Sumário elaborado pela relatora:
I – Quando do contexto do auto de notícia fluir, de forma notória, o erro da data da ocorrência da infração, quanto ao mês, tal alteração não implica qualquer modificação essencial desse mesmo auto de notícia.
II – Estando em causa uma situação de mero lapso de escrita, é de proceder à retificação desse lapso, nos termos do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.
III – A nulidade por contradição insanável da fundamentação, prevista no art. 410.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, tem de resultar da própria sentença, inexistindo tal contradição quando a matéria factual se mostra concordante com a apreciação jurídica e esta com a decisão final aplicada.
IV – A contraordenação laboral prevista nos arts. 25.º, n.º 1, da Lei 27/10, de 30-08, e 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02-2014, verifica-se quando, no momento da fiscalização, o motorista não procede à apresentação imediata de todos os registos referentes ao dia da fiscalização e aos 28 dias que o antecederam, uma vez que o dever imposto pela norma se reporta à obrigação de apresentação dos referidos registos no local da fiscalização e não à existência, ou não, desses registos.
V – A presunção prevista pelo art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30-08, é ilidida, quanto a esta contraordenação, se a empresa demonstrar que organizou o trabalho do seu motorista de modo a que este apresentasse, quando fiscalizado, as folhas de registo de tacógrafo referentes ao dia da fiscalização e aos 28 dias anteriores ou, na sua falta, documento idóneo justificativo de tal falta.
VI – A sanção acessória de publicidade, prevista no n.º 1 do art. 562.º do Código do Trabalho, quando se mostrem verificados os seus pressupostos, é de aplicação automática, não se encontrando, por isso, na dependência de uma apreciação judicial.
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
♣
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A arguida “Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar, S.A.”,2 veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT), que imputou à referida arguida uma contraordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 25.º, n.º 1, al. b), e 14.º, n.º 4, als. a) e b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, e do art. 36.º, nºs. 1 e 2, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento e do Conselho de 04-02-2014, condenando-a na coima de 22 UC, ou seja, em €2.244,00, e na pena acessória de publicidade.
…
Por despacho, o tribunal de 1.ª instância, proferiu sentença, em 26-08-2024, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, julgando a improcedência da presente Impugnação, mantenho a decisão da ACT nos seus precisos termos.
*
Fixo a taxa de justiça em 3 (três) UC, nos termos do disposto no art. 8º, n.º 9, do RCP, e tabela III anexa, considerando a extensão da impugnação, número de questões suscitadas e a própria incoerência interna do alegado, conforme se deixou dito.
*
Notifique e deposite.
*
Cumpra o disposto no artigo 45º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
…
Inconformada com a sentença, veio a arguida “Nordigal” interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A. A condenação em coima correspondente a 22 UCs no valor de € 2.244,00, acrescida de custas no valor de € 306,00 e sanção acessória de publicidade da decisão condenatória representa condenação para além a culpa e em violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso bem como das mais elementares garantias e direitos de defesa;
B. A fiscalização deu origem ao NPCO 01341/2022 220150900 e do teor de tal auto de notícia, aludindo a fiscalização datada de 20 de Junho de 2022 (“20-06-2022”) pelas 09:45, consegue ser imputada a não apresentação de folhas de registo de tacógrafo relativas aos dias 25 a 29 de Junho, 05 e 06 de Julho e 09 a 17 de Julho de 2022, ou seja, dias depois, referindo-se a fls. 1 (maxime nota de rodapé 1) da douta decisão que tal se deverá a lapso mas o certo é que a arguida nunca foi notificada de qualquer alteração dos factos, tendo exercido a defesa na senda dos documentos que lhe foram enviados pelo que a decisão do ponto de facto provado 1 constitui surpresa e mostra-se decidido para além do comunicado, mostrando-se a douta decisão proferida a padecer de nulidade ao abrigo do disposto no art. 379º n.º 1 b) CPP;
C. Não poderia o condutor ter o dom de entregar folhas de registo futuras (ou então haverá lapsus calami na data da infração, mostrando-se o auto eivado de circunstancialismo falso/não verdadeiro!), inexistindo qualquer base factual que permita imputar ao condutor fiscalizado, a condução prévia do veículo e em tais dias nem se mostra expressamente imputado, alegado ou comprovado que tal veículo tivesse andado em circulação em tais dias, circunstancialismo que se impugna, pois o facto de alguém não apresentar registos, como aparece dado por provado no facto 4, não significa nem pode significar que tenha trabalhado em tais dias e que os haja para presentar;
D. Mostra-se o presente processo assente numa presunção em desfavor da arguida, a qual é proibida em nome do princípio da presunção de inocência, plasmada na expressão in dubio pro reo, sendo que se não mostra invocado qualquer facto concreto de onde possa ser extraída a culpa nem se mostra a mesma expressamente fundamentada ao nível da decisão da matéria de facto, pois o facto de alguém não apresentar registos, como aparece dado por provado no facto 4, não significa nem pode significar que tenha trabalhado em tais dias e que os haja para presentar;
E. O teor da norma legal imputada [art. 25º n.º 1 b) da Lei 27/2010] não se mostra subsumível in casu dado que a arguida nunca foi notificada para apresentar o que quer que fosse e só teve conhecimento da alegada infracção quando foi notificada para apresentar defesa, constando da mesma uma visualização anual de condutor, datada de 20 de Julho de 2023, pelo que ao contrário que se mostra imputado teve lugar tal disponibilização (tanto foi disponibilizado que foi visualizado e imprimido!) pelo que verdadeiramente não se verifica o preenchimento da infração imputada padecendo a douta decisão condenatória do vício de contradição insanável pois a fls. 1 (maxime nota de rodapé 1) da douta decisão consta tal alusão expressa à visualização dos dados;
