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ARTICULADOS
PROVA DOCUMENTAL
PROVA ILÍCITA
CONTRADITÓRIO
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – O CPC de 2013 veio introduzir, no processo declarativo comum, a regra geral da apresentação pelas partes dos seus requerimentos probatórios nos articulados - cf. artigos 552.º, n.º 6, 572.º, al. d), e 423.º, n.º 1, do CPC -, sendo o risco de privação do direito à prova daí decorrente mitigado pela possibilidade de alteração do requerimento probatório após o articulado-resposta da parte contrária, bem como, além do mais, pelo disposto nos artigos 423.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, quanto à junção de documentos, e 598.º, n.º 1, do CPC, em que se prevê a faculdade de alteração do requerimento probatório na audiência prévia, faculdade essa que poderá igualmente, como sucedeu nos presentes autos, resultar de convite do tribunal, ao abrigo dos deveres de gestão processual e adequação formal (cf. arts. 6.º, 7.º, 411.º e 547.º do CPC), nos casos em que tenha dispensado tal diligência. II – Ante o princípio do contraditório, consagrado designadamente nos artigos 3.º, n.º 3, 415.º, 427.º, 443.º a 450.º do CPC, é sabido que, mesmo quando o processo declarativo comum apenas comporte, como sucede no caso, dois articulados, o autor poderá, no prazo de 10 dias a contar da notificação da Contestação, exercer o contraditório relativamente à junção documental efetuada pelo réu nesse articulado, incluindo quanto à admissibilidade da mesma. III – Tendo sido alegado pelo réu, na sua contestação, que um documento junto com a petição inicial foi obtido mediante a prática de crime (p. e p. pelo art. 194.º, n.º 1, do Código Penal), assiste ao autor a possibilidade de se pronunciar sobre a imputação feita quanto à forma de obtenção de documento, isto porque sempre cumprirá apreciar se tal documento configura (ou não) prova ilícita, atendendo à forma como terá sido obtido, alegadamente com violação de regras de direito material (no caso, a inviolabilidade da correspondência). IV – Assim, não pode ser desentranhado o requerimento apresentado pelo autor (no prazo de 10 dias após ser notificado da contestação) em que se pronunciou sobre uma tal imputação, bem como sobre os documentos juntos pelo réu, requerendo ainda uma junção documental, a qual, face ao objeto do litígio e aos factos carecidos de prova, e tendo ainda em atenção que poderá vir a ser ponderada oficiosamente a condenação das partes como litigantes de má fé, não se mostra impertinente, nem desnecessária.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
AA interpôs o presente recurso de apelação do despacho que determinou o desentranhamento do Requerimento que apresentou na ação declarativa (de despejo) que, sob a forma de processo comum, intentou contra BB.
Na Petição Inicial, apresentada em 27-04-2024, o Autor formulou o respetivo pedido nos seguintes termos:
“Deve a presente acção de despejo ser julgada procedente por provada, declarado resolvido o contrato de arrendamento em causa e, consequentemente, decretado o despejo, condenando-se o Réu a restituir ao Autor o andar arrendado, totalmente devoluto de pessoas e bens.
Deve ainda o Réu ser condenado ao pagamento de uma indemnização por todos os danos causados no locado, bem como ao pagamento de uma indemnização por todos os danos causados no 1º Andar, com entrada pelo nº 12, do prédio urbano em causa, nos autos, decorrentes da infiltração que tem origem no locado, ambas em valor a determinar em sede de incidente de liquidação de sentença, nos termos do artigo 358º, nº 2, do Código de Processo Civil.”
