Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
AMNISTIA
LEI Nº 38-A/23 DE 02.08
PESSOAS COLECTIVAS
Sumário
I- O conceito de idade é próprio da pessoa singular porque inerente à vida humana e um critério determinante no nosso ordenamento jurídico porque definidor, entre outros, de plena capacidade de exercício de direitos, de imputabilidade penal, de capacidade de consentimento… II- O artigo 2º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto refere-se expressamente a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, referência que claramente se reporta a pessoas singulares, uma vez que no nosso ordenamento jurídico se trata de um conceito inerente à pessoa singular humana nos termos sobreditos. III- A ausência de referência a pessoas coletivas na Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto é intencional porquanto o que o legislador quis foi que apenas pessoas singulares em tal delimitação etária fossem beneficiadas por ser essa a faixa etária dos destinatários centrais da Jornada Mundial da Juventude, evento cuja realização em Portugal subjaz à sua prolação. IV- Consagra o artigo 12º nº1 da Constituição da república Portuguesa que todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição. Esclarecendo o nº 2 do mesmo preceito já anteriormente citado que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza. V- A determinação exata dos direitos e deveres das pessoas coletivas dependerá das circunstâncias de cada caso atendendo à natureza e compatibilidade de cada um dos direitos fundamentais. VI- No caso vertente está em causa uma lei que estabelece um regime de exceção por reporte a uma circunstância única e específica, a realização da Jornada Mundial da Juventude em Portugal e a discricionariedade adotada pelo órgão legislativo tem fundamento material e racional e não é arbitrária uma vez que a restrição de aplicação de tais medidas a pessoas singulares com delimitação etária emana diretamente da especificidade e características de tal evento e dos destinatários pelo mesmo visados. VII- Não se vislumbra em tal intencionalidade legislativa qualquer arbítrio pois cabe na discricionariedade do legislador ordinário eleger o elenco de destinatários abrangidos pelas medidas de clemência e, se tal escolha ocorrer em função de critérios objetivos, que determinam a aplicação das mesmas regras nas situações objetivamente iguais, não ocorre qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação dos princípios invocados pela recorrente. VIII- Tal infração só ocorreria se enquadrando-se a recorrente em tal elenco lhe fosse negada a aplicação de tal regime, que não é o caso.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1- RELATÓRIO:
No âmbito dos autos de processo comum coletivo com o nº6885/08.5TDLSB que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 4 foi em 4 de junho de 2024 proferido despacho que indeferiu a aplicação do regime estatuído na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 à sociedade arguida AA
*
Inconformada com tal despacho dela recorreu a sociedade arguida AA extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: 1- Em 01.09.2023 entrou em vigor a Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. 2- Segundo o n.º 1 do art.º 2º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, estão abrangidas por aquele diploma as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023 (o que abrange os pretensos factos em apreço nos autos), por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos art.ºs 3.º e 4.º.
3- Aquela norma não especifica se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia e comparativamente o art.º 5º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto também não especifica se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia. 4- O n.º 1 do art.º 9º do CC prevê que: «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». 5- Analisando estas duas normas e apesar daquelas não especificarem se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia, crê-se, s.m.o., que reconstituindo o pensamento legislativo e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e, em particular, publicada, i.e. quando (em 02.08.2023) se encontrava em Portugal o Papa Francisco, por ocasião do citado evento religioso, importa constatar que o diploma em causa não excluiu as pessoas colectivas, de qualquer uma dassuas previsões. 6- Não é possível descortinar do mencionado diploma qualquer exclusão - em qualquer segmento daquele diploma - das pessoas colectivas, de qualquer uma das suas previsões e segundo o nº 2 do art.º 9º do CC: «Não pode (...) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso». 7- De acordo com o n.º 2 do art.º 12º da CRP: «As pessoas colectivas gozam dos direitos (...) compatíveis com a sua natureza»; e de acordo com o n.º 1 do art.º 127º do CP: «A responsabilidade criminal extinguese (...) pela amnistia (...)». 8- O art.º 127º do CP também não distingue para efeitos de extinção da responsabilidade penal, por amnistia, as pessoas singulares ou colectivas, tal como sucedeu com o citado n.