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DOCUMENTOS
MULTA
Sumário
I – A petição inicial e a contestação apresentadas no Proc. 16226/24.9T8LSB contém apenas as alegações de facto e de direito das partes nessa acção, pelo que não são documentos. II – Os apelantes tinham o ónus de provar que não puderam oferecer os documentos com a contestação. III - Não tendo cumprido esse ónus, os documentos devem ser admitidos com multa.
Texto Integral
Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
AA instaurou acção declarativa comum contra BB, CC e Público – Comunicação Social, SA, pedindo:
«a) Reconheça a ilicitude das ofensas ao direito ao bom nome, à honra e à integridade moral da A.
b) Condene solidariamente os RR. a pagar à A., a título de indeminização pelos danos morais causados, o montante de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros), acrescidos de juros à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.»
Alegou, em síntese:
- é investigadora na área das Ciências Sociais e docente universitária,
- sendo figura pública, com intensa e frequente acção social e política e presença regular na comunicação social de massas (como a RTP, onde integra o painel dos intervenientes no programa “O último apaga a luz”);
- os 1º e 2º réus são jornalistas e à altura dos factos o primeiro era editor e o segundo era director, ambos do jornal “Público”; a 3ª a ré é a proprietária da desse jornal;
- através de artigos no jornal “Público” os réus imputaram à autora, falsamente, manipulação fraudulenta dos dados do seu currículo para conseguir vantagens indevidas num concurso público,
- causando-lhe graves danos na sua honra, no seu bom nome e crédito, pessoal e profissional.
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Os réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção.
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Foi proferido despacho saneador em 29/05/2024 e em 13/09/2024 foi designada data para realização da audiência final.
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Em 21/10/2024 os réus apresentaram requerimento nestes termos:
«vêm dar conhecimento aos autos da pendência do Processo n.º 16226/24.9T8LSB que corre termos pelo Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 3 e requerer a junção de dois documentos, a saber:
1. A Autora, após ter sido proferido o despacho saneador nos presentes autos, intentou contra DD e EE em 21 de Junho do corrente ano, uma ação judicial em que pretende ser indemnizada pelos mesmos danos que invoca na presente ação – Processo n.º 16226/24.9T8LSB do Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 3. - cfr. Documento nº 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Os referidos DD e EE apresentaram nessa ação, no passado dia 11 do corrente mês de Outubro, a sua contestação bem como 15 documentos anexos à mesma. - cfr. Documento nº 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
3. Como resulta evidente da documentação ora junta, a Autora procura duplicar o recebimento de uma indemnização pelos mesmos alegados danos, no que seria, a procederem as ações, um evidente enriquecimento sem causa.
4. Saliente-se que a Autora, nem nos presentes autos, nem na referida ação que intentou contra DD e EE, deu conhecimento da pendência simultânea das duas ações!
5. Os Réus abstêm-se de classificar o comportamento processual da Autora mas, sendo certo que não estamos perante um caso de litispendência, uma vez que os Réus não são os mesmos e que o pedido indemnizatório, curiosamente, diverge em € 5.000,00, nem por isso é irrelevante em qualquer dos processos a existência do outro, nomeadamente para se aferir da eventual existência de litisconsórcio necessário, gerador da exceção de ilegitimidade dos ora Réus, de conhecimento oficioso.
6. De qualquer forma, os dois documentos cuja junção aos autos se requer, são inequivocamente supervenientes e relevantes em termos de prova seja quanto à licitude / ilicitude da actuação dos Réus [da imputação, ou não, de facto lesivo à Autora; da verdade / falsidade da imputação e / ou da convicção de veracidade e correlativo cumprimento do dever de informação sobre a verdade da imputação; da dinâmica subjacente à publicação da(s) notícia(s) da interacção, respectiva tentativa de contacto, com a Autora; do interesse legítimo na divulgação], seja quanto aos danos não patrimoniais [determinação qualitativa e quantitativa / nexo de causalidade].
7. Termos em que deve ser tida em conta a pendência do Processo n.º 16226/24.9T8LSB que corre termos pelo Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 3 bem como deferida a junção dos dois documentos ora juntos, sem condenação de pagamento de multa dado que não eram temporalmente passíveis de ser oferecidos com a contestação.».
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A autora opôs-se à junção.