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- O Autor, na qualidade de cabeça-de-casal das heranças abertas por óbito de CC e de DD, das quais faz parte o prédio urbano sito na Rua A, n.ºs 12 e 14, em Sacavém, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, freguesia de Sacavém, sob o n.º ..., celebrou com o Réu, como arrendatário, contrato de arrendamento, com início a 1 de novembro de 2017, relativo ao 2.º andar direito, com entrada pelo n.º 12, do referido prédio urbano, com destino a habitação, pela renda de 405,00 € (Docs. 1 a 6);
- O Réu deixou de habitar no locado há mais de 2 anos, pois aí não dorme, nem confeciona e toma as suas refeições, não recebe os amigos e familiares, nem recebe a sua correspondência, não usa diariamente luz, água e gás no locado e nunca mais ali foi visto pelos vizinhos;
- O Réu cedeu ilegalmente o gozo do apartamento a terceiros, cuja identidade o Autor desconhece, estando aquele a subarrendar os quartos, sem qualquer autorização do senhorio para o efeito;
- São os subarrendatários quem dorme, confeciona as suas refeições, recebe amigos, familiares e correspondência (cf. Doc. n.º 7, que junta), e usam diariamente a luz, água e gás no locado;
- Esses subarrendatários têm criado diversos distúrbios no prédio, designadamente realizando festas noturnas com ruído elevado;
- O Réu e/ou os seus subarrendatários causaram danos no andar arrendado, ocasionando uma infiltração que estragou o teto e as paredes da casa de banho do 1.º andar direito (cf. Doc. 8);
- Verifica-se fundamento de resolução do contrato de arrendamento nos termos do art. 1083.º, n.º 2, alíneas a), b), d) e e), do CC, estando ainda o Réu obrigado ao pagamento de indemnização pelos danos causados no locado, bem como no apartamento situado por baixo do mesmo.
O Réu apresentou Contestação, na qual pugnou pela improcedência da ação e se defendeu por impugnação motivada, alegando designadamente que:
- Não é verdade que o Réu não habite no apartamento há pelo menos 2 anos, apenas sucedendo que, devido à sua vida profissional, tem de passar longos períodos fora de Portugal, ausências nunca superiores a 30 dias;
- O Réu usa eletricidade, gás e água do locado (cf. Docs. 1 e 2, que junta);
- É falsa a alegação de que o Réu subarrenda quartos;
- Desconhece a existência de desacatos e distúrbios no apartamento arrendado;
- A carta que o Autor junta como doc. 7 foi colocada na caixa do correio do Réu, que desconhecendo o destinatário, a colocou, por abrir, no exterior das caixas do correio com a indicação “desconhecido nesta morada”;
- O Autor apoderou-se dessa carta e abrindo a mesma, que não lhe era dirigida, juntou-a aos autos, cometendo o crime do art. 194.º, n.º 1, do Código Penal;
- O locado está em excelente estado de conservação (cf. Docs. 3 a 8);
- A existirem infiltrações para o andar de baixo, as mesmas só podem ter origem nas canalizações antigas do prédio, que tem cerca de 40 anos, cuja reparação é da exclusiva responsabilidade do senhorio.
Juntou oito documentos.
Em 12-07-2024, foi elaborada a notificação da Contestação ao Autor.
Em 10-09-2024, o Autor apresentou Requerimento (ref.ª Citius 15622465), alegando designadamente o seguinte: “(…) vem, nos termos do artigo 415º, nº 2, do Código de Processo Civil, impugnar os documentos juntos com a Contestação, nos termos do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, responder à acusação da prática do crime previsto e punido pelo artigo 194º, nº 1 do Código Penal, e, nos termos do artigo 423º do Código de Processo Civil, requerer a junção de um Documento, com os fundamentos seguintes: I – DA IMPUGNAÇÃO DOS DOCUMENTOS JUNTOS COM A CONTESTAÇÃO 1. Impugnam-se os Documentos nºs 1 e 2, juntos com a Contestação, correspondentes a facturas de consumos de electricidade e água, por não corresponderem ao alegado pelo Réu, uma vez que os Documentos em questão apenas permitem confirmar que o Réu é o titular dos contratos de fornecimento de consumos e não que seja o Réu quem está a utilizar a água e a electricidade no locado. 