos e adquiridos; - o contexto do litigio impôs, neste seguimento, que tal cláusula constasse do acordo; - a obrigação de entrega de "comprovativo de aquisição de bilhete de ida e volta do menor e da progenitora" teve como pressuposto que a autorização era prestada no pressuposto que a progenitora viajaria com o BB no regime do público geral e não através de bilhetes de familiar de funcionário de companhia aérea.

- igualmente pugna a apelante por não haver culpa da sua parte, até por causa da redacção que foi dada ao acordo, dado não haver evidência que a progenitora tivesse a consciência de estar a violá-lo, ao adquirir bilhetes no regime mais benéfico dos familiares; pelo contrário, estava convencida que estava a cumprir o acordo, demonstrando ao progenitor a aquisição de bilhetes de ida para o Brasil e, principalmente, de volta a Portugal, para acalmar os receios manifestados por este de que não houvesse intenção de regressar e que a mãe subtraísse o menor.

Como já se viu mais atrás, face à matéria de facto apurada, designadamente o facto 36., a recorrente, ao invés do que afirma, tinha consciência de estar a violar o acordo celebrado em 12.4.2023 com o progenitor e no/com o tribunal, relativamente à tipologia de bilhetes, adquiridos em 15.9.2023, e diferentes do que tinha sido anuído.

E até comprou os bilhetes depois do despacho cautelar do tribunal a quo de 14.9.2023 (referido no relatório supra), como dimana do facto 41.

Ou seja, entendeu egoisticamente e a seu bel prazer fazer a gestão prática do acordado em 12.4.2023, de acordo com as suas conveniências, e consequentemente assumiu, com vontade e consciência, o risco do incumprimento de tal acordo, que consumou.

Como explica I. Galvão Telles (em D. Obrigações, 2ª Ed., págs. 322/340) a culpa num sentido amplo, abrange o dolo e a mera culpa/negligência. No dolo o agente prevê um resultado ilícito e age para o atingir (dolo directo), ou prossegue outro fim, mas sabe que forçosamente produzirá o resultado (dolo necessário), ou não tem intenção de produzir o resultado, apenas prevê o resultado ilícito como possível, mas aceita-o (dolo eventual). Se confiar que o resultado ilícito não se verificará age com culpa/negligência consciente ou não o prevendo age com negligência consciente.

Por outro lado, a culpa aprecia-se objectivamente (em abstracto) – arts. 487º, nº 2, e 799º, nº 2, do CC.

E em termos de graduação da culpa, a mesma pode ser grave, leve ou levíssima, sendo que as duas primeiras correspondem a condutas que uma pessoa normalmente se absteria, diferenciando-se a primeira da segunda, por ser praticada por uma pessoa particularmente negligente. Já culpa levíssima só se produzirá se estivermos perante o padrão de conduta de uma pessoa excepcionalmente diligente. Isto é, aqui, para a lei, não há verdadeiramente culpa, salvo caso contado.

Do exposto em termos doutrinais, e perante a atitude da recorrente extrai-se que mais do que com culpa a mesma agiu dolosamente.

- Afirma, igualmente, a apelante, que o incumprimento não é grave, ponderando o superior interesse da criança, uma vez que é seguramente do interesse dela poder viajar com a mãe, a custos muito reduzidos, beneficiando da circunstância de ser familiar de pilotos da aviação comercial – o que lhe permitirá conhecer o mundo, possibilidade que será obviamente salutar para o seu desenvolvimento harmonioso.

Já anteriormente se abordou a questão do incumprimento grave, que a lei não contempla para aferição desse incumprimento. O que é natural, neste campo do direito dos menores - no qual, como é consabido, são os interesses deles e a sua defesa, cabal, atempada e profícua, a pedra de toque de toda a dilucidação a qual, única ou determinantemente, releva -, onde não pode ser reclamado um grau de gravidade tal que, se não for consecutido, impede o recurso ao incidente de incumprimento e à possível condenação em multa.

Ora, o incumprimento verifica-se, como vimos, e foi causado pela apelante, com plena consciência e vontade dela.

Nem se acompanha a recorrente quando diz que o menor sai prejudicado, pois o filho pode viajar perfeitamente com a mãe, o que lhe permitirá conhecer o mundo, possibilidade que será obviamente salutar para o seu desenvolvimento harmonioso, mas devendo, então, socorrer-se esta, para seu próprio benefício, dos custos reduzidos advenientes da circunstância de ser familiar de pilotos da aviação comercial.

Parece a mesma esquecer-se, em atitude unilateral e de seu exclusivo interesse, que subjacente ao acordo feito com o progenitor, e por ela violado, estava o receio compreensível do mesmo, de a recorrente não trazer mais de volta ao território nacional o filho de ambos (cfr. os pressupostos que presidiram ao acordo de 12.4.2023 e estão enunciados no facto 20.). Dizendo de outra forma, o interesse superior da criança não será seguramente o de ficar permanentemente com a mãe noutro continente e não voltar a ver ou conviver com o pai !   

