I - A negligência das partes, causa da deserção da instância executiva, deve ser aferida por referência ao impulso processual que no caso estiver em falta da parte nele interessada, ou seja da exequente.
II - Apenas na medida em que a prossecução processual estiver pendente de atuação da exequente e sobre o não impulso recair o juízo de conduta negligente pela falta daquela e por período superior a seis meses, se pode concluir pela deserção da instância nos termos do artigo 281º nº 5 do CPC.
III - Na medida em que a deserção opera ope legis na instância executiva, sem necessidade de decisão judicial, temos que a prática de atos posteriores ao momento em que os pressupostos da deserção já se verificam, não tem a capacidade de por si renovar a instância executiva ou obstar aos efeitos da declaração da deserção
3ª Secção Cível
Apelação em separado
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunto – Miguel Baldaia Morais
Adjunta – Teresa Pinto da Silva
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Execução do Porto
Apelante/AA
Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA exequente, notificada da decisão que indeferiu a reclamação por si apresentada sobre a comunicação da AE de extinção da execução por deserção, da mesma interpôs recurso de apelação, pugnando pela revogação de tal decisão, para tanto apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
“I. A 08/03/2024, o requerimento do Encarregado da Venda de 15/06/2023 aguardava ainda decisão. Como ainda aguarda.
II. Com efeito, o Sr. AE ainda não decidiu se mantém o encarregado da venda ou nomeia outro,
III. Ou pelo menos não notificou a exequente de tal decisão.
IV. Nem notificou a exequente para declarar se desiste ou não da penhora do veículo ..-..-ET.
V. Sem prescindir, a notificação de 16/06/2024 era notoriamente para a exequente exercer o contraditório, querendo, quanto ao requerimento do Senhor Encarregado da Venda de 15/06/2023.
VI. Nada tendo dito, cabia ao Senhor AE pronunciar-se sobre o dito requerimento de 15/06/2023.
VII. Ora, o impulso processual do exequente, depois de instaurada a ação executiva, é de segunda linha, já que é o agente de execução que concentra em si, e num único momento de raciocínio, a antiga promoção do exequente e a fiscalização do juiz, para logo de seguida levar à prática aquilo que ele próprio decidiu realizar.
VIII. Por isso, entende-se não caber no conceito de negligência do exequente a ausência de tramitação que seja imputável ao agente de execução, porque carente da prática de atos da sua exclusiva competência, a menos que o exequente seja notificado dessa situação de inércia do agente de execução em termos de para ele ser transferido um qualquer ónus de praticar atos tendentes a pôr-lhe cobro, requerendo a realização de concretas diligências executivas ou mesmo a destituição do agente de execução.
IX. Quanto à notificação de 10/07/2023, e mesmo que assim se não entendesse, terá de considerar-se que o termo inicial do prazo de 6 meses do art.º. 281º, nº5, do CPC só começaria a contar-se uma vez decorridos os 10 dias para a exequente requerer alguma coisa.
X. Pois só decorridos aqueles 10 dias é que poderia considerar-se «negligente» a suposta «omissão» de qualquer atuação da exequente.
XI. Esse prazo de 6 meses sempre teria assim começado a correr em 08/09/2023 e terminado a 08/03/2024.
XII. Ainda assim e à cautela, a exequente teve o cuidado de em 20/02/2024 reiterar que o seu requerimento de 21/04/2023 de prosseguimento dos autos para venda da viatura ..-..-ET, pertença do executado BB.
XIII. Em vez de notificar o encarregado da venda para prosseguir com as diligências da venda ou nomear outro encarregado da venda, o Sr. AE extinguiu a execução por deserção!
XIV. Manifestamente não pode ser: Se alguém teve um comportamento negligente foi o Sr. Agente de Execução, não a exequente!
XV. Mais: a jurisprudência tem entendido que dada a função compulsória do mecanismo da deserção, «não faz sentido declarar a deserção depois de praticado pela parte, sponte sua e ainda que após o decurso do prazo de seus meses, o ato cuja omissão tenha estado na origem da paragem do processo».