2. Aliás, os próprios Documentos nºs 1 e 2 juntos com a Contestação referem a morada do locado apenas como local de fornecimento/abastecimento e referem como morada do Réu a Rua B, nº 4, 6A, Portela, pelo que os mesmos Documentos confirmam que, ao contrário do que o Réu alega, este não reside no locado. 3. Relativamente aos Documentos nºs 3 a 8, aparentemente correspondentes a um conjunto de fotografias, os mesmos não têm qualquer indicação de data, pelo que não é possível confirmar se reflectem o estado actual do locado ou o estado do locado em momento anterior (por exemplo, no início do contrato de arrendamento), pelo que se impugnam. II – DA ACUSAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO E PUNIDO PELO ARTIGO 194°, n° 1 DO CÓDIGO PENAL 4. Não obstante o presente processo ter natureza civil e se entender não ser possível, nos presentes autos, dirimir qualquer questão de natureza criminal, entende-se que, face à gravidade da acusação formulada, é imperativo que seja permitido ao Autor o exercício do contraditório, nos termos do artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil. 5. Ao contrário do que o Réu alega, é absolutamente falso que o Autor alguma vez tenha aberto correspondência que não lhe fosse dirigida. 6. O Documento nº 7 junto com a Petição Inicial foi encontrado pelo Autor no chão do hall de entrada do prédio urbano de que este é proprietário e não estava sequer acompanhado pelo respectivo envelope. 7. Tendo o Autor presumido que a carta em questão tenha sido abandonada pelo respectivo destinatário, cuja identidade o Autor não conhece sequer. 8. Ora, se o destinatário da carta abriu a mesma (o que se presume, uma vez que não se encontrava fechada e não estava sequer acompanhada de envelope) e, tendo desta tomado conhecimento, a deitou para o chão, não se poderá considerar que existe qualquer violação de correspondência, uma vez que a mesma foi abandonada pelo respectivo destinatário, em local de passagem, onde poderia ser encontrada por qualquer transeunte, nomeadamente, o Autor. 9. Assim sendo, terá de se concluir que o Autor não praticou qualquer facto ilícito e não poderá ser acusado da prática de qualquer crime. III – DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS 10. Requer-se a junção aos autos de um Documento, relativo a uma conversa via Whatsapp entre o Autor e a mãe de uma subarrendatária do Réu, a qual confirma a existência de subarrendamento no locado (Vide Documento nº 1, que se junta e cujo teor se dá por reproduzido). TERMOS EM QUE: - TODOS OS DOCUMENTOS JUNTOS COM A CONTESTAÇÃO SE DEVERÃO CONSIDERAR IMPUGNADOS, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS; - O AUTOR NÃO PRATICOU QUALQUER FACTO ILÍCITO E NÃO PODERÁ SER ACUSADO DA PRÁTICA DE QUALQUER CRIME; - SE REQUER A JUNÇÃO DE UM DOCUMENTO.”
Juntou um documento (ficheiro de imagem com “conversas” em WhatsApp) e comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
Em 13-09-2024, o Réu apresentou o Requerimento (ref.ª Citius 15638446) com o seguinte teor: “(…) vem exercer o direito ao contraditório relativamente ao documento junto o qual impugna por não ser documentos do seu conhecimento pessoal, pelo que impugna-se a força probatória do mesmo, não tem força probatória plena, nem é autêntico, sendo que dele não é possível extrair qualquer nexo entre os factos alegados na p. i., nos termos do disposto nos artigos 368º, 374º e 376º do Código Civil e 444º do Código de Processo Civil.”
Em 29-11-2024, foi proferido o Despacho (recorrido) com o seguinte teor: “Requerimentos com ref.ª s 15622465 e com ref.ª 156388445: O Código de Processo Civil apenas prevê a existência de dois articulados obrigatórios (a petição inicial e a contestação) e um eventual (réplica). Não havendo lugar a réplica no presente caso (584.º do CPC), é de concluir que os requerimentos acima identificados não têm fundamento legal, devendo, por isso, ser desentranhados. Adverte-se as partes que caso persistam em apresentar requerimentos desta natureza serão condenadas em multa processual. * Mais se consigna que não se irá apreciar neste processo qualquer questão de natureza criminal uma vez que este tribunal é manifestamente incompetente para o efeito.”
