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EXECUÇÃO
FALECIMENTO
EXTINÇÃO
DESERÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário
Sumário elaborado pelo Relator: -Na execução a que os presentes embargos se encontram apensos, o falecimento de um dos devedores solidários apenas pode determinar a extinção parcial da instância executiva quanto a esse executado falecido e não a extinção da totalidade da instância; - No caso dos autos, não havia fundamento para extinguir a totalidade da instância executiva, por deserção - face à não habilitação dos herdeiros da executada falecida-, nem tão pouco para extinguir os embargos de executado, por inutilidade superveniente da lide, tanto mais que apesar do falecimento de um dos co-executados, na execução apensa, continuaram a praticar-se actos processuais de forma ininterrupta, sem negligência da agente de execução e da exequente.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. O relatório
A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada em 06-09-06 por “C.G.D., S.A.” contra AA, BB e CC.
Compulsada a execução a que os presentes autos se encontram apensos, constatamos que:
A ação executiva foi intentada em 06-09-2006, contra três executados, a saber AA, BB e CC, constando do requerimento executivo o seguinte: 1 - No exercício da sua actividade creditícia, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com a sociedade “BONEFIL – BONECOS DA FIGUEIRA, LDA", em 22 de Abril de 1988, um CONTRATO DE MÚTUO NA MODALIDADE DE ABERTURA DE CRÉDITO, EM CONTA CORRENTE, até ao montante de PTE 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), actualmente € 24.939,89 – crédito à indústria nº ...8....8802/Empréstimo nº ...2....0001 –, contrato formalizado por troca de correspondência, com reconhecimento de assinaturas, conforme pública forma que se junta e cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido como Doc. nº 1. 2 – O financiamento subjacente ao contrato em apreço destinou-se a suprir défices temporários de tesouraria (Doc. nº 1). 3 - Clausulou-se no citado contrato que o empréstimo venceria juros à taxa de 16,5% ao ano, alterável pela mutuante dentro dos limites legais, em cada momento em vigor, acrescida de 0,5% para o Fundo de Compensação, sendo que, e em caso de mora, os respectivos juros seriam calculados à taxa que resultasse do disposto na al. a) do D.L. nº 344/78, de 14/11, na redacção que lhe havia sido dada pelo D. L. nº 83/66, de 06/05, acrescida de uma sobretaxa até 4% (cláusulas 4ª e 5ª do Doc. nº 1) 4 - Posteriormente, o contrato supra mencionado foi objecto de diversas ALTERAÇÕES, igualmente por troca de correspondência, conforme resulta das respectivas públicas formas, que se juntam como Docs. nºs 2 a 6, tendo sido renovado sucessivamente o prazo de 6 meses e alteradas, designadamente, as taxas de juro aplicáveis e o montante contratado, elevado até ao montante de PTE 35.000.000$00 (trinta e cinco milhões de escudos), actualmente € 174.579,26, à taxa de 21% ao ano, alterável pela mutuante no início de cada período de contagem (vd. Doc. nº 6). 5 - Para GARANTIA de todas as quantias disponibilizadas em virtude da celebração do contrato referido e respectivas alterações, foi prestada FIANÇA SOLIDÁRIA POR BB e mulher CC, e por AA que, assim, nos termos do regime da solidariedade aceite, se constituíram fiadores e principais pagadores de todas as quantias que viessem a ser devidas à requerente, dando, desde logo, o seu assentimento às alterações contratuais descritas. Sendo que, 6 – O supra mencionado empréstimo havia também sido garantido por FIANÇA SOLIDÁRIA de: - DD e marido, EE; - FF e mulher, GG; - HH e mulher, II; - JJ e mulher, KK e - LL e mulher, MM. 7 – Sucede que, relativamente a estes, e mediante negociações com a CGD para pagamento parcial dos montantes em dívida, foi autorizada a sua exoneração das responsabilidades assumidas enquanto fiadores da sociedade “BONEFIL – BONECOS DA FIGUEIRA, LDA”, pelo que, a presente execução deverá prosseguir apenas quanto aos fiadores referidos sob o ponto 5. 