º 1 do art.º 2º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, pelo que, seguindo um princípio basilar do direito, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir. 9- A distinta natureza entre pessoas singulares e colectivas não parece, apesar de tudo, excluir a existência da igualdade fáctica que constitui o necessário pressuposto para que se possa considerar a operatividade do princípio jurídico-constitucional da igualdade. 10- Interpretar o n.º 1 do art.º 2º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto no sentido de considerar que dali se encontram excluídas as pessoas colectivas constitui uma violação do princípio da universalidade (Cfr. art.º 12º da CRP), do princípio da igualdade (Cfr. art.º 13º da CRP) e uma desigualdade de tratamento, entre pessoas singulares e pessoascolectivas, assente em fundamentos não objectivos e irrazoáveis, aliás não contemplados, seja a que título for, no referido diploma legal e mais em concreto naquela norma. 12- O mesmo se diga quanto ao critério da idade, o qual também não assenta em fundamentos objectivos e razoáveis, igualmente não contemplados, seja de que modo for, na Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto e mais em concreto no n.º1 do art.º2º daquele diploma, matéria que a ser reconhecida em sentido diverso ao ora requerido, constitui também uma violação do princípio da universalidade (Cfr. art.º 12ºda CRP), do princípio da igualdade (Cfr. Art.º 13º da CRP) e uma desigualdade de tratamento. Assim sendo, 13- Atenta a previsão, a contrario sensu, da sub-al. i) da al. b) do n.º 1 do art.º 7º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto e face à interpretação supra identificada ao art.º 2º, n.º 1 do mencionado diploma legal, deverá ser reconhecida a amnistia da sanção penal aplicada à Arguida, sob pena de violação dos princípios da universalidade e igualdade. Cfr. art.º ºs 12º e 13ºda CRP.
Termina pugnando pela revogação do despacho e sua substituição por outro que reconheça a amnistia suscitada.
*
Admitido o recurso o Ministério Público do tribunal recorrido apresentou a sua resposta com as seguintes conclusões: 1. A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, visa a aplicação de um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da "Jornada Mundial da Juventude". 2.Como tal, a Lei n.º 38-A/2023, de 2 agosto, assume carácter excecional. 3. O artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, dispõe que: "1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto. 4. A interpretação de tal norma jurídica deve ser efetuada nos exatos termos em que se encontra redigida, fruto do caráter excecional que o aludido diploma legal assume. 5. Tal diploma legal, tem como destinatários os Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 30 anos, visando conceder-lhes um ato de clemência, para combater os efeitos negativos da ressocialização dos mesmos por factos ilícitos praticados em tão tenra idade. 6. Nessa medida, entendemos que a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não se aplica às pessoas coletivas. 7. Não se vislumbra qualquer violação dos princípios constitucionais da universalidade e igualdade, atento o caráter excecional do aludido diploma legislativo. 8. Pelo que, aplicar tal diploma legal apenas a pessoas singulares, não viola os aludidos princípios constitucionais. 9.Razão pela qual, o despacho recorrido não merece qualquer censura.
Termina pugnando pelo não provimento do recurso com a consequente manutenção do despacho recorrido.
*
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer, no sentido de não ser concedido provimento ao recurso, acompanhando na íntegra a posição assumida pelo Ministério Público da 1ª Instância.
*
Uma vez que o parecer apenas sufraga a supracitada resposta não houve (nem tinha de haver) cumprimento do disposto no artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal.
*
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
*
Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso cumprindo, assim, apreciar e decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº 2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente invoca no seu recurso o que se impõe apreciar e decidir é: - se a recorrente e sociedade arguida deveria ter beneficiado da aplicação da Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto - se o despacho recorrido ao indeferir a aplicação de tal Lei à recorrente e sociedade arguida violou os princípios da universalidade e igualdade a que se referem os artigos 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa.
2.2- APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
A tramitação processual relevante é a seguinte:
I- A recorrente AA, foi condenada por acórdão já transitado em julgado pela prática de um crime de burla qualificada na forma consumada previsto e punido nos 26º, 217º e 218º, nº 2, al a), 206º,72º, nº 1 ,73º, nº 1 als. a) e b), com referência à al. b) do art.º 202º do C. Penal na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 150,00 (cento e cinquenta euros).