Foi ainda dispensada a realização de audiência prévia, ao abrigo do disposto no art. 597.º do CPC, fixado o valor da causa e proferido Despacho saneador (tabelar), mais tendo sido admitidos os requerimentos probatórios nos seguintes termos: “Prova testemunhal: Admite-se o rol de testemunhas apresentado pelas partes (artigos 498.º, 572.º n. º1 d) do CPC). Prova documental: Admite-se a prova documental junta com os articulados apresentados pela Autora e a Ré (artigos 423.º n. º1, 552.º n.º 6, 572.º n. º1 d), todos do CPC). Prova pericial: Ao abrigo do disposto no artigo 467º, n.º 1, do Código do Processo Civil, determino a realização de perícia, com perito único, com o seguinte objeto: a) Infiltrações existentes no 2.º andar e 1.º andar do imóvel dos autos e suas causas ou origem; b) Local onde se encontram essas infiltrações; c) Obras necessárias a reparar os prejuízos decorrentes das infiltrações e seu custo; Diligencie a secção pela indicação de perito idóneo que desde já se nomeia. O perito deverá prestar compromisso de honra por escrito (artigo 479º, n.º 3, do Código do Processo Civil). Prazo: 30 dias. DN * Sem prejuízo da admissão da prova supra, e uma vez que não foi designada data para a realização da audiência prévia, concede-se, desde já, às partes o prazo de 10 dias para, querendo, virem alterar os seus requerimentos probatórios nos termos previstos no artigo 598.º n. º1 do CPC (cf. artigo 6.º, artigo 547.º e 598.º do CPC). * Tendo em conta a prova pericial acima determinada, não se designa por ora data para a audiência de discussão e julgamento.”
Inconformado com a citada decisão, que determinou o desentranhamento do seu requerimento (apresentado em 10-09-2024), veio o Autor interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: UM: O douto despacho recorrido (despacho proferido a 29 de Novembro de 2024), na parte em que determinou o desentranhamento do requerimento junto aos autos pelo Autor a 10 de Setembro de 2024, violou o disposto nos artigos 3º, nº 3, 415º, nº 2, e 423º do Código de Processo Civil. DOIS: Não obstante não esteja expressamente previsto um articulado posterior à Contestação (nas situações em que não é deduzida reconvenção e, portanto, não pode ser apresentada Réplica), para impugnação da admissão e da força probatória dos documentos juntos pela contra-parte, tem entendido a jurisprudência que as partes podem fazê-lo, através de requerimento autónomo. TRÊS: Entendendo a jurisprudência que a impugnação da admissão e/ou da força probatória dos documentos juntos pela contra-parte, nos termos do artigo 415º, nº 2, do Código de Processo Civil, pode (ou mesmo, deve) ser efectuada através de requerimento autónomo, caso o Autor não tivesse, em sede do requerimento datado de 10 de Setembro de 2024, impugnado a força probatória dos documentos juntos pelo Réu, com a Contestação, poderia entender-se, posteriormente, que o direito a impugnar a força probatória dos documentos juntos teria precludido, uma vez que o Autor já tinha sido notificado dos referidos Documentos, quando foi notificado da Contestação, pelo que é indiscutível que o exercício do direito ao contraditório, pelo Autor, quanto aos documentos juntos pelo Réu, com a Contestação, é tempestivo e legalmente admissível. QUATRO: O douto Tribunal a quo não teve em consideração, a necessidade do exercício do direito ao contraditório pelo Autor, quanto à prova documental apresentada pelo Réu, nada tendo sido referido, no douto despacho recorrido, quanto essa matéria. CINCO: No mesmo despacho datado de 29 de Novembro de 2024, em sede de despacho saneador, o douto Tribunal a quo admite a prova documental junta com os articulados, sem nada referir quanto ao exercício do direito ao contraditório, pelo Autor, quanto à prova documental junta pelo Réu. SEIS: Poderá entender-se que tal resulta na nulidade do despacho saneador, por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, porquanto a prova documental junta pelo Réu foi admitida em violação do princípio do contraditório. SETE: Ainda que o douto Tribunal a quo possa ser incompetente para decidir questões de matéria criminal, nada obsta a que possam ser alegados factos, num processo cível, que, a ser julgados provados, venham a ter relevância no âmbito de um processo criminal. OITO: Acresce que, prendendo-se a acusação formulada pelo Réu com a forma de obtenção do Documento nº 7 junto