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ADMINISTRADOR JUDICIAL
DESPESAS
REMUNERAÇÃO
Sumário
Sumário - Elaborado pela Relatora nos termos do art.º 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC). 1 – Não constituem despesas para efeitos do disposto no art.º 60º, n.º 1, 2ª parte do CIRE e 22º, do Estatuto do Administrador Judicial, os pagamentos efetuados aos credores no âmbito da realização de rateios parciais. 2 – O limite de 100 000,00 € previsto no art.º 23º, n.º 10, do Estatuto do Administrador da Insolvência é aplicável à remuneração variável total a auferir pelo administrador da insolvência incluindo a majoração de 5%, num caso em que o processo de insolvência tenha seguido para liquidação. 3 – A referida interpretação do citado preceito não é violadora de lei nacional, do direito da união europeia ou dos princípios constitucionais da igualdade, separação de poderes, direitos dos trabalhadores ou da iniciativa económica privada. 4 – O art.º 29º, n.º 10, do Estatuto do Administrador Judicial não permite a interpretação de que o administrador da insolvência poderá retirar antecipadamente da conta da massa insolvente um valor a título de remuneração variável, relativa ao produto da liquidação, em momento anterior ao previsto no n.º 5 do mesmo preceito legal.
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
Em 24.05.2013, foi declarada a insolvência de Oceanos – Associação de Solidariedade Social IPSS.
Foi nomeado administrador da insolvência, na sentença proferida na referida data, ….
Na Assembleia de credores, realizada em 20.09.2013, foi determinado que os autos seguissem para liquidação do ativo.
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Em 03.10.2023, veio o Administrador da Insolvência nomeado nos autos apresentar contas.
Juntou documentos.
Em 14.10.2023, foi junta aos autos ata respeitante ao parecer favorável da comissão de credores referente às contas prestadas pelo Administrador da insolvência.
Em 19.04.2024, o Ministério Público emitiu parecer sobre as contas apresentadas pelo Administrador de Insolvência.
Por despacho de 26.09.2024, foi ordenada a notificação do administrador da insolvência para corrigir a conta corrente inicialmente apresentada, no que respeita a algumas verbas.
Em 23.10.2024, veio o Administrador de insolvência juntar conta corrente retificada.
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Em 29.01.2025, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, o Tribunal decide julgar as contas da administração da massa
insolvente, relativas à actividade exercida pelo Sr. Administrador da Insolvência, Dr. … parcialmente procedentes e, por conseguinte:
1. Fixar as RECEITAS decorrentes da liquidação da MASSA INSOLVENTE, no valor global de 2.202.672,95€;
2. Fixar as DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE, no valor global de 375.787,94€;
3. Não autorizar que o Sr. Administrador da Insolvência pague qualquer tipo de
remuneração aos MEMBROS da COMISSÃO DE CREDORES, por esta não ser devida, nos termos do artigo 71.º do CIRE;
4. Declarar que o Sr. Administrador da Insolvência tem de restituir a favor da
MASSA INSOLVENTE a quantia de 3.134,02€;
5. Declarar que o Administrador da Insolvência tem de restituir a favor da MASSA
INSOLVENTE a quantia de 102.500,00€;
6. Declarar que o Sr. Administrador da Insolvência é titular de um crédito sobre a massa, a título de remuneração variável, no montante de 100.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, no valor de 23.000,00€, perfazendo o mesmo a quantia global de 123.000,00€;
7. Declarar que a remuneração variável relativa ao produto da liquidação da massa insolvente é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo (cfr. artigo 29.º, n.º 5, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro e artigo 230.º, n.º 1, alínea a), do CIRE);
8. Notificar o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 (dez) dias:
a) Informar os autos sobre se, após o proferimento da sentença que aprovou as
contas, procedeu ao pagamento de dívidas da massa que se venceram em data posterior, devendo em caso afirmativo indicar a origem e o montante da dívida;
b) Informar os autos sobre o montante das dívidas que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo; e
c) Informar os autos sobre o saldo actual da conta da massa insolvente, juntando aos autos o extracto bancário da conta da massa;
9. Notificar o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 (dez) dias, apresentar a sua proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respectiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, que deve ser publicada na Área de Serviços Digitais dos Tribunais (cfr. artigo 182.º, n.º 3, do CIRE);
10. Consignar que a COMISSÃO DE CREDORES e os CREDORES disponham de 15 (quinze) dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a proposta de distribuição e de rateio final (cfr. artigo 182.º, n.º 3, do CIRE);
11. Consignar que decorrido o prazo de 15 (quinze) dias previsto no ponto 10., deve a Secretaria apreciar a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos (cfr. artigo 182.º, n.º 4, do CIRE).
Sem custas.
Registe e notifique.”
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Inconformado, em parte com esta decisão, veio o administrador de insolvência nomeado nos autos, em 20.02.2025, apresentar recurso de apelação com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, pedindo, a final, a revogação da sentença recorrida e que se reconheça a remuneração variável global devida ao recorrente no montante de 196.155,18 €, o que acrescido de IVA, no valor de 45.115,69 €, dará um direito ao recorrente ao montante total de 241.270,88 €.
Apresenta o recorrente as seguintes conclusões:
“I) Vem o presente recurso da sentença, com que se não concorda, da Mma. Juiz a quo datado de 29/01/2025 (com a referência 56437011), que designadamente aprovou i) as contas da liquidação, ii) o montante da remuneração variável do AI e iii) determinou a devolução de montantes adiantadamente pagos a este, com decisão nestas matérias que se não aceita.
II) Estando em causa na sentença recorrida, nomeadamente, um conflito de interesses relativo à fixação da remuneração variável do AI e ora Recorrente, não pode deixar de considerar-se totalmente interessado – e nesse sentido efetivamente afetado – na decisão que nos mesmos autos foi tomada e que está sob recurso sendo de considerar-se, por isso, o ora recorrente, parte legitima conforme artº631º/2 do CPC.
III) Por um lado, a sentença recorrida enferma de manifestos lapsos de contabilização de despesas, uma vez que não são consideradas como despesas os montantes constantes dos Docs. 158, 159 e 160 do mapa de base, quando tais montantes são pagamentos no âmbito do rateio parcial, como aliás dos mesmos documentos e referência consta, sendo pagamentos de “rateio parcial a credores” e “comissão de transferência bancária”, no montante total de 34.438,45€;
IV) Sendo, pois que o total de despesas a considerar deverá ser de 312.664,05€ (e não o valor de 347.102,00€);
V) E como tal o montante adiantado pelo AI é efetivamente de 13.626,01€, tendo que repor apenas o montante de 2.357,36€ (15.983,37€ - 13.626,01€), e não o montante de 3.134,02€.