F. Uma coisa não pode ser simultaneamente aquilo que é e o seu contrário pelo que das duas uma: ou houve ou não houve disponibilização e se tiver havido, como parece ser o caso, não pode em caso algum a arguida ser punida pela infração pela qual se mostra condenada, tendo de ser absolvida da sua prática, não estando em causa a não entrega mas sim eventualmente a inobservância de transferência de dados do cartão ou de se fazer acompanhar dos mesmos, coisas substancialmente diferentes, portanto, com indevida convocação da Lei 27/2010, estando sim em causa a violação do DL 169/2009, que é legislação especial e se aplica in casu, com inequívoca diversidade ao nível da subsunção jurídica;
G. Para que a não entrega possa ser punida nos termos em que se mostra considerada, necessariamente teria de haver um acto omissivo do condutor, um acto deliberado de recusa que não poderá estar assente na inexistência de tais dados, impondo-se que os dados existam e apenas não sejam entregues por recusa, a qual não sucedeu in casu pois não se mostra referido que tais dados existissem, pelo que a não apresentação poder-se-á mostrar justificada e apenas haver responsabilidade contra-ordenacional num outro patamar dado que só se poderá facultar algo que exista, que tenha realidade corpórea ou corporalizada, não podendo a decisão ser tomada em preterição ao princípio in dubio pro reo;
H. In casu, o cartão não apresentaria registos desses dias, tendo sido disponibilizado, não estando verificada a factualidade imputada bem como a subsunção jurídica efectivada, devendo o presente processo ser arquivado pois o auto apenas refere que o condutor se não fazia acompanhar das folhas de registo, não imputando qualquer acto de recusa na apresentação e se o mesmo se não fazia acompanhar das folhas não as poderia exibir e não pode a arguida ser punida pela não apresentação, tendo-se de ir buscar a norma que puna tal ausência de posse na sua esfera e não a não apresentação;
I. Não pode a arguida ser punida em nome de condutas pessoais e privativas do condutor, não conformes à formação e indicações ministradas, refutando-se qualquer falta de formação ou vício ao nível da organização, estrutura, direcção ou fiscalização do trabalho pois foi dado como provado no ponto 5 que a arguida transmite aos seus motoristas instruções no sentido de que estes cumpram todas as normas a que estão obrigados, não sendo humanamente exigível que coloque um polícia em cada veículo para fiscalizar os motoristas, assinando todos os condutores, conjuntamente com o contrato, uma ordem de trabalho que versa sobre tais questões mas não é possível à arguida ter um polícia atrás de cada condutor, tendo, em nome da relação contratual celebrada, que actuar com base no princípio da confiança elo que, a ter-se por praticada qualquer infracção terá de ser assacada ao condutor identificado e não à arguida!
J. Julga-se que a ora arguida será parte ilegítima, sempre tendo cumprido com as suas responsabilidades tratando-se aparentemente de uma falha individual e humana que deverá ser assacada a título pessoal ao respectivo condutor, que tinha formação adequada e temporalmente não muito distante, sempre tendo a arguida organizado o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto na legislação aplicável, tendo a infracção em causa inequívoca componente pessoal radicada na acção directa do motorista, estando umbilicalmente relacionada com a mesma;
K. Como é notório e se invoca nos termos do art. 412º CPC, é normal que os motoristas pretendem levar a cabo a realização das tarefas confiadas no mais curto lapso temporal possível, o que sucede, a fortiori, aquando do regresso a casa, assim maximizando o tempo passado junto da família, podendo incorrer em qualquer violação dos comandos legais atinentes aos descanso e pausas, em violação da formação ministrada e das próprias ordens da entidade patronal, que em boa verdade nada lucra com tais violações;
L. A infracção em causa, não se devendo aparentemente a qualquer anomalia do tacógrafo ou deficiência do mesmo, assumirá cariz pessoal (tratar-se-á alegadamente de falha humana do próprio motorista!) e estará para além da subordinação jurídica e laboral, não podendo assim a arguida ser punida pelo que subjacente a tal circunstancialismo estiveram circunstâncias deveras excepcionais às quais a arguida é totalmente alheia, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade ou culpa pois tiveram os factos que ver com factores estranhos e alheios à vontade ou poder de controlo da arguida, não tendo tido a mesma nenhuma culpa e, atenta a inexistência da mesma, na senda do brocardo latino, nulla poena sine culpa, deverá o presente processo de contra-ordenação ser arquivado por inexistência de fundamento legal no qual se escude, ou seja, pela não verificação dos requisitos positivos de punibilidade;
M. Não tinha a ora arguida consciência de prática de qualquer infracção nem a mesma proveio de vontade sua ou de qualquer facto que pudesse controlar e nenhum benefício económico obteve pelo que, atento o teor do facto provado 5, julga estar verificado o circunstancialismo que exclui a sua responsabilidade nos termos e para efeitos do art. 13º n.º 2 da Lei 27/2010 dado que pôs à disposição do motorista do seu veículo todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos nem colocou qualquer obstáculo, estando reunidos os pressupostos e requisitos para o arquivamento, como será de elementar justiça, o que ora, mui respeitosamente, requer;
N. A condenação na sanção acessória de publicidade da decisão condenatória, alegadamente nos termos do art. 562º CT apenas em violação ao princípio da legalidade é que o poderá ser pois a Lei 27/2010 é totalmente omissa a qualquer sanção acessória e do teor da notificação recebida para efeitos de defesa constava expressamente do auto de notícia a informação de “Sanção acessória não aplicável”, (cf. o teor de tais documentos, existentes nos autos e cuja cópia reproduziu nas alegações para melhor e mais fácil percepção/constatação de tal facto, com erro de julgamento a fls. 30 da douta sentença recorrida!) tratando-se de decisão-surpresa e não precedida de possibilidade de qualquer contraditório, pelo que é ilegal e violadora dos mais elementares princípios e garantias de defesa, devendo ser revogada em razão de tal violação e não conformidade a um processo contraordenacional que se queira materialmente justo e processualmente conforme!