8 - Nos termos do estipulado nos contratos supra referidos, o capital autorizado foi efectivamente disponibilizado e integralmente utilizado pela referida sociedade, para garantia de cujas obrigações, os ora executados se constituíram fiadores e principais pagadores. 9 – Pelo que, tendo a sociedade mutuária e os executados deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato acima referido, a ora exequente instaurou, em 3 de Julho de 1995, ACÇÃO EXECUTIVA PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA, com processo Ordinário contra a sociedade “Bonefil – Bonecos da Figueira, Lda.” e os ora executados, bem como contra os fiadores HH e mulher, II, JJ e mulher KK e LL e mulher MM, todos entretanto exonerados. 10 – Tendo sido requerida a extinção da referida execução em 13/07/2001, por impossibilidade superveniente da lide, a qual foi declarada em 10/04/2002, conforme cópias simples que se juntam como Docs. nºs 7 e 8. 11 – Contudo, tendo actualmente chegado ao conhecimento da ora exequente a existência de bens penhoráveis aos ora executados, sendo a obrigação dos fiadores acessória da que recai sobre a sociedade mutuária, e sendo aqueles responsáveis solidários e principais pagadores, pode-lhes ser exigida coercivamente a cobrança das quantias cujo pagamento garantiram, nos termos conjugados dos arts. 627º, nº. 2; 634º; 640º, al. a); 512º e ss., todos do Código Civil e do art.º 101º, Código Comercial. 12 – Assim, efectuada a aplicação dos valores recebidos em contrapartida da exoneração dos fiadores referidos no ponto 6 e na 1ª parte do ponto 7, encontravam-se em dívida à ora exequente, à data de 01/09/2006, as seguintes quantias: Capital € 103.222,71 Juros de 92/03/08 a 06/09/01 € 353.895,25 Despesas € 0,75 O que perfaz o total de € 457.118,71 A partir desta data o débito agravar-se-á diariamente em € 52,05, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 11,45%, que inclui a sobretaxa de 4% ao ano, nos termos do art.º 7º do D.L. nº 344/78 de 17/11 – Cfr. Nota de Débito que se junta como Doc. nº 9. 13 - Pelo que, o TOTAL EM DIVIDA à exequente ascende, nesta data, ao montante de € 457.118,71 (quatrocentos e cinquenta e sete mil, cento e dezoito euros e setenta e um cêntimos). 14 - O qual continua a agravar-se quanto a juros, nos termos decorrentes dos contratos e notas de débito ora juntas. Sendo que, 15 - O crédito cuja cobrança coerciva se requer e respectivos juros, vencidos e vincendos, está consubstanciado em títulos executivos, de harmonia com o disposto no art.º 46º, nº.1, al. b) do C.P.C.. 16 – O mencionado crédito encontra-se vencido e é exigível. 17 – Pelo que, a EXEQUENTE PRETENDE HAVER DOS EXECUTADOS: - A QUANTIA TOTAL de € 457.118,71 (quatrocentos e cinquenta e sete mil, cento e dezoito euros e setenta e um cêntimos), LIQUIDADA à data de 1 DE SETEMBRO DE 2006; - JUROS a partir de 2 DE SETEMBRO de 2006, à razão de € 52,05 por dia, até integral pagamento; e - IMPOSTO DE SELO sobre os juros vencidos e vincendos, calculado à taxa de 4% ao ano, nos termos do ponto 17.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo, com a redacção que lhe foi dada pelas Leis nºs 150/99 de 11/09 e 30-C/2000, de 29/12, até integral pagamento.
A executada CC veio a falecer em 12 de Janeiro de 2019.
Em 03/07/2019, foi proferido o seguinte despacho: Face ao teor da informação prestada a 27.05.2019 pela agente de execução, notifique o exequente para, em 10 dias, juntar aos autos certidão do assento de óbito da executada CC – art.º 270º, nº 2, do CPC.
