CASO JULGADO FORMAL
CASO JULGADO MATERIAL
PERSI
Sumário

I. A par do caso julgado material reservado à decisão que conhece o mérito da causa, a lei prevê o caso julgado formal resultante do trânsito em julgado de decisões ou despachos que incidam sobre a relação processual (artigo 620.º do CPC).
II. O caso julgado formal confere à decisão sobre a matéria adjectiva, força obrigatória restrita à tramitação do processo no qual é proferida, não podendo, no mesmo processo, ser revertida ou modificada pelo tribunal, nem admitir-se a prática de acto contrário ao seu conteúdo decisório.
III. Não tendo sido interposto recurso do despacho, notificado às partes, em que o juiz do processo declara “…demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI…” e conclui que “…deverão os autos prosseguir…”, constituiu-se caso julgado formal sobre a questão decidida, respeitante ao cumprimento, pelo Exequente, das determinações do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.
IV. O advérbio “perfunctoriamente” incluso no despacho, enquanto atributo reportado à prova fundada nos elementos carreados ao processo com base nos quais o juiz o proferiu, não obsta à formação do caso julgado.
V. A força do caso formal constituído, impede o tribunal de reapreciar mais tarde os elementos que já constavam dos autos no momento da prolação do aludido despacho, concluindo que ocorreu falta de cumprimento das obrigações decorrentes do PERSI pelo Exequente.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação 3004/21.6T8ENT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento-Juiz 3

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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)

Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Filipe César Osório;
2º Adjunto: Sónia Moura.
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I. RELATÓRIO
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A.
O “Banco (…), S.A.” instaurou a execução para pagamento de quantia certa composta pelo capital de € 45.984,77, € 1.468,87 de juros contabilizados entre 03.03.2021 e 16.10.2021 à taxa de 1,519% mais sobretaxa de mora de 3% e € 58,75 de imposto de selo, contra (…), fundada no incumprimento de contrato de mútuo bancário celebrado entre as partes.
No requerimento executivo alegou, entre outras coisas, o seguinte:
“(…)
Em garantia do empréstimo foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio urbano descrito na CRP do Cartaxo, sob o n.º (...), da freguesia de (…), encontrando-se a mesma devidamente registada pela inscrição Ap. (…), de 2003/01/30, conforme citada escritura e certidão de encargos que se junta.
Sucede que, em 02/03/2021, venceu-se a prestação de capital e juros, que não foi paga naquela data, nem posteriormente, como não foram pagas as prestações que se venceram posteriormente, nem a conta DO se encontrava ou veio a encontrar habilitada para o efeito, pelo que o Banco interpelou o executado para cumprir no incumprido, mas sem sucesso, motivo porque não lhe restou outra solução senão considerar o crédito totalmente vencido;
Aliás, a falta de pagamento de uma prestação importa o vencimento de todas (artigo 781.º do Código Civil);
Não sendo a quantia exequenda voluntariamente paga, a execução deverá prosseguir nos termos do artigo 752.º do Código Processo Civil com a penhora do prédio hipotecado, que a garante. (…)”.
B.
Notificada do despacho proferido a 13.12.2021 (ref.ª Citius 88606867), convidando-a a “…esclarecer o enquadramento do caso no PERSI e, em caso afirmativo, para vir comprovar o cumprimento do mesmo”, a Exequente juntou requerimento a 04.01.2022 (ref.ª Citius 8321784), dando conta de que “…o empréstimo foi oportunamente enquadrado no PERSI e, consequentemente foram cumpridos os formalismos legais subjacentes, conforme resulta das cartas enviadas, que se anexam.”
Juntou documentos, constituídos por duas cartas:
1.