O. O princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correcta, leal e sem reservas, o que se mostra extensível à administração da justiça, tratando-se de um princípio programático de comportamento que se materializa através da observância de três outros princípios [I) da protecção da confiança; II) da materialidade e III) da transparência decisória], mostrando-se consagrada tal responsabilidade na Constituição da República Portuguesa (art. 266º n.º 2) com a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei, devendo actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da protecção da confiança e segurança, igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé;
P. E dúvidas inexistirão que tal preterição da segurança jurídica e protecção da confiança terá como consequência mais gravosa a desintegração do interesse público, que não poderá nunca significar o resultado da soma algébrica de todos os interesses individuais mas deverá consistir um plus em relação a este resultado, não podendo assim a administração da justiça tornar-se errática e insegura, deixando transparecer tal insegurança para a esfera jurídica dos administrados sob pena de não se conseguir rever num Interesse público que lhe sirva de referência e que, indubitavelmente, deve estar constitucionalmente ancorado, reflectindo o princípio da protecção da confiança a preocupação dispensada pelo ordenamento aos valores da estabilidade, da segurança e da confiabilidade, valores esses que a arguida igualmente professa sendo a douta decisão recorrida desajustada e violadora dos mesmos;
Q. Tais princípios, uma vez cristalizados na Constituição da República Portuguesa (ou seja, dotados de assento constitucional!) constituirão trave mestra de todo o sistema normativo e judicial e ser-lhe-ão tão essenciais quanto o próprio oxigénio para a humanidade, mostrando-se assim verificada a existência de uma situação justificada de confiança a ser protegida, não deixando qualquer cidadão médio colocado no lugar da arguida de criar a expectativa pelo mesmo gerada, sendo essencial a moralização da justiça uma vez que a situação de confiança depositada pela arguida foi decisiva para a não prática de quaisquer demais actos jurídicos levados a cabo (desde logo, não apresentando defesa nem contraditando tal aplicação e sanção acessória!), existindo benefício prático e efectivo para a mesma, reclamante da proteção da confiança, visando-se obstar com o recurso ao prejuízo sério: condenação em sanção acessória cuja punibilidade/aplicação não se mostrava imputada no auto de notícia e em violação de proporcionalidade, adequação e proibição do excesso;
R. Numa perspectiva de Direito Público, e na sua configuração clássica, o princípio da protecção da confiança (Vertrauensschutz) vincula e limita os vários poderes Estaduais, exigindo de cada um deles cuidados suplementares no momento de levarem à prática as diferentes tarefas que se lhes mostrem confiadas, tratando-se de um princípio que impõe a conservação de situações jurídicas, até eventualmente desconformes com o ordenamento, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, mas que, em todo o caso, assume que a normalidade e a estabilidade são duas das traves estruturais sobre as quais deve assentar todo o sistema, assegurando efectiva protecção da confiança legítima (Schutzes berechtigten Vertrauens), dúvidas inexistindo que tal preterição da segurança jurídica e protecção da confiança terá como consequência mais gravosa a desintegração do interesse público, que não poderá nunca significar o resultado da soma algébrica de todos os interesses individuais mas deverá consistir um plus em relação a este resultado;
S. Não poderá a confiança depositada pelo recorrente, assente na segurança jurídica, deixar de merecer tutela jurídica nem o Direito globalmente considerado ficar absolutamente indiferente à eventual frustração dessa confiança, devendo serem tidos em consideração e douta análise a efectivar por V/ Exas. os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança dado que, sob pena de preterição da noção de Estado de Direito, ter-se-á de admitir que se vive sob a legitimação do princípio da confiança, exigindo-se do poder público a boa-fé nas relações com os particulares e o respeito pela confiança que os indivíduos depositam na estabilidade e continuidade do ordenamento jurídico, bem andando o Tribunal quando tutele tal expectativa já criada, derivada da Lei, e adequada ponderação das diversidades da situação, sem conversão dos critérios de justiça substantiva em instrumentos de plasticidade jurídica inadequados ao caso, com revogação da condenação em sanção acessória;
Destarte,
e sempre com o mui douto suprimento de V/ Exa., deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, com a consequente revogação da douta sentença recorrida ou atenuada para não ofender os princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e representar enriquecimento sem causa para a entidade administrava.