- Por fim, invoca a apelante que o progenitor, age abusivamente, por prejudicar o menor sem qualquer justificação racional, tratando-se de um mero capricho do mesmo, que não merece a tutela do direito, excedendo os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social do direito, e como tal a pretensão deduzida neste apenso de condenação da recorrente por incumprimento do acordo obtido no apenso E, equivale a um abuso do direito, enquadrável no art. 334º do CC.

Respeitante ao suposto prejuízo do menor já dissemos o pertinente e necessário nos dois parágrafos que antecedem.

Respeitante a capricho do progenitor, parece que é o contrário, a apelante é que caprichou em satisfazer a sua única vontade e determinação, ignorando olimpicamente o que tinha sido acordado, em desrespeito pela compreensível posição do pai do BB.

De outra parte, não vemos qualquer abuso de direito, na vertente de excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé ou pelo fim social do direito, este relacionado com o poder paternal, por banda do pai, ao deduzir o incidente de incumprimento, no qual o tribunal a quo lhe deu razão, e este tribunal ad quem também a reconhece.

A recorrente é que parece não interiorizar eticamente os mecanismos do necessário cumprimento versus incumprimento dos acordos celebrados no âmbito do processo tutelar cível, pois já anteriormente foi condenada 2 vezes por incumprimento.

Em conclusão, não temos censura a fazer à decisão apelada, que está bem sustentada e justificada, não procedendo, por conseguinte, esta parte do recurso 

5. Na mesma decisão apresentou-se o seguinte discurso de direito:

Da litigância de má-fé.

Em sede de alegações, o progenitor requereu a condenação da requerida como litigante de má fé, em multa e numa indemnização ao requerente, alegando que, desde o início até à atualidade, a requerida persistido na negação, dando causa à continuação dos presentes autos, e, nessa medida, actuado como litigante de má fé.

A requerida teve oportunidade de se pronunciar sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé.

Concluída a instância probatória, cumpre conhecer da qualificação do comportamento processual da Requerida enquanto litigante de má-fé por referência aos pontos 35) e 36), 51) e 58) dos factos provados, inexistindo fundamento, de facto ou de Direito, para estender essa qualificação ao comportamento processual do Requerente progenitor.

*

Nos termos do artigo 7.º do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, devem as partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, e, nos termos do artigo 8 do CPC, as partes têm o dever de pautar a sua atuação de acordo com um comportamento processual conforme aos princípios da boa-fé.

Dispõe o artigo 542.º do CPC quanto à responsabilidade e noção de má-fé processualmente relevante, e no que ora nos compele:

1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.

O número 2 do mesmo artigo elenca situações que constituem atuações ilícitas da parte, que supõem a violação deveres legais e processuais, como sejam o dever de verdade (alínea b)) e o dever de cooperação entre as partes (alínea c)), que só com a reforma operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 do anterior código (mantida no novo diploma) passou a integrar a litigância de má-fé.

A intenção do legislador com a inclusão deste corolário processual da boa-fé foi a de sancionar tanto a lide dolosa como a lide temerária. “A lide diz-se temerária, quando estas regras são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, e dolosa quando a violação é intencional ou consciente. A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, actuando culposamente, mas apenas com culpa leve, a qual só é excepcionalmente sancionada” - LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Anotado, vol. II, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág.219.

A orientação legislativa do Decreto-Lei nº 329-A/95, ainda no anterior código, foi mais assertiva no sentido de sancionar quer o dolo quer a negligência grave, contemplando a litigância temerária sempre que a parte que tivesse deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia razoavelmente desconhecer, e com isso impedisse a descoberta da verdade, entorpecesse a ação da justiça ou agisse com base num qualquer objetivo ilegal ou quando quisesse atingir finalidade não tutelada pela lei. Substitui-se o necessário conhecimento da falta de fundamento da oposição deduzida pela obrigação de conhecer a falta de fundamento da mesma oposição.

A doutrina distingue, ainda, entre má-fé substancial ou instrumental, consoante se atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou quando esteja em causa um comportamento processual sem comprometimento imediato da justa composição do litígio e da verdade material.

Não obstante a maior responsabilidade de atuação das partes consagrada na reforma de 1995, para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação (neste sentido LEBRE DE FREITAS, obra citada, pág. 220), nas expressões do nº 2 do art.º 542.º do CPC.

Coligindo alguma jurisprudência, “litigância de má fé traduz-se na violação do dever de probidade que o artigo 264º do CPC impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias. O artigo 456º do Código de Processo Civil, ao referir, na redacção advinda da Reforma de 1995, o dolo ou negligência grave como tipificadores da litigância de má fé, passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes” – Ac. do STJ de 30-09-2004, processo nº 1. 04B2279, relator ARAÚJO BARROS, disponível em dgsi.pt.

No entanto não basta que se prove ou se decida o contrário do alegado para que se possa formular o juízo de censura subjacente à boa-fé. O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações demasiado restritivas e apertadas do art.º 542.º do CPC.