II- Em 09-10-2023 (cf. referência Citius n.º 39207987, de 29-04-2024), a sociedade arguida "AA", apresentou requerimento a solicitar a aplicação do regime jurídico previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto à mesma com o seguinte teor: 1.Em 01.09.2023 entrou em vigor a Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. 2. Segundo o n.º 1 do art.º 2º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, estão abrangidas por aquele diploma as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023 (o que abrange os pretensos factos em apreço nos autos), por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos art.ºs 3.º e 4.º. 3. Aquela norma não especifica se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão abrangidas pela referida amnistia. 4. Por seu turno e comparativamente o art.º 5º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto também não especifica se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia. 5. De acordo com o n.º 1 do art.º 9º do CC: «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». 6. Comparando estas duas normas e apesar daquelas não especificarem se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia, crê-se, s.m.o., que reconstituindo o pensamento legislativo e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e, em particular, publicada, i.e. quando (em 02.08.2023) se encontrava em Portugal o Papa Francisco, por ocasião do citado evento religioso, importa constatar que o diploma em causa não excluiu as pessoas colectivas, de qualquer uma das suas previsões. 7. Não é possível descortinar do mencionado diploma qualquer exclusão – em qualquer segmento daquele diploma – das pessoas colectivas, de qualquer uma das suas previsões. 8. Efectivamente, segundo o n.º 2 do art.º 9º do CC: «Não pode (...) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso». 9. De acordo com o n.º 2 do art.º 12º da CRP: «As pessoas colectivas gozam dos direitos (...) compatíveis com a sua natureza». 10. De acordo com o n.º 1 do art.º 127º do CP: «A responsabilidade criminal extingue-se (...) pela amnistia (...)». 11. O art.º 127º do CP também não distingue para efeitos de extinção da responsabilidade penal, por amnistia, as pessoas singulares ou colectivas, tal como sucedeu com o citado n.º 1 do art.º 2º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto. E, 12. Seguindo um princípio basilar do direito, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir. 13. A este propósito a Doutrina considera inclusivamente que: “(...) nada impede que as ditas «medidas de graça» (amnistia, perdão genérico e indulto) se apliquem também a entes colectivos. 14. A distinta natureza entre pessoas singulares e colectivas não parece, apesar de tudo, excluir a existência da igualdade fáctica que constitui o necessário pressuposto para que se possa considerar a operatividade do princípio jurídico-constitucional da igualdade. 15. Interpretar o n.º 1 do art.º 2º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto no sentido de considerar que dali se encontram excluídas as pessoas colectivas constitui uma violação do princípio da universalidade (Cfr. art.º 12º da CRP), do princípio da igualdade (Cfr. art.º 13º da CRP) e uma desigualdade de tratamento, entre pessoas singulares e pessoas colectivas, assente em fundamentos não objectivos e irrazoáveis, aliás não contemplados, seja a que título for, no referido diploma legal e mais em concreto naquela norma. 16. O mesmo se diga quanto ao critério da idade, o qual também não assenta em fundamentos objectivos e razoáveis, igualmente não contemplados, seja de que modo for, na Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto e mais em concreto no n.º 1 do art.º 2º daquele diploma, matéria que a ser reconhecida em sentido diverso ao ora requerido, constitui também uma violação do princípio da universalidade (Cfr. art.º 12º da CRP), do princípio da igualdade (Cfr. art.º 13º da CRP) e uma desigualdade de tratamento. Assim sendo, 17. Atenta a previsão, a contrario sensu, da sub-al. i) da al. b) do n.º 1 do art.º 7º da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto e face à interpretação supra identificada ao art.º 2º, n.º 1 do mencionado diploma legal, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem pronunciar e reconhecer a amnistia da sanção penal aplicada à Arguida, sob pena de violação dos princípios da universalidade e igualdade. Cfr. art.ºs 12º e 13º da CRP.