VI) Por outro lado, parece resultar claramente do disposto no art.23º da Lei 22/2013, que a remuneração variável terá necessariamente i) o valor decorrente do seu nº4, b), apurado pela aplicação do critério do nº6, com um valor limite de 100.000,00€, ii) acrescido de um montante de majoração de 5% do montante dos créditos satisfeitos, conforme nº7.
VII) Como se referiu, menciona o nº10 do aludido art.23º à “remuneração calculada nos termos da al. b) do nº4”, referindo-se prima facie à parcela sem a majoração (que está prevista no nº7 do mesmo art.23.º).
VIII) Seria bastante questionável o acerto de uma solução que, a partir de certo montante do resultado da liquidação, deixasse de constituir incentivo ao AI para a demanda de maiores rendimentos em benefício da massa insolvente.
IX) Ponderando os elementos literal e teleológico da interpretação, deve prevalecer, a regra de que as remunerações não conhecem limites máximos, rigidamente estabelecidos, no processo de insolvência, a não ser nos casos expressamente previstos, em sintonia, aliás, com a opção do legislador de afastar o valor de € 100.000,00 como máximo para a própria redução no art.23.º/8 da Lei 22/2013.
X) Acrescendo que tal ausência de teto máximo também não existe no caso de remuneração dos Agentes de Execução, a quem diversa legislação equipara os Administradores Judiciais, como é o caso de significativo das alterações que a Lei 17/2017, de 16/5 introduziu no EAJ, nomeadamente no seu art.11º/a).
XI) Nada permitindo hoje, face à redação nova do art.23.º, que ao ora Recorrente, não seja devido o direito à remuneração fixa e variável prevista nesta art.23.º e segundo os critérios constantes do mesmo, sem tetos máximos, artificiosamente criados por via judicial, e não legislativa
XII) Pelo que acima se referiu, parece-nos manifesto que o legislador nas disposições aplicáveis do CIRE, no Estatuto dos Administrador Judicial decorrente da Lei 22/2013 e, sobretudo, na Lei 9/2022 pretendeu que ao presente caso fosse aplicado o disposto no art.23.º, não se impondo qualquer outra solução sem violação flagrante da letra da lei e da vontade do legislador democrático e das regras insertas nos arts.9.º e
10.º do CC, porquanto a aplicação do disposto no art.23.º/4,b) e 10 e a majoração prevista no art.23º/7 resulta claramente da letra da lei, do pensamento legislativo, respeitando a unidade do sistema jurídico, as circunstância em que a lei foi elaborada e as condições específicas de tempo em que é aplicada, respeitando o principio de que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, bastando, assim, uma mera e singela interpretação declarativa da lei aplicável.
XIII) A interpretação que se faz na sentença recorrida constitui, salvo o devido respeito, claramente uma interpretação revogatória ou ab-rogante da lei aplicável, que expressamente fornece critérios e que não se encontra em conflito com outro aplicável a situação diversa (espécie de interpretação que só terá lugar quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável, nas palavras, ainda, de João Batista
Machado, idem, pag.186, o que , como se viu, não é o caso), violando até o princípio da separação de poderes que resulta do nosso estado de direito democrático, com conformação constitucional expresso nomeadamente nos arts.2.º, 3.º, 13º, 202.º, 203.º e 204.º da CRP- Constituição da Republica Portuguesa, arts.152.º e 154.º do CPC e arts.3.º, 4.º e 6.ºC da Lei 21/85, de 30/07- Estatuto dos Magistrados Judiciais.
XIV) A aplicação ao caso dos autos do disposto no art.23º da citada Lei 22/2013, na interpretação que dele é feita na sentença recorrida, constitui a violação do princípio da interpretação do direito interno em desconformidade com o direito comunitário, inscrito, nomeadamente no art.8.º da CRP e do art.5.º do Tratado da União Europeia.
XV) Acrescendo que a aplicação do aludido art.23º na interpretação que é feita nos autos, viola claramente o estabelecido no art.59.º/1, a) e 61.º/1 da CRP em matéria de direito à retribuição do trabalho e liberdade de iniciativa económica privada no quadro previamente definido pela constituição e pela lei.
XVI) Termos em que se pugna pela revogação da decisão recorrida, e considerando-se que nos termos do disposto no art.23º/10 do EAJ só o montante referido no nº4, b do preceito é que é limitado a 100.000,00€, se reconheça a remuneração variável global devida ao Recorrente no montante de 196.155,18€ (sendo 93.158,40€ resultante do art.23º/4, b, e 102996,79€ resultante da majoração prevista no art.23º/7, ambos do EAJ), o que acrescido de IVA no valor de 45.115,69€, dará um direito do Recorrente ao montante total de 241.270,88€.
XVII) E, finalmente, uma vez que art.29º/10 do EAJ estabelece que “Nos casos em que a administração da massa insolvente ou a liquidação fiquem a cargo do administrador de insolvência e a massa tenha liquidez, os montantes referidos nos números anteriores são diretamente retirados por este da massa.”;
XVIII) E o art.23º/7 do mesmo EAJ determina que “o valor alcançado por aplicação das regras contidas nos nº5 e 6 é majorado (…) em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles”.
XIX) Deve a sentença, nesta parte também em que determina a reposição de verbas a título de adiantamento de remuneração variável, ser substituída por outra decisão que considere legítimos os pagamentos parciais antecipados efetuados pelo AI a título da remuneração variável que lhe é devida, por adiantamento e compensação daquela que vier a ser fixada em definitivo no processo.
XX) Sendo que nas matérias em que se pugna decisão diversa, o fundamento legal e as normas violadas são aquelas que são referenciadas na Motivação supra e nestas Conclusões.
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Foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão proferida e pela improcedência do recurso.
Apresentou as seguintes conclusões:
“1 – É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal “ad quem” (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código).
2 – Proferida que foi douta sentença nos autos, pelo tribunal “a quo”, no que concerne à aprovação das contas e fixação da remuneração variável ao Sr.º Administrador da Insolvência, é deste despacho/sentença que o recorrente coloca em crise, especificamente o segmento em que o Tribunal, designadamente “aprovou i) as contas da liquidação, ii) o montante da remuneração variável do AI e iii) determinou a devolução de montantes adiantadamente pagos a este.”
3 - Em suma, pugna o recorrente que o valor total de despesas a considerar deverá ser de 312.664,05€ (e não o valor de 347.102,00€), sendo que o valor a repor à massa, pelo mesmo, se cifra no montante de 2.357,36€ (15.983,37€ -13.626,01€), e não em 3.134,02€, como doutamente determinado.
4 – Diz o recorrente que, in casu, não se aplica o limite de 100.000,00€, como teto máximo do valor relativo à remuneração variável a fixar, sendo esta, verdadeiramente, a pedra de toque deste recurso.