Em 05/11/2019, foi proferido o seguinte despacho: Nada tendo sido junto, aguardem os autos o impulso processual das partes, sem prejuízo do art.º 281.º n.º 5 do CPC.
Entre 05/11/2019 e 18/01/2024, de forma ininterrupta, foram praticados os mais diversos actos pela agente de execução.
Em 18/01/2024, foi proferido seguinte despacho: Notifique a A.E. para esclarecer o que pretende, uma vez que o prédio já está registado a favor do executado.
Em 10/10/2024, foi proferido o seguinte despacho: Deferida a prorrogação do prazo, por dez dias.
Em 28/10/204, foi proferido o seguinte despacho: Tenha-se em atenção a sentença hoje proferida no apenso D (a sentença referida no aludido despacho é a de que se recorre nestes autos).
Tendo sido deduzido embargos de executado, em 28/10/2024 foi proferida a seguinte decisão (que transcreveremos, em parte): Não foi requerida habilitação dos sucessores da 3ª executada, nem houve desistência da instância ou do pedido. Dispõe o nº 1 do artigo 275º do CPC que “Enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável (…)” – e, o nº 3 do artigo 270º, que “São nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do nº 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.” Não estão aqui em causa os actos praticados entre 12-I-19 e 25-V-19, mas, sim, todos os praticados após o decretamento da suspensão: são todos nulos, por violação da proibição da sua prática (não sendo aplicável à suspensão por óbito o regime da parte final do nº 1 do artigo 88º do C.I.R.E.). Decorridos mais de seis meses sem que tenha sido requerida a habilitação dos sucessores da 3º executada, julga-se extinta a instância, por deserção (CPC 281º/5) – e, em consequência, declara-se extinta a presente instância declarativa, por inutilidade superveniente da lide.
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Inconformada, Sandalgreen, Assets, S.A. interpôs recurso de apelação para esta Relação e formulou na sua alegação as seguintes conclusões: A. A Recorrente não aceita o entendimento vertido na douta sentença recorrida,proferida no apenso D de embargos de executado, na parte em que entende e decide que “decorridos mais de seis meses sem que tenha sido requerida a habilitação dos sucessores da 3º executada, julga-se extinta a instância, por deserção (CPC 281º/5) – e, em consequência, declara-se extinta a presente instância declarativa, por inutilidade superveniente da lide.” B. Na verdade, a decisão recorrida ignora que a instância executiva foi suspensa por óbito de um dos Executados, e que estando peticionada na execução, uma obrigação solidária em situação de litisconsórcio voluntário passivo, nada impede que o processo prossiga os seus demais termos quanto aos restantes Executados. C. Aliás, o próprio Exequente nisso manifestou interesse, em comunicação a Agente de Execução datada de 4.03.2020. D. Tendo a execução prosseguido, após a decisão da suspensão da instância, quer por impulso do Exequente, quer através de vários atos consubstanciados em pesquisas em bases de dados e de penhora que foram realizados pela Agente de Execução, regularmente realizados. E. Sendo assim de considerar, atenta a factualidade dada por assente, que a suspensão da instância se verifica unicamente quanto à executada falecida, e não quanto ao(s) outro(s) Executado, quanto aos quais a execução veio a ser regularmente tramitada. F. Neste sentido, ao declarar a instância deserta, por força da suspensão por óbito de um dos Executados e da não habilitação dos seus sucessores, o tribunal recorrido interpretou erradamente o regime dos artigos 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, nº 1 e 281.º, n.º 5 todos do CPC, os quais deveriam ser interpretados à luz da situação processual conhecida, no sentido de considerar que a deserção da instância só poderia ser declarada quanto à Executada falecida e não quanto aos demais Executados, como veio a ocorrer. G. Tal entendimento tem merecido acolhimento em diversa jurisprudência, da qual é ilustrativo o Acórdão da Relação de Lisboa datado de 29.11.2018, onde se adoptou o seguinte entendimento: “Em situação de litisconsórcio voluntário passivo, falecendo um dos executados [devedores solidários] e não promovendo o exequente a habilitação dos sucessores do falecido para com eles prosseguir a demanda [art.