XVI. Ora, mesmo que o Senhor AE não se tivesse apercebido que a exequente aguardava o prosseguimento dos autos para venda do veículo, perante o aludido requerimento de 20/02/2024 tal era claro.
TERMOS EM QUE JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RESURSO, DEVERÁ REVOGAR-SE A DECISÃO DE EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO POR DESERÇÃO E DETERMINAR-SE O PROSSEGUIMENTO DA MESMA PARA COBRANÇA DOS €7.500,00 AINDA EM DÍVIDA.”
***
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC (Código de Processo Civil) – resulta das formuladas pela apelante ser questão única a apreciar se a instância executiva se encontrava efetivamente deserta, tal qual o AE o entendeu e lavrou termo que comunicou à exequente. Entendimento que em apreciação de reclamação apresentada, o tribunal a quo validou.
III- Fundamentação
Com interesse para a decisão importa elencar as seguintes ocorrências processuais (de acordo com os elementos juntos a estes autos e o que resultou da consulta do histórico dos autos principais)
i- Instaurada a presente execução em data anterior a 2013 e após vicissitudes processuais várias (que ao caso não relevam), determinou a AE em 08/02/2023 a venda do bem penhorado (um veículo automóvel de matrícula ..-..-ET) por negociação particular;
ii- Após uma suspensão da instância a pedido das partes para chegarem a acordo e frustrado este, veio a exequente, em 21/04/2023, requerer a prossecução da venda do veículo em causa;
iii- Mostra-se junto aos autos em 15/06/2023 mail datado de 13/06/2023, enviado pelo encarregado de venda, dando nota da impossibilidade de venda da viatura penhorada e mencionando ter sido considerada “em estado de sucata”, por um dos dois únicos proponentes que se mostraram inicialmente interessados. Mail cujo teor aqui se deixa reproduzido:
iv- Em 16/06/2023 a AE notifica a exequente na pessoa do seu Exmo. Mandatário nos seguintes termos:
“INFORMAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS EFETUADAS
Previsto no artigo 754º do Código do Processo Civil.
Assunto: Diligências efetuadas nos presentes autos
Fica V/ Excª. notificado de todas as diligências prévias à penhora/pesquisas efetuadas nos presentes autos os quais se encontram disponíveis para consulta informática por V/ Excª. no histórico do processo "via Citius", considerando-se assim prestado o dever de informação conforme disposto no artº.14º, nº.2 e 3 e 42º da Portaria 282/2013.
Mais fica notificado, para requerer o que tiver por conveniente face à informação junta.”
v- Em 10/07/2023 é enviada à exequente nova notificação, do seguinte teor:
“Fica V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, informo V.ª Ex.ª que face à notificação anterior e à não resposta da mesma os autos encontram-se a aguardar impulso processual sem prejuízo do disposto no artigo 281.º n.º 5 do CPC.”
Na mesma data sendo enviada ao encarregado de venda notificação do seguinte teor:
“Serve o presente para informar que foi o exequente notificado da sua informação datada de 13-06-2023, no entanto o mesmo não deu qualquer resposta, encontram-se os presentes autos a aguardar impulso processual sem prejuízo do disposto no artigo 281.º n.º 5 do CPC.
vi- Em 20/02/2024 a exequente requer nos autos:
“uma vez frustradas as negociações para acordo, vem REITERAR o seu requerimento de 21/04/2023 de prosseguimento dos autos para venda da viatura ..-..-ET, pertença do Executado BB.”
vii- Em 08/03/2024 a AE lavra nos autos o seguinte termo:
“EXTINÇÃO DE EXECUÇÃO
Face ao requerimento que antecede é do nosso entendimento seguinte:
1. No decorrer da tramitação dos autos, foi o exequente notificado a 16-03-2023 nos termos do disposto no artigo 754.º do CPC;
2. Face à inércia deste, no prazo supletivo legal, foi o mesmo novamente notificado a 10-07-2023 para requerer o que tivesse por conveniente sem prejuízo do disposto no artigo n.º 281.º n.º 5 do CPC;
3. O exequente, apenas a 20-02-2024 requereu o prosseguimento dos autos com a venda de bens.
Face ao exposto e tendo em conta a disposição legal verifica-se que, desde a notificação referida no ponto 2 até ao último requerimento do exequente, decorreram mais de 6 (seis) meses, pelo que não pode ser atendido o requerido a 20-02-2024, declarando-se assim a extinção da execução nos termos do disposto no art.º n.º 281.º n. º5 do CPC.