III-Em 04-06-2024 (cf. referência Citius n.º 436071836, de 04-06-2024), ante a pretensão da Recorrente, o Tribunal "a quo" proferiu o seguinte despacho, que se transcreve: Pretende a sociedade arguida “AA” que lhe seja aplicado o regime estatuído na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08. Ora, afigura-se que o benefício decorrente desta Lei não é aplicável às pessoas colectivas, pois, a ratio subjacente a este regime legal prende-se com a “juventude’ dos arguidos, não sendo minimamente proporcional, nem adequado excluir-se um arguido da aplicação desta Lei quando já tinha completado os 31 anos de idade na data da prática dos factos e entender-se que uma pessoa colectiva possa beneficiar deste regime. Com efeito, esta Lei visa a aplicação de “um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude” (cfr. Artsº 1 e 2.º, nº 1, do referido diploma legal), estando abrangidas as “pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto’’, ou seja, o legislador explicitamente excluiu as pessoas colectivas e, na verdade, todos as pessoas com mais de trinta anos à data da prática do facto. Acresce ainda que, a condenação da arguida se mostra transitada em julgado, pois, a amnistia da infracção penal nunca seria aplicável por não se integrar nos patamares máximos previstos no Art.º 4.º, da Lei nº 38-A/2023, de 02/08: “São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa’', logo, atendendo à moldura abstractamente aplicável ao crime em causa nunca seria amnistiável. E quanto ao perdão da pena (que pressupõe que haja pena, logo trânsito em julgado), não é aplicável às pessoas colectivas, por opção expressa (e legítima) do legislador. Pelo que, não se aplica a Lei nº 38-A/2023, de 02/08 à sociedade arguida, indeferindo-se o requerido, por falta de fundamento legal. Notifique.
Delineada a tramitação processual relevante apreciemos, pois, as questões suscitadas pela recorrente no âmbito deste recurso.
O despacho recorrido afastou a aplicação do disposto na Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto, que entrou em vigor em 1 de setembro de 2023, quer por considerar que sendo a pena de multa concretamente aplicada à recorrente superior a 120 dias nunca seria aplicável a amnistia prevista no artigo 4º de tal diploma legal quer por no que se refere ao perdão da pena o mesmo estar excluído por estar em causa uma pessoa coletiva.
Insurge-se a recorrente por entender, por um lado, que deveria ter beneficiado da aplicação da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto uma vez que na sua interpretação a lei não exclui tal aplicação e, por outro, que ao não aplicar a referida Lei o aludido despacho violou os princípios da universalidade e da igualdade consagrados nos artigos 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa.
Em abono da sua não exclusão do âmbito de aplicação da referida Lei alega a recorrente que: Segundo o n.º1 do art.º2o da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, estão abrangidas por aquele diploma as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023 (o que abrange os pretensos factos em apreço nos autos), por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos art.ºs 3.º e 4.º e que aquela norma não especifica se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia e comparativamente o art.º 5o da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto também não especifica se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia.
Mais alega que o n.º 1 do art.º 9º do CC prevê que: «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
E que analisando estas duas normas e apesar daquelas não especificarem se as pessoas colectivas (como é o caso da Arguida) estão, ou não estão, abrangidas pela referida amnistia, crê-se, s.m.o., que reconstituindo o pensamento legislativo e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e, em particular, publicada, i.e. quando (em 02.08.2023) se encontrava em Portugal o Papa Francisco, por ocasião do citado evento religioso, importa constatar que o diploma em causa não excluiu as pessoas colectivas, de qualquer uma dassuas previsões e não sendo possível descortinar do mencionado diploma qualquer exclusão - em qualquer segmento daquele diploma - das pessoas colectivas, de qualquer uma das suas previsões e segundo o nº 2 do art.º 9º do CC: «Não pode (...) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».
Mais alega que de acordo com o n.º 2 do art.º 12º da CRP: «As pessoas colectivas gozam dos direitos (...) compatíveis com a sua natureza»; e de acordo com o n.º1 do art.º 127º do CP: «A responsabilidade criminal extingue -se (...) pela amnistia (...)» e que tal artigo também não distingue para efeitos de extinção da responsabilidade penal, por amnistia, as pessoas singulares ou colectivas, tal como sucedeu com o citado n.º1 do art.º 2o da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, pelo que, seguindo um princípio basilar do direito, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.
É consabido e, nem a ora recorrente o contesta, que a Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto tem como contexto subjacente a realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Como se exara na Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1ª “Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina”
Em conformidade o artigo 1º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto esclarece: A presente lei estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
O direito de clemência ou de graça é lato sensu “a contraface do direito de punir estadual4” uma vez que “subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionadotarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe.”5.
Tal direito abrange o perdão genérico, a amnistia e o perdão individual traduzindo-se este no indulto e na comutação de penas.