5 – No que toca à primeira questão colocada, e “aos manifestos lapsos de contabilização”, a que alude o Sr.º AI, tais lapsos não são alcançáveis da leitura e análise da realidade factual das contas vertida nos autos, e que, diga-se, o douto tribunal bem esmiuçou, analisou e fez questão de plasmar na douta sentença, por via dos quadros que fez constar da decisão e que em muito ajudam a perceber a realidade contabilística tratada.
6 – A questão essencial a que se resume este recurso é saber se a M.ª Juiz estava ou não vinculada a observar o limite ínsito ao artigo 23.º, n.º 10, do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação atual), e determinar que, a título de remuneração variável, o Sr.º Administrador da Insolvência não poderia receber um valor superior aquele limite, ou, se ao invés, a mesma não estava obrigada a observar tal teto previsto na lei.
7 – Entende este MP que a decisão em crise é imaculada e respeita, na integra a letra e o espírito da lei, aliás, na senda do que tem vindo a ser perfilhado na vasta jurisprudência acerca desta questão, e já assente.
8 -Transcreve-se por deveras esclarecedor, o vertido no recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de janeiro de 2025, P. n.º 1663/15.8T8PDL-Y.L1.S1, Relator Maria Olinda Garcia, disponível em www.dgsi.pt. ditando no seu Sumário:
“Sumário: A remuneração variável do administrador da insolvência, em caso de liquidação da massa insolvente, está sujeita ao limite de 100.000 Euros, previsto no n.º 10 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial. Tal limite aplica-se ao cálculo da remuneração variável no seu todo, por interpretação conjugada do n.º 4, alínea b), n.º 6 e n.º 7 desse artigo, ou seja, incluindo tanto a parcela que resulta da aplicação do n.º 6, como a majoração (prevista no n.º 7).”
9 - Socorre-se, o recorrente, desde logo, da análise do elemento teleológico da norma, na sua “ratio legis”, e, por isso, na intenção do legislador que presidiu à elaboração do texto legal.
10 - Mais se socorre dos princípios do Direito Comunitário, e da transposição operada para o direto interno da Diretiva (EU) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 20 de junho de 2019, para concluir que o entendimento da norma operado pelo tribunal, viola tal direito (Comunitário), bem como os preceitos constitucionais internos da República Portuguesa, mormente, o artigo 8.º,18.º, e 59.º, n.º 1 e 61.º, n.º 1, todos daquele texto fundamental.
11 - Contudo, esquece-se o recorrente que todos estes temas e argumentos já foram alvo de análise e tratamento pela mais vasta jurisprudência e as razões que nos diversos libelos foram elencados, legitimam o entendimento da norma operado pelo douto tribunal “a quo”, com as quais se concorda e subscreve.
12 - O que pode este modesto Ministério Público dizer, quando a questão em análise já foi alvo de aturada análise, por tribunais superiores, e até já proferido que foi um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência no recentíssimo passado de 14 de janeiro do corrente ano, precisamente há cerca de 2 meses atrás?
13 – Apenas que andou bem o tribunal “a quo” na douta sentença proferida, cumprindo, na integra, e de forma fiel, a letra e o espírito da lei.
14 - E que, nessa conformidade, caiem por terra os argumentos invocados pelo recorrente, contrapondo-se, que:
15 - O intuito do legislador foi precisamente o que verteu na letra da lei, que pretendeu o mesmo, atendendo à natureza insolvencial do processo, as mais das vezes, sem ativos suficientes para satisfação plena dos créditos reconhecidos, colocar um travão na fixação da remuneração do AI, para, dessa forma, equilibrar os dois interesses em jogo; o direito à remuneração condigna do profissional em jogo e a contenção na distribuição dos recursos existentes e limitados;
16 - Invocando a “coerência teleológica da norma, não seria compreensível que o legislador fixasse um limite de 100.000 Euros para a primeira parcela da remuneração
variável (a que é calculada nos termos do n.º 6), mas que tal limite já não valesse para a
segunda parcela (a majoração prevista no n.º 7), que é um complemento da primeira.
Efetivamente, a majoração (atualmente prevista no n.º 7) foi, desde a Lei n.º 22/2013 (então prevista no n.º 5 do artigo 23º), legalmente consagrada como um complemento remuneratório da parcela que correspondia a 5% do resultado da liquidação, permitindo, assim, ao administrador receber um valor mais elevado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Assim, percebendo a relação entre as duas componentes da remuneração variável, seria incoerente e ilógico fixar um limite máximo à primeira parcela e, depois, continuar a complementar essa parcela com a majoração. E ainda mais ilógico seria entender que esta segunda parcela não teria qualquer limite.”
17 - O limite previsto no n.º 10 do art.º 23.º, do EAJ, não corresponde a uma hipótese isolada de limitação legal nesta matéria, uma vez que existem outras situações em que o legislador impôs tais tetos máximos; veja-se no que concerne à remuneração fixa imposta ao Administrador da Insolvência (2.000,00€ - art.º 23.º,n.º 1 do EAJ), a remuneração do Fiduciário (limites máximos estipulados de 300,00€/5.000,00 – artigo
28.º do EAJ);
18 - A norma que nos ocupa “é clara, objetiva e conclusiva, quer no que respeita à sua previsão ou hipótese, mas também quanto à sua consequência ou estatuição, Isto é: a remuneração calculada nos termos da referida alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000,00€ (cem mil euros). Caso se pretende atribuir um significado alternativo a uma norma cujos elementos não se colhem, incorre-se num processo ilógico de obtenção de uma nova regra a partir de uma que já se encontra apurada pela mera letra da lei, o que se traduz numa interpretação ilegal.” – Acórdão do STJ, de 01.10.2024, Relator Maria Olinda Garcia, Processo n.º 14878/16.2T8LSB-G.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
19 - Descarta-se, ainda, a hipótese do limite previsto no n.º 10 consubstanciar uma violação da Diretiva 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, diploma que teria pretendido incentivar a remuneração dos Administradores de Insolvência; pois, cfr também resulta do Aresto referido no número anterior, “Essa Diretiva, que foi transposta pela Lei n.º 9/2022, referindo-se à supervisão e remuneração do administrador, estabelece no n.º 4 do artigo 27º que: «Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.» Ora, desta disposição não resulta nenhum comando legislativo destinado a modelar diretamente as normas reguladoras da remuneração do administrado, nem daí se pode retirar a ideia de que uma remuneração compatível com a resolução eficiente dos processos fosse uma remuneração sem limites. Aliás, como Supra referido, o limite de 50.000 Euros, previsto no n.º 8 do artigo 23º, a partir do qual o juiz pode reduzir a remuneração que resultaria da simples aplicação de critérios contabilísticos, já se encontrava legalmente consagrado desde a Lei n.º 22/2013, e continua em vigor, não sendo, portanto, o limite previsto no n.º 10 uma completa novidade legislativa.”