Datada de 3 de Maio de 2021, com o seguinte conteúdo:
“(…)
Contrato de Crédito n.º (…)
Exmo(a). Senhor(a),
Informamos V/Exa. que relativamente ao contrato de crédito em epígrafe, não foi possível proceder à liquidação dos seguintes valores já vencidos:
Detalhe das prestações em atraso: (…)
Nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o contrato de crédito acima indicado foi integrado, na presente data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), sobre o qual pode encontrar informação detalhada no Anexo a esta carta. Para que possamos avaliar a capacidade financeira de V/Exa. e propor-lhe, quando tal seja viável, uma solução para a regularização da situação de incumprimento, solicitamos que, no prazo máximo de 10 dias a contar da recepção desta carta, contacte o seu Balcão, prestando-lhe as seguintes informações actualizadas:
- situação profissional;
- dimensão do agregado familiar;
- rendimentos líquidos mensais do agregado familiar (incluindo prestações sociais);
- e encargos mensais com operações em outras instituições de crédito.
Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar o seu Balcão. (…)”;
2.
Datada de 1 de Agosto de 2021, com o seguinte conteúdo:
Contrato de crédito hipotecário n.º (…)
Exmo(a). Senhor(a),
Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início.
Para qualquer esclarecimento adicional ou para analisar soluções com vista à regularização da situação de incumprimento, poderá contactar:
- o seu Balcão, caso o contrato de crédito registe menos de 90 dias consecutivos de incumprimento,
- ou a nossa Área de Recuperação Pré-Judicial, através do telefone … (atendimento personalizado das 8h30 às 16h30 nos dias úteis), caso o contrato de crédito registe 90 ou mais dias consecutivos de incumprimento.
Caso o contrato de crédito atinja 140 dias consecutivos de incumprimento sem que seja alcançado um acordo entre as partes com vista à regularização do valor em incumprimento, poderá o Banco (...) resolver ou denunciar o mesmo, e intentar acção judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Nos termos legais, cumpre-nos prestar as seguintes informações gerais:
- O Cliente bancário que esteja a incumprir um contrato de crédito à habitação e seja mutuário de contratos de crédito celebrados com mais do que uma instituição de crédito, pode beneficiar, por um período adicional de 30 dias, da garantia de que o contrato de crédito à habitação não será objecto de resolução ou acção judicial, desde que solicite a intervenção do Mediador do Crédito no prazo de 5 dias a contar da recepção desta carta.
- Até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do contrato de crédito à habitação, caso não tenha havido reclamações de créditos por outros credores, tem o mutuário direito à retoma do contrato, considerando-se sem efeito a sua resolução e não se verificando qualquer novação do contrato ou das respectivas garantias, desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como dos juros de mora e dos encargos de cobrança e despesas em que a instituição de crédito incorreu. (…)”
C.
Foi proferido, a 12.01.2022 (ref.ª Citius 88825695), despacho:
“Demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI, deverão os autos prosseguir.
Notifique.”
D.
Com data de 28.10.2024, foi proferido despacho (ref.ª Citius 97922694) com o seguinte teor:
“Pese embora se tenha considerado perfunctoriamente demonstrado o cumprimento do PERSI, apercebe-se agora a signatária que cumpre refletir sobre a suficiência dos motivos indicados para a extinção do PERSI, pelo que, antes de mais, notifique o exequente para se pronunciar quanto a esse aspecto”.
E.
Notificada, veio a Exequente, a 21.11.2024 (ref.ª Citius 11179775), invocar o caso julgado formal constituído pelo despacho datado de 12.01.2022, insusceptível de ser modificado ou reapreciado pelo tribunal, já que se extinguiu o poder jurisdicional do juiz que o proferiu (cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 613.º do CPC).
Requereu, consequentemente, o prosseguimento da acção com a citação edital.
F.
Foi proferido despacho (ref.ª Citius 98297432) com o seguinte teor:
“(…)
Considera-se que não há caso julgado, porquanto o cumprimento do PERSI foi considerado cumprido, mas de mera forma «perfunctória».
Analisada melhor a questão, cumpre decidir.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o PERSI como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
No artigo 1.º estabelecem-se os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito designadamente «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários», respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte.
No artigo 3.º, alíneas a) e c) atribui-se ao cliente bancário o estatuto de consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, desde que intervenha como mutuário em contrato de crédito, e o contrato de crédito como o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma.