º 351.º, n.º 1, do CPC] apenas se justifica julgar extinta a execução, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do CPC, relativamente ao de cujus e não também quanto aos co-executados sobrevivos, mantendo-se a instância regular quanto a estes.” H. Como tal, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra, que aderindo a este entendimento, reconheça a suspensão da instância apenas quanto ao falecido, e em coerência lógica, declare a deserção da instância tão só quanto à executada falecida. I. Acresce ainda referir que a sentença recorrida merece ainda censura, devendo ser igualmente revogada, na parte em que considera nulos todos os atos praticados após o decretamento da suspensão, porquanto, estando em causa a suspensão da instância quanto à Executada falecida, e não tendo sido praticados actos quanto à mesma após a mesma ser declarada, não se mostra violada a proibição prevista no artigo 270, n.º 3 CPC. J. Assim, face ao desacerto da decisão proferida, deverá ser proferida nova decisão que julgue o caso sub judice, declarando não se ter verificado a deserção total da instância e bem assim que os actos após a suspensão são válidos e legais, mantendo-se a instância regular nos actos entretanto praticados por ter prosseguido os seus termos apenas quanto ao(s) executado(s) sobrevivo(s).
AA apresentou contra alegações, deduzindo nas mesmas as seguintes conclusões: i. A Sra. Agente de Execução, em 25 de Maio de 2019, decidiu suspender a execução, em virtude de ter apurado junto da Segurança Social que a executada CC faleceu em ........2019 ii. Por requerimento datado de 27 de Maio de 2019, a Sra. Agente de Execução requereu ao douto Tribunal a quo que apreciasse os pressupostos para suspensão da instância executiva, em virtude do falecimento de um dos executados. iii. No seguimento, por despacho datado de 3 de Julho de 2019, é determinado à Recorrente que, no prazo de 10 dias, juntasse aos autos certidão do assento de óbito da executada CC. iv. O referido despacho foi notificado ao Ilustre Mandatário da Exequente e à Sra. Agente de Execução, a 4 de Julho de 2019; v. A 5 de Novembro de 2019 foi proferido despacho a determinar que por não ter sido junto certidão do assento de óbito da executada CC, aguardassem os autos o impulso processual das partes, sem prejuízo do art.º 281.º n.º 5 do CPC; vi. A Recorrente não deu cumprimento ao doutamente ordenado, nem requereu a habilitação de herdeiros da inditosa ou desistiu da instância quanto a essa. vii. É patente que a negligência da Recorrente, que corresponde à falta de impulso processual, artigo 281º, n.º 5 do C.P.C., determina a extinção da instância por deserção. viii. Acresce que, nos termos dos artigos 270.º, n.º 3 e 275.º do C.P.C, enquanto durar a suspensão da instância, só se podem praticar os atos urgentes destinados a evitar dano irreparável. ix. Compulsados os autos, verifica-se que nenhum dos atos praticados após a suspensão da instância, com exceção dos embargos deduzidos pela ora Recorrida, têm natureza urgente e visam evitar um dano irreparável. x. Pelo que andou bem o douto Tribunal a quo ao declarar nulos os atos praticados após o decretamento da suspensão da instância, nos termos dos artigos 275º, n.º 1 e 270.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (C.P.C). *
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável).
Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver é a seguinte:
- Se há fundamento para revogar a decisão que decidiu a deserção da instância executiva, em incidente de embargos à execução.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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III. Os factos
Os factos relevantes são os referidos no relatório supra, que aqui se dão por reproduzidos.
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IV. O mérito do recurso
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O Direito
Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre agora analisar juridicamente a pretensão do recorrente, à luz do mesmo.
Sobre a deserção da instância.
