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DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESCRIÇÃO
Sumário
I – Tendo ficado deserta a instância na acção executiva anterior, o novo prazo de prescrição começou a correr logo após a citação da apelada naquela acção, conforme prevê o nº 2 do art.º 327º do CC. II – O prazo de 5 anos de prescrição não impede o exercício do direito de crédito, sendo certo que o mais plausível é que as instituições de crédito não tenham interesse em deixar arrastar a situação de incumprimento. III - Os princípios constitucionais invocados pela apelante não são afrontados pela interpretação da lei ordinária, concretamente o art.º 310º al e) do CC acolhida no AUJ nº 6/2022.
Texto Integral
Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
Por apenso à execução instaurada em 06/07/2023 por ATTICUS – STC, SA contra AA e BB, veio esta deduzir embargos de executado, alegando, em síntese:
- o direito de crédito da exequente já prescreveu pelo decurso do prazo de 3 anos pois o título executivo é uma livrança com data de 30/06/2003;
- também já prescreveu o direito de crédito da exequente emergente do contrato de crédito datado de 16/01/2002, com incumprimento, vencimento e exigibilidade desde 16/07/2022, pelo decurso de mais de 5 anos.
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A exequente contestou, concluindo pela improcedência da excepção de prescrição e para o caso de assim não ser decidido, pela condenação da embargante a restituir o capital mutuado e, para o caso de assim não ser decidido, pela condenação da embargante a restituir o veículo nos termos do art.º 303º nº 3 do Código Civil.
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Em 11/12/2024 foi proferido saneador com este dispositivo:
«Pelo exposto, julgam-se procedentes os embargos, e declara-se extinta a execução relativamente à embargante.»
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Inconformada, apelou a exequente, terminando a alegação com estas conclusões:
«A. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e constitui instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento suscetível de, por si próprio, revelar com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta a formulação da pretensão exequenda.
B. A Apelante aquando da propositura da ação, não se limitou a invocar a existência do seu direito de crédito, tendo antes alegado no requerimento executivo de forma contextualizada e circunstancial os factos constitutivos da relação cambiária subjacente.
C. De facto, são descritos no requerimento executivo os intervenientes no contrato, o tipo de contrato, o incumprimento ocorrido e interpelação efetuada, os esforços desenvolvidos e que vieram a culminar na apresentação do requerimento executivo.
D. É este o regime legal consagrado no artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC, no qual a Apelante se apoiou para intentar a presente ação executiva, pelo que a exceção de prescrição invocada pelo Embargante (Executada) não poderá proceder.
E. Razão pela qual a Apelante não teria de requerer ao Douto Tribunal a quo a alteração da causa de pedir.
F. A Sentença recorrida foi proferida sem que o Tribunal a quo observasse previamente uma formalidade de cumprimento obrigatório, in casu, a convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório (artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C.
G. Nem tampouco as partes foram notificadas pelo Tribunal a quo, informando-as da sua intenção em prescindir da audiência prévia e assegurando-lhes o direito ao contraditório, fundamentando uma eventual exigência de realização de audiência prévia.
H. A lei é clara ao afirmar que nestes casos o juiz não goza de tal discricionariedade, devendo assegurar o exercício do direito ao contraditório quanto às exceções dilatórias e ao mérito da causa.
I. Tanto mais que a Apelante alegou no seu articulado contestação factos relevantes que obstam ao conhecimento do mérito da ação, por via da exceção perentória de prescrição, obrigando à produção de prova em audiência de julgamento.
J. Esta omissão do Tribunal a quo de não convocação das partes para audiência prévia consubstancia “uma nulidade traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve” (art.º 195.º, n.º 1, do C.P.C.).
K. Ao fazê-lo, com desconsideração da sua função de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) sobre uma questão essencial, aliás a única tomada em conta na sentença final, a exceção perentória extintiva de prescrição da dívida, conduziu-o a uma errada e incompleta fundamentação de facto e de direito (artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC).
L. Tal comportamento configura uma nulidade por omissão legal de um ato que a lei prescreve como obrigatório (art.º 195.º, n.º 1, do C.P.C.), e, em último termo, violador do direito constitucional do direito à jurisdição (artigo 20.º da CRP).
M. Face à lei adjetiva vigente, é unânime o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que o momento determinante para aferir do início do prazo de prescrição é a data em que ocorreu o vencimento obrigação.