E ao nível da condenação em sanção acessória verifica-se a violação dos princípios da legalidade e contraditório, tratando--se de manifesta e cristalina decisão-surpresa atento o teor do auto de notícia que a afastava expressamente bem como da notificação inicial que não assinalava tal possibilidade, nunca tendo assim merecido defesa por parte da impugnante.
V/ Exa., ser humano sábio, pensará e decidirá necessariamente de forma justa por ser impossível alcançar justiça sem sabedoria, e, como sempre, decidindo fará a costumada e almejada Justiça, rainha e senhora de todas as virtudes!
…
O M.º P.º apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso.
…
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como subindo de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e, após a subida dos autos ao tribunal da relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso.
…
A recorrente veio responder a tal parecer, concordando com o mesmo.
…
Admitido o recurso nos seus precisos termos e colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
♣
II – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da decisão administrativa por ter constituído uma decisão surpresa quanto à data do facto da infração;
2) Contradição insanável entre os factos e a fundamentação;
3) Inexistência dos elementos objetivos do tipo da infração imputada;
4) Inexistência do elemento subjetivo do tipo por parte da arguida e responsabilidade do condutor;
5) Falta de consciência da arguida; e
6) Ilegalidade da aplicação da sanção acessória de publicidade.
♣
III. Matéria de Facto
A matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09), com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
A sentença da 1.ª instância considerou provados, na sequência do que constava a decisão final da ACT, os seguintes factos:
1. No dia 20/07/2022, pelas 09h45m, na EN 252 – Volta da pedra, Palmela, Distrito de Setúbal, AA, motorista ao serviço da arguida, conduzia a viatura pesada de mercadoria, com a matrícula ..-SM-.., equipada com tacógrafo e propriedade da arguida.
2. Naquele dia e hora o referido veículo e respetivo condutor foram fiscalizados pela GNR.
3. Ao ser fiscalizado, o motorista AA não apresentou no ato da fiscalização todos os registos da sua atividade, respeitantes aos 28 dias anteriores à data da fiscalização.
4. Após análise dos registos apresentados pelo condutor e da leitura do cartão de condutor, verificou-se que o mesmo não apresentou registos de atividade nos dias 08 a 19 de junho, 25 a 29 de junho, 5 e 6 de julho e 9 a 17 de julho de 2022.
5. A arguida transmite aos seus motoristas, instruções, no sentido de que estes cumpram todas as normas a que estão obrigados, nomeadamente sobre regulamentação social de transportes.
6. A arguida tem como atividade económica principal – CAE 56290 – outras atividades de serviço de refeições.
7. De acordo com o registo individual de infratores em uso nestes serviços e anexo aos presentes autos para o qual se remete para todos os efeitos legais a arguida à data da prática da infração era reincidente em virtude de ter sido condenada, em processos de contraordenação laboral muito grave e pela violação da Lei 27/2010, nomeadamente, nos processos n.ºs 091801531 e 262000744, cujos prazos de prescrição ainda não decorreram.
8. Assim, e atento o supra exposto, não estava a arguida dispensada de justificar, no momento da fiscalização, por que rezão o condutor não tinha os respetivos registos.
9. Dada a especial qualidade de entidade empregadora, era exigível à arguida que pautasse o seu comportamento de forma diligente, nomeadamente, munindo o seu condutor de documento que lhe permitisse no momento da fiscalização, justificar a ausência daqueles registos, de modo a colmatar tal omissão.
…
E considerou como não provados os seguintes factos:
- Que a empresa tivesse acautelado a emissão e a entrega ao motorista AA, de declaração(ões) de atividade para justificar os dias de ausência de registos de atividade, a fim de este, no ato da fiscalização a(s) puder apresentar, a fim de justificar a ausência daqueles registos, no sentido de dar cumprimento às disposições legais nesta matéria.
- Que a falta de apresentação de registos ou de documentos que justificasse a ausência dos mesmos se tenha devido a um esquecimento do motorista.
- Que a empresa tivesse ministrado formação ao seu motorista.
- Que a empresa tenha organizado e planificado o trabalho do motorista AA, nomeadamente, no período dos 28 dias anteriores à fiscalização.
♣
IV – Enquadramento jurídico
1 – Nulidade da decisão administrativa por ter constituído uma decisão surpresa quanto à data do facto da infração
Entende a recorrente que, por constar no auto de notícia, que lhe foi notificado para exercer o seu direito de defesa, que a fiscalização efetuada ao seu motorista, quando este conduzia a sua viatura pesada de mercadorias, ocorreu em 20-06-2022, não era possível na decisão final da ACT constar que tal fiscalização ocorreu em 20-07-2022, por tal constituir uma decisão surpresa, pelo que deve ser declarada a nulidade de tal decisão administrativa, ao abrigo do art. 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Apreciemos.