No artigo 18.º do citado DL 227/2012, epigrafado de «Garantias do cliente bancário», dispõe-se: «1 ‐ No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual. 2 ‐ Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode: a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efetividade do seu direito de crédito; b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito. 3 ‐ Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual. 4 ‐ Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os atos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior».
No artigo 19.º do mesmo Decreto-Lei, sob a epígrafe «Deveres procedimentais» dispõe-se o seguinte: 1 - As instituições de crédito estão obrigadas a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adotados no âmbito da implementação do PERSI. 2 - Sem prejuízo da inclusão de outros elementos informativos, o documento a elaborar pelas instituições de crédito deve, nomeadamente, especificar: a) Os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) Os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) As soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento; d) As estruturas ou, se for o caso, os prestadores de serviços de gestão do incumprimento responsáveis pelo desenvolvimento dos procedimentos e ações previstas no PERSI, indicando, com o necessário detalhe, as respetivas competências e descrevendo os mecanismos previstos para a sua articulação com outras estruturas ou entidades potencialmente envolvidas nesses procedimentos e ações; e e) Os planos de formação dos trabalhadores a quem sejam atribuídas tarefas no âmbito do PERSI. 3 - As instituições de crédito disponibilizam aos seus trabalhadores o documento referido nos números anteriores de modo a permitir a sua consulta imediata e permanente.
Sob a epígrafe «Processos Individuais», o artigo 20.º prevê o seguinte: 1 - As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos. 2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI.
Por outro lado, no artigo 14.º, n.º 4, do mencionado Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, exige-se que instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. O significado de tal expressão «suporte duradouro» é dado no artigo 3.º, alínea h), do citado diploma: «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas».
As partes não divergem que o caso está dentro do âmbito do PERSI.
A lei exige que a integração dos executados no PERSI e a extinção deste sejam devidamente comunicadas aos executados.
Na situação em apreço, ficou apurado que na carta de extinção do PERSI consta apenas que:
“Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início”.
Resta saber se esta indicação, sem referência às razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, é suficiente para se considerar cumprido o PERSI.
Nesta matéria, entende-se que, e salvo o devido respeito por melhor e superior entendimento, a Relação de Évora já assumiu a posição de que a indicação apurada não é suficiente para se considerar cumprido o PERSI.
De facto, de acordo com o Acórdão da Relação de Évora, de 25-11-2021, no Processo n.º 17026/20.0T8PRT.E1, in dgsi, «1- A extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI. 2- A ineficácia da extinção do PERSI impede a entidade bancária de intentar ação executiva contra o cliente bancário tendente à satisfação do seu crédito, por faltar uma condição de admissibilidade da execução, que correspondente a uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva caso a mesma tenha sido instaurada. (sumário da relatora).»
Do mesmo modo, nos termos do Acórdão da Relação de Évora, de 24-11-2022, Processo n.º 824/22.8T8ENT.E1, in dgsi, «I. Tendo a instituição bancária indicado genericamente como fundamento legal da extinção do PERSI, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, e tendo também indicado genericamente a causa da inviabilidade da manutenção do procedimento, referenciando tão só a falta de colaboração com a instituição de crédito e a falta de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, nada de concreto referiu quanto aos fundamentos da extinção do referido procedimento, seja por via da descrição dos factos que a tal determinaram, seja pela concretização dos fundamentos que, no seu entender, a tal levaram. II. Essa forma de comunicação viola a ratio legis do citado diploma, bem como o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do mesmo, e artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012, do Banco de Portugal, aplicável ao caso dos autos, impedindo os clientes bancários de se defenderem, quer no plano factual, quer no plano legal, caso a entidade bancária venha instaurar procedimento judicial contra os mesmos para cobrança do crédito incumprido. III. A violação do no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos, determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo mesmo artigo 17.º), mantendo-se o impedimento de instauração da ação executiva.»
Este entendimento alicerça-se no artigo 17.º, n.º 3, do Regime do PERSI, nos termos do qual «3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.»