N. Assim, não poderia o tribunal, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição, aplicar o regime previsto na L.U.L.L., 77º e 70º, ainda que extinta a obrigação cambiária incorporada no título cambiário pelo decurso do prazo de prescrição, este pode continuar a valer como título executivo.
O. Aliás resulta do próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/10/2019 indica que a reforma processual de 2013 suprimiu a regra da genérica exequibilidade dos documentos particulares (que antes constava do art.º 46.º/1/c)); mas, quanto à ressalva/exceção estabelecida – possibilidade dos títulos de crédito poderem ser títulos executivos como quirógrafos – permanece válido o entendimento jurisprudencial/doutrinal antes firmado (em relação ao anterior art.º 46.º/1/c)).
P. Assim, o exequente tem o ónus de alegação no requerimento executivo dos factos constitutivos da relação subjacente; deve estar-se no domínio das relações imediatas; o negócio subjacente não pode ser solene; e, havendo oposição, o ónus da prova da existência da relação subjacente fica a cargo do exequente.”
Q. Deste modo, quanto à não conhecimento pelo tribunal a quo do circunstancialismo fáctico de apenas sobrestar parte do capital mutuado como remanescente em dívida à data da resolução do contrato, e de este exigir a aplicação legal do prazo geral de prescrição de 20 (artigo 309.º), anos à obrigação subjacente, verifica-se a ausência inequívoca de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) sobre uma questão essencial que permitiria conhecer e concluir pela inexistência de qualquer exceção perentória extintiva de prescrição da dívida, repercutindo-se esta omissão na fundamentação errada e incompleta (artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC), de facto e de direito, aduzida pelo tribunal a quo.
R. A Apelante invocou expressamente na sua contestação a inconstitucionalidade da norma com base daquela interpretação.
S. No entanto, mais uma vez, o tribunal a quo não emitiu qualquer apreciação ou pronúncia sobre a pertinência deste fundamento que, perante a hipótese de aplicação do prazo quinquenal ao capital, assume determinante importância, colocando em causa uma interpretação que, além de ilegal, é também inconstitucional
T. O contrato aqui em apreço é um contrato de financiamento para compra de equipamento informático, celebrado entre as partes, que se traduz exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado no tempo que se traduz numa obrigação única para o Embargante, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios;
U. Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com a Embargante, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas.
V. As prestações fracionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário, ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
W. Não se enquadrando o capital no prazo de prescrição da alínea e), do art.º 310º C.C, nem na L.U.L.L., 77º e 70º.
X. Aplicar ao presente contrato o prazo quinquenal com os pressupostos que o AUJ do STJ emitido em 30-06-2022 – processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 é inconstitucional, porquanto viola além do princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art.º 2º, 12º, nº 2, 18º, nºs 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.
Y. De facto, por muito respeito que mereça a fundamentação jurídica do referido Acórdão para aplicar artigo 310.º alínea e) do C.C., o mesmo não pode ser generalizado a todos os processos que apresentem a mesma questão de direito omitindo a especificidade da causa, dado que parte de um estudo originariamente
delineado para as situações de insolvência, e da preocupação do legislador em regular os casos em que um devedor acumulou inúmeros valores (prestações) em dívida, de tal modo que a sua concentração, acrescida de juros e outros encargos agrave a posição de fragilidade em que aquele se encontra.
Z. Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desproteção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituído, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art.º 2º, 12º, nº 2, 18º, nºs 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.
AA. A aplicação imediata da uniformização de uma nova corrente de pensamento e aplicação jurídica dos prazos de prescrição aos contratos de mútuo, quirógrafos e demais títulos executivos sem uma disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição.
BB. Apesar de aqui a Embargada não ter intentado esta nova ação executiva dentro do prazo prescricional da relação cartular, prevista no artigo 70.º da LULL, a Embargada intentou dentro do prazo prescricional dos 20 anos, bastando à Exequente alegar os factos constitutivos da relação subjacente, seja no título cambiário ou, na ausência deste, no próprio requerimento executivo, como se verifica no caso concreto.
CC. Sendo excessiva, inadequada e desnecessária face ao princípio já consagrado no art.º 310.º, n.º 1 al. d) C.C. e a proteção que o mesmo dá aos devedores, isto considerando a fundamentação implícita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência.
DD. Enferma para tal de inconstitucionalidade a norma presente no artigo 310º, alínea a e) do CPC, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito.»
