I - Para efeitos de indemnização autónoma do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico (sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais). Tal indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, mesmo que não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da restrição às oportunidades profissionais à sua disposição quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas;
II - Sendo inviável estabelecer o seu quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função da gravidade das sequelas sofridas;
III - É adequada, necessária e proporcional a importância de 10.000,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do acidente era polícia de segurança pública e contava 52 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção ou agravamento dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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Recorrente: AA
Recorrida: COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A
AA propôs ação comum contra a COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 22.556,37€, a título de indemnização pelos danos por si sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como as quantias que se vierem a apurar em ulterior incidente de liquidação e relativas às perdas do suplemento de patrulha e dos serviços remunerados, aquelas desde a data em que se considerem indevidas e estes desde a data da alta clínica, ambos até à idade de aposentação.
Alega, para tanto os danos que sofreu emergentes do acidente de viação que refere, designadamente, para o que à decisão do presente recurso releva, que “À data do acidente, o A. tinha 52 anos de idade”; “Exercia e exerce funções profissionais na Polícia de Segurança Pública (PSP), auferindo a quantia líquida média mensal de 1.365,00€”; “ficou a padecer de dores permanentes, o que o leva a claudicar da perna esquerda”; “Não consegue manter-se na posição ortostática, ou na posição de sentado, por mais de 60 minutos consecutivos”; “Ficou com muitas dificuldades em subir e descer escadas”; “A claudicação da perna torna a marcha muito instável, o que o faz tropeçar com frequência, sendo que já teve várias quedas”; “Tais limitações físicas impedem-no de realizar serviços operacionais”; “IPG de 3 pontos” “reclama-se, a título de dano biológico, a quantia de 10.000,00€”.
A Ré apresentou-se a contestar impugnando factos alegados pelo Autor e sustentando ser o valor reclamado a título de dano biológico exagerado.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
parte dispositiva:
“Pelo exposto, decide julgar-se parcialmente procedente, por provada nessa medida, a presente acção declarativa, e, em consequência:
▪ Condenar a ré COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A. a pagar ao autor a quantia de:
i. 704,75€ (setecentos e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
ii. 1.450,02€ (mil quatrocentos e cinquenta euros e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
iii. 59,13€ (cinquenta e nove euros e treze cêntimos) mensais por cada mês não pago e até à reforma do autor a título de subsídio de patrulha que deixou de receber;
iv. 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de danos morais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
Mais se condena a ré a pagar ao autor o:
v. Valor mensal variável, como contrapartida dos serviços remunerados que realizava fora do seu horário de trabalho (serviços requisitados e pagos à P.S.P. por entidades terceiras), desde a data da alta clínica até à reforma do autor e até à sua reforma, a liquidar em execução de sentença;
▪ Absolver a ré do pagamento da quantia de 401,60€.
Custas pelas partes, na proporção do decaimento e vencimento da acção (artigos 527.º, nº 1 e 2, 528.º, n.º 1, do C.P.C. e artigo 6.º, n.º 1 do R.C.P.).
CONCLUSÕES:
1 – No que respeita à condenação da Ré no ressarcimento dos danos patrimoniais, a sentença de que se recorre limitou-se a considerar os factos provados relativos a perdas salariais, nada mais!
2 – Embora a condenação esteja correta, de acordo com os factos provados relativos a perdas salariais (passadas e futuras), não pode aceitar-se que tenha sido desconsiderado o maior dano patrimonial de todos: o dano biológico!
3 – O dano biológico, que emerge da afetação de uma pessoa do ponto de vista funcional, é determinante nas consequências negativas a nível da sua atividade geral, definindo-se como um estado de danosidade físico-psíquico-pessoa, representando “uma diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”.
4 – É ressarcível desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.