Na verdade, entende-se que o exequente não esclarece convenientemente, com a comunicação de extinção do PERSI apurada, as razões pelas quais não considerada viável a manutenção do procedimento, não estando, pois, respeitando o artigo 17.º indicado, o que determina a ineficácia da extinção do PERSI, nos termos do n.º 4 do referido artigo.
Assim sendo, é forçoso concluir que o exequente/embargado não evidenciou, conforme lhe competia, o cumprimento do PERSI relativamente ao executado, designadamente a extinção do PERSI, sendo que este procedimento, configurando uma condição objectiva de procedibilidade da acção executiva, conduz à procedência de excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância de todos os executados, tudo conforme resulta da conjugação das disposições legais contidas nos artigos 18.º, n.º 1, alínea b) e 21.º, do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e artigos 576.º, n.º 1, 2, 577.º, 578.º e 573.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, e decidindo:
Face ao exposto, declara-se evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).”
G.
Inconformado com o assim decidido, o Exequente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
a) A presente ação executiva deu entrada no dia 19/11/2021, contra o executado (…).
b) No dia 13/12/2021 foi solicitado ao ora exequente, pelo Douto Tribunal a quo, esclarecimentos quando à integração do executado no PERSI.
c) O exequente notificado do Douto Despacho proferido em 13/12/2021, veio esclarecer que o empréstimo foi oportunamente enquadrado no PERSI.
d) A carta de integração do devedor em PERSI foi remetida no dia 3 de maio de 2021.
e) Sem obter qualquer resposta por parte do devedor, o Banco (…), SA remeteu a carta de extinção do PERSI no dia 2 de agosto de 2021, com a justificação de que decorreram 91 dias após o seu início.
f) Nessa sequência, o Tribunal a quo despachou: “Demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI, deverão os autos prosseguir”.
g) Pelo que, no entender do ora exequente, o despacho datado de 12/01/2022 faz caso julgado formal.
h) No passado dia 28/10/2024, após o ora exequente requerer por diversas vezes a citação edital do executado, o Douto Tribunal a quo veio despachar o seguinte: “Pese embora se tenha considerado perfunctoriamente demonstrado o cumprimento do PERSI, apercebe-se agora a signatária que cumpre refletir sobre a suficiência dos motivos indicados para a extinção do PERSI, pelo que, antes de mais, notifique o exequente para se pronunciar quanto a esse aspecto”.
i) Após notificação do Douto Despacho supra referido, o ora exequente veio aos autos afirmar que estávamos perante caso julgado formal, pelo que o tema do PERSI não poderia ser novamente levantado.
j) O exequente veio justificar que o caso julgado tem por escopo assegurar a estabilidade da decisão judicial, a segurança e a confiança jurídicas e a proteção das expectativas criadas por decisão judicial anterior, que não tendo sido objeto de recurso se estabilizou.
k) No caso em apreço estamos perante a figura do caso julgado formal, já que está em causa uma decisão proferida no processo que, já tinha sido decidida com trânsito em julgado e que foi de novo suscitada, segundo o artigo 620.º do Código de Processo Civil.
l) Pelo que, no entendimento do ora exequente, a questão do PERSI estará sanada, face à decisão por Despacho datado de 12/01/2022.
m) Não foi esse o entendimento do Tribunal a quo, pois na Sentença da qual se recorre, afirmou que não se trata de um caso julgado formal, alegando que “Considera-se que não há caso julgado, porquanto o cumprimento do PERSI foi considerado cumprido, mas de mera forma «perfunctória»”.
n) Pelo que, o Tribunal a quo prosseguiu pela apreciação do não cumprimento do PERSI, na referida Sentença, afirmando que o exequente não evidenciou, conforme lhe competia, o cumprimento do PERSI relativamente ao executado, designadamente a extinção do PERSI.