*
Não há contra- alegação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- da alegada nulidade processual por ter sido proferida decisão final sem realização de audiência prévia
- se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia
- se deve improceder a excepção de prescrição
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III – Fundamentação
1. A 1ª instância proferiu despacho nestes termos:
«Tendo em conta as regras dos artigos 732º/2, 593º/1, 591º/d) e 595º/1 do CPC dispensa-se a realização de audiência prévia.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia – e não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (por habilitaçao dos sucessores do primitivo executado) e estão devidamente representadas - fixando-se o valor da causa em 14.535,49€.».
O valor fixado à causa não é impugnado pela apelante.
O art.º 732º nº 2 do CPC (Código de Processo Civil) estatui:
«Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.»
No que respeita à audiência prévia, o processo comum declarativo contém disciplina específica para as acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, estabelecendo no art.º 597º:
«Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo:
a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados;
b) Convoca audiência prévia;
c) Profere despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º;
d) Determina, após audição das partes, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º;
f) Profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas;
g) Designa logo dia para a audiência final, observando o disposto no artigo 151.º.»
O nº 1 do art.º 44º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013 de 26/08) dispõe:
«Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5 000,00.»
Como o valor da causa não é superior a metade da alçada da Relação, cabia ao juiz ponderar sobre a necessidade de convocar audiência prévia, não tendo aplicação o nº 1 do art.º 593º do CPC.
Pelo exposto, improcede a arguição de nulidade processual com fundamento na violação do disposto nos art.º 195º nº 1 e 591º nº 1 al. b) do CPC.
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2. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos do art.º 615º nº 1 al. d) do CPC
2.1. A fundamentação exposta pela 1ª instância é esta:
«A embargante excepciona a prescrição da obrigação cambiária, por terem decorrido mais de três anos (L.U.L.L. 70º) desde o seu vencimento (11-VII-03).
Respondeu a exequente que foi instaurada execução pela ‘Credibom S.F.A.C.’ (29736/03.2YXLSB) – tendo a embargante sido citada em 8-XI-04 (data em que se interrompeu a contagem).
Interrompida a contagem em 8-XI-04 (CC 323º/1), o novo prazo de três anos reiniciar-se-ia com o trânsito em julgado da decisão de extinção da execução (CC 326º/1 e 327º/1); no entanto, da certidão entretanto junta verifica-se que a execução foi julgada deserta em 17-V-10 – valendo assim a regra do nº 2 do artigo 327º do Código Civil: “o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.”.
Reiniciado em 8-XI-04, o prazo de três anos foi completado em 8-XI-07 – pelo que, quando a embargante foi citada para a presente execução, há muito que se encontrava esgotado; assiste, assim, à embargante, o direito de recusar o cumprimento (CC 304º/1).
A embargada alega que a livrança, mesmo prescrita, pode valer como quirógrafo (CPC 703º/1c)) – mas não foi assim que foi apresentada na presente execução, e não pode ser agora considerada esta “alteração da causa de pedir”.».
*
2.1.1. Sustenta a apelante:
- no requerimento executivo apoiou-se no regime legal consagrado no art.º 703º nº 1 al. c) do CPC, pois alegou os factos constitutivos da relação subjacente,
- ao não conhecer desses factos, a 1ª instância omitiu pronúncia sobre questão essencial que lhe permitiria concluir pela improcedência da excepção de prescrição.
Vejamos.
O art.º 703º do CPC estabelece, na parte que ora interessa:
«À execução apenas podem servir de base:
(…)
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
(…)»
*
No requerimento executivo lê-se:
«Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Letras, livranças e cheques [Execuções] Título Executivo: Livrança
Factos:
1 - A Credibom – Instituição Financeira de Crédito, S.A em 17/10/2007, por alteração ao pacto social, mudou-se a firma social de Credibom – Instituição Financeira de Crédito, S.A. para Banco Credibom, S.A.
2- Por Contrato de Cessão de Créditos assinado no dia 18 de Maio de 2012, em Lisboa, o Banco Credibom, S.A., cedeu à sociedade Prime Credit 3, S.A.R.L., ora Requerente, os créditos que detinha sobre os ora Executados, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, conforme Documento N.º 1 e N.º 2 que ora se junta.
3. Cessão essa notificada aos Executados nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, conforme Documento N.º 3.