Consta do processo administrativo que a arguida “Nordigal” foi notificada do auto de notícia por contraordenação e da Visualização Anual do Condutor AA, para, entre outras coisas, apresentar resposta escrita, em língua portuguesa, juntando os documentos probatórios de que disponha e o rol de testemunhas (…) nos termos do art. 17.º, nºs. 2 e 3, da Lei n.º 107/2009.
Nesse auto de notícia por contraordenação consta que a infração ocorreu em 20-06-2022, pelas 09:45, na EN252 – Volta da Pedra, Portugal, Setúbal, Palmela, na presença do autuante, consistindo a mesma no facto de o condutor AA não ter apresentado as folhas de registo de tacógrafo referentes aos dias 8 a 19 de junho, 25 a 29 de junho, 5 e 6 de julho e 9 a 17 de julho de 2022, da mesma forma que não possuía qualquer registo no cartão de condutor. Mais se imputou à arguida “Nordigal” uma contraordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 36.º, n.º 1, do Reg. (EU) 165/2014, de 04-02, 25.º, n.º 1, e 14.º, n.º 4, da Lei 27/10, de 30-08.
Por sua vez, consta da Visualização Anual do Condutor AA, igualmente notificada à arguida, que a última visualização deste condutor ocorreu em 20-07-2022, tendo tal documento sido igualmente obtido nessa data.
Na realidade, em face das datas que se mostram referenciadas como não tendo sido apresentado qualquer registo, conjugado com a contraordenação imputada à arguida e prevista nos arts. 25.º, n.º 1, da Lei 27/10, de 30-08, e 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04-02-2014 (que determina a apresentação das folhas de registos correspondentes ao dia da infração e aos 28 dias anteriores), e com a data da última visualização efetuada ao condutor AA, é de considerar manifesto o erro da data que ficou a constar como tendo sido praticada a referida infração, sendo “evidente, patente, indiscutível e captável com imediação”3, que a mesma ocorreu em 20-07-2022, havendo um erro de escrita na indicação do mês que ficou a constar no auto de notícia. Pressupor que a infração tinha ocorrido no mês de junho tornaria totalmente incoerente o teor da descrição sumária constante do referido auto de notícia e incompreensível a remessa do documento de Visualização Anual do Condutor AA, cuja última visualização se mostra sinalizada precisamente em 20-07-2022, tendo tal documento sido igualmente obtido nessa data. Do mesmo modo que não faz sentido imputar à arguida a não entrega de registos ocorridos em data posterior à da prática da infração, quer por ainda não existirem, quer por não ser esse o teor da norma punitiva, não faz igualmente sentido juntar um documento referente à prática da infração com data posterior à da sua alegada prática.
É, assim, manifesto não estar em causa a situação prevista no art. 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, referente a uma alteração factual dos factos que haviam sido imputados à arguida, antes sim, uma situação de mero lapso de escrita, prevista no art. 380.º, n.º 1, al. b), do mesmo Diploma Legal.
Acresce que, por do contexto do auto de notícia fluir, de forma notória, o erro da data da ocorrência da infração, quanto ao mês, tal alteração não implicou qualquer modificação essencial desse mesmo auto de notícia.
Diga-se, ainda, que na impugnação judicial apresentada pela arguida, apesar de invocar a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal (prevista, aliás e apenas, para as sentenças), em face da alteração do mês na data da ocorrência da infração, não deixou de apresentar a sua defesa, exatamente por ter compreendido o que lhe estava a ser imputado, relativamente à infração em que fora condenada, invocando designadamente a inexistência de factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos da infração, bem como que tal infração deveria ter sido imputada ao seu motorista, pessoa que agiu com negligência e desrespeitando as ordens dadas, e não a si.
Pelo exposto, sufragando na íntegra a sentença recorrida, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente, inexistindo qualquer nulidade por alteração factual entre o auto de notícia e a decisão final da ACT.
2 – Contradição insanável entre os factos e a fundamentação
Considera a recorrente que existe contradição insanável entre os factos e a fundamentação da sentença recorrida, visto que é imputado à arguida a não apresentação dos registos impostos nos termos dos arts. 25.º, n.º 1, da Lei 27/10, de 30-08, e 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02-2014, porém, consta do facto provado 4 que o seu motorista disponibilizou à entidade autuante os registos que possuía e a leitura do cartão de condutor, não lhe sendo exigível apresentar registos que não existem.
Apreciemos.
A nulidade por contradição insanável da fundamentação, prevista no art. 410.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, tem de resultar da própria sentença, inexistindo tal contradição quando a matéria factual se mostra concordante com a apreciação jurídica e esta com a decisão final aplicada.4
No caso em apreço, o que a recorrente invoca é uma discordância com a apreciação jurídica da decisão e não uma contradição entre factos e fundamentação. Efetivamente no facto provado 1 da sentença (e igualmente da decisão administrativa) consta expressamente que no ato da fiscalização o motorista da arguida não apresentou todos os registos da sua atividade respeitantes aos 28 dias anteriores à data da fiscalização, constando, posteriormente, no facto provado 4, os dias que, em concreto, não foram apresentados tais registos.