o) Salvo melhor entendimento em sentido contrário, entende o ora exequente que a douta sentença proferida padece de erro manifesto,
p) O PERSI extingue-se com a verificação de qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 17.º: o pagamento integral ou outra causa de extinção da obrigação, o acordo para pagamento integral, o decurso do prazo de 90 dias a contar da integração no procedimento e a declaração de insolvência do cliente bancário.
q) No caso em concreto, estamos perante uma das circunstâncias do n.º 1 do artigo 17.º, tendo o cliente bancário sido informado aquando da sua integração do PERSI, e onde se fazia menção de que o procedimento se extinguiria no 91.º dia após o seu início.
r) É do entendimento do Tribunal da Relação de Évora que “Não há lugar a descrição dos factos que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao procedimento porquanto essa decisão não foi tomada pela instituição. Se o procedimento se extinguiu pelo decurso do prazo de 90 dias, não foi extinto por iniciativa da instituição de crédito. Se esta não decidiu determinar a extinção do PERSI, claro está que não tem que indicar as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento (que se extinguiu por força da lei)”.
s) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, alínea c), n.ºs 3 a 5, 18.º do DL n.º 227/2012 e 9.º do Aviso do BP n.º 7/2021, afigura-se ter sido regulamente cumprido o regime legal atinente à extinção do PERSI, pelo que não está a Exequente impedida de intentar a presente ação executiva tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Pelo que não assiste razão ao Tribunal a quo uma vez que a questão se encontra sanada por caso julgado formal, e ainda que assim não se entenda, deve considerar-se o devido cumprimento do PERSI, nomeadamente a extinção do mesmo nos termos dos artigos dos artigos 17.º, n.º 1, alínea c), n.ºs 3 a 5, 18.º do DL n.º 227/2012 e 9.º do Aviso do BP n.º 7/2021. (…)”.
Pediu a revogação da decisão recorrida, prosseguindo a acção executiva seus ulteriores termos.
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H.
O Executado não contra-alegou.
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I.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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J.
Questões a decidir
São as seguintes as questões exclusivamente jurídicas, em apreciação no presente recurso: [1]
1. Se se constituiu caso julgado formal sobre o despacho proferido no processo de execução a 12.01.2022;
2. Se, em caso de resposta afirmativa à questão precedente, o despacho recorrido viola o caso julgado constituído pelo despacho de 12.01.2022;
3. Se, em caso de resposta negativa à questão anterior, a comunicação de extinção de PERSI remetida pelo Exequente ao Executado cumpre todos os requisitos previstos pelo n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10.
4. Se, no caso de resposta negativa à questão anterior, ocorre excepção dilatória inominada insanável, determinante do indeferimento liminar da acção executiva fundada em crédito abrangido pelo referido PERSI.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente.
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B. De direito
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Do caso julgado
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O primeiro argumento invocado pela Recorrente para pôr em crise o despacho recorrido que declarou evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos Executados e os absolveu da instância, consiste no caso julgado produzido pelo despacho proferido nos autos a 12.01.2022 (ref.ª Citius 88825695) com o seguinte teor:
“Demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI, deverão os autos prosseguir.”
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Nos termos do disposto no artigo 580.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando há uma repetição da causa depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há uma situação de caso julgado que, de acordo com o disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i) e 578.º do CPC, constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e obsta a que o tribunal conheça do mérito dos pedidos, dando lugar à absolvição da instância.
A repetição da causa verifica-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir (cfr. artigo 581.º do CPC).
O caso julgado tem como principal objectivo evitar que depois do trânsito em julgado de decisão sobre determinado conflito, este venha a ser novamente decidido pelo mesmo ou por outro Tribunal, o que conduziria a um de dois resultados: uma decisão inútil ou decisões contraditórias.
“O resultado altamente desprestigiante que assim se produziria seria potenciador de conflitos estéreis e traduziria um duplo dispêndio de actividade e de esforços” (neste sentido A. Varela, J. Manuel Bezerra e Sampaio da Nora, inManual de Processo Civil”, pág. 301, nota 2).