com a Petição Inicial, tal acusação poderia ter graves implicações no que se reporta à admissão e/ou à força probatória deste Documento. NOVE: A acusação da prática dos factos mencionados no artigo 13º da Contestação é demasiado grave para não se permitir, quanto à mesma, o exercício do direito ao contraditório, sendo justificável aplicar, analogicamente, os mesmos procedimentos já utilizados no caso de pedidos de condenação de uma das partes como litigante de má-fé. DEZ: Caso uma das partes requeresse a condenação da outra como litigante de má-fé, teria a contra-parte o direito de exercer o contraditório, em requerimento autónomo, como tem entendido a jurisprudência. ONZE: Utilizando analogicamente os procedimentos já aplicáveis ao exercício do direito ao contraditório relativamente a um pedido de condenação como litigante de má-fé, o Autor pronunciou-se apenas quanto à acusação da prática do crime mencionado no artigo 13º da Contestação, e esclareceu que obteve, de forma lícita, o Documento nº 7 junto com a Petição Inicial, não se tendo pronunciado sobre os restantes factos alegados, e (por considerar estar em causa um incidente processual), procedeu ao pagamento da taxa de justiça que considerou que seria devida pelo incidente. DOZE: Face ao disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, e dado que, mesmo que possam não estar em causa, neste processo, questões de direito criminal, poderão sempre estar em causa factos que, venham, posteriormente, a ser considerados relevantes, num processo-crime, era imperativo que o Autor pudesse exercer o direito ao contraditório, neste caso. TREZE: Ainda que assim não se entenda, o que não concede, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, caso não fosse processualmente admissível o exercício do direito ao contraditório por parte do Autor, quanto à acusação da prática do crime mencionado no artigo 13º da Contestação, ou se se entendesse que o exercício de tal direito tivesse sido excedido, de alguma forma (o que não se entende que tenha ocorrido) ainda assim, não seria justificável que o douto Tribunal determinasse o desentranhamento dos autos da totalidade do requerimento, bastando apenas que tivesse considerado como não escritos os artigos do mesmo que, hipoteticamente, pudessem ultrapassar o exercício do direito ao contraditório pelo Autor. CATORZE: Também em sede do requerimento datado de 10 de Setembro de 2024, veio o Autor requerer a junção aos autos de um documento, relativo a uma conversa via Whatsapp entre o Autor e a mãe de uma subarrendatária do Réu, a qual confirma a existência de subarrendamento no locado. QUINZE: Requerimento esse que é extremamente relevante para a matéria em discussão nos presentes autos, uma vez que um dos fundamentos invocados em sede de Petição Inicial para a resolução do contrato de arrendamento é o facto de o Réu subarrendar o locado, por quartos, matéria essa impugnada pelo Réu, em sede de Contestação. DEZASSEIS: O documento em questão foi apresentado no prazo de 10 dias após a notificação ao Autor da Contestação, pelo que a sua junção aos autos é tempestiva, face ao disposto no artigo 423º do Código de Processo Civil. DEZASSETE: O douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre o motivo que o levou a desconsiderar a junção deste documento aos autos, e não se vislumbra sequer que exista algum motivo que o justifique, considerando que o documento tem elevada relevância para a matéria em discussão nos autos e a sua junção aos autos é tempestiva. DEZOITO: A decisão do douto Tribunal a quo de determinar o desentranhamento dos autos do requerimento junto pelo Autor a 10 de Setembro de 2024, por consequência lógica, afecta igualmente o documento junto aos autos com este requerimento. DEZANOVE: Ainda que não o referindo expressamente, o douto Tribunal a quo determinou o desentranhamento dos autos do documento em questão, uma vez que o documento constitui parte integrante e indissociável do requerimento cujo desentranhamento dos autos foi determinado. VINTE: O douto despacho proferido pelo Tribunal a quo a 29 de Novembro de 2024 deverá ser revogado, na parte em que determinou o desentranhamento dos autos do requerimento apresentado pelo Autor a 10 de Setembro de 2024, às 12:09:36 (UTC+01:00 Europe/Lisbon), REFª 15622465, e substituído por outro que decida pela manutenção do referido requerimento nos autos.