Consagra a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 161º alínea f) a competência da Assembleia da República para conceder amnistias e perdões genéricos e no seu artigo 134º al. f) como atos próprios da competência do Presidente da República indultar e comutar penas ouvido o Governo.
“Designa-se por amnistia a medida de graça, de carácter geral, aplicada em função do tipo de crime, e perdão genérico a medida de graça geral aplicada em função da pena. Visto que o perdão genérico é, como se disse, aplicado em função da pena, ele tem a particularidade de poder ser total ou parcial, conforme seja perdoada a totalidade ou apenas uma parte da pena. Nesta medida, enquanto a amnistia respeita às infrações abstratamente consideradas, "apagando" a natureza criminal do facto, o perdão implica que a pena ou a medida de segurança não sejam, total ou parcialmente, cumpridas. A amnistia serve para libertar o agente de um processo penal ainda em curso ou do cumprimento de uma pena, devida à prática de determinado crime. Significa isto que alguns bens jurídicos, protegidos pela legislação penal, são considerados menos importantes, em determinados contextos (por exemplo, em caso de necessidade de pacificação social), razão pela qual a sua protecção pode ser sacrificada reotractivamente. Contudo, tal não significa que a amnistia implique a ausência de dignidade punitiva do acto ilícito. No caso do perdão genérico, atenta-se apenas na gravidade da pena e no sacrifício que o seu cumprimento implica para o condenado, podendo aquele ser total ou parcialmente perdoada"6
No artigo 127º nº 1 do Código Penal estabelece-se que a responsabilidade criminal extingue-se, ainda, pela morte, pela amnistia, pelo perdão genérico e pelo indulto. Esclarecendo o artigo 128º, respetivamente, nos seus nº 2 e 3 do mesmo diploma legal que a amnistia extingue o procedimento criminal e no caso de ter havido condenação faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança e que o perdão genérico extingue a pena no todo ou em parte.
Revertendo aos autos sustenta a recorrente, em síntese, que a Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto não exclui do seu âmbito de aplicação as pessoas coletivas porque não as especifica na sua redação e como nos termos gerais a amnistia lhes é aplicável (artigo 127º do Código Penal) atenta a interpretação a seguir de acordo com o artigo 9º nº1 do Código Civil tal lei deve-lhe ser aplicada.
Ora, vejamos se lhe assiste razão:
O artigo 12º nº2 da Constituição da República Portuguesa estabelece que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.
Como se esclarece na Constituição Portuguesa Anotada7 “os direitos fundamentais e, em geral, todos os direitos são primordialmente direitos das pessoas singulares. No entanto há também direitos institucionais e daí o artigo 12º nº2. Não se trata de uma equiparação. Pelo contrário trata-se de uma limitação: as pessoas coletivas só têm os direitos compatíveis com a sua natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos salvo os especificamente concedidos apenas às pessoas coletivas”.
É consabido que a personalidade jurídica consiste na suscetibilidade de uma pessoa individual ou coletiva ser sujeito de direitos ou obrigações jurídicas.
Todo o ser humano singular, por força do princípio da dignidade da pessoa humana que fundamenta a razão de ser da Constituição da República Portuguesa tem personalidade jurídica.
A personalidade jurídica das pessoas singulares adquire-se, nos termos do n.º 1 do art.º 66.º do Código Civil no momento do nascimento completo e com vida, cessando a mesma personalidade com a morte (n.º 1 do art.º 68.º do mesmo diploma legal).
O conceito de idade é próprio da pessoa singular porque inerente à vida humana e um critério determinante no nosso ordenamento jurídico porque definidor, entre outros, de plena capacidade de exercício de direitos, de imputabilidade penal, de capacidade de consentimento…
Conceitos como menoridade, maioridade, imputabilidade em razão da idade, criança, jovem ou adulto enformam o nosso ordenamento e nenhum deles se reporta a pessoas coletivas mas tão-somente a pessoas singulares.
O artigo 2º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto refere-se expressamente a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, referência que claramente se reporta a pessoas singulares, uma vez que no nosso ordenamento jurídico se trata de um conceito inerente à pessoa singular humana nos termos sobreditos.
É verdade que a referida lei não faz qualquer alusão a pessoas coletivas e que o artigo 127º do Código Penal não exclui as pessoas coletivas, mas tal não tem a intenção que a recorrente lhe atribui.