Deste modo, não consta em lado algum da sentença recorrida que o motorista da arguida se recusou a apresentar os registos ou que não apresentou qualquer registo, entendendo, porém, tal sentença, em sede de apreciação jurídica, que mesmo assim a contraordenação prevista nos arts. 25.º, n.º 1, da Lei 27/10, de 30-08, e 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02-2014, se encontrava verificada.
Independentemente do acerto da decisão, é inequívoca a inexistência da aludida contradição e, consequentemente, improcede também aqui a invocada nulidade.
3 – Inexistência dos elementos objetivos do tipo da infração imputada
Entende a recorrente que os elementos objetivos da contraordenação que lhe é imputada não se verificam quando (i) o motorista nos dias em que não apresentou os registos não trabalhou; (ii) o motorista não apresenta os registos por não os possuir e não num comportamento deliberado de recusa; e (iii) a arguida não ter sido previamente notificada para proceder à apresentação dos registos em falta.
Refere ainda que, ao invés, deveria ter sido aplicada à arguida o disposto no DL n.º 169/2009, de 31-07.
Dispõe o 25.º, n.º 1, da Lei 27/10, de 30-08, que:
1 - Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor;
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável.
Estatui, por sua vez, o art. 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02-2014, que:
1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n. o 561/2006.
Nos termos dos citados artigos, e como tem sido entendimento reiterado desta Secção Social, para que a presente contraordenação se verifique basta que, no momento da fiscalização, o motorista não proceda à apresentação imediata de todos os registos referentes ao dia da fiscalização e aos 28 dias que o antecederam, uma vez que o dever imposto pela norma se reporta à obrigação de apresentação dos referidos registos no local da fiscalização e não à existência, ou não, desses registos. Acresce que, em caso de terem existido dias em que o motorista não trabalhou, deve ter consigo documento justificativo da ausência das folhas de registo relativas a esses dias. Conforme bem refere o acórdão deste Secção Social, proferido em 11-05-2023,5 só através da apresentação desse documento justificativo da ausência das folhas dos registos em falta “o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator”.6
É, assim, evidente que compete ao motorista, caso não tenha trabalhado nalguns dos 28 dias que antecederam o dia da fiscalização, apresentar, no ato da fiscalização, documento justificativo de tais ausências, pelo que nada serve a ACT notificar a entidade empregadora para proceder à entrega da documentação em falta, quando a contraordenação já se mostra cometida.
Acresce que, por se tratar de uma contraordenação que também é punida a título de negligência, não se exige a intenção deliberada de recusa (o dolo, nas suas três vertentes – art. 14.º do Código Penal) em apresentar tais registos.
Resultando, assim, dos factos provados que o condutor da arguida não tinha na sua posse os registos referentes a todos os 28 dias que antecederam o dia da fiscalização, nem apresentou qualquer documento justificativo para tais ausências (factos provados 3 e 4), mostra-se preenchido o elemento objetivo referente à contraordenação prevista nos arts. 25.º, n.º 1, da Lei 27/10, de 30-08, e 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02-2014.
Ora, mostrando-se preenchida a mencionada contraordenação, falece a invocada aplicação à situação dos autos do disposto no DL n.º 169/2009, de 31-07, sem que, de qualquer modo, não tenha sequer indicado qualquer artigo.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.
4 – Inexistência do elemento subjetivo do tipo por parte da arguida e responsabilidade do condutor
Considera a recorrente que não consta da matéria factual qualquer facto de onde se possa extrair a culpa da arguida, tanto mais que a não apresentação de registos em determinados dias não permite concluir que o referido motorista tenha trabalhado nesses dias.
Relativamente a esta última parte, e como já se referiu, o elemento objetivo do tipo da presente contraordenação preenche-se com a simples não apresentação, no ato da fiscalização, dos registos, ou de documentos justificativos da ausência desses registos, relativamente ao dia da fiscalização e aos 28 dias que a antecederam.
Verificados os elementos objetivos da contraordenação em apreço, importa, então, atentar no elemento subjetivo do tipo.
Nos termos do art. 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30-08, a empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor (n.º 1), podendo, porém, excluir tal responsabilidade se demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março (n.º 2), situação essa em que a responsabilidade é do trabalhador (n.º 3).
Verifica-se, assim, que mostrando-se preenchidos os elementos objetivos da referida contraordenação recai sobre a empresa para a qual se encontrava a trabalhar o motorista uma presunção ilidível de culpa.
Cumpre, então, apreciar se, em face da matéria de facto provada, tal presunção de culpa se mostra ilidida.
Na realidade, tal presunção é ilidida se a empresa demonstrar que organizou o trabalho daquele motorista de modo a que este apresentasse, quando fiscalizado, as folhas de registo de tacógrafo referentes ao dia da fiscalização e aos 28 dias anteriores ou, na sua falta, documento idóneo justificativo de tal falta.