Terminou o Apelante requerendo que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, na parte em que determinou o desentranhamento dos autos do requerimento apresentado pelo Autor a 10 de setembro de 2024, sendo substituído por outro que decida pela manutenção do referido requerimento nos autos.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se não devia ter sido ordenado o desentranhamento do requerimento (e documento junto com o mesmo) apresentado pelo Autor em 10-09-2024.
Os factos com relevância para conhecimento do objeto do recurso são os que constam do relatório.
Vejamos.
É sabido que o CPC de 2013 veio introduzir, no processo declarativo comum, a regra geral da apresentação pelas partes dos seus requerimentos probatórios nos articulados, o que, quanto à petição inicial, se encontra expressamente previsto no art. 552.º, n.º 6, do CPC, nos seguintes termos: “No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.” Quanto à contestação, é aplicável o disposto no art. 572.º, al. d), do CPC, sendo a referida regra geral reiterada, quanto aos documentos, no art. 423.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual “(O)s documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.”
Porém, no sentido de minimizar o risco de privação do direito à prova no decurso dos autos, foram consagradas outras regras, designadamente o art. 598.º, n.º 2, do CPC (atinente à alteração ao rol de testemunhas) e o art. 423.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o qual estabelece que, se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado; e que, após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Ademais, preceitua o art. 598.º, n.º 1, do CPC que o requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando à mesma haja lugar, ao abrigo dos arts. 591.º ou 593.º, n.º 3, ambos do CPC. Sobre esta problemática, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 644-645, referem o seguinte (sublinhado nosso): «As partes podem alterar na audiência prévia, por substituição ou ampliação, a proposição da prova constituenda (isto é, daquela que se produz no processo: cf. art. 415-2) feita nos articulados. Essa possibilidade de alteração também ocorre em momento anterior do processo (cf. os arts. 552-2, 2.ª parte, e 572-d-2.ª parte); não havendo audiência prévia, às partes deve ser consentida a alteração do requerimento probatório no prazo (geral) de 10 dias contados da notificação do despacho previsto no art. 596-1, ainda que tal conduza à retificação do despacho de programação da audiência final. Com efeito, não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia. (…) É controvertido o âmbito consentido para a alteração do requerimento probatório. Assim, por exemplo, se a parte inicialmente se tiver limitado a arrolar testemunhas, pode perguntar-se se mais tarde pode requerer prova pericial, ou se apenas lhe é lícito alterar o rol. PAULO RAMOS DE FARIA – LUÍSA LOUREIRO, Primeiras notas, cit., n.º 1.1. da anotação do art. 598, adotam uma interpretação generosa do art. 598-1, aceitando nomeadamente que a parte que inicialmente só ofereceu prova documental arrole testemunhas mais tarde (mas, ao invés, pronunciando-se contra a possibilidade de alteração do requerimento probatório quando a audiência prévia não se realize). Também no ac. do TRP de 12.5.15 (HENRIQUE ARAÚJO), www.dgsi.pt, proc. 7724/10, se entende que o conceito de requerimento probatório “pode abranger prova pericial, documental, testemunhal, etc.” Tendemos a perfilhar uma interpretação do art. 598-1, e, em geral, dos preceitos que aludem a requerimentos probatórios, mais restritiva do que esta: a prova documental está sujeita a um regime particular quanto ao seu momento de apresentação (o dos arts. 423 a 425), pelo que aqueles preceitos não a têm em vista, não consentindo, nomeadamente, a substituição de um documento por uma testemunha e vice-versa, ou o aditamento de uma testemunha à oferta de um documento e vice-versa; mas, dentro da prova constituenda, não vemos obstáculo à substituição ou ao aditamento (assim, proposta inicialmente apenas prova testemunhal, é lícito à parte requerer prova pericial nos termos do art. 598-1).»