Nos autos de acção executiva, a que os presentes autos de embargos de execução se encontram apensos, em 04/11/2019 foi proferido o seguinte despacho: Nada tendo sido junto, aguardem os autos o impulso processual das partes, sem prejuízo do art.º 281.º n.º 5 do CPC.
Na sentença sob escrutínio, decidiu-se: Decorridos mais de seis meses sem que tenha sido requerida a habilitação dos sucessores da 3º executada, julga-se extinta a instância, por deserção (CPC 281º/5) – e, em consequência, declara-se extinta a presente instância declarativa, por inutilidade superveniente da lide.
Dispõe o artigo 281º do Código de Processo Civil, relativo à deserção enquanto causa de extinção da instância ou recursos, que: 1– Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. 2– O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses. 3– Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. 4– A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator. 5– No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Nos termos de tal preceito (nº 5), em processo executivo, para que a deserção se tenha por verificada, haverá a necessidade de que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, devendo considerar-se irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual que seja imputável ao agente de execução (neste sentido: Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2024, proferido no proc. 8460/22.2T8LRS.L1-6, versão integral em www.dgsi.pt).
Está peticionada na execução uma obrigação solidária em situação de litisconsórcio voluntário passivo (cfr. ponto 5 do requerimento executivo - Para GARANTIA de todas as quantias disponibilizadas em virtude da celebração do contrato referido e respectivas alterações, foi prestada FIANÇA SOLIDÁRIA POR BB e mulher CC, e por AA que, assim, nos termos do regime da solidariedade aceite, se constituíram fiadores e principais pagadores de todas as quantias que viessem a ser devidas à requerente, dando, desde logo, o seu assentimento às alterações contratuais descritas.(sic. Com sublinhado nosso quanto à embargante/recorrida).
Não é pacífica na jurisprudência a problemática da suspensão executiva no caso de pluralidade de executados.
Sobre esta matéria, escreve-se no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2020 (desta secção): De um lado, uma corrente jurisprudencial que entende que “O falecimento de um co-executado determina a suspensão da instância, na íntegra, quanto a todos os executados, nos termos do artigo 270.º do CPC e não apenas sobre a relação material controvertida respeitante ao executado falecido”. (entre outros, TRL, de 20/02/2020, Carlos Castelo Branco; TRG, de 12/09/2019, Fernanda Fernandes; e voto de vencido de Gabriela Marques, no ac. TRL, 29/11/2018). De outro lado, o entendimento jurisprudencial que defende que “…O falecimento de um … (dos) executados apenas dá causa à suspensão da instância executiva em relação ao próprio executado falecido, não afectando o prosseguimento da execução em relação aos demais executados.” (entre outros, TRL, de 17/06/2010, Farinha Alves; TRL de 29/11/2018, Manuel Rodrigues). (…) Em primeiro lugar importa recordar em que consiste a suspensão da instância. Pois bem, o decurso da relação processual pode ser afectado por determinadas vicissitudes que a paralisam temporariamente, é a chamada suspensão da instância. Em termos simples, existem dois tipos de suspensão da instância que são definidos consoante a causa donde provém o respectivo efeito suspensivo: (i) a suspensão legal; (ii) a suspensão judicial. Assim, a suspensão legal verifica-se quando a respectiva causa de suspensão decorre da própria lei e, por isso, o despacho que a decreta é meramente declarativo, constituindo uma simples condição da eficácia da suspensão. Incluem-se, neste género, as causas de suspensão previstas nas alíneas a), b) e d) do nº 1 do art.º 269º do CPC. Já a suspensão judicial opera mediante determinação do juiz que ajuizará das razões da suspensão dentro das categorias jurídicas de causa prejudicial, questão prejudicial e motivo justificado, conforme art.