O direito, enquanto “dever ser que é”, tem no princípio da segurança jurídica um pilar fundamental do Estado de direito democrático previsto pelo artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, supondo um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas, de forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos actos por elas praticados, confiando que as decisões que incidem sobre esses actos e relações tenham os efeitos estipulados nas normas que os regem.
Compreende-se, portanto, que o princípio da segurança esteja ligado à confiança dos cidadãos no direito e nas decisões judiciais como indispensáveis instrumentos de ordenação e paz social.
Com o caso julgado visa-se conferir às decisões judiciais autoridade (no sentido de impor uma decisão a todos os que intervêm na sua formação), segurança (não podendo ser posta em causa por nenhuma das partes, nem pelo tribunal, não podendo a demanda ser julgada novamente) e estabilidade (os efeitos da decisão vão perdurar no tempo, resolver o conflito e contribuir para a paz social).
A par do caso julgado material que nos vem ocupando, em que a decisão incide sobre o mérito das questões suscitadas na lide ao tribunal, a lei prevê um efeito de caso julgado mais contido – o caso julgado formal – formado com o trânsito em julgado dos despachos que incidem sobre a relação processual, não compreendendo a apreciação do mérito (cfr. artigo 620.º do CPC).
Nestes casos, o efeito do caso julgado formal tem força obrigatória restrita à tramitação do processo no qual é proferida, não podendo ser revertida ou modificada (pelo tribunal que a proferiu ou qualquer outro), nem podendo, nesse processo, admitir-se a prática de qualquer acto que seja contraditório com o seu conteúdo decisório. Neste sentido, entre outros, veja-se a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2024, relatado pelo Cons. Ferreira Lopes no proc. n.º 11481/20.6T8LSB.L2.S1. [2]
No caso vertente, a decisão recorrida foi proferida a 09.12.2024 e versa questão de índole puramente adjectiva, absolvendo o Executado da instância por considerar verificada excepção dilatória inominada decorrente da falta de cumprimento, pelo Exequente, do preceituado no Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, diploma que instituiu o PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.
Nela se considerou que a carta de comunicação de extinção do PERSI, remetida à Executada, não constitui cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não esclarecer convenientemente as razões pelas quais não foi considerada viável a manutenção do procedimento.
Sucede que sobre a verificação da “condição objectiva de procedibilidade” constituída pelo cumprimento do PERSI pela Exequente, havia sido já proferido nos autos, a 12.01.2022, despacho judicial com a ref.ª Citius 88825695, cujo teor é:
Demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI, deverão os autos prosseguir.
Notifique.” (sublinhado nosso).
O despacho de 12.01.2022 foi proferido na sequência de convite, dirigido ao Exequente pela Sr.ª Juíza de 1ª instância (cfr despacho de 13.12.2021, ref.ª Citius 88606867) para aquele “…esclarecer o enquadramento do caso no PERSI e, em caso afirmativo, para vir comprovar o cumprimento do mesmo”, na sequência do qual o Exequente, a 04.01.2022 (ref.ª Citius 8321784), informou que “…o empréstimo foi oportunamente enquadrado no PERSI e, consequentemente foram cumpridos os formalismos legais subjacentes, conforme resulta das cartas enviadas, que se anexam.”
O Exequente juntou, nessa ocasião, as cartas datadas de 03.05.2021 e de 01.08.2021 (cujo teor se reproduz no relatório da presente decisão), na primeira das quais informou o Executado que foi integrado no PERSI, solicitando-lhe a prestação determinadas informações, e na segunda das quais, entre outras coisas, o informou de ter extinguido naquela data o PERSI por terem decorrido 91 dias após o seu início.
Dúvidas não restam, por isso, que o despacho de 12.01.2022, embora sintético, teve como pressupostos as comunicações remetidas pelo Banco e versa sobre o cumprimento, pelas mesmas, dos requisitos impostos pelo diploma legal que instituiu o PERSI, considerando “demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI (…)” e, consequentemente, que deviam “os autos prosseguir” por se mostrar verificada tal condição de procedibilidade da acção executiva.