5 - A consideração do dano biológico servirá para cobrir, ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual
Neste sentido:
- Ac. do STJ, de 08/03/2016, proc. nº.103/13.1TBARC.P1.S1, in www.dgsi.pt. - Ac. do STJ de 02/02/2016, proc. nº. 3987/10.1TBVFR.P1.S1:
- Ac. do STJ de 16/06/2016, proc. nº. 1364/06 - Ac. do STJ de 10/11/2016, proc. nº. 175/05
- Ac. do STJ de 28/03/2019, proc. nº. 1120/12.4.TBPTL.G1.S1; Ac. do STJ de 5/12/2017, proc. nº. 505/15; Ac. do STJ de 23/10/2018, proc. nº. 902/14.7TBVCT.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
6 - A esse respeito, e nomeadamente ao tipo de lesões e às sequelas sofridas pelo A., que lhe conferem um défice funcional permanente da integridade fisico-psíquica, estão provados factos que demonstram à saciedade a afetação indelével, quer no seu desempenho profissional (esforços acrescidos, com adaptação do posto de trabalho) nas chances que perdeu, na possibilidade de progressão na carreira, no desempenho de outra profissão, incluindo após a idade da reforma, pelo que, e de acordo com a jurisprudência supra transcrita e/ou mencionada, é justa e equitava a condenação da Ré a pagar ao Autor, além das quantias a que já foi condenada a titulo de ressarcimento de danos patrimoniais (perdas salariais), o montante de 10.000,00€ a titulo de dano biológico.
7 - Preceitua o art. 496º, n.º1 do CC: ”Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".
8 - De acordo com o n.º 3 daquele mesmo normativo, "o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º".
9 -A gravidade do dano deve aferir-se por um padrão objetivo, e não de acordo com fatores subjetivos. Por outro lado, o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
10 - O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser sempre calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, e às demais circunstâncias do caso (entre as quais se contam, seguramente, as lesões sofridas e os respetivos sofrimentos) devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
11 - Estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao “mal” sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado.
12 - No caso em apreço, o A. sofreu lesões que deixaram sequelas que afetam todo o seu dia-a-dia, pois que, apesar de clinicamente curado, continua e continuará para o resto da vida a sentir dores na anca atingida, desequilíbrios e claudicação, tendo ficado impedido, a título definitivo, de praticar as suas atividades habituais de lazer.
13 - As dores e demais sofrimentos sentidos pelo A. em consequência do acidente, devido aos ferimentos e aos tratamentos a que foi submetido, são quantificáveis no grau 3/7, é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, e de uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7. Desde o acidente até à consolidação médico-legal decorreram 267 dias!
14 - São consequências extensas, intensas e graves! Não são “coisa pouca”, pelo que, a título de danos patrimoniais é justa e equitativa a quantia peticionada de 10.000,00€.
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Do quantum a fixar de indemnização pelo dano biológico.
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição):
1) No dia 12/03/2020, pelas 14H15, no cruzamento da Rua ..., Rua ... e Rua ..., ocorreu um acidente de viação;
2) Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU (doravante, veículo QU), conduzido e propriedade de BB, que havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para a ré através da apólice ...31, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-JQ-.. (doravante, veículo JQ), conduzido por CC e propriedade da Polícia de Segurança Pública;
3) Aquele cruzamento é formado, no sentido Sul - Norte, pela Rua ..., que entronca no ponto de união entre as Ruas ... e ..., atento o sentido Nascente/Poente;
4) As Ruas ... e ... possuem duas hemifaixas de rodagem, uma em cada sentido;
5) Nas circunstâncias de tempo e lugar suprarreferidas, o veículo JQ circulava na Rua ..., no sentido Nascente - Poente, na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito naquele mesmo sentido;
6) Ao demandar o cruzamento com a Rua ..., onde termina a rua onde seguia e começa Rua ... foi embatido na lateral esquerda, começando pela parte da frente e percorrendo-a até à retaguarda pelo veículo QU;
7) Este último provinha da Rua ..., sentido Sul - Norte, onde existe um sinal de pagarem obrigatória STOP;
8) A ré já assumiu a responsabilidade;
9) Como consequência direta e necessária do acidente acima descrito, o autor foi transportado ao Centro Hospitalar .../..., com queixas ao nível da anca esquerda;