4. Posteriormente, em 16 de março de 2021, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre PRIME CREDIT 3, S.A.R.L, na qualidade de cedente e, ATTICUS – STC, S.A., na qualidade de cessionária, - conforme Documento N.º 4
5. Contrato pelo qual foram transmitidos os créditos e as garantias que a cedente detinha sobre os Executados, conforme Documento N.º 5 tendo sido esta cessão essa notificada ao Executado, nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil – conforme Documento Nº 6
6. A Cedente primária, no âmbito da sua actividade, celebrou com os ora Executados, o contrato, ao qual foi atribuído o n.º ... conforme Documento N.º 7
7. O referido contrato, tinha como objecto, um empréstimo.
8. Ora, apesar de devidamente interpelados para regularizar a dívida em que incorreram, pelo não pagamento do montante total em incumprimento, os ora Executados não efectuaram, até à presente data, qualquer pagamento. Nem prestaram qualquer justificação, situação que motivou a resolução do contrato e o preenchimento da livrança, conforme Documento N.º 8 e N.º 9.
9- Uma vez que, até à presente data, os ora Executados não pagaram qualquer quantia, são devidos juros de mora, calculados sobre o capital 7,673.62 €, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento da livrança (11-07-2003) até à presente data (03-07-2023), acrescido de despesas advindas da interposição da presente acção.
10– Os documentos juntos preenchem os requisitos destas disposições legais pelo que lhes deve ser reconhecida a natureza de títulos executivos.
11 – A dívida é certa, líquida e exigível.
Junta: 9 (nove) Documentos e Procuração»
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Com o requerimento executivo foi junto o documento intitulado «Contrato de crédito» em que na página da frente figuram como concedente do crédito «Credibom – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito», como vendedora Basílio & Cruz Automóveis Lda, como consumidor AA e como 2ª titular BB, estando as assinaturas destes junto da data «16/01/2002»; na rubrica «Descrição do Bem e Condições de Financiamento» consta que é concedido o crédito de 6.635,29 € para aquisição do veículo Volkswagen Golf III Vanant matrícula 05-60-Ep, que as prestações para pagamento do empréstimo são 60, no valor de 180,70 € cada, no valor total de 10.842 €, vencendo-se a 1ª prestação em 16/02/2002 e as restantes no dia 16; mais consta a taxa nominal e TAEG.
No verso desse documento estão as «Condições Gerais do Contrato de Crédito», lendo-se na 11 sob a epígrafe «Convenção de Preenchimento»:
«O(s) Consumidor(es) e o(s) Avalista(s) autorizam expressamente a Credibom a preencher qualquer livrança por si subscrita e não integralmente preenchida, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos seus valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo(s) Consumidor(es) perante a Credibom, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos.»
*
O documento 8 junto com o requerimento executivo é a carta datada de 30/06/2003 que CREDIBOM, SFAC, SA enviou ao mutuário AA, em que se lê, designadamente:
«Assunto: Preenchimento de livrança do Contrato de Crédito nº (…)
Exmo Senhor
Vimos por este meio informar que o contrato acima referido de que v. Exa é titular, foi denunciado por falta de pagamento. Desta forma, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante das prestações em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido de despesas extrajudiciais incorridas até à data desta carta.
(…)»
*
Na petição inicial dos embargos de executado vem alegado, designadamente:
«4º
A presente execução tem por título executivo uma Livrança nº ... datada de 30/06/2003 a qual tinha sido assinada previamente pelos Mutuários e aqui executados.
5º
A questão da prescrição do direito cartular prende-se directamente com o artigo 70.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças (doravante LULL), onde se dispõe: “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”
6º
Donde se conclui que o Direito da Exequente encontra-se prescrito á muito tempo – prescrição que aqui expressamente se invoca.
7º
Ainda que tal livrança tenha sido emitida para garantir um contrato de crédito igualmente é um facto que as prestações fixadas no contrato de mútuo para reembolso do capital mutuado, juros remuneratórios e encargos como é o caso do Contrato de Crédito nº ..., datado de 16/01/2002, encontram-se sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos consagrado no artigo 310.º alínea e) do Código Civil.
8º
O prazo de prescrição conta-se a partir do vencimento da prestação respectiva, independentemente de esse vencimento ocorrer no momento programado ou de forma antecipada, que no caso concreto computa-se a partir da entrada em incumprimento, que no caso ocorreu em 16 de Julho de 2002, aquando do pagamento da 5ª prestação que já não ocorreu por ter ocorrido o óbito do Primeiro Executado em 29/06/2002, assim artigo 307º do Código Civil.