Mais adiante (cf. págs. 674-675), continuam estes ilustres professores, lembrando que face à exigência de que a prova seja proposta com os articulados [com a possibilidade de alteração do requerimento probatório após o articulado-resposta da parte contrária – cf. arts. 552.º, n.º 6, e 572.º, al. d), ambos do CPC] se colocou ao legislador de 2013 a questão de saber se – e em que termos – devia admitir-se a alteração do requerimento apresentado na audiência prévia, tendo a Comissão dois entendimentos sucessivos, um no Anteprojeto e outro, mais restritivo, no Projeto (PL 521/2012, de 2012-11-22) e Proposta de Lei (n.º 113/XII), deixando-se neste último de admitir a alteração, na fase da audiência prévia, dos requerimentos probatórios, vindo, todavia, a ser reintroduzida pela Assembleia da República a admissibilidade da alteração.
Não podemos acompanhar inteiramente a posição destes ilustres professores, seja no tocante à facultade de alteração do requerimento probatório fora da audiência prévia (possibilidade que, em nosso entender, não estando expressamente prevista na lei, apenas será consentida por via dos deveres de gestão processual e adequação formal – cf. arts. 6.º, 7.º, 411.º e 547.º do CPC), seja quanto à amplitude consentida à alteração do requerimento probatório pelo art. 598.º do CPC, não descortinando razão para uma interpretação restritiva nos moldes referidos, antes se nos afigurando mais defensável a posição sufragada pela citada doutrina e jurisprudência.
Na verdade, o regime do art. 423.º do CPC (à semelhança do previsto no art. 510.º do CPC quanto à substituição de testemunhas) não visa afastar ou excecionar a regra do art. 598.º do CPC, a qual foi aditada já na Assembleia da República e não podia ter sido visada pelo legislador quando delineou o regime do art. 423.º do CPC. A regra do art. 598.º representa um plus relativamente à regra geral atinente à apresentação dos requerimentos probatórios nos articulados, complementando-a, ao possibilitar, em termos amplos, a alteração dos requerimentos probatórios; quando o regime do art. 598.º não seja aplicável (ainda que por iniciativa do tribunal), então sim, as partes poderão lançar mão de outras regras legais, como a do art. 423.º do CPC.
Nas situações em que - como sucedeu nos presentes autos - o juiz, por ter dispensado a realização da audiência prévia, conceda às partes o prazo de 10 dias para, querendo, virem alterar os seus requerimentos probatórios nos termos previstos no art. 598.º, n.º 1, do CPC (ao abrigo dos artigos 6.º, 547.º e 598.º do CPC), não poderá, caso correspondam ao convite, indeferir o que for requerido nesse sentido, nem condenar as mesmas em multa. Tal seria ilógico e atentaria contra o princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático – cf. art. 2.º da CRP. Ora, se as partes já tiverem previamente procedido nessa conformidade, nos termos legalmente previstos ou perspetivando (de tão corrente se tornou essa prática) a dispensa da audiência prévia e o convite à alteração dos requerimentos probatórios, não tem cabimento indeferir os respetivos requerimentos, os quais deverão ser aproveitados, até por razões de economia e celeridade processual (cf. art. 130.º do CPC).
Por outro lado, é sabido que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto (incluindo as atinentes aos requerimentos probatórios), mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC. Esta regra geral é uma decorrência do princípio mais abrangente da tutela jurisdicional efetiva contido no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo vários os seus afloramentos no CPC em vigor, com destaque, no que ora importa, para os artigos 415.º, 427.º, 443.º a 450.º do CPC. Assim, dispõe o art. 415.º do CPC, sob a epígrafe “Princípio da audiência contraditória”, que: “1 - Salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas. 2 - Quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória.”
Dos outros referidos preceitos (e tendo também presente o art. 149.º do CPC) resulta, em traços gerais, que, juntos documentos com o último articulado ou depois dele, a sua apresentação é notificada à parte contrária, dispondo a parte do prazo de 10 dias para exercer o contraditório relativamente a tal junção, incluindo quanto à admissibilidade da mesma (ainda que, como é óbvio, as alegações de facto não tenham a virtualidade de valer como ampliação da causa de pedir fora do circunstancialismo previsto no art. 265.º do CPC), devendo o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, mandar retirá-los do processo e restitui-los ao apresentante, condenando este ao pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, começamos por lembrar que, nas conclusões da sua alegação de recurso, o Apelante afirma, além do mais, que, como a prova documental junta pelo Réu (na contestação) foi admitida, em sede de despacho saneador, com violação do princípio do contraditório, até se poderá entender que tal resulta na nulidade do despacho saneador, por violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
Parece-nos que com esta afirmação o Apelante não quis propriamente suscitar a questão da nulidade do despacho saneador, já que o recurso não tem por objeto esse despacho, nem o despacho que admitiu o requerimento probatório do Réu, mormente na parte em que admitiu a junção dos documentos apresentados com a Contestação, como resulta claro do requerimento de interposição de recurso e da alegação no seu conjunto, não se tendo o Apelante pronunciado no sentido da inadmissibilidade dessa junção documental.