No caso em apreço, resultou provado que o motorista da arguida, quando confrontado com a fiscalização, no dia 20-07-2022, não apresentou os registos de atividade relativos aos dias 8 a 19 de junho, 25 a 29 de junho, 5 e 6 de julho e 9 a 17 de julho de 2022, nem apresentou qualquer documento justificativo para tais ausências. Resultou igualmente provado que a arguida transmite, aos seus motoristas, instruções, no sentido de que estes cumpram todas as normas a que estão obrigados, nomeadamente sobre regulamentação social de transportes.
Porém, não resultou provado que a arguida procedesse à entrega da documentação necessária ao seu motorista, designadamente os documentos justificativos das ausências de registos, facto, aliás, que a arguida nem sequer alegou, por considerar que tal documentação não necessita de existir. Ora, não tendo a arguida procedido à entrega da documentação que o seu motorista não apresentou, aquando da fiscalização, é evidente que a arguida não organizou o trabalho de modo a que o seu motorista pudesse cumprir o disposto na legislação em vigor.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do TRP, proferido em 19-03-2018, no âmbito do processo n.º 2204/17.8T8MTS.P1:7
II - A responsabilidade pela contra-ordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 36º, nº1 do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014, 14º nºs 1 e 4, al. a) e 25º nº 1, al. b) da Lei nº 27/2010, de 30/08 [não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente encarregado da fiscalização] impende, nos termos do nº 1 do artigo 13º da Lei 27/2010, de 30.08, sobre o empregador, a menos que este faça a prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no nº 2 desse artigo 13º.
III - A Lei 27/2010 de 30.08., no artigo 13º, supõe uma “forma mitigada da responsabilidade objetiva ou presumida”, consagrando a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa mas permitindo que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais.
IV - Para exonerar a empregadora da responsabilidade por infração da obrigação de apresentação de documentos relativos a registo da circulação de veículo, pelo trabalhador, não chega a prova da formação ou instruções dadas a este, sendo necessário que a arguida demonstre que efetuou as diligências necessárias para que não ocorresse tal omissão.
V - “A organização do trabalho a que se reporta o nº 2 do art. 13º da Lei 27/2010 não tem a ver apenas com o cumprimento dos tempos de condução e repouso, mas também com o controlo dos mesmos, nomeadamente com a obrigação de apresentação das folhas de registo quando solicitadas pela autoridade competente, constituindo este um dos aspetos dessa organização.
Assim, é evidente, por um lado, que se mostra preenchido o elemento subjetivo do tipo relativamente à arguida (descrito, aliás, nos factos 8 e 9 que constavam na sentença recorrida e que, aqui, nos limitámos a numerar), e, por outro, que inexistem quaisquer factos suscetíveis de afastar a presunção que sobre a arguida impende.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.
5 – Falta de consciência da arguida
Veio a recorrente invocar que não teve consciência da prática de qualquer infração, nem a mesmo proveio de vontade sua ou de qualquer facto que pudesse controlar, não tendo obtido com tal prática qualquer benefício económico.
Relativamente ao último aspeto, já se referiu supra que efetivamente a mencionada contraordenação foi praticada em virtude de a arguida não ter organizado o trabalho de modo a que o seu motorista pudesse cumprir o disposto na legislação em vigor, concretamente, por a arguida não ter procedido à entrega da documentação necessária ao seu motorista, isto é, dos documentos justificativos das ausências de registos.
Por sua vez, quanto ao segundo aspeto, resulta da matéria de facto dada como assente que a arguida agiu com negligência, por não ter pautado o seu comportamento de forma diligente, como lhe era exigível, isto é, por não ter munido o seu motorista das justificações das ausências dos registos em falta.
Por fim, relativamente ao primeiro aspeto, parece que a recorrente está a invocar uma situação de erro sobre a ilicitude.
Dispõe o art. 9.º do DL n.º 433/82, de 27-10, aplicável por força do disposto no art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que:
1 - Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
2 - Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.
Acontece que da matéria dada como assente não resulta qualquer facto, e nem a arguida o invoca, que, por um lado, permita inferir que a arguida atuou sem consciência da ilicitude do facto, não lhe sendo censurável tal erro, ou, por outro lado, permita inferir tal falta de consciência, ainda que a mesma lhe seja censurável.
Atente-se que a arguida possui outras condenações em processos de contraordenação laboral muito grave, por violação da Lei n.º 27/2010 de 30-08.
Acresce que da redação conjugada dos arts. 25.º, n.º 1, da Lei 27/10, de 30-08, e 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02-2014, resulta expressamente que a lei impõe a apresentação das folhas de registo do dia da fiscalização e dos 28 dias anteriores. Por outro lado, possuindo a arguida motoristas de viaturas pesadas de mercadorias ao seu serviço, impunha-se-lhe, de acordo com o padrão de um empresário normal desse ramo, colocado em idêntica situação, agir com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, assegurando-se de que estava a cumprir todas as exigências legais a que estava obrigada.
Nesta conformidade, improcede, também nesta parte, a pretensão da recorrente.