9º
Ora o prazo de prescrição nesse caso é de cinco anos é igualmente aplicável aos juros de mora.»
*
Na contestação vem alegado, designadamente:
«II – DO CONTRATO – RELAÇÃO SUBJACENTE
22. Em 16/01/2002, a Embargante, na qualidade de mutuária, e Embargada celebraram um contrato de crédito n.º ..., destinado a financiar a aquisição de um automóvel de passageiros usado, marca e modelo Volkswagen Golf III Variant, matrícula ..-..-EP, a adquirir na loja “Basílio & Cruz C Automóveis, Lda, pelo montante de € 6.635,29 (seis mil, seiscentos e trinta e cinco euros e vinte e nove cêntimos), cfr. Doc. 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
(…)
24. Como garantia de cumprimento do referido contrato, a Embargante e o Executado subscreveram uma livrança com o n.º ..., sendo que em 30/06/2003 face ao incumprimento e resolução preencheu a mesma pelo valor de € 7.673,62 (sete mil, seiscentos e setenta e três euros e sessenta e dois cêntimos), e a qual se venceu em 11/07/2003, cfr. Doc. 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
25. Embargante e Embargada acordaram que o valor do empréstimo seria liquidado em 60 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 180,70 (cento e oitenta euros e setenta cêntimos), com vencimento da primeira prestação no dia 16/02/2002, e as restantes em igual dos meses subsequentes.
26. Prestações mensais essas que foram desde logo pré-definidas.
27. Assim como, o bem objeto do contrato – um automóvel de passageiros usado, marca e modelo Volkswagen Golf III Variant, matrícula ..-..-EP foi efetivamente adquirido cfr. Doc. 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
(…)
24. Como garantia de cumprimento do referido contrato, a Embargante e o Executado subscreveram uma livrança com o n.º ..., sendo que em 30/06/2003 face ao incumprimento e resolução preencheu a mesma pelo valor de € 7.673,62 (sete mil, seiscentos e setenta e três euros e sessenta e dois cêntimos), e a qual se venceu em 11/07/2003, cfr. Doc. 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
(…)»
Portanto:
- logo no requerimento executivo foram alegados os factos referentes à relação subjacente à obrigação cartular;
- na petição inicial de embargos de executado foi invocada a prescrição do direito de crédito quanto à obrigação cartular, e
- também foi invocada a prescrição do direito de crédito quanto às obrigações fixadas na relação subjacente
Decorre do exposto que não tem razão a 1ª instância ao entender que a exequente pretende «alteração da causa de pedir».
Mas o não conhecimento da questão da improcedência da excepção de prescrição do direito de crédito sustentado na relação subjacente por aplicação do prazo previsto no Código Civil não é causa de nulidade da decisão por omissão de pronúncia, pois foi a consequência necessária daquele entendimento a 1ª instância.
Improcede a arguição de nulidade da decisão com esse fundamento.
*
2.1.2. Sustenta a apelante que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a questão invocada na contestação da inconstitucionalidade da alínea e) do art.º 310º do Código Civil quando interpretado no sentido de que deve ser aplicada ao capital nos contratos de crédito, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de armas e direito a tutela jurisdicional efectiva.
Na contestação vem alegado:
- a mutuante comunicou aos executados que considerava a dívida totalmente vencida pela falta de pagamento e sem efeito o plano prestacional acordado,
- pelo que após o vencimento, os valores em dívida voltaram a assumir a sua natureza de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos e os juros ao de 5 anos;
- a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos no caso concreto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer veria o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento, e uma protecção excessiva do devedor, violando os princípios constitucionais previstos nos art.º 2º, 12º nº 2, 18º nº 1, 2 e 3 e 62º nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Porém, a decisão da 1ª instância não aplicou o prazo de prescrição previsto no Código Civil, mas sim o prazo previsto quanto à obrigação cambiária na LULL (Lei Uniforme sobre Letras e Livranças). Por isso, o conhecimento da questão da inconstitucionalidade ficou prejudicado, improcedendo necessariamente a arguição de nulidade por omissão de pronúncia (cfr art.º 608º nº 2 – 1ª parte do CPC).