20 - Como de igual forma se arreda a possibilidade de a norma violar quaisquer Princípios Constitucionais; seja no âmbito laboral – “Também não vemos que a interpretação que aqui deixamos afirmada para o art. 23º n.º10, do EAJ, possa violar qualquer norma ou princípio constitucional, nomeadamente o direito dos trabalhadores, na dimensão retributiva, consagrado no art. 59.º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa, porquanto se nos afigura inteiramente legítimo afixação de um teto remuneratório máximo para o exercício da atividade em causa, que no caso poderá ser tudo menos “condigno”, sendo certo de que dentro de tal teto é sempre possível ajustar a remuneração concreta em função do efetivo trabalho e resultados alcançados.”, cfr resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em 10.09.2024, Relator Alexandra Pelayo, P.º n.º 80/12.5TYVNG-N.P1, disponível em www.dgsi.pt;
21 - Seja na vertente da violação aos Princípios da Igualdade e da Confiança, previstos nos artigos 13.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa, acompanhando a tese perfilhada no douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, que atrás se vem de mencionar: “3.3. A recorrente invoca ainda a inconstitucionalidade do n.º 10 do artigo 23º do EAJ, quando interpretado no sentido de estabelecer um limite global à remuneração variável a auferir pelo administrador da insolvência. Alega a recorrente que a interpretação segundo a qual o limite previsto no n.º 10 do artigo 23.º do EAJ se aplica à globalidade da remuneração variável é inconstitucional por violação do princípio da igualdade (previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), quando confrontado com o regime remuneratório dos Agentes de Execução, que entende não conter limitação equiparável à do n.º 10 do artigo 23º do EAJ, sendo, por isso, mais favorável para esses profissionais.
Dispõe o artigo 13º da CRP:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
Como é elementar (e até de senso comum) o que o artigo 13º da CRP proíbe não é o tratamento desigual de todo e qualquer sujeito em toda e qualquer circunstância, mas sim, essencialmente, em razão do tipo de fatores previstos no seu n.º 2. Ora, é manifesto que nenhuma dessas hipóteses se verifica no caso concreto, não se identificando também nenhuma dimensão de irrazoável desproporcionalidade da norma. Os agentes de execução exercem funções distintas das exercidas pelos administradores judiciais, pelo que nenhuma inconstitucionalidade existe na circunstância de terem um estatuto remuneratório diferente.
Como se entendeu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 437/2006, de 12.07.2006:
«(…) o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (…).»
Alude também a recorrente à existência de uma eventual violação do princípio da confiança, decorrente do artigo 2.º da CRP, por ter a expetativa de o limite previsto no n.º 10 do artigo 23º não ser aplicável à totalidade da remuneração variável.
Todavia, para além de não densificar de forma minimamente consistente em que medida o princípio da confiança teria sido intoleravelmente afetado, a recorrente apresenta uma pretensão incoerente, pois aceita a existência daquele limite para uma parcela da remuneração variável, só não o aceitando para o cálculo da outra parcela.
Acresce que o n. 8 de artigo 23º já permite a aplicação de um limite de 50.000 (desde a Lei n.º 22/2013), que a recorrente não põe em causa, pelo que não poderia, sequer, ter fundadas expetativas de receber uma remuneração superior a este limite. É, assim, manifestamente infundada e, por isso, improcedente a invocação da inconstitucionalidade da referida norma.”
22 - O Tribunal “a quo” observou, na íntegra, todos os Princípios a que estava
obrigado a respeitar, assim como todos os preceitos legais, e conformou a sua decisão
no respeito pela legalidade, pelo que a decisão em crise não merece qualquer censura
ou reparo.”
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Em 01.04.2025, foi proferido despacho que admitiu o recurso interposto, de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
2. Objeto do recurso
Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2 al. b), todos do Código de Processo Civil (CPC), sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3, do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
Considerando o acima referido são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
- Da correção/incorreção da contabilização do montante das despesas elencadas na conta corrente apresentada pelo administrador da insolvência e da reposição do montante de 3.134,02 € pelo mesmo na conta da massa insolvente;
- Da fixação da remuneração variável a auferir pelo administrador da insolvência nomeado nos autos;
- Da reposição na conta da massa insolvente da quantia de 102.500,00 € por parte do administrador da insolvência.
3. Fundamentos de facto.
Os constantes do Relatório, que se dão por integralmente reproduzidos e ainda os constantes da decisão proferida nos seguintes termos:
1. A conta corrente apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência
menciona as despesas e as receitas, com indicação discriminada da respectiva proveniência, relativamente ao período em que exerceu funções:
4. Apreciação do mérito do recurso.
Dispõe o art.º 62º, do CIRE, com a epígrafe “Apresentação de contas pelo administrador da insolvência”, nos seus nºs 1 e 3, que: “
“1 – O administrador da insolvência apresenta contas nos 10 dias subsequentes à notificação de custas pelo tribunal ou à cessação das suas funções, qualquer que seja a razão que a tenha determinado, podendo o prazo ser prorrogado por despacho judicial.
(…)
3 – As contas são elaboradas em forma de conta-corrente, com um resumo de toda a receita e despesa, incluindo os pagamentos realizados em rateios parciais efetuados nos termos do artigo 178º, destinado a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem.”
Menciona, por sua vez, o art.º 64º, do CIRE que:
“1 – Autuadas por apenso as contas apresentadas pelo administrador da insolvência, cumpre à comissão de credores, caso exista, emitir parecer sobre elas, no prazo que o juiz fixar para o efeito, após o que os credores e o devedor insolvente são notificados por éditos de 10 dias afixados à porta do tribunal e por anúncio publicado no portal CITIUS, para, no prazo de cinco dias, se pronunciarem.
2 – Para o mesmo fim tem o Ministério Público vista do processo, que é depois concluso ao juiz para decisão, com produção da prova que se torne necessária.”.
A este propósito da apresentação de contas pelo administrador da insolvência referem Carvalho Fernandes e João Labareda que: “A apreciação das contas pelos credores e pelo devedor constitui um momento importante do processo, porquanto lhes permite avaliar a correção das operações realizadas pelo administrador, bem como a eficiência da respetiva atividade, tendo por matriz referencial a prossecução dos interesses a satisfazer no processo.”[1]
Recorde-se que, de acordo com o disposto no art.º 81º, n.º 1, do CIRE: “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.”, sendo o administrador de insolvência a pessoa competente para a gestão e liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, de acordo com o art.º 2º , nº 1, do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), aprovado pela Lei 22/2013, de 22.02.