Tem, por isso, o mesmo objecto do despacho recorrido que se debruça, novamente, sobre a questão do cumprimento do PERSI pela Exequente, vindo a concluir, contrariamente ao que havia considerado a 12.01.2022, que o Exequente não evidenciou tal cumprimento.
Deste modo, há notória identidade do objecto e contradição de julgados entre os dois despachos em apreço, proferidos em distintos momentos do mesmo processo.
Porém, invocada que foi pelo Exequente a questão do caso julgado formal constituído pelo trânsito em julgado do despacho de 12.01.2022, o tribunal a quo exarou no despacho recorrido que:
“Considera-se que não há caso julgado, porquanto o cumprimento do PERSI foi considerado cumprido, mas de mera forma «perfunctória».”
Analisando este argumento vertido na fundamentação da 1ª instância, devemos ter, antes de mais, presente o sentido das palavras “perfunctório” ou “perfunctoriamente”.
De acordo com o “Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo”, Livraria Bertrand, 14ª edição, 1973, pág. 650:
- “perfunctório” é um adjectivo com o significado: “que se pratica em cumprimento de uma obrigação (…) ; superficial; ligeiro.”; e
- “perfunctoriamente” advérbio que significa: “De modo perfunctório; de relance; sucintamente.”
Trazendo o significado da expressão para o domínio jurídico, afigura-se adequada à qualificação da motivação feita de forma mais ligeira ou sucinta, de facto ou de direito, de uma determinada decisão, justificada por imperativos específicos de ordem adjectiva, como no caso dos procedimentos cautelares, em que a celeridade e a eficácia útil da medida provisória são bens prevalentes, havendo sempre a possibilidade de aprofundar os fundamentos probatórios, factuais e jurídicos numa fase processual subsequente (quando decretados sem audição da parte contrária) ou na acção declarativa de que sejam dependentes.
O carácter perfunctório da prova produzida ou da fundamentação, não se confunde com os efeitos da decisão do juiz.
Isto porque, cabendo ao juiz a faculdade de fazer uma apreciação mais ou menos sucinta da questão a decidir, a lei não lhe confere a prerrogativa de, por sua iniciativa, qualificar como “perfunctórios”, “sucintos” ou “ligeiros”, os efeitos que a mesma produz depois de esgotado o prazo para da mesma ser interposto recurso.
Ou, dito de outro modo: os efeitos do caso julgado resultam expressamente das previsões dos artigos 619.º e 620.º do CPC e não de atribuição feita pelo juiz no próprio despacho / decisão.
Mesmo as decisões proferidas nos procedimentos cautelares com apreciação sucinta ou perfunctória dos respectivos fundamentos são susceptíveis de recurso e formam caso julgado sobre as questões decididas (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º e 628.º, ambos do CPC).
Nem podia deixar de ser assim, sob pena de por mera inclusão de uma expressão como “perfunctório” ou outra de significado semelhante, o juiz poder converter os seus despachos / decisões em posições precárias, livremente reversíveis, se e quando entendesse, transformando o processado em algo contingente e incerto, sem garantias de segurança e certeza jurídica para as partes.
Retomando os termos do despacho proferido a 12.01.2022, ao ter considerado que, embora de forma perfunctória, a Exequente cumpriu a demonstração do PERSI com os documentos por esta juntos aos autos, daí retirando a consequência do prosseguimento do processo de execução, a decisão recorrida teve implícito o entendimento de que as cartas enviadas ao Executado preencheram os pressupostos do DL n.º 227/2012, de 25.10, constituindo caso julgado formal sobre a questão adjectiva da verificação dessa condição de procedibilidade.
Sem que tivesse sido interposto recurso do mesmo, constituiu-se, por força do disposto no artigo 620.º do CPC, caso julgado formal com força vinculativa no próprio processo sobre aquela questão processual.
Não pode, por isso, ser contrariado por ulterior reapreciação do cumprimento de tais pressupostos, tendo por referência o conteúdo das cartas que já constam dos autos desde 04.01.2022, momento anterior à prolação do despacho de 12.01.2022.