*
3. Se deve improceder a excepção de prescrição
3.1. Esta execução foi instaurada em 06/07/2023 e a ora apelada foi citada em 27/10/2023.
Na decisão recorrida vêm dados como assentes os seguintes factos:
a) A mutuante Credibom S.F.A.C. já tinha instaurado execução contra os mutuários AA e BB que correu termos no 6º Juízo Cível – 2ª Secção de Lisboa, como P. 29736/03.2YXLSB,
b) tendo a executada BB sido citada em 08/11/2004;
c) essa execução foi julgada deserta em 17/05/2010.
Na contestação, vem alegado que o prazo de prescrição é de 20 anos e foi interrompido em 10/11/2004 com a citação da executada no Proc. 29736/03.2YXLSB nos termos do art.º 323º nº 1 do CC, pelo que só haveria prescrição em 10/11/2024.
Na decisão recorrida entendeu-se que o prazo de prescrição começou a correr logo após o acto interruptivo pois aquela execução foi julgada extinta por deserção, por valer a regra do nº 2 do art.º 327º do CC.
Prevê-se no Código Civil:
Art.º 323º
«1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
(…)»
Art.º 326º
«1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.
2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º»
Art.º 327º
«1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
(…)».
Portanto, como a instância ficou deserta na acção executiva anterior, o novo prazo de prescrição começou a correr logo após a citação da apelada efectuada em 08/11/2004, conforme prevê o nº 2 do art.º 327º do CC.
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3.2. Cumpre agora qual o prazo de prescrição a considerar
A data de vencimento que consta na livrança é «20030711».
O art.º 70º da LULL – aplicável às livranças «ex vi» do art.º 77º - estabelece, na parte que ora interessa:
«Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
(…)»
Se a execução se fundasse apenas na relação cartular, seria inevitável concluir, como a 1ª instância, que o prazo de prescrição de 3 anos estava há muito esgotado na data em que foi instaurada.
Porém, como já dissemos, a execução funda-se também na relação subjacente alegada no requerimento executivo, sendo neste caso a livrança mero quirógrafo.
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Na petição inicial de embargos de executado vem alegado:
«7º
Ainda que tal livrança tenha sido emitida para garantir um contrato de crédito iguamente é um facto que as prestações fixadas no contrato de mútuo para reembolso do capital mutuado, juros remuneratórios e encargos como é o caso do Contrato de Crédito nº ..., datado de 16/01/2002, encontram-se sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos consagrado no artigo 310.º alínea e) do Código Civil.
8º
O prazo de prescrição conta-se a partir do vencimento da prestação respectiva, independentemente e esse vencimento ocorrer no momento programado ou de forma antecipada, que no caso concreto computa-se a partir da entrada em incumprimento, que no caso ocorreu em 16 de Julho de 2002, aquando do pagamento da 5ª prestação que já não ocorreu por ter ocorrido o óbito do Primeiro Executado em 29/06/2002, assim artigo 307º do Código Civil»
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Na contestação vem alegado:
«64. Com o reiterado incumprimento do plano prestacional acordado pelos Executados, a mutuante foi obrigada a resolver o contrato de crédito e a reclamar dos Executados a totalidade do capital em dívida, dos juros vencidos e despesas.»
«71. A mutuante, comunicou por escrito aos executados e ora Embargante que a dívida estava considerada totalmente vencida pela falta de pagamento, e sem efeito o plano prestacional acordado, deixando assim os Embargantes de beneficiarem dos prazos de vencimentos acordados previamente para cada uma das prestações mensais.
72. O contrato celebrado entre as partes traduz-se exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado no tempo.
73. Ou seja, traduz uma obrigação única para os devedores embargantes, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios; Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com os Embargantes, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fracionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas.
74. Daí resultando, que as prestações fracionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário, ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado.
75. Ora, após o vencimento, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos e os juros ao de cinco anos.
76. Aliás, o devedor nunca será penalizado em mais de cinco anos de juros! Pelo que, desde já assume a aqui Embargante que acresce razão aos Embargantes quando alegam a prescrição destes nos termos do art.º 310º, al. d) do C. Civil.
77. Nesse sentido, o Ac. Tribunal Relação do Porto de 24/01/2022, processo n.º 22815/19.6T8PRT-A.P1 (…)
78. Pelo que, a alegação de que tal aplicação do prazo quinquenal seria motivado para evitar que o crédito fosse excessivamente oneroso para o pagamento a cargo do devedor, não pode proceder»
Na apelação vem alegado:
«38. Complementarmente, e em abono desta sua posição em não ver aplicado o prazo de prescrição de 5 anos, a Embargada defendeu que a partir da data de resolução/vencimento antecipado, deixaram de existir juros remuneratórios, típicos das prestações periódicas ou quotas de amortização, que sequer remanesciam neste caso porquanto só estava em divida o capital, porque convencionados para a vigência dos contratos, passando a aplicar-se daí em diante apenas os juros moratórios legais previstos para o capital.