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Na 1ª sessão da audiência final – 09/12/2024 – foi proferido o seguinte despacho:
«Ref.ª citius 40788784 de 21/10/2024; 40926530 de 04/11/2024; 40955386 de 06/11/2024 e
41064628 de 15/11/2024:
Vieram os Réus, mediante requerimento sob ref.ª citius 40788784 de 21/10/2024, informar que a Autora, já após a prolação de despacho saneador nos presentes autos, intentou ação judicial contra DD e EE, a qual corre os seus termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 3, Processo n.º 16226/24.9T8LSB e requerer a junção aos presentes autos do que denominaram “dois documentos”.
No exercício do seu direito ao contraditório, a Autora pugnou pelo indeferimento da junção dos mesmos, sustentando, em síntese, que nenhuma relevância têm para a boa decisão da presente causa as peças processuais e os documentos apresentados por outros Réus, noutros autos.
Cumpre apreciar e decidir:
Compulsados os requerimentos juntos, verifica-se que o que os Réus efetivamente pretendem no seu requerimento sob ref.ª citius 40788784 de 21/10/2024 e 40955386 de 06/11/2024 é a junção aos autos da Petição Inicial, 33 documentos à mesma anexos, e a Contestação e 14 documentos juntos com a mesma – sendo que muitos destes documentos anexos a tais articulados já constam destes autos -, referentes à ação intentada pela Autora no âmbito do Processo n.º 16226/24.9T8LSB.
Ora, após a prolação de despacho saneador nos presentes autos a instância encontra-se subjetiva e objetivamente estabilizada, pelo que a inclusão nestes autos de articulados de um outro processo, com novos factos alegados, não deixaria de configurar uma forma de ampliação do objeto dos autos, inadmissível nesta fase processual – artigos 260.º, 264.º e 265.º do Código de Processo Civil.
Neste conspecto, indefiro o requerido pelos Réus e determino o desentranhamento destes autos dos requerimentos sob ref.ª citius 40788784 de 21/10/2024; 40926530 de 04/11/2024; 40955386 de 06/11/2024 e 41064628 de 15/11/2024.».
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Inconformados, apelaram os réus, terminando a alegação com estas conclusões:
«I. Os presentes autos enquadram-se no âmbito de uma ação de responsabilidade civil em que importa, naturalmente, apurar da existência de atos ilícitos culposos, a existência de danos e, no caso afirmativo, a sua dimensão e o nexo de causalidade entre essas realidades.
II. O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu a junção aos autos de dois documentos por ter sido entendido que tal não deixaria de configurar uma forma de ampliação do objeto dos autos, inadmissível nesta fase processual.
III. O indeferimento de que se recorre representa uma inequívoca denegação do direito à prova dos Réus e baseia-se no pressuposto errado de que a admissão da prova em causa equivaleria a uma ampliação do objeto dos autos já estabilizado.
IV. Os documentos pretendidos juntar correspondem à petição inicial e contestação (com os respetivos anexos) de ação intentada pela mesma Autora destes autos, contra outros Réus, peticionando os mesmos danos, o que os Recorrentes entenderem poder configurar situação de litisconsórcio mas, sobretudo, consideraram que toda a documentação em causa seria relevantes como prova/contraprova quanto aos temas de prova: Da licitude / ilicitude da actuação dos Réus [da imputação, ou não de facto lesivo à Autora; da verdade / falsidade da imputação e / ou da convicção de veracidade e correlativo cumprimento do dever de informação sobre a verdade da imputação; da dinâmica subjacente à publicação da(s) notícia(s) da interacção, respectiva tentativa de contacto, com a Autora; do interesse legítimo na divulgação], e Dos danos não patrimoniais [determinação qualitativa e quantitativa / nexo de causalidade].
V. De qualquer forma, a relevância que mereçam os documentos como meios de prova será, sempre e naturalmente, aferida pelo tribunal.
VI. A decisão sob recurso configura, manifestamente, uma decisão que rejeita um meio de prova e viola de forma manifesta o artigo 341º do Código Civil e do art.º 423.º n.º 3 do Código de Processo Civil bem como o direito à prova, o direito à prova - art.º 20.º n.4 da Constituição da República Portuguesa, art.º 6.º n.º 1.
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, art.º 47.º parágrafo 2.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
VII. Uma interpretação correcta daqueles preceitos impunha que fosse admitida a junção aos autos dos documentos em causa, como meio de prova, naturalmente, a ser livremente apreciada pelo Tribunal a quo.