Esta decisão é suscetível de reclamação para o Juiz nos termos do disposto da alínea c) do nº 1 do art. 723º do CPC no prazo de dez dias.”
viii- Apresenta a exequente reclamação do ato da AE a qual mereceu a seguinte decisão (ora recorrida):
“Requerimento/reclamação da exequente de 22/03/2024.
O Sr. AE procedeu em 08/03/2024 à extinção da execução por deserção, dizendo que desde a notificação da exequente de 10/07/2023 decorreram mais de 6 meses, pelo que não podia ser considerado o requerimento de 20/02/2024.
Apurou-se a seguinte tramitação/factualidade nos autos:
1.- A exequente foi notificada pela Secção nos termos seguintes:
- em 16/06/2013 - “Fica V/ Excª. notificado de todas as diligências prévias à penhora/pesquisas efetuadas nos presentes autos os quais se encontram disponíveis para consulta informática por V/ Excª. no histórico do processo "via Citius", considerando-se assim prestado o dever de informação conforme disposto no artº.14º, nº.2 e 3 e 42º da Portaria 282/2013.
Mais fica notificado, para requerer o que tiver por conveniente face à informação junta.”.
- em 10/07/2023 - “Fica V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, informo V.ª Ex.ª que face à notificação anterior e à não resposta da mesma os autos encontram-se a aguardar impulso processual sem prejuízo do disposto no artigo 281.º n.º 5 do CPC.”.
2.- Em veio 20/02/2024 a exequente veio requerer o prosseguimento dos autos.
3.- O Sr. AE procedeu em 08/03/2024 à extinção da execução por deserção, o que foi mantido na informação que antecede.
Dispõe o art.º 281.º, n.º 5, do CPC, que: “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.
Decorre do texto de tal normativo que são pressupostos para que a deserção da instância executiva (com a consequente extinção da respetiva instância: cfr. o art.º 277.º, al. c) do CPC), possa ser declarada:
a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;
b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.
Compulsados os autos, e atentos todos os atos praticados pelo Sr. AE e pela exequente, e considerando ainda todas as notificações realizadas à exequente, considerando também a fundamentação de facto exposta pelo Sr. AE na sua decisão de 08/03/2024 e na informação que antecede, cremos que a reclamação/requerimento da exequente carece de suficiente e adequada fundamentação.
Como se extrai dos autos, em 16/06/2023 e em 10/07/2023, o Sr. AE fez duas notificações à exequente, a qual não respondeu ao solicitado, vindo o Sr. AE a extinguir a execução em 08/03/2024, por deserção.
A notificação da exequente de 10/07/2023, considera-se efetuada em 13/07/2023, produzindo efeitos desde tal data.
A notificação da exequente de 10/07/2023 vem apenas completar a anterior notificação de 16/06/2023, alertando expressamente a exequente que o processo já estava parado a aguardar o seu impulso, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º, n.º 5, do CPC.
Perante as referidas notificações seguidas e interligadas de 16/06/2023 e de 10/07/2023, afigura-se-nos que o prazo de 6 meses de deserção se conta a partir da notificação do despacho de 10/07/2023 à exequente e não como invocado pela exequente (cfr., entre outros, os Profs. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in CPC anotado, 3.ª edição, 2014, vol. 1º, p. 554-558; e os Sr. Drs. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC anotado, Vol. I, 2018, p. 328-331).