De facto o artigo 9º nº 1 do Código Civil dispõe a propósito de interpretação da lei que esta não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, porém, a recorrente olvida que está em causa o direito de graça ou de clemência que é necessariamente considerado um direito de “exceção”, revestindo-se de “excecionais” todas as normas que o enformam8. E tendo tal natureza tais normas não comportam aplicação analógica, interpretação extensiva ou restritiva devendo ser interpretadas nos exatos termos em que estão redigidas.
O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou que tais leis como providências de exceção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas. “Atendendo à excecionalidade que caracteriza as leis de amnistia e de perdão, a interpretação das mesmas deverá, pura e simplesmente, conter-se no texto da respetiva lei, adotando-se uma interpretação declarativa em que “não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo”.9
Ora, no caso vertente a ausência de referência a pessoas coletivas na Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto é intencional porquanto o que o legislador quis foi que apenas pessoas singulares em tal delimitação etária fossem beneficiadas por ser essa a faixa etária dos destinatários centrais da Jornada Mundial da Juventude, evento cuja realização em Portugal subjaz à sua prolação.
Destarte quer as pessoas coletivas quer as pessoas singulares que não se inserissem na delimitação etária aí consagrada foram intencionalmente excluídas do âmbito de aplicação da referida Lei.
Cumpre, ainda, referir que tal requisito etário sendo condição essencial não se traduz na única condição posto que a citada Lei elenca outras como decorre dos seus diversos artigos.
Assim não assiste razão à recorrente, pois, que tal Lei não é aplicável às pessoas coletivas nem foi intenção do legislador que tal ocorresse.
Invoca, ainda, a recorrente que a interpretação feita no despacho recorrido no sentido da exclusão (ora reiterada neste acórdão) viola os princípios consagrados nos artigos 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa.
Consagra o artigo 12º nº 1 da citada Lei Fundamental que todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
Esclarecendo o nº 2 do mesmo preceito já anteriormente citado que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.
Por sua vez consagra o artigo aludido 13º nº1 que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Aduzindo o nº2 que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Como se exara no Acórdão do Tribunal Constitucional nº20/2510A jurisprudência constitucional sustentou que as leis de amnistia são atos normativos soberanos de clemência, de caráter geral e abstrato, que só podem subsistir na ordem jurídico-constitucional se o seu regime não violar, de maneira arbitrária e intolerável, certos princípios constitucionais fundamentais, designadamente os princípios do Estado de direito, da proporcionalidade e da legalidade. Tanto o Tribunal Constitucional como a doutrina (José de Sousa e Brito) afirmam que a jurisdição constitucional deve controlar as leis de amnistia, exigindo que a delimitação dos factos amnistiados, constante de uma norma concreta da lei de amnistia, seja feita segundo critérios suscetíveis de generalização, em função de circunstâncias não arbitrárias e razoáveis do ponto de vista dos fins de um Estado de direito. Ainda assim, este alargamento permitiria ao Tribunal Constitucional apenas um controlo mitigado da liberdade de conformação do legislador parlamentar O controlo judicial deve ser compatível com a salvaguarda de uma margem de poder discricionário da Assembleia da República, no que respeita à escolha dos motivos e do momento temporal de adoção de … uma medida de clemência, e ainda quanto à definição dos crimes incluídos nos efeitos dessa mesma medida. Tendo em vista os fins da amnistia, o autor acima citado sublinha que estes não incluem apenas a justiça, no sentido de realização do direito, mas também outras finalidades legítimas num Estado de direito, como a utilidade pública e a razão de Estado. A jurisprudência constitucional partilha este entendimento, como se pode ver nos Acórdãos n.º 153/93 e n.º 444/97.
Do exposto decorre que tem sido entendimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional o reconhecimento e salvaguarda de uma margem de discricionariedade da Assembleia da República na definição da escolha dos motivos, momento temporal da adoção da medida de clemência e definição dos crimes incluídos nos efeitos dessa medida.
É consabido que normas legais que infrinjam disposições e princípios constitucionais não podem ser aplicadas pelos tribunais e que tais disposições quando atinentes a direitos, liberdades e garantias são de aplicação direta.