VIII. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e o despacho sob recurso ser revogado e substituído por outro que admita a junção aos autos dos documentos em causa, assim se fazendo justiça!»
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A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, sem prejuízo de questões que sejam de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é:
- se devem ser admitidas as cópias da petição, da contestação e dos documentos juntos com esses articulados no Proc. 16226/24.9T8LSB instaurado pela apelada contra dois professores universitários
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III – Fundamentação
1. Invocam os apelantes 2 fundamentos:
- «a ação intentada pela mesma Autora destes autos, contra outros Réus, peticionando os mesmos danos, (…) poder configurar situação de litisconsórcio»
- «toda a documentação em causa seria relevante como prova/contraprova quanto aos temas de prova»
1.1. Do litisconsórcio
Os art.º 32º, 33º e 35º do CPC (Código de Processo Civil) referem-se ao litisconsórcio voluntário e ao litisconsórcio necessário, prevendo:
Art.º 32º
«1 - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.»
Art.º 33º
«1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.»
Art.º 35º
«No caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes.»
No caso presente inexiste preterição de litisconsórcio necessário, porquanto:
- naquela acção é pedida a condenação dos ali réus a pagarem indemnização à ora apelada, alegando-se que são professores universitários e que eram, à altura dos factos invocados na presente acção, respectivamente Presidente e Vice-Presidente do Instituto de História Contemporânea (IHC) da FSCH da Universidade Nova e promovera ou colaboraram numa campanha difamatória referente ao seu currículo, disponibilizando informações à imprensa, em articulação com a actuação dos ora apelantes;
- a intervenção daqueles réus nos presentes autos não é necessária para que a decisão a proferir possa regular definitivamente a situação concreta dos apelantes e da apelada relativamente ao pedido aqui formulado.
1.2. Da relevância probatória
Na presente acção os temas da prova são:
«a) Da licitude / ilicitude da actuação dos Réus [da imputação, ou não, de facto lesivo à Autora; da verdade/ falsidade da imputação e / ou da convicção de veracidade e correlativo cumprimento do dever de informação sobre a verdade da imputação; da dinâmica subjacente à publicação da(s) notícia(s) da interacção, respectiva tentativa de contacto, com a Autora; do interesse legítimo na divulgação].
b) Dos danos não patrimoniais [determinação qualitativa e quantitativa / nexo de causalidade]»
O Código Civil prevê:
Art.º 341º
«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.»
Art.º 342º
«1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
(…)»
Art.º 346º
«Salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.»
Art.º 362º
«Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.»
O art.º 410º do Código de Processo Civil estatui:
«A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.»
A petição inicial e a contestação apresentadas no Proc. 16226/24.9T8LSB contém apenas as alegações de facto e de direito das partes nessa acção, pelo que não são documentos.
Quanto aos documentos juntos com a petição inicial daquela acção, já esclareceram os apelantes que são «exatamente os mesmos 33 documentos que a Autora juntou com a sua Petição Inicial nos presentes autos». Por isso, é impertinente a pretensão de que seja repetida a sua junção.
Quanto aos 14 documentos juntos a contestação daquela acção referem-se a matéria integrante dos temas da prova, mas importa ter em consideração que o art.º 423º do CPC dispõe:
«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.»
A audiência final teve início em 09/12/2024, pelo que foi respeitado o referido prazo de 20 dias.
Mas decorre do disposto no nº 2 desse normativo legal que os apelantes tinham o ónus de provar que não os puderam oferecer com a contestação, ónus que não cumpriram, sendo certo que alguns documentos são até de acesso público, como é o caso de regulamentos de concurso.
Assim, os documentos devem ser admitidos com multa que se fixa em 3 (três UC) nos termos das disposições conjugadas dos art.º 423º nº2 e 442º nº 2 do CPC e art.º 27º do Regulamento das Custas Processuais.
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V – Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e em consequência, alterando-se o despacho recorrido, decide-se:
a) admitir todos os documentos juntos com a contestação apresentada no Proc. 16226/24.9T8LSB;
b) condenar os apelantes na multa de 3 (três) UC pelo oferecimento desses documentos;
c) confirmar o despacho recorrido na parte em que não admitiu e ordenou o desentranhamento das cópias da petição inicial e seus documentos e da contestação do Proc. 16226/24.9T8LSB.
Custas por apelantes e apelada em partes iguais.
Lisboa, 08 de Maio de 2025
Anabela Calafate
Nuno Gonçalves
Jorge Almeida Esteves