10) Realizados os exames complementares de diagnóstico, teve alta hospitalar;
11) Por as dores se intensificarem, em 25/03/2020 recorreu ao médico especialista em Ortopedia, Dr. DD, que lhe prescreveu a realização de RX da bacia e Ecografia da região trocantérica esquerda;
12) Realizados aqueles exames, voltou à consulta daquele mesmo clínico em 03/04/2020 que lhe prescreveu a realização de RM da anca esquerda;
13) A RM, realizada em 09/04/2020, revelou lesão em favor de conflito tipo CAM, ulceração focal da cartilagem da vertente anterior e superior da cabeça do fémur com edema na medula óssea, e condropatia grau IV;
14) Em 15/07/2020, foi observado pelo médico ortopedista referido que prescreveu tratamentos de fisioterapia à anca esquerda;
15) O autor realizou cinco sessões de fisioterapia;
16) Em 15/09/2020, o autor apresentava dor e inflamação do músculo médio nadegueiro esquerdo;
17) Apresentava dor na marcha, bem como no ortostatismo prolongado, com indicação para manter sessões de fisioterapia na ordem de 15 a 20 sessões;
18) Em 29/03/2021, foi submetido a consulta de avaliação do dano corporal pelos serviços clínicos da ré, tendo-lhe sido reconhecido: Uma I.P.G. de 3 pontos;
Quantum doloris de 4/7; Cura clínica em 03/12/2020;
19) O autor continuou com dores na anca e realizou mais dez sessões de fisioterapia nos meses de novembro e dezembro de 2021;
20) Realizou três sessões de ondas de choque;
21) O autor continuou com muitas dores, pelo que foi orientado para consulta de ortopedia;
22) As dores que continuou a sentir limitavam-no muito em todos os aspetos da sua vida, com especial relevo no exercício das suas funções profissionais, começando a ter muitas dificuldades em dormir, em concentrar-se e com alterações de humor;
23) Por isso decidiu recorrer a consulta de psiquiatria, onde lhe foi diagnosticado ansiedade e depressão, de evolução prolongada, em resposta à persistente condição médica dolorosa resultante do acidente de viação dos presentes autos;
24) O autor teve de recorrer à consulta de dor;
25) Depois da alta clínica, em dezembro de 2020, regressou ao serviço, tendo sido colocado em serviços moderados, já que não mais deixou de claudicar e de sentir fortes dores na anca esquerda, algo que nunca havia acontecido até ao acidente;
26) À data do acidente, o autor tinha 52 anos de idade;
27) Exercia e exerce funções profissionais na Polícia de Segurança Pública, auferindo a quantia líquida média mensal de 1.365,00€;
28) Apesar de clinicamente curado, ficou a padecer de dores permanentes, o que o leva a claudicar da perna esquerda;
29) Não consegue manter-se na posição ortostática ou na posição de sentado por mais de 60 minutos consecutivos;
30) Ficou com muitas dificuldades em subir e descer escadas;
31) A claudicação da perna torna a marcha muito instável, o que o faz tropeçar com frequência;
32) Tais limitações físicas impedem-no de realizar serviços operacionais;
33) Esteve de baixa médica durante 266 dias, sendo que continuou a fazer tratamentos após a alta clínica;
34) Tem muitas dificuldades em caminhar em pisos irregulares, pois claudica da perna atingida, tendo sofrido já várias quedas;
35) Antes do acidente nunca havia sentido dores naquela perna;
36) Após o acidente deixou de poder nadar, de correr e de jogar futebol, como fazia antes do acidente às terças e quintas-feiras;
37) Deixou de caminhar, o que fazia diariamente antes do acidente;
38) Além da sua remuneração mensal e respetivos suplementos com carácter regular, auferia uma quantia mensal variável como contrapartida dos serviços remunerados que realizava para além do seu horário de trabalho por serviços requisitados e pagos à P.S.P. por entidades terceiras;
39) Durante o período de baixa médica, a ré pagou ao autor os serviços remunerados que lhe caberiam em escala, mediante declaração da P.S.P., até ao dia 13/07/2020;
40) Após aquela data, não mais pagou, alegando que o respetivo montante entraria em contas na indemnização final;
41) O suplemento de patrulha é no montante mensal de 59,13€, doze meses/ano;
42) De 14/07/2020 a 18/08/2020, o autor deixou de auferir a quantia de 704,75€;
43) De 19/08/2020 a 18/12/2020, deixou de auferir a quantia de 1.450,02€;
44) Os serviços operacionais na P.S.P. acarretam sempre o pagamento de suplementos com caracter permanente enquanto se mantenham tais funções;
45) No caso, o autor auferia os suplementos de turno e de patrulha;
46) O autor ficou a padecer de sequelas que impedem, em definitivo, de continuar a exercer funções operacionais;