Dado que a notificação da exequente de 10/07/2023 se considera efetuada em 13/07/2023, produzindo efeitos desde tal data – data em que a exequente ficou expressamente alertada da paragem do processo e para a deserção -, o referido prazo de 6 meses terminou em 13/01/2024, pois não se suspendeu durante as férias judiciais.
Além disso, como se sabe, o decurso do prazo de 6 meses importa, sem mais, a deserção da instância e a sua extinção, sendo de verificação automática, não dependendo de qualquer decisão – cfr. os arts. 281.º, n.º 5, e 277.º, al. c), do CPC, bem como o art.º 297.º, n.º 1, do Cód. Civil, e, entre outros, o Ac. do TRL de 24/06/2014, no proc. n.º 756/11.5TVLSB.L1, relatado pelo Sr. Des. Dr. Pedro Brighton, in www.dgsi.pt/jtrl.
O requerimento da exequente de 20/02/2024 foi já extemporâneo e irrelevante para efeitos de impulsionar a regular tramitação dos autos, tal como entendeu o Sr. AE na decisão de 08/03/2024.
Conforme as várias notificações que lhe foram efetuadas pelo Sr. AE, cabia à exequente dar o efetivo impulso processual à execução.
O Sr. AE esteve a aguardar o impulso processual da exequente, conforme a notificação efetuada e para os efeitos da deserção da instância, pelo que a paragem do processo tem de lhe ser imputada.
Perante a concreta tramitação seguida e o estado dos autos, por existir suficiente e adequada justificação e ao abrigo do disposto no art.º 281.º, n.ºs 1 e 5, do CPC, verificados os acima citados pressupostos legais, cremos que se verificou o fundamento invocado para a deserção da execução, pois a exequente foi até notificada previamente para tal efeito e com tal advertência expressa, nada dizendo, havendo negligência efetiva e relevante por parte da exequente na promoção desta execução.
Perante o estado dos autos e os elementos juntos, e com o devido respeito pela posição da exequente, afigura-se-nos que existiam motivos válidos para o Sr. AE extinguir a execução por deserção.
Perante a referida atuação/omissão da exequente e a citada decisão de extinção do Sr. AE, estava vedado o prosseguimento dos autos pedido pela exequente.
Assim, verifica-se que a extinção da execução pelo Sr. AE decorreu da regular tramitação dos autos, foi legal e não pode ser agora revertida, não podendo agora os autos prosseguir como pedido pela exequente.
Pelo exposto, por falta de fundamento, indefere-se o requerido pela exequente, mantendo-se a decisão reclamada.
(…)”
***
Em função das vicissitudes processuais acima enunciadas por forma a elucidar as ocorrências relevantes para a questão em discussão e tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, tal como já supra referido, cumpre apenas apreciar se à data em que a exequente apresentou o seu requerimento de 20/02/2024, a execução estava já extinta por deserção.
Da factualidade acima elencada resulta que os autos de execução a que respeita este recurso foram instaurados em data anterior a 2013 logo em data anterior à vigência do atual CPC (na redação conferida pela Lei 41/2013).
Não obstante e conforme decorre do artigo 6º nº 1 da Lei 41/2013 que aprovou o NCPC (em vigor desde 01/09/2013 - vide artigo 8º da mesma Lei), é o mesmo aplicável a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo das especificidades previstas nos nºs 2 a 4 do mesmo artigo que para o caso não relevam.
Assim e porquanto em causa está uma imputada falta de impulso processual reportada a 2023/2024, manifestamente que apenas releva para o efeito o regime processual estabelecido no NCPC.
Dispõe o artigo 281º nº 5 do NCPC “5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”
Tal como se infere da letra da lei, a negligência das partes, causa da deserção da instância executiva, deve ser aferida por referência ao impulso processual que no caso estiver em falta da parte nele interessada, ou seja da exequente.
Apenas na medida em que a prossecução processual estiver pendente de atuação da exequente e sobre o não impulso recair o juízo de conduta negligente pela falta daquela e por período superior a seis meses, se pode concluir pela deserção da instância nos termos do artigo 281º nº 5 do CPC.