Na espécie, invoca o recorrente a existência de lapsos na contabilização de despesas na decisão em apreço, dizendo que se consideram despesas os montantes constantes dos documentos nºs 158, 159 e 160 do mapa base, quando tais montantes são pagamentos no âmbito do rateio parcial a credores e comissões de transferência bancária, devendo ainda acrescer, às despesas o valor do doc. nº 134 (0,50 €), totalizando o montante de despesas a considerar o valor de 312.664,05 €.
Menciona ainda que as despesas suportadas pelo administrador da insolvência, após a correção solicitada pelo Ministério Público deveria ser de 13.626,01 €, sendo que, certamente por lapso, não foi considerado o montante de 1.026,66 € do documento nº 151, impondo-se considerar que o montante adiantado pelo administrador da insolvência é de 13.626,01 €, tendo que repor apenas o montante de 2.357,36 € e não de 3.134,02 €.
Dispõe o n.º 1, do art.º 60º, do CIRE, no que ora nos interessa que:
O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito (…) ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.”
Diz também o Estatuto do administrador judicial, no seu art.º 22º, que: “O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas.”
Vejamos então as verbas em apreço:
Verba 151: data - 24.06.2021, referente a reembolso de despesas de viagem e alimentação no valor de 1.026,66 €. Surge esta verba como despesa elegível na decisão proferida, mas não como um valor de despesa adiantado pelo administrador da insolvência.
Verbas nºs 158: datas - 22.11.2021: rateio parcial a credores: …, valor 1.120,13 € e comissão de transferência bancária CCAM, no valor de 5,41 €. Surgem estas despesas como despesas elegíveis, mas não como valores adiantados pelo administrador da insolvência.
Verbas nºs 159: datas - 22.11.2021: rateio parcial a credores: Espaço Pharm, valor 32.600,94 € e comissão de transferência bancária CCAM, no valor de 5,41 €. Surgem estas despesas como despesas elegíveis, mas não como valores adiantados pelo administrador da insolvência.
Verbas nºs 160: datas - 22.11.2021: rateio parcial a credores: …, valor 717,38 € e comissão de transferência bancária CCAM, no valor de 5,41 €. Surgem estas despesas como despesas elegíveis, mas não como valores adiantados pelo administrador da insolvência.
Quanto à verba nº 134, no valor de 0,50 € a mesma na decisão proferida foi considerada como despesa – despesas postais – mas não como despesa elegível.
A final, foi considerado um valor elegível total de despesas de 375.787,94 € e desse valor considerado como adiantado pelo administrador da insolvência o valor de 12.599,35 €
Em primeiro lugar, no que respeita às verbas nºs 158, 159 e 160, na parte respeitante aos valores pagos a credores a título de realização de rateios parciais, os mesmos não deveriam efetivamente ter sido considerados como valores de despesas, para efeitos do disposto no art.º 60º, n.º 1, do CIRE e 22º do EAJ, tal como aliás não o foram corretamente outros valores pagos a outros credores, não podendo assim ser considerados como despesas no sentido supra referido.
No que concerne ao valor de 0,50 €, analisado o documento 134, junto pelo administrador da insolvência, em 03.10.2023, resulta o gasto deste valor pelo administrador da insolvência como devidamente comprovado por documento, com referência a este processo de insolvência e adiantado pelo mesmo.
Importa pois deduzir do referido montante de despesas os valores de 1.120,13 €, 32.600,94 € e 717,38 € (34.438,45 €), mas não os montantes referentes às despesas bancárias, que são consideradas despesas necessárias ao cumprimento das funções inerentes ao cargo desempenhado, no caso o pagamento aos credores e acrescentar o valor 0,50 € (despesas postais).
Tendo em atenção o valor considerado na decisão proferida de 375.787,94 €, importa deduzir do mesmo o valor de 34.438,45 €, considerando assim um valor de 341.349,49 € e acrescentar o valor de 0,50 €, num valor de 341.349,99 €.
Desse valor constituem dívidas da massa insolvente, como se refere na sentença as custas processuais e o valor de honorários mencionados (art.º 51º, nº1 al. ,s a) e b), do CIRE). Assim importa considerar 341.349,99 – 26.840,94 – 1.845,00 = 312.664,05 €.
Quanto ao valor de 1.026,66 €, respeitante ao documento 151, junto em 04.10.2023, resulta que o mesmo se reporta em primeiro lugar ao pagamento de uma fatura no valor de 610,00 € através de uma conta da CCAM (fls. 1 a 4), seguida de documentos respeitantes a despesas de uma viagem de avião e de ajudas de custo de deslocações no valor global de 508,86 € (fls. 5 a 7) e ainda do valor de uma transferência da mesma conta da CCAM no valor de 1.000,00 €, com indicação a “transferência aqui provisionada destinada a provisionar despesas” (fls. 8). Não resulta assim efetivamente dos documentos juntos que o administrador de insolvência tenha adiantado qualquer um dos valores em referência e não tenha sido reembolsado do mesmos, designadamente os valores respeitantes às deslocações em apreço, face ao teor do documento junto sob a pág. 8 do documento 151.
Assiste assim, em parte, razão ao recorrente quanto se reporta à referida exclusão dos valores mencionados respeitantes ao pagamento dos valores aos credores respeitantes a rateios parciais e ao indicado valor de 0,50 €, incluído no valor adiantado pelo mesmo. Já não lhe assiste razão quanto ao pretendido respeitante ao valor de 1.026,66 €
Importa assim considerar como adiantado pelo administrador de insolvência o valor não de 12.599,35 € mas o valor de 12.599,85 €, importando assim que o mesmo reponha, nesta parte, o valor de 3.133,52 € e não o valor de 3.134,02 €, considerando aqui também o valor da provisão para despesas recebida pelo administrador da insolvência no valor de 250,00 € considerado na decisão proferida (15.983,37 € - 250,00 – 12.599,85 = 3.133,52 €).
Vejamos agora a questão da remuneração variável fixada ao recorrente, tendo em consideração o valor de despesas referido de 341.349,99 €. Quanto ao valor das receitas o mesmo é de 2.202.672,95 €, não posto em causa no recurso.
Menciona o art.º 23º, do Estatuto do Administrador da Insolvência já acima mencionado, designadamente, que:
“4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de
revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.
9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10 000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.
10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100 000 (euro).”