47) A alta clínica foi dada com indicação de serviços internos, de modo a evitar esforços e longos períodos de pé;
48) Mantém-se em serviços moderados ainda que por turnos;
49) O autor deixará de auferir o suplemento de patrulha que é pago como contrapartida direta do exercício de funções operacionais;
50) Acresce que, dada a sua situação clínica, não consegue fazer serviços remunerados, já que estes implicam estar na posição ortostática durante várias horas seguidas, no mínimo, quatro, e o uso da força física;
51) O autor tem o número de beneficiário do SAD/PSP ...00;
Em sede de avaliação pericial, mais se apurou que:
52) À data do exame médico objetivo:
i. O autor apresentava o seguinte Estado geral:
O examinando é esquerdino e apresenta marcha claudicante, sem recurso a ajudas técnicas;
Membro inferior esquerdo: dificuldade em manter marcha em ante-pés e em calcanhares por dor ao nível da face lateral da anca esquerda; faz movimento de agachamento incompleto por dor na face lateral da anca esquerda; Apoio monopodal bilateral preservado, com dor na anca esquerdo com o apoio com o pé esquerdo; Dor à palpação da região trocantérica, sem dor à compressão da articulação sacroilíaca ou das cristas ilíacas;
Mobilidades da anca: flexão faz 0º-90º activamente e 0º-110º passivamente; extensão faz 0º-30º; abdução faz 0º-30º; adução faz 0º-20º; rotação interna faz 0º- 10º; rotação externa faz 0º-40º, com limitação por dor referida à região trocantérica em todos os movimentos; Força da anca ligeiramente diminuída (grau 4/5), limitada por dor em todos os movimentos contra-resistência.
53) A perícia médico-legal mais refere: Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento: O examinando não apresenta lesões ou sequelas;
54) O I.N.M.L. discutiu e concluiu no relatório pericial nos seguintes termos:
“1. O examinado terá sofrido acidente de viação no 12/03/2020, mencionando traumatismo da anca esquerda.
2. De acordo com a perícia de Ortopedia: “Nos exames complementares de diagnóstico realizados foi caracterizado um contexto pré-existente de alterações de conflito femoro acetabular tipo CAM associado a alterações degenerativas, sem nexo causal com o evento em epigrafe”. Contudo, “Aceita-se que na sequência da ocorrência se tenha instalado um quadro de agravamento sintomático ao nível da anca esquerda”.
3. De acordo com a perícia de Psiquiatria: “Do ponto de vista psiquiátrico, o examinando não evidenciou queixas que possam ser consideradas danos permanentes secundários ao evento em apreço”.
4. A data da consolidação médico-legal do quadro sintomatológico é fixável em 03/12/2020, tendo em conta os seguintes aspectos: o tipo de sintomas resultantes, o tipo de tratamentos efectuados e a data da alta clínica da companhia de seguros.
5. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
Défice Funcional Temporário (…).
Considerou-se o:
Défice Funcional Temporário Parcial (…), que se terá situado entre 12/03/2020 e 03/12/2020, sendo assim fixável num período 267 dias, correspondente ao tempo necessário para a consolidação do quadro sintomatológico;
Repercussão Temporária na Atividade Profissional (…). Considerou-se a:
Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (…), que se terá situado entre 12/03/2020 e 12/06/2020, sendo assim fixável num período total de 93 dias, de acordo com a informação transmitida pelo examinado, uma vez que não nos foram enviadas as CITs.
Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial (…), que se terá situado entre 13/06/2020 e 03/12/2020, sendo assim fixável num período total de 174 dias, correspondente ao tempo restante necessário para a consolidação do quadro sintomatológico;
Quantum doloris fixável no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, os sintomas resultantes, o período de recuperação funcional, os tratamentos efetuados e sofrimento psíquico certamente vivenciado;
6. No âmbito do período de danos permanentes (…). Assim, consideraram-se os danos permanentes: Código da Tabela a que correspondem as sequelas: Mf1302 - anca esquerda dolorosa; Coeficientes previstos na tabela: 1 a 3; Coeficientes Arbitrados: 0.03000; Capacidade restante 1; Desvalorização arbitrada 0.03000, 3,00000 PONTOS;
Repercussão Permanente na Atividade Profissional (…). Neste caso, as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual (polícia), mas implicam esforços suplementares;
Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer (…). É fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: as queixas referidas pelo examinado e registadas no subcapítulo "Queixas - Vida afetiva, social e familiar".