39. Assim, impor-se-ia ao capital vencido a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos nos termos do art.º 309.º do C.C.»
Concluindo a apelante em U, V e W:
«U. Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com a Embargante, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas.
V. As prestações fracionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário, ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
W. Não se enquadrando o capital no prazo de prescrição da alínea e), do art.º 310º C.C, nem na L.U.L.L., 77º e 70º.»
Portanto, no recurso vem a apelante contrariar o que alegou na contestação e o que consta na carta de resolução, dizendo agora que a partir da data de resolução/vencimento antecipado deixaram de existir juros remuneratórios, estando só em dívida o capital.
Aliás, nas condições gerais do contrato invocadas na carta de resolução lê-se:
«14. – Antecipação de vencimento.
A Credibom poderá considerar antecipadamente vencidas toas as prestações emergentes do Contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação.
(…)
15 – Penalização por incumprimento
O não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas no Contrato implicará a obrigatoriedade do seu pagamento e de todas as prestações vincendas (…)»
Ora, o art.º 573º do CPC estatui:
«1 - Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
2 - Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.»
Portanto, a quantia exequenda integra as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Importa por isso, lembrar que o art.º 310º do Código Civil prevê:
«Prescrevem no prazo de cinco anos:
(…)
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
(…)»
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte Uniformização de Jurisprudência pelo AUJ nº 6/2022 (de 30/06/2022, in DR I, de 22/09/2022):
«I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
Significa que à luz do AUJ e do art.º 310º al e) do Código Civil o prazo de prescrição a considerar é o de 5 anos, que já tinha decorrido quando foi instaurada esta nova execução.
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3.3. Se a excepção de prescrição deve improceder por ser inconstitucional a alínea e) do art.º 310º do Código Civil quando interpretada no sentido de que deve ser aplicada ao capital nos contratos de crédito, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade de armas e direito a tutela jurisdicional efectiva.
Invoca a apelante os art.º 2º, 12º nº 2, 18º nº 1, 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, que estabelecem:
Art.º 2º
«A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.»
Art.º 12º
«1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.»
Art.º 18º
«1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.»
Alega a apelante:
«Não comportando o capital qualquer tipo de juros, o desrespeito pela aplicação do prazo de prescrição geral de 20 anos representaria uma clara desproteção do credor (…)». Mas, como já ficou esclarecido em 3.2. a quantia exequenda integra os juros remuneratórios que compõem as prestações.
Argumenta a apelante que «a aplicação cega» daquele AUJ desprotege as instituições que concedem crédito e que em caso de incumprimento ficam «impedidas de reaver até o capital que emprestaram». Porém, o prazo de 5 anos de prescrição não impede o exercício do direito de crédito, sendo certo que o mais plausível é que as instituições de crédito não tenham interesse em deixar arrastar a situação de incumprimento. E na verdade, no mesmo ano em que enviou a carta de resolução do contrato, a Credibom SFAC instaurou a execução (Proc. 29756/03.2YXLSB) que depois foi extinta por deserção da instância.
Além disso, a apelante nem sequer é a mutuante e decorre do requerimento de 10/10/2023 e dos documentos juntos ao requerimento executivo que só adquiriu o crédito exequendo em 16/03/2021 por compra à anterior cessionária. Ora, decorridos tantos anos sobre a carta de resolução só de si se pode queixar a apelante por ter adquirido um crédito cuja cobrança não foi obtida em execução que tinha sido extinta por deserção da instância no ano de 2010, sem se assegurar de que não corria o risco de se defrontar com a sua prescrição.
Concluindo, no caso concreto é manifesto que os princípios constitucionais invocados pela apelante não são afrontados pela interpretação da lei ordinária, concretamente o art.º 310º al e) do CC acolhida no AUJ nº 6/2022.
Improcede, pois, também este fundamento do recurso.
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IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação.
Custas pela apelante.
Lisboa, 22 de Maio de 2025
Anabela Calafate
Adeodato Brotas
Vera Antunes