Está em causa na prática, a questão da aplicação na sentença do limite de 100 000,00 € previsto no citado n.º 10, ou seja dos 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6, considerando-se para esse efeito o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
Não obstante ter existido divergência jurisprudencial inicial sobre a incidência da referida majoração, hoje em dia a questão está pacificada, devendo a mesma incidir “sobre o resultado de uma operação arimética prévia destinada a apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, como se menciona no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.04.2023, pioneiro neste entendimento, neste tribunal superior.[2]
Mas não é essa a questão aqui em crise, uma vez que como o recorrente refere, aceita como bons os critérios elencados na decisão proferida, com exceção da limitação de 100.000,00 €.
Vejamos então, de acordo com a aceitação do recorrente, os cálculos ora a fazer da remuneração variável: Remuneração variável
Produto da liquidação: 2.202.672,95 €.
Despesas de liquidação: 341.349,99 €.
Custas: 26.840,94 €
Remuneração fixa do administrador da insolvência: 1.845,00 €
Resultado da liquidação da massa insolvente nos termos do n.º 6 do art.º 23º citado: 1.834 482,02
Taxa a aplicar sobre o resultado da liquidação, nos termos do mesmo n.º 6, do art.º 23º:- 5%:
Cálculo remuneração variável: 91 724,10 € Majoração em função do grau de satisfação:
Montante dos créditos satisfeitos: 1 740 912,92 €
Total dos créditos reclamados e admitidos: 1 481 159,86 €
Grau de satisfação: 1,1755;
Taxa de majoração: 5,88%
Majoração da remuneração variável em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos: 102.365,68 €
Continua a colocar a questão do limite posto em causa dos 100 000,00 € que, de acordo com o entendimento do tribunal a quo, respeita a toda a remuneração variável incluindo a majoração prevista no supra referido artigo.
Ora neste sentido tem respondido tanto a jurisprudência como a doutrina, sendo que a questão tem sido abundantemente tratada.[3]
Cita-se a este propósito o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.02.2025, no qual se refere, de forma que não suscita dúvidas, que:
“A norma em causa (nº 10 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial) ao estabelecer que “a remuneração calculada nos termos da alínea b) do nº 4 não pode ser superior a € 100.000,00”, refere-se ao total da remuneração variável, incluindo, portanto, a sua majoração, o que resulta do facto de o disposto no número 7 do mesmo preceito se encontrar directa e intrinsecamente relacionado com o seu nº 4, onde se prevê a remuneração variável do administrador da insolvência sobre que poderá incidir a dita majoração, não havendo justificação alguma para destrinçar, em termos de limite final e global, entre estas duas vertentes da dita (e única) remuneração variável.
Com efeito, o legislador refere-se ao conceito de remuneração (do administrador da insolvência) reportando-se à sua remuneração global nos termos que constam do artigo 60º do CIRE, onde se prevê precisamente que “O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis”; no artigo 23º, nº 1, do Estatuto do Administrador Judicial, onde pode ler-se: “O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de € 2.000,00”.
E nenhuma dúvida se pode seriamente colocar quanto à circunstância de a majoração da remuneração fazer parte integrante do próprio conceito de remuneração, sem qualquer tipo de autonomia relativamente a esta.
Neste sentido, afigura-se-nos que o nº 10 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial tem exactamente a mesma natureza e alcance, ou seja, o de referir-se à remuneração global, enquanto limite final e absoluto, compreendendo a remuneração variável e a majoração (que também se integra na remuneração variável) que seja devida.
Note-se, aliás, que a própria e sintomática inserção desta regra limitativa (o tecto de € 100.000,00) na parte final do mesmo preceito (o artigo 23º do Estatuto de Administrador Judicial) só pode querer significar que se trata de uma operação a realizar na fase derradeira da sequência de procedimentos utilizados com vista ao apuramento da remuneração global a atribuir ao administrador da insolvência.
No fundo, estamos perante duas realidades (remuneração variável e sua possível majoração) que obedecem, lógica e intrinsecamente, ao mesmo regime jurídico e que se encontram unitariamente subordinadas à mesma limitação final e global (não superior a € 100.000,00).
O que significa que o legislador, actuando em conformidade com a coerência que se impunha, estabeleceu um limite total à remuneração variável acrescida da majoração, ao mesmo tempo em que permitiu ao juiz reduzir, justificadamente, a remuneração variável em si (desde que superior a € 50.000,00).”[4]
Este Acórdão é lapidar relativamente à posição que tem sido reiteradamente tomada pelo 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça que trata destas matérias da jurisdição de comércio. Posição acompanhada pela doutrina, como vimos e pelos Tribunais da Relação.[5]
A questão suscitada pelo recorrente, podemos dizê-lo, face a esta jurisprudência dos tribunais superiores e nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, encontra-se hoje pacificada e ultrapassada.
Os argumentos que o mesmo invoca, no que respeita à falta de apoio na lei, a degradação das condições remuneratórias dos administradores de insolvência, o elemento teleológico da lei, o caso da remuneração dos agentes de execução, a violação do direito comunitário e da lei constitucional já foram exaustivamente tratados na jurisprudência e não procedem.
Mas analisemos os mesmos com mais pormenor.
No que respeita às intenções do legislador e à violação da lei e consequentemente tendo em atenção a transposição da Diretiva que deu origem à alteração do normativo em referência, importa considerar que a interpretação em referência, como vimos, tem inteiro apoio na lei e no artigo em referência, sendo esta a melhor interpretação do pretendido pelo legislador.
Voltando mais uma vez a citar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, agora num Acórdão de 14.01.2025, menciona-se no mesmo que:
“Ao remeter para a alínea b) do n.º 4, é inequívoco que o legislador pretendeu que o limite previsto no n.º 10 se aplicasse aos casos em que há liquidação da massa insolvente [por contraposição à hipótese de recuperação, prevista na alínea a) do n.º 4].
Porém, a alínea b) do n.º 4 não encerra, em si mesma, um critério de cálculo definitivo, já que o critério nela previsto tem de ser completado pelo disposto no n.º 6 (que fornece a noção de resultado da liquidação).
E o n.º 7 estabelece um complemento (uma majoração) do valor alcançado por aplicação do n.º 6.
Existe, assim, uma sequência articulada de disposições [n.º 4, alínea b), n.º 6 e n.º 7] que traçam o alcance normativo do que deve ser entendido por remuneração variável em caso de liquidação da massa insolvente.
Neste quadro, do ponto de vista da coerência teleológica da norma, não seria compreensível que o legislador fixasse um limite de 100.000 Euros para a primeira parcela da remuneração variável (a que é calculada nos termos do n.º 6), mas que tal limite já não valesse para a segunda parcela (a majoração prevista no n.º 7), que é um complemento da primeira. Efetivamente, a majoração (atualmente prevista no n.º 7) foi, desde a Lei n.º 22/2013 (então prevista no n.º 5 do artigo 23º), legalmente consagrada como um complemento remuneratório, parcela que correspondia a 5% do resultado da liquidação, permitindo, assim, ao administrador receber um valor mais elevado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos
Assim, percebendo a relação entre as duas componentes da remuneração variável, seria incoerente e ilógico fixar um limite máximo à primeira parcela e, depois, continuar a complementar essa parcela com a majoração. E ainda mais ilógico seria entender que esta segunda parcela não teria qualquer limite.