Não há lugar à atribuição de outros parâmetros de dano permanente.
55) No relatório de avaliação médico-pericial, conclui-se:
i. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 03/12/2020.
ii. Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 267 dias.
iii. Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 93 dias.
iv. Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial sendo assim fixável num período total de 174 dias.
v. Quantum Doloris fixável no grau 3/7.
vi. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos.
vii. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual (polícia), mas implicam esforços suplementares;
viii. Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7 – conforme Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal junto com a referência 39748811, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
56) A ré suportou as despesas referentes aos tratamentos ministrados ao autor até à data da alta médica, no dia 03/12/2020:
i. 167,89 - despesas médicas de 147,89€ e 20,00€ por uma consulta médica datada de 15/07/2020;
ii. 20,00 - consulta médica no dia 17/06/2020;
iii. 20,00 - consulta médica no dia 06/11/2020; e
iv. 235,00 - MFR e fisioterapia de 22/10/2020.
- Do quantum indemnizatório pelo dano biológico do Autor.
Como tivemos oportunidade de analisar, e a ora relatora afirmou em vários Acórdãos, a responsabilidade da Ré traduz-se numa obrigação de reparar o dano causado, designada por obrigação de indemnizar, cujo princípio geral se encontra consagrado no artigo 562.º.
No quadro da responsabilidade civil, a nossa lei não contempla uma definição de dano, mas refere-o como sendo um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, quer da responsabilidade civil extracontratual quer da responsabilidade civil contratual (v. artigos 483.º, n.º 1, e 798.º), e fornece os parâmetros que permitem chegar a uma definição. Desde logo, o referido artigo 562.º, ao proclamar o princípio geral da obrigação de indemnizar, consigna que: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e o artigo 563.º, sob a epigrafe “Nexo de causalidade”, prescreve que: A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (teoria da causalidade adequada).
Quais são, pois, os danos indemnizáveis?
Refere Joaquim José de Sousa Dinis “Fazendo um zoom sobre a realidade “dano”, como o fez o Ac. do STJ de 28/10/92 (CJ, Ano XVII, T.4, p. 28 e ss), podemos encontrar os seguintes aspectos:
1 - Danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias;
2 - Ganhos cessantes;
3 – Lucros cessantes;
4 – Custos de reconstituição ou reparação;
5 – Danos futuros;
6 – Prejuízos de ordem não patrimonial.
Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida destes; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou enterro de quem tenha falecido.
Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes. Mas não deve ser confundida: a) com a perda de capacidade de trabalho que é nitidamente um dano direto, que se pode aferir em função da tabela nacional de incapacidades (…).
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer,… e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, (e que poderá corresponder, nalguns casos ao tempo de vida laboral útil do lesado), e compreendem ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).
Segundo certa classificação dos danos eles podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado. Os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado (a vida, a saúde, a liberdade, a beleza)”[1].
O “dano” ou “prejuízo” consagrado, desde logo, no referido art. 564º, surge sob vários aspetos. Na verdade, o dano compreende o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) – nº1 – e os danos futuros – nº2.
A responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização.
O montante indemnizatório deve equivaler ao dano efetivo, à avaliação concreta do prejuízo sofrido (e não à abstrata), sendo certo que decore do nº1, do artigo 564º, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Assim, o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes -, e os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes. Exige-se, pois, que traduza uma equação entre a situação económica real em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos.
Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão desenhada com apelo a um juízo de probabilidade, e não a uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos casos de lucros cessantes - enquanto benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão.
O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é, na verdade, condição essencial à obrigação de indemnizar.
Se esse prejuízo se regista ou se reflete na situação patrimonial do lesado estamos perante um dano patrimonial.
Acresce que a lei, para além da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, contempla a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados – art. 494º, n.º2, integrando uns e outros a obrigação de indemnizar.
O art. 566º, consagra o princípio da reconstituição natural, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.
E a indemnização pecuniária deve medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido[2].
Consagra a lei, em sede de indemnização em dinheiro, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2. Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento[3].
Manda, ainda, como vimos, atender aos danos futuros (nº2, do art. 564º), desde que previsíveis e o nº3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.