Já por diversas vezes o Tribunal Constitucional se pronunciou relativamente ao princípio da igualdade ínsito no referido artigo 13º sendo para tal Tribunal pacífico que a Constituição só proíbe o tratamento diferenciado de situações quando tal tratamento se apresente arbitrário sem fundamento material.
Afirmou-se a este propósito, entre outros, no Acórdão n.º 39/88: “A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objetivo, “reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade” – acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29). O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º. Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados. O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante.”
No que respeita ao princípio da universalidade o mesmo embora incindível do da igualdade não se confunde com ele. Todos têm todos os direitos e deveres- princípio da universalidade; todos (ou em certas condições ou situações só alguns) têm os mesmos direitos e deveres- princípio da igualdade. O princípio da universalidade diz respeito aos destinatários das normas, o princípio da igualdade ao seu conteúdo.11
A ora recorrente é uma pessoa coletiva e tal como já afirmado o artigo 12º nº2 da Constituição da República Portuguesa estabelece que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza não estando em causa uma total equiparação entre pessoas singulares e pessoas coletivas.
Com efeito, os direitos fundamentais são na sua essência direitos de pessoas singulares e as pessoas coletivas são apenas dotadas dos direitos compatíveis com a sua natureza.
O Código Civil refere expressamente no artigo 160.º, n.º 1, que a capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.
Destarte a pessoa coletiva apenas terá os direitos conducentes à prossecução dos fins para que exista. “Trata-se de um «princípio geral de Direito e que a Constituição se dispensa de reproduzir”12.
Em face do exposto a determinação exata dos direitos e deveres das pessoas coletivas dependerá das circunstâncias de cada caso atendendo à natureza e compatibilidade de cada um dos direitos fundamentais. Isto dito, conclui-se que uma (potencial) violação do princípio da universalidade consistiria no facto de (ilegitimamente) se negar a uma pessoa coletiva um direito compatível com a respetiva natureza13.
No caso vertente está em causa uma lei que estabelece um regime de exceção por reporte a uma circunstância única e específica, a realização da Jornada Mundial da Juventude em Portugal e a discricionariedade adotada pelo órgão legislativo tem fundamento material e racional e não é arbitrária uma vez que a restrição de aplicação de tais medidas a pessoas singulares com delimitação etária emana diretamente da especificidade e características de tal evento e dos destinatários pelo mesmo visados.
Não se vislumbra em tal intencionalidade legislativa qualquer arbítrio pois cabe na discricionariedade do legislador ordinário eleger o elenco de destinatários abrangidos pelas medidas de clemência e, se tal escolha ocorrer em função de critérios objetivos, que determinam a aplicação das mesmas regras nas situações objetivamente iguais, não ocorre qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação dos princípios invocados pela recorrente14.
Tal infração só ocorreria se enquadrando-se a recorrente em tal elenco lhe fosse negada a aplicação de tal regime, que não é o caso.
Assim, e por não nos merecer qualquer censura entende-se ser de manter na íntegra o despacho recorrido improcedendo a pretensão recursiva da recorrente.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto por AA mantendo, consequentemente, na íntegra o despacho recorrido.
Custas da responsabilidade da arguida recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (art.º 513º do Código de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
*
Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
*
Tribunal da Relação de Lisboa, 30 de abril de 2025
Ana Rita Loja
Hermengarda do Valle-Frias
Rui Miguel Teixeira (voto de conformidade)
_______________________________________________________
1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. – Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. Vide Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral II, 1993, p. 685.
5. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº2/20021 publicado no DR I Série A de 14.11.2001
6. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº2/2023 publicado no DR Série I de 1 de fevereiro de 2023
7. De Jorge Miranda e Rui Medeiros, Coimbra Editora, Tomo I, p. 113
8. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº2/20021 publicado no DR I Série A de 14.11.2001
9. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº2/2023 publicado no DR Série I de 1 de fevereiro de 2023
10. Processo n.º 824/2024, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Afonso Patrã
11. Jorge Miranda e Rui Medeiros-Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, p. 112.
12. Jorge Miranda e Rui Medeiros-Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, p. 114
13. Vide Ac. do TC nº 559/202 proferido no Processo n.º 1138/2021, 1.ª Secção, Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
14. Vide no mesmo sentido Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 18.12.2023 proferido no processo 401/12.1TAFAR-E.E1