Não obstante esta sua linha argumentação se mostre um pouco deslocada, entendemos que serve para reforçar a ideia de fundo do Apelante, de que o Tribunal a quo não podia ter apreciado o requerimento probatório apresentado pelo Réu (incluindo quanto aos documentos oferecidos) sem ter em consideração o requerimento ora em apreço, já que o Autor exerceu aí o contraditório a respeito daquele outro requerimento probatório, nos termos previstos nos artigos 3.º, n.º 3, e 415.º do CPC. Ora, tem razão ao Apelante, já que efetivamente podia, no prazo de 10 dias a contar da notificação da Contestação (prazo que foi observado), exercer o contraditório relativamente à junção documental efetuada na Contestação.
Ademais, o Autor podia também, nesse prazo, alterar o seu requerimento probatório nos termos do art. 552.º, n.º 6, do CPC, sendo certo que o Tribunal recorrido, no mesmo despacho, até o convidou a fazê-lo, alteração que podia consistir, como sucedeu no caso, na junção de novo documento, sem condenação em multa, por ser inaplicável, como vimos, o art. 423.º, n.º 2, do CPC.
Face ao objeto do litígio e aos factos carecidos de prova, tendo ainda em atenção que poderá vir a ser ponderada a eventual condenação das partes como litigantes de má fé (questão de conhecimento oficioso), entendemos que essa junção documental não se mostra impertinente, nem desnecessária.
Diga-se, por último, que a circunstância de não cumprir, nos presentes autos, apreciar da prática de um ilícito de natureza criminal, não significa que possa ficar vedada à parte (o Autor) a possibilidade de se pronunciar sobre a imputação feita pelo Réu, na Contestação, quanto à forma (supostamente criminosa) de obtenção de documento que foi junto com a Petição Inicial (doc. 7). Efetivamente, pelo menos aquando da prolação da sentença, haverá que tomar posição a esse respeito, analisando se tal documento configura (ou não) prova ilícita, atendendo à forma como terá sido obtido (alegadamente com violação de regras de direito material, a da inviolabilidade da correspondência consagrada no art. 34.º, n.º 1, da CRP).
Tudo ponderado, tendo também em linha de conta o requerimento ulterior que foi apresentado pelo Réu ao abrigo do princípio contraditório (que se deverá manter nos autos - cf. art. 195.º, n.º 2, do CPC, por analogia), impõe-se revogar a decisão recorrida e, em substituição da mesma, admitir o requerimento em apreço, bem como o documento junto com o mesmo.
Assim, procedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido provimento.
Nenhuma das partes ficou vencida (incluindo o Réu, que não requereu o desentranhamento do requerimento apresentado pelo Autor, nem se opôs à junção documental efetuada com o mesmo, tão pouco tendo apresentado alegação de resposta); é o Autor quem retira proveito da procedência do recurso, sendo assim o responsável pelo pagamento das custas processuais, inexistindo outras custas para além da taxa de justiça que já pagou (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e decide-se, em substituição, admitir o requerimento de 10-09-2024, incluindo quanto à junção documental efetuada, com a subsequente anulação do processado na parte atinente ao desentranhamento do requerimento do Réu de 13-09-2024, o qual se deverá igualmente manter nos autos.
O Autor-Apelante é responsável pelas custas do presente recurso, não sendo devidas outras custas para além da taxa de justiça que já pagou.
D.N.
Lisboa, 08-05-2025
Laurinda Gemas
Fernando Caetano Besteiro
João Paulo Raposo