Assim sendo, o despacho recorrido constitui, verdadeiramente, uma revisão, oficiosa, dos fundamentos jurídicos do despacho que havia sido proferido mais de dois anos antes, em 12.01.2022, transitado em julgado.
Sucede que, com o trânsito em julgado do despacho de 12.01.2022, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz quanto à questão apreciada (n.º 1 do artigo 613.º do CPC), sendo que:
- por um lado, a alteração produzida pelo despacho recorrida não constitui a rectificação de um erro material (erro de escrita, de cálculo ou inexactidão decorrente de lapso manifesto revelado pelo texto da decisão anterior) passível de suprimento oficioso (n.ºs 2 e 3 do artigo 613.º e n.ºs 1 e 3 do artigo 614.º, ambos do CPC); e
- por outro, a reforma da decisão por “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” carece de ser suscitada pelas partes (alínea a) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 616.º do CPC), o que não ocorreu no caso vertente.
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Em face das precedentes considerações, necessário se mostra concluir que o despacho recorrido não teve em devida conta o caso julgado formal constituído pelo despacho proferido nos autos de execução a 12.01.2022, cuja efectividade impede a reapreciação da questão da falta de cumprimento do PERSI pelo Exequente e, consequentemente, a declaração de verificação da respectiva excepção dilatória inominada.
Assim, deve a decisão recorrida ser revogada e prosseguir termos a acção executiva.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigos 607.º, n.º 6, ex vi do 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, apenas o Recorrente / Exequente da acção principal recorreu, tendo obtido vencimento no recurso.
Segue-se aqui a posição defendida por Salvador da Costa [3], assim como no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.01.2024, relatado pelo Juiz Desembargador José Alberto Moreira Dias no processo n.º 2440/21.2T8VCT.G1[4], de que se transcreve o seguinte excerto da fundamentação:
«Como último fundamento para não ser responsabilizada pelo pagamento das custas da apelação sustenta a apelada DD que não contra-alegou, o que é certo.
Acontece que, se esse argumento era fator de não responsabilização do agravado (mas não do apelado, como é o caso da aqui apelada FF) no âmbito de vigência do Código das Custas Judiciais, cujo artigo 2.º, n.º 1, alínea g), expressamente dispunha que: “Sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas, os agravados que, não tendo dado causa ou expressamente aderido à decisão recorrida, a não acompanham”, o Código das Custas Judiciais foi revogado pelo D.L. n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o RCP, e este último não contem norma equivalente ao dito normativo, o que significa que, a não apresentação de contra-alegações pelo apelado deixou de ser fator de isenção subjetivo de isenção do pagamento de custas do recurso por quem viu nele a decair a pretensão que formulara.
Ora, atento o princípio da causalidade, único que, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, releva para efeitos de determinação das custas do recurso interposto pelo apelante, EE, da sentença recorrida, que deferiu a pretensão peticionada pela apelada, DD, (…) tendo essa sentença sido revogada por decisão (…) desta Relação e, assim, indeferida a pretensão de DD, esta “perdeu”, ficando vencida. Daí que as custas do recurso, de acordo com o identificado critério da causalidade, são da sua exclusiva responsabilidade, independentemente de ter ou não contra-alegado.»
Assim, devem as custas ser suportadas pelo Recorrido, isentando-se do pagamento da taxa de justiça devida em sede recursiva por não ter apresentado contra alegações.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
1. Julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida.
2. Condenar o Recorrido no pagamento das custas do presente recurso.
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Notifique.
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Évora, 09 de Abril de 2025
Ricardo Miranda Peixoto (Relator)
Filipe César Osório (1º Adjunto)
Sónia Moura (2ª Adjunta)


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[1] O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
[2] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6e9f6c16b56632d080258abd005fd253?OpenDocument
[3] In “As custas processuais”, 8ª edição, Almedina, pág. 9, 1ª parágrafo, nota 1.2 ao artigo 527.º do CPC.
[4] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/1d524612c2010c6180258aba0039743f?OpenDocument