Tendo o tribunal a quo (no seguimento do entendimento da AE) considerado como fundamento da decisão recorrida o não impulso da exequente por período superior a 6 meses [em causa o período que medeia entre 10 de julho de 2023 e 20 de fevereiro de 2024], perante as vicissitudes processuais supra elencadas, tem-se como assente que efetivamente entre estes dois limites temporais nenhum requerimento dirigiu a exequente ao processo e como tal durante tal período o mesmo o não impulsionou.
A deserção da instância executiva está, compreensivelmente, dependente (no contexto em análise e conforme acima já anunciado) de três pressupostos: não só que o impulso processual não exista; como também que os autos estejam a aguardar pelo mesmo e há mais de seis meses; e ainda que o não impulso seja imputável a título de negligência à parte sobre quem o mesmo recai.
Estando assente que a exequente nada requereu nos autos no período contido entre julho de 2023 e 20 fevereiro de 2024, cumpre apreciar se tal lhe era exigido e, portanto, se o eventual não desenrolar processual estava dependente de alguma atuação da sua parte. Só e uma vez verificada esta obrigação se justificando então analisar se a ausência de impulso lhe é imputável a título de negligência.
A recorrente invoca, como fundamento do recurso, que o requerimento do encarregado de venda de 08/03/2024 aguardava por decisão do AE, quanto a se seria mantido no seu cargo ou não.
Não procede este argumento.
Tal qual resulta do ponto III das enunciadas ocorrências processuais, veio o encarregado de venda comunicar aos autos a impossibilidade de lograr a venda do bem que estava a decorrer por negociação particular. Mencionando ainda um referido estado de sucata desse mesmo bem. Dando assim nota do fim dos seus serviços – entende-se perante a por si entendida impossibilidade de vender o bem penhorado – sem prejuízo de igualmente declarar que ficaria ao dispor do tribunal, caso este entendesse deverem os seus serviços permanecerem para ulteriores diligências.
De útil e pertinente para o fim da execução, no imediato, resultou a pelo encarregado de venda anunciada impossibilidade/inutilidade da venda do bem penhorado.
Assim o tendo entendido a AE, de tal notificou a exequente junto com o conhecimento das diligências efetuadas com vista a outras penhoras, nos termos do artigo 754º do CPC – vide ponto IV das ocorrências processuais.
E, nada tendo a exequente requerido no prazo geral de 10 dias, foi seguidamente notificada a 10/07/2023 com a expressa advertência de que os autos aguardavam o seu impulso, sem prejuízo do disposto no artigo 281º nº 5 do CPC[2].
Ou seja, caso a exequente tivesse ficado em dúvida quanto às finalidades e circunstancialismo que motivou a primeira notificação, ficou a mesma devidamente esclarecida com a segunda notificação, quer quanto ao ónus de impulso processual, quer quanto à advertência que a falta de impulso seria considerada para efeitos do artigo 281º nº 5 do CPC como uma atuação negligente a si imputável, com a consequência legal prevista de deserção da instância.
Ao contrário do que é defendido pela recorrente, não está em causa uma imputada falta de atuação da agente de execução.
Os autos, perante a comunicada impossibilidade de venda do bem penhorado e seu mencionado estado de sucata, associado à comunicação das diligências feitas nos termos indicados no ponto iv com vista à procura de outros bem penhoráveis, reclamavam uma tomada de posição da exequente.
O mesmo é dizer, aguardavam o impulso processual desta, na sequência da expressa notificação que lhe foi enviada, nos termos acima assinalados.
Tendo-lhe sido dado conhecimento da impossibilidade de venda da viatura penhorada (venda que estava em negociação particular), bem como das diligências efetuadas nos termos do artigo 754º do CPC, bem como subsequentemente de que os autos aguardariam nos termos do artigo 281º nº 5 do CPC o seu impulso, não é correta a afirmação de que a AE estava em falta quanto à promoção de venda deste mesmo bem. E ao ser de tal notificada, ficou a exequente ciente de que lhe cabia impulsionar os autos, requerendo o que tivesse por conveniente e útil à prossecução do objetivo executivo – a cobrança da dívida exequenda.