Na responsabilidade civil extracontratual, designadamente a emergente de acidente de viação, e no âmbito dos danos patrimoniais, previstos nos artigos 483.º, n.º 1, e 562.º a 564.º, encontram-se os danos resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.
No âmbito destes, movemo-nos no chamado dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, podendo, neste, distinguir-se entre a incapacidade fisiológica ou funcional (geral) e a incapacidade para o trabalho.
2.2.1 – Do dano biológico.
Para a análise e o cálculo do dano biológico há a atender à idade do Autor à data do acidente (52 anos), momento em que se produziu este dano, e ter ficado a padecer de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, com todas as limitações daí decorrentes para a vida em geral do Autor.
Na incapacidade fisiológica ou funcional, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e em consequente, previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, podendo incluir as profissionais. É nesse agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar o arbitramento da indemnização (autónoma) pelo dano biológico. Há, assim, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos futuros ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando a demonstração de que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades. Indemniza-se, assim, basicamente o dano corporal sofrido, por si, quantificado por referência a um índice 100 (que corresponde à plena integridade psicossomática), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode, até, não existir. Este entendimento que vem a ser perfilhado pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela.
Na reparação do dano corporal, a jurisprudência tem procurado, na fixação do quantum indemnizatório, determinar o capital que produza o rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a métodos matemáticos, sendo entendimento jurisprudencial uniforme que nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como meros índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender, sempre, à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso.
E, na verdade, é uniforme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o Tribunal não está adstrito ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras, e, sendo o recurso a fórmulas meramente indiciário, não pode o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade.
Sendo grande a dificuldade de cálculo do dano futuro relativo à perda dos rendimentos do trabalho, sendo que o que se pretende não é a fixação de um montante puramente arbitrário, mas antes uma fixação equitativa feita mediante prudente arbítrio - arts. 564°, nº 2 e 566°, nº 3, do CC - parte da jurisprudência orienta-se no sentido de a indemnização dever representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes a essa perda de ganho - Ver, designadamente, os Acs. do STJ, de 09.01.1979, BMJ, n. 283, pág. 260, e de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144.
Deve a estimativa desse dano fazer-se com recurso à equidade - art. 566°, n.º 3, e, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, o julgamento da equidade não pode prescindir da ponderação da duração da vida, da flutuação do valor do dinheiro, das expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. (v. Ac. STJ de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 145). Acresce que, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
A perda da capacidade de ganho e a perda de capacidades funcionais constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente ativo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida.[4]
Ora, in casu, resulta provado que, em consequência do acidente de viação, ocorrido quando o Autor tinha 52 anos de idade, sofreu graves lesões, com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos (dos 100 pontos inerentes à integridade física da pessoa humana).
A aptidão funcional do Autor está comprometida, havendo, para efeito de indemnizar o dano biológico, que ponderar não apenas o tempo de atividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo da sua vida. Com efeito, esse dano patrimonial futuro deve ser calculado em atenção ao tempo provável de vida do lesado, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa[5].
Como se refere no Ac. do STJ 10/11/2016, proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Lopes do Rego, “ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização (…).
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma …): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
(…) a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em limitações funcionais particularmente relevantes - deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida e contabilizada no nível de rendimento auferido ou auferível pelo lesado”[6].
As sequelas sofridas pelo Autor são de molde a afetar, para além das tarefas do seu quotidiano, o desempenho de atividade laboral, representando, nessa medida, uma perda da sua capacidade económica, avaliável em termos do dito dano biológico (vertente patrimonial).
Cumpre, ainda, esclarecer, por forma a que não fique ideia errada de existência de duplicação da avaliação do mesmo dano, que na avaliação do dito dano biológico só relevam as implicações de alcance económico e não as respeitantes a outras incidências, mas sem um alcance dessa natureza (económica). Nessa linha, e como se decidiu no referido acórdão, não é de ter em conta aqui, por exemplo, as implicações na vida sexual do lesado, vertentes estas a ser ponderadas em sede de danos não patrimoniais.
Assim, segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida imposta pela ponderação das realidades da vida, tendo em conta o suprarreferido circunstancialismo, as consequências das lesões sofridas pelo Autor com o acidente, considerando a sua idade à data do acidente e expectativa de vida de acordo com os dados do INE[7], tem-se por ajustada às circunstâncias do caso e às realidades da vida, aos rendimentos do Autor e aos padrões da jurisprudência[8] a valoração do dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, na quantia pedida.