“A ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual” – Ac. STJ de 11-12-2003, processo n.º 03B3893, relator QUIRINO SOARES, disponível em dgsi.pt.

“Para a condenação como litigante de má fé, exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, o que requer grande cautela para evitar condenações injustas” - Ac. do STJ, de 28-05-2009, relator ÁLVARO RODRIGUES, processo n.º 09B0681, disponível em dgsi.pt).

Já a respeito da indemnização dispõe o artigo 543.º do CPC, a graduar segundo a intensidade da má-fé, situação económica do litigante doloso, de modo a assegurar uma função repressiva especial e de prevenção geral.

*

(…)

Todavia o mesmo não pode ser dito em relação aos pontos 51) e 58) dos factos provados e no que respeita à alegação, comprovação e demonstração de que foi enviado o email ao progenitor a 09-09-2023 junto com o requerimento de 28-05-2024 [10842354].

A progenitora mentiu sobre isso.

A progenitora juntou ao processo um documento justa-composto que falsifica essa demonstração.

A única questão pendente é a razão e o resultado de tal conduta que se nos escapa.

O envio do email nada alterava à causa de pedir e aos fundamentos da defesa, visto que a comunicação por WhatsApp já estava assente, aliás nos exatos termos em que constavam daquele pretenso email.

Exceto se tal for apenas relevado como uma breve manifestação daquela defesa inapta e inepta com que a progenitora definiu a sua estratégia para estes autos.

E tudo isto é tão ou mais desapiedado de qualquer racionalidade quando se considera que a própria progenitora, em audiência, fez prova plena dessa falsidade (e inocuidade) ao dizer, perante juiz, Ministério Público e Ilustres Advogadas que a comunicação de viagem entre os dias 15 e 25 de setembro ficou a constar de rascunho com indicação de que esse rascunho não foi enviado e que posteriormente considerava tal envio desnecessário.

Apesar de não se alcançar a utilidade de tal atuação, esta conduta não deixa de redundar numa flagrante omissão e incumprimento deliberado do dever de verdade e de cooperação para com o Tribunal e a respetiva atividade de instrução.

Sendo de gravidade quase inexistente, resta uma conduta de alegação falsa com junção de documentação de suporte falsa, comportamento que deve ser prontamente sancionado pelo Tribunal por qualificação de conduta nos termos do art.º 542.º, n.º 2 al. b) e d) do CPC – alteração da verdade dos factos quanto à alegação de envio de email e uso manifestamente reprovável meios processuais quanto à junção de documento falsificado para efeito da alegação que procurava demonstrar.

De tudo isto, resulta que a Ré alterou a verdade dos factos, tendo como único propósito (inócuo no seu resultado) impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça e protelar a afirmação dos direitos do Requerente.

Perante tal situação, cumpre-nos uma decisão que consigne a evidente litigância de má-fé da requerida progenitora nestes autos, no sentido em que pretendia fazer valer uma determinada versão dos factos, com perfeita consciência dessa falsidade, ainda que inapta ou ineptamente.

Esta é claramente uma atuação ilícita e que fere os princípios mais elementares da lealdade e da boa cooperação para com o Tribunal e para com a contraparte, que nada tem que ver com uma lide mais ousada na construção e argumentação jurídica.

Somos, então, a concluir que a conduta da Ré revela elementos suficientes de uma conduta dolosa, procedendo a condenação por litigância de má-fé, nos termos do art.º 542.º, n.º 2 al. b) e d) do CPC.

Cabe ao Tribunal sancionar estes comportamentos, sempre numa perspetiva pedagógica e aproveitando os fatores de decisão ínsitos ao art.º 543.º do CPC.

A consequência da violação dos referidos deveres não ficou repercutida no protelamento e na atividade instrutória dos autos.

O apuramento desta defesa por falsidade e falsificação ficou demonstrada pela pronta colaboração da requerida e não acarretou qualquer oneração para a atividade instrutória da causa.

Este enquadramento dever-se-á refletir na importância da multa (ou indemnização caso a ela houvesse lugar).

(…)”.

A recorrente dissente, pelas razões constantes das suas conclusões de recurso (as 33ª a 37ª).

Apreciando, brevitatis causa.

Face ao que está provado nos factos 52., 4º, 54., 56. a 58., temos como indubitável que a recorrente agiu com má fé, nos termos do art. 542º, nº 2, b) e d), do NCPC, como justificadamente demonstrou o tribunal a quo, fundamentos jurídicos que merecem a nossa concordância.

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).

IV – Decisão

 

Pelo exposto, indefere-se a reclamação para a conferência, mantendo-se os despachos reclamados, e julga-se o recurso improcedente, assim se mantendo a decisão recorrida.  

*

Custas pela recorrente.

*

                                                                                               Coimbra, 13.5.2024   

Moreira do Carmo

Alberto Ruço

Fernando Monteiro