Acresce que, faria pouco sentido que o legislador não tivesse pretendido aplicar o limite do n.º 10 à parcela da majoração, quando, nos termos do n.º 8, o juiz tem o poder de reduzir (de forma justificada) toda a remuneração variável que exceda 50.000 Euros.”[6]
Tal como também assinala este último Acórdão citado, esta não é situação única, existindo igualmente limitações nos termos no art.º 23º, n.º 1 e 9, assim como no que respeita à limitação da remuneração do fiduciário no art.º 28º, do Estatuto citado.
Ou seja, a conclusão que se impõe é que a decisão recorrida está correta, o limite referido, previsto no art.º 23º, n.º 10, do Estatuto do Administrador da Insolvência, aplica-se à remuneração variável no seu todo, incluindo a majoração, nos processos, como é o caso deste em que esta remuneração variável é calculada sobre o resultado obtido com a liquidação da massa insolvente.
No que respeita à alegada degradação das condições remuneratórias dos administradores da insolvência, não é este o lugar para discutir ou analisar esta questão que em nada muda a decisão a proferir, cabendo aqui aplicar o direito vigente. O mesmo quanto às referências às receitas obtidas pelo erário público com as insolvências.
No que concerne à questão da remuneração dos agentes de execução, como todos sabemos, não está em causa o mesmo tipo de situações e de agentes, desde logo considerando as suas funções e a remuneração estabelecida para uns e para outros pela lei, não vedando o princípio constitucional previsto no art.º 13º, da Constituição da República Portuguesa que a lei estabeleça distinções, desde que não arbitrárias, como é o caso.
Veja-se a este propósito o referido no Acórdão do Tribunal Constitucional de 27.05.2021:
“Constitui entendimento abundante e reiterado deste Tribunal que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções, mas apenas diferenciações de tratamento (e sua medida) sem justificação racional e bastante.”[7]
No que concerne à questão da violação da Diretiva transposta, e citando mais uma vez o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.01.2025, já abundantemente citado “Também não se verifica, no modo como o acórdão recorrido aplicou o artigo 23º do EAJ, qualquer desvio aos comandos interpretativos decorrentes da Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, transposta pela Lei n.º 9/2022, Essa Diretiva, referindo-se à supervisão e remuneração do administrador, estabelece no n.º 4 do artigo 27º que: «Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.» Ora, desta disposição não resulta nenhum comando legislativo destinado a modelar diretamente as normas reguladoras da remuneração do administrado, nem daí se pode retirar a ideia de qua uma remuneração compatível com a resolução eficiente dos processos fosse uma remuneração sem limites. Aliás, o limite de 50.000 Euros, previsto no n.º 8 do artigo 23º, a partir do qual o juiz pode reduzir a remuneração que resultaria da simples aplicação de critérios contabilísticos, já se encontrava legalmente consagrado desde a Lei n.º 22/2013, não sendo, por isso, o limite previsto no n.º 10 uma completa novidade legislativa.”[8]
Não se verifica assim qualquer violação da Diretiva citada, e dos artºs 8º da CRP e do 5º do Tratado da União Europeia.
Por último, quanto à violação dos princípios constitucionais citados, também esta questão já foi abundantemente analisada.
No que respeita à violação do princípio da separação de poderes invocado pelo recorrente, um argumento muito linear é desde logo é que foi o legislador, como vimos, a estabelecer esse teto máximo de remuneração e não o aplicador. O tribunal, no caso, limitou-se como lhe compete a interpretar e a aplicar a lei a um caso em concreto, não se alcançando em que medida o princípio da separação de poderes elencado foi violado.
Também quanto às invocadas violações dos artºs 59º, n.º 1 e 61º, n.º 1 da CRP, a questão já foi também analisada na jurisprudência. Mas vejamos a mesma com mais pormenor:
Dispõe o art.º 59º, n.º 1, al. a), da CRP, com a epígrafe “Direitos dos Trabalhadores” que:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;”
Tal como enuncia Rui Medeiros: “O preceito no quadro constitucional português, não pode deixar de ser lido em conjugação com o artigo 13º da Constituição.”, dizendo ainda mais à frente que: “O artigo 59º, n.º 1, alínea a) na síntese do AC. n.º 584/98 “impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça. (…) Do artigo artigo 59º, n.º 1, alínea a) resulta, desde logo, a proibição de diferenciações arbitrárias em matéria de retribuição.”[9]
Ora já vimos que, no caso, não estão em causa diferenciações arbitrárias mas sim uma ponderação feita pelo legislador relativamente à necessidade do estabelecimento de um teto máximo para a remuneração dos administradores da insolvência, desde logo visando a proteção dos credores, principais afetados, não ficando pois em causa os princípios de justiça impostos pelo artigo referido ou o direito à retribuição do trabalho ou a liberdade de iniciativa económica privada.
Quanto ao art.º 61º, n.º 1, do mesmo diploma fundamental, dispõe o mesmo que:
“1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.”
Tal como enuncia Evaristo Ferreira Mendes, a propósito deste artigo: “A iniciativa económica privada” a que o nº 1 se refere comporta, numa aceção lata, a prática de qualquer ato e o exercício de qualquer atividade de índole económica, por parte de pessoas privadas, singulares ou coletivas.”. Como salienta o mesmo autor mais à frente “A liberdade comporta limitações.”[10].
Ora no caso, em primeiro lugar importa salientar que não se vislumbra em que medida o teto máximo aqui em causa põe em causa a iniciativa económica privada aqui referida, mas mesmo que a assim não se entenda, como salienta o Autor citado, o direito em causa não é ilimitado, podendo sofrer limites, limites que neste caso podemos considerar justificados, face à aludida tutela dos credores já supra referida.
Por último, importa apreciar a questão da reposição da verba de 102.500,00 €.
Refere o recorrente o disposto no art.º 29º, n.º 10, do Estatuto do Administrador Judicial.
Vejamos o que enuncia este normativo legal no seu todo:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 52.º e no n.º 7 do artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte.
2 - A remuneração prevista no n.º 1 do artigo 23.º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo.
3 - A remuneração variável relativa ao resultado da recuperação do devedor é paga em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada no momento da aprovação do plano de recuperação e a segunda dois anos após a aprovação do referido plano, caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado.
4 - Caso o devedor deixe de cumprir o plano aprovado, o valor da segunda prestação é reduzido para um quinto.