Acresce que após a notificação de 10/07/2023, a exequente só volta a enviar requerimento aos autos em 20/02/2024. Então já tinham decorrido seis meses desde a data em que a exequente se presume notificada – no 3º dia útil posterior (vide artigo 248º do CPC), ou seja, a 13/07/2023, iniciando-se a contagem do prazo de 6 meses previsto no artigo 281º nº 5 do CPC, no dia útil subsequente, ou seja, a 14/07/2023.
Ao contrário do que alega a recorrente, a contagem deste prazo não se suspende nas férias judiciais (vide artigo 138º do CPC).
E, consequentemente, à data de 20/02/2024 tinham decorrido os seis meses indicados no nº 5 do artigo 281º.
A atuação omissiva e silente da exequente, no circunstancialismo apontado e pelo período contido entre a notificação de 10/07/2023 e o requerimento aos autos de 20/02/2024, permite a interpretação de uma atuação negligente da sua parte, justificativa do preenchimento dos dois pressupostos, objetivo (decurso do tempo) e subjetivo (conduta negligente) necessários à verificação da declaração da deserção da instância.
Declaração que por força do disposto no artigo 281º nº 5 do CPC não é constitutiva da situação processual da deserção. Antes decorrendo automaticamente da verificação dos respetivos pressupostos, sem necessidade de decisão judicial – é o que claramente preceitua o nº 5 do artigo 285º do CPC.
Na medida em que a deserção opera ope legis na instância executiva, sem necessidade de decisão judicial, temos que a prática de atos posteriores ao momento em que os pressupostos da deserção já se verificam, não tem a capacidade de por si renovar a instância executiva ou obstar aos efeitos da declaração da deserção [3]. Pelo que também por aqui improcede o argumento apontado na conclusão XII.
Em conclusão, a exequente por período superior aos permitidos 6 meses não impulsionou a execução como lhe era imposto in casu, e nenhuma justificação para tanto apresentou.
Em suma, improcedem todos os argumentos da recorrente. Não merecendo qualquer censura a decisão do tribunal a quo.
Impõe-se, nestes termos, confirmar a decisão recorrida.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso totalmente improcedente, consequentemente confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Porto, 2025-05-12
(M. Fátima Andrade)
(Miguel Baldaia Morais)
(Teresa Pinto da Silva)
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[1] Justificando e bem o tribunal a quo tal admissibilidade, com base numa interpretação restritiva da regra especial de irrecorribilidade prevista no artigo 723º nº 1 al. c) do CPC. Interpretação que tem vindo a ser defendida e aceite em situações em que a decisão recorrida implica nomeadamente com a suspensão, extinção ou anulação da execução, para tanto se convocando nomeadamente o disposto no artigo 853º nº 2 al. b) do CPC aliado ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva [vide sobre este ponto e tratando pormenorizadamente esta questão que ali fora expressamente convocada, Ac. TRG de 15/02/2024, nº de processo 6874/16.6T8VNF-F.G1 in www.dgsi.pt].
[2] Artigo 281º do CPC, cuja redação aqui se deixa reproduzido:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”
[3] Este entendimento foi expresso no Ac. TRL de 10/02/2022, nº de processo 19390/10.0YYLSB.L1-2, Ac. TRC de 22/06/2021 nº de processo 1170/13.3TBPBL.C1 e Ac. TRG de 02/12/2021, nº de processo 565/18.0T8AVV.G1; no mesmo sentido e tendo como pressuposto a natureza meramente declarativa da decisão que julga deserta instância declarativa, vide Ac. TRP de 24/05/2021, nº de processo 4842/09.3TBSTS.P2 e Ac. TRL de 20/12/2016, nº de processo 3422/15.9T8LSB.L1-7, todos in www.dgsi.pt .