ºs 269º nº 1, al. c), 272º e 92º do CPC. Neste género de suspensão judicial, o despacho que a decrete tem natureza constitutiva (Seguiu-se, de perto, a lição de Manuel Tomé Soares Gomes, Dinâmica Geral do Processo – Início e Desenvolvimento da Instância, edição policopiada, CEJ, págs. 25 e seg.). Ora, o falecimento de uma das partes no processo constitui, em regra, uma causa de suspensão (legal) da instância (art.º 269º nº 1, al. a) do CPC). No entanto, há excepções a essa regra, designadamente quando a morte de uma das partes torna impossível ou inútil a continuação da lide, por estarem em causa direitos pessoais e intransmissíveis (art.º 269º nº 3 do CPC). Nesse caso, a instância extingue-se, de imediato, sem que haja necessidade de conceder oportunidade, à parte sobreviva, para regularizar subjectivamente a instância, isto é, sem suspender a instância. Portanto, podemos dizer que a suspensão da instância, em consequência da morte de uma das partes, ocorre para conceder à parte sobrevida (ou aos herdeiros do falecido) a oportunidade de regularizar subjectivamente a instância através do incidente de habilitação de herdeiros a fim de, com eles, continuar a acção. É o que decorre dos artºs 269º nº 1, al. a), 270º nº 1 e 276º nº 1, al. a) do CPC. É claro que se o falecido não é substituído no processo pelos seus herdeiros, a lide, em princípio, não pode continuar: sem um dos elementos estruturantes da instância - a parte - o processo não pode prosseguir e, por isso, sucumbe por deserção. No fundo, nessa situação, a deserção, enquanto causa de extinção da instância (art.º 277º al. c) do CPC) constitui, simultaneamente: (i) uma sanção para o não aproveitamento da oportunidade de regularização subjectiva da instância que é dada pela suspensão da instância e (ii), a constatação (implícita) de que a lide, desprovida de um dos seus elementos estruturantes, uma das partes, não pode prosseguir. Isto é assim, inequivocamente, nos casos em que há unicidade de parte activa e/ou unicidade de parte passiva e alguma delas falecer sem que sejam habilitados os seus sucessores (cfr. Ac. proferido no proc. 26302/02.TVLSB.L1-6, relator Adeodato Brotas, versão integral em www.dgsi.pt).
Ainda no mencionado aresto refere-se, quanto à pluralidade passiva, em caso de litisconsórcio voluntário-como o dos autos: Não se exige a presença na execução da totalidade dos litisconsortes: a acção executiva pode ser instaurada, quanto à totalidade da prestação, por qualquer dos credores ou contra qualquer dos devedores (art.º 512º do CC). A natureza solidária (art.º 512º do CC) ou parciária (art.º 512º a contrario e 533º do CC) de uma obrigação plural não obriga a que todos, credores e/ou devedores, estejam como partes na execução. (…) Tratando-se de obrigação solidária, o cumprimento total e integro pode ser exigido por um dos credores, em representação dos demais, ou realizado por um dos devedores em representação dos restantes, nos termos do art.º 512º do CC. O mesmo é dizer que nas obrigações solidárias, basta que um dos credores e/ou devedores esteja na execução para que possam ocupar-se do cumprimento da totalidade da obrigação exequenda.
Concluindo:
- na execução a que os presentes embargos se encontram apensos, o falecimento de um dos devedores solidários apenas pode determinar a extinção parcial da instância executiva quanto a esse executado falecido, e não a extinção da totalidade da instância;
- desta forma, há que concluir que no caso dos autos não havia fundamento para extinguir a totalidade da instância executiva, por deserção - face à não habilitação dos herdeiros da executada falecida-, nem tão pouco para extinguir os embargos de
executado, por inutilidade superveniente da lide, tanto mais que apesar do falecimento de um dos co-executados, na execução apensa, e desde 05/11/2019, continuaram a praticar-se actos processuais de forma ininterrupta, sem negligência da agente de execução e da exequente.
Em face do exposto, deverá proceder a presente apelação.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, devendo a execução e o incidente de embargos de executado apenso à mesma prosseguir com os seus termos, sem prejuízo da extinção parcial da execução apenas quanto à executada falecida, cujos herdeiros não foram habilitados.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
Lisboa, 08-05-2025
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Adeodato Brotas
António Santos