5 - A remuneração variável relativa ao produto da liquidação da massa insolvente é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo.
6 - A remuneração pela gestão de estabelecimento integrado na massa insolvente, nos termos do n.º 1 do artigo 25.º, é suportada pela massa insolvente e, prioritariamente, pelos proventos obtidos com a exploração do estabelecimento.
7 - Sempre que a administração da massa insolvente seja assegurada pelo devedor, nos termos dos artigos 223.º a 229.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração prevista no n.º 2 e a provisão para despesas referida no número seguinte são por este retiradas da massa insolvente e entregues ao administrador da insolvência.
8 - A provisão para despesas, paga pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, no valor de 2 UC, é paga imediatamente após a nomeação e corresponde às despesas efetuadas pelo administrador da insolvência.
9 - Apenas não há lugar a reembolso da provisão para despesas mediante a apresentação de prova documental justificativa da sua realização, a qual deve ser remetida ao processo, acompanhada de fundamentação que a justifique.
10 - Nos casos em que a administração da massa insolvente ou a liquidação fiquem a cargo do administrador da insolvência e a massa insolvente tenha liquidez, os montantes referidos nos números anteriores são diretamente retirados por este da massa.
11 - Não se verificando liquidez na massa insolvente, é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo seguinte relativamente ao pagamento da provisão para despesas do administrador da insolvência.
12 - No que respeita às despesas de deslocação, apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador judicial que tenha domicílio profissional na comarca em que foi instaurado o processo especial de revitalização, o processo especial para acordo de pagamento ou processo de insolvência, ou nas comarcas limítrofes.
13 - Os credores podem igualmente assumir o encargo de adiantamento da remuneração do administrador judicial ou das respetivas despesas.
14 - A massa insolvente deve reembolsar os credores dos montantes adiantados nos termos dos números anteriores logo que tenha recursos disponíveis para esse efeito.
15 - A remuneração do administrador judicial previsto no artigo 26.º-A é suportada pela massa insolvente do devedor que exerça influência dominante.
16 - A remuneração fixa prevista no n.º 1 do artigo 26.º-A é paga após a apresentação da relação de créditos prevista no artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
17 - A remuneração variável prevista no n.º 2 do artigo 26.º-A, quando seja fixada, é paga após a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos ou, caso não haja lugar à prolação da mesma, na data do encerramento do processo.”
Ora quando o normativo refere o mencionado pelo recorrente no seu n.º 10º, não se refere certamente à remuneração variável ora em apreciação nos autos, e isto, porque de acordo com o referido no n.º 5 desse mesmo normativo, a mesma apenas é paga a final, vencendo-se com o encerramento do processo.
E isto faz todo o sentido, desde logo porque sendo a mesma calculada nos termos referidos no art.º 23º, não sabe o administrador da insolvência, nem sabe o tribunal, a não ser a final, qual será o seu valor não podendo pois aquele adiantadamente retirar qualquer valor da conta da massa insolvente.
Esta conclusão nada é inviabilizada pelo disposto no art.º 23º, n.º 7, do Estatuto do administrador judicial citado, uma coisa é o pagamento antes da satisfação dos créditos reclamados e admitidos, tratando-se de uma dívida da massa insolvente (art.º 51º, n.º 1, al. b) do CIRE), outra é possibilidade de antecipar o pagamento de uma ainda não calculada remuneração variável retirando esse valor da conta da massa insolvente.
Importa assim manter a decisão proferida também nesta parte.
Procede assim, apenas em parte, a apelação apresentada.
O apelante deverá suportar as custas devidas pelo seu decaimento, que se fixam em 80% do valor devido, devendo no restante, ter-se em consideração o disposto nos artºs. 303º e 304º, do CIRE (artºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil).
5. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação apresentado e, consequentemente:
I. Alterar a decisão proferida quando considera como despesas, para efeitos do
disposto no art.º 60º, n.º 1, 2ª parte, do CIRE e 22º do EAJ, os valores de 1.120,13 €, 32.600,94 € e 717,38 € respeitantes a pagamentos a credores, substituindo-se por outra na qual se desconsidera esses valores como despesas, para efeitos do disposto nos artºs 60º, n.º 1, 2ª parte, do CIRE e 22º, do Estatuto do Administrador Judicial.
II. Alterar a decisão proferida quando desconsidera como despesa elegível e
adiantada pelo administrador da insolvência o valor de 0,50 €, substituindo por outra que considere o referido valor como elegível como despesa e adiantado pelo administrador da insolvência;
III. Alterar a decisão proferida quando determina que o administrador da
insolvência reponha na conta da massa insolvente o valor de 3.134,02 € substituindo por outra que determina que o administrador da insolvência reponha na conta da massa insolvente o valor de 3.133,52 € (três mil, cento e trinta e três euros e cinquenta e dois cêntimos).
IV. No demais manter a decisão proferida nos autos.
Custas pelo apelante, na proporção de 80% do valor devido, sendo no restante tido em consideração o disposto nos artºs. 303º e 304º, do CIRE.
Registe e Notifique
Lisboa, 13.05.2025
Elisabete Assunção
Nuno Teixeira
Ana Rute Costa Pereira
_______________________________________________________ [1] Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª edição, Quid Juris, Sociedade Editora, pág. 361. [2] Proc. n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, Relatora Maria Olinda Garcia, disponível em www.dgsi.pt. [3] Cf., entre outros, na doutrina, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 3ª edição, pág. 98; e, entre outros, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Acórdãos deste Tribunal de 14.01.2025, Proc. n.º 1663/15.8T8PDL-Y.L1.S1, Relatora Olinda Garcia, de 13.02.2025, Proc. n.º 578/12.6TYLSB-M.L1.S1, Relator Luís Espírito Santo, de 25.02.2025, Proc. n.º 1545/09.2TYLSB-L.L1.S1, Relatora Rosário Gonçalves, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [4] Acórdão mencionado na nota 3. [5] A título de exemplo os Acórdãos: do Tribunal da Relação do Porto, de 10.09.2024, Proc. n.º 380/12.5TYVNG-N.P1, Relatora Alexandra Pelayo, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.06.2024, Proc. nº 1545/09.2TYLSB-L.L1-1, Relatora Fátima Reis Silva, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.09.2023, Proc. n.º 1510/14.8TBACB.C1, Relator José Avelino Gonçalves, todos disponíveis em www.dgsi.pt [6] Acórdão referido na nota 3. [7] Proc. 213/2020, 2ª Secção, Conselheiro Fernando Ventura, disponível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210379.html [8] Acórdão referido na nota 3. [9] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa anotada, Volume I, Universidade Católica Portuguesa, pág. 831 e 833. [10] Obra citada (nota 9), págs. 855 e 886.