Nenhuma redução cabe efetuar, em nada pecando o referido montante, de excesso ou falta de proporção ou adequação, sendo que montante inferior que pudéssemos atribuir não estaria em sintonia com a justiça e os padrões da jurisprudência, designadamente a deste Tribunal (cfr. Acórdãos relatados pela ora relatora[9]). Sendo o montante pedido equitativo e adequado às circunstâncias do caso e aos padrões da jurisprudência, não padecendo, por isso, de falta de equilíbrio, sendo proporcional e adequado à gravidade do caso, é de atribuir o quantum pedido.
Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação sendo de alterar a decisão recorrida por forma a ser a Ré, ainda, condenada a pagar ao Autor, ainda, a quantia de 10.000,00€, de dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, conforme se decidiu na sentença recorrida.
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação do Autor procedente e, em consequência, revogando, nesta parte, a decisão recorrida, condenam a Ré, ainda, a pagar mais 10.000,00 euros (dez mil euros) ao Autor, de indemnização pelo dano biológico por ele sofrido, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
Porto, 12 de maio de 2025
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Manuel Fernandes
Carla Fraga Torres
_____________________________
[1] José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 29 e seg
[2] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 936.
[3] Ibidem, págs 936 e 937.
[4] Acórdão do STJ de 19/5/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1, acessível in dgsi.net
[5] Ac. TRC de 25/10/2022, proc. 2546/20.5T8LRA.C1, acessível in dgsi.pt
[6] Acórdão do STJ 10/11/2016, proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, in dgsi.net
[7] Cfr. Ac. RP de 4/4/2024, proc. 347/21.2T8PNF.P1, acessível in dgsi.pt
[8] Cfr. Ac. da RP de 9/9/2024, proc. 519/22.2T8OAZ.P1 (Relator: Carlos Gil), acessível in dgsi.pt “Relevando as indicações mais recentes que o Supremo Tribunal de Justiça vem dando sobre a matéria do dano biológico e a natural evolução que as indemnizações devem ter face à erosão do poder de compra resultante da inflação, tendo o lesado quarenta e nove anos na data da alta e estando afetado de um défice funcional permanente de quatro pontos, sendo essas sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicando maiores esforços, julga-se equitativa a indemnização de quinze mil euros”.
Ac. da RP de 3/6/2024, proferido no proc. nº 9774/21.4T8PRT.P1, Relator: Manuel Fernandes, acessível in dgsi.pt), onde se refere: “De acordo com os enunciados fatores, considerando que o autor ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 19 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a € 3.442,30 [(€ 1.294,10 x 14) x 19%], o que permitiria alcançar, ao fim de 54 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente o autor contava 24 anos de idade e que a sua esperança média de vida se situa nos 78 anos de idade), o montante de € 185.884,20” (situando-se, já, esperança média de vida nos 81 anos de idade).
[9] Cfr. Ac RP de 6/5/2024, proc. nº 988/22.0T8PNF.P1, acessível in dgsi.pt “É adequada, necessária e proporcional a importância de 91.000,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do acidente era carteiro (trabalhando nos B... – ...) e contava 49 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção ou agravamento dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 17%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares”;
- Ac. RP de 14/12/2022, proc. 16745/20.6T8PRT.P1 “É adequada, necessária e proporcional a importância de 22.000,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado, guarda da GNR que à data do acidente contava 36 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção ou agravamento dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares”
- Ac. RP de 12/7/2021, proc. 3924/18.5T8AVR.P1 “É adequada, necessária e proporcional a importância de 40.000,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do atropelamento se dedicava à atividade de técnico de manutenção e contava 52 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção ou agravamento dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares”;
-Ac. da RP de 4/11/2019, proc. 2906/18.1T8PNF.P1 a considerar “É adequada, necessária e proporcional a importância de 7.500,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do embate se dedicava à atividade agro-pecuária de subsistência, atividade de que retirava o seu sustento próprio e do seu agregado familiar, e que, esporadicamente, fazia e faz, alguns trabalhos de jardinagem para fora, cobrando valor pecuniário não apurado, que à data do acidente contava com, quase, 60 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção ou agravamento dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares”.