6 – Ilegalidade da aplicação da sanção acessória de publicidade
Considera a recorrente que o disposto no art. 562.º do Código do Trabalho não se pode aplicar à Lei n.º 27/2010, de 30-08, uma vez que este diploma não prevê a aplicação da sanção acessória de publicidade.
Entende ainda a recorrente que, ao constar do auto de notícia que não era aplicável sanção acessória e ao lhe ter sido aplicada, em sede de decisão final administrativa, uma sanção acessória, tal decisão constituiu uma decisão surpresa, que violou o princípio do contraditório e as garantias de defesa, pelo que a condenação da sanção acessória de publicidade deverá ser revogada.
Ora, dispõe expressamente o art. 12.º, n.º 1, da Lei n.º 27/10, de 30-08, que:
1 - O regime dos artigos 548.º a 565.º do Código do Trabalho é aplicável às contra-ordenações previstas na presente lei, com as adaptações previstas no artigo 14.º
Estipula, por sua vez, o art. 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
1 - No caso de contra-ordenação muito grave ou reincidência em contra-ordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade.
Encontrando-se a aplicação da sanção acessória prevista no art. 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho, é evidente que a Lei n.º 27/10, de 30-08, remete expressamente para aplicação desse artigo às contraordenações laborais que prevê. Na realidade, não se compreende a razão pela qual a arguida insiste nesta argumentação, quando a menção ao disposto no art. 12.º, n.º 1, da Lei n.º 27/10, de 30-08, já resulta da sentença recorrida.
Relativamente à decisão surpresa que consistiu na aplicação pela autoridade administrativa da sanção acessória de publicidade, quando no auto de notícia constava que não era aplicada sanção acessória, na esteira da argumentação tecida pela sentença recorrida, importa referir que o disposto no n.º 1 do art. 562.º do Código do Trabalho, quando os seus pressupostos se mostrem verificados, é de aplicação automática.
Conforme resulta do acórdão desta Secção Social, proferido em 11-01-2024, no âmbito do processo n.º 727/23.9T8EVR.E1:8 9
- Nos termos previstos pelo artigo 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a sanção acessória de publicidade aplica-se automaticamente, desde que a arguida tenha sido condenada em contraordenação muito grave ou em contraordenação grave com reincidência, neste último caso com dolo ou negligência grosseira, sem prejuízo de poder haver lugar à dispensa da sanção acessória se demonstrada a verificação dos requisitos previstos no artigo 563.º do mesmo diploma legal.
E, a ser assim, resultando da lei, uma vez verificados os seus pressupostos (designadamente a condenação da arguida em contraordenação muito grave), que a aplicação da sanção acessória de publicidade é de aplicação automática, não se encontra na dependência do julgador a sua aplicação, pelo que não é passível de constituir uma decisão surpresa a aplicação desta sanção acessória a quem tenha sido condenado nesse tipo de contraordenação.
Diga-se, de qualquer modo, que, no caso das contraordenações laborais, no auto de notícia tem de se mencionar, nos termos do art. 15.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, “especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante e, ainda, relativamente à participação, a identificação e a residência das testemunhas”. Ora, nada se encontra vertido sobre a obrigatoriedade de fazer constar no referido auto a respetiva imputação jurídica, pelo que tal elemento não faz sequer parte dos elementos que obrigatoriamente têm de constar do auto de notícia. Assim, não sendo obrigatória a sua menção, nada obsta a uma alteração posterior relativamente ao que tiver ficado a constar. Atente-se que o auto de notícia não equivale a uma acusação e que o assento n.º 1/2003 não se aplica às contraordenações laborais.10
Pelo exposto, improcede também nesta parte a pretensão da recorrente.
…
♣
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
♣
Évora, 8 de maio de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎
2. Doravante “Nordigal”.↩︎
3. Acórdão do STJ, proferido em 18-01-2007, no âmbito do processo n.º 3510/06, citado em Código de Processo Penal Comentado de António da Silva Henriques Gaspar e outros, 2.ª edição revista, 2016, Almedina, Coimbra, p. 1142.↩︎
4. Veja-se, neste sentido, o acórdão desta Relação, proferido em 11-05-2023, no âmbito do processo n.º 1351/22.9T8TMR.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
5. E a que já se fez menção.↩︎
6. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do TRP proferido em 05-12-2011 no âmbito do processo n.º 68/11.4TTVCT.P1; o acórdão do TRG proferido em 20-10-2016 no âmbito do processo n.º 1154/15.7T8BCL.G1; e o acórdão do TRL proferido em 16-03-2016 no âmbito do processo n.º 196/15.7T8BRR.L1-4; todos consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎
7. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎
8. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎
9. No mesmo sentido, veja-se o acórdão desta Secção Social, proferido em 27-01-2022 no âmbito do processo n.º 1703/20.9T8EVR.E1; o acórdão do TRC proferido em 14-01-2016 no âmbito do processo n.º 1565/14.5T8LRA.C1; e o acórdão do TRG, proferido em 04-11-2021 no âmbito do processo n.º 386/21.3T9VRL.G1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎
10. Veja-se o acórdão desta Secção Social proferido em 09-06-2022 no âmbito do processo n.º 807/21.5T8EVR.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