ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
REQUISITOS
FALTA DE CAUSA
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I – A obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- existência de um enriquecimento;
- ausência de causa justificativa para esse enriquecimento;
- que o enriquecimento tenha ocorrido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição;
- que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ressarcimento.
II – A falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição: é preciso convencer o tribunal da falta de causa.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
C… e mulher, D…, intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra E… e mulher, F…, pedindo que os RR. sejam condenados a entregar-lhes a quantia de € 54.878,54, acrescida de juros de mora, à taxa legal cível, calculados a partir do dia 25/6/2021, até integral pagamento.
Para tanto, alegam que emprestaram aos RR. múltiplas quantias nos anos de 2014 a 2018, quer mediante o depósito de numerário em contas bancárias dos RR., quer através do pagamento directo de dívidas dos RR. perante terceiros, o que tudo perfaz o valor do pedido. Tais quantias destinaram-se a pagar as despesas comuns dos RR., sendo ambos responsáveis pela respectiva restituição aos AA., quer com fundamento na nulidade (por falta de forma) do contrato de mútuo celebrado sem escritura pública, quer, subsidiariamente, com base em enriquecimento sem causa.
Os RR. contestaram, alegando ser falso que os AA. lhes tenham emprestado o montante peticionado, ou qualquer outro montante, apenas tendo ocorrido que o A., na qualidade de gerente da sociedade G…, L.da, aquando da celebração de contrato de comodato com o R. E…, assumiu perante os RR. a obrigação de pagar os empréstimos contraídos junto das instituições bancárias CCAMTV, CGD e BPI. Por outro lado, as dívidas a terceiros que os AA. alegam terem pagado correspondem a dívidas relativas a consumos que eles próprios efectuaram. Entendem, assim, os RR. que nada devem e que, de qualquer forma, tendo-lhes o A. criado a convicção de que iria cumprir o acordado, sempre agiria em abuso de direito. Em reconvenção, pedem a condenação dos AA. no pagamento, do «montante que se vier a apurar em execução de sentença, acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção, até ao efectivo pagamento», por terem incumprido o contrato de comodato celebrado.
Os AA. replicaram, defendendo a improcedência das excepções suscitadas, bem como a ineptidão da reconvenção por falta e ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir e, em qualquer caso, pugnando pela sua inadmissibilidade.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que não admitiu a reconvenção, indicou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.
Procedeu-se a audiência final, tendo, após, sido proferida sentença, que concluiu com o seguinte dispositivo:
«Por todo o exposto, decide-se julgar a acção totalmente improcedente, assim absolvendo os Réus do pedido.--
Custas pelos Autores (art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).—».
Não se conformando com aquela decisão, dela apelaram os AA., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. – O Tribunal a quo decretou a improcedência, quer quanto ao pedido principal, fundado em mútuo nulo e consequente devolução do prestado, quer quanto ao pedido subsidiário, este fundado no princípio do não enriquecimento sem causa consagrado no art. 473º do C. Civil.
2. – Os Recorrentes não impugnam a improcedência do pedido principal, porquanto não conseguiram, notoriamente, carrear para a audiência final os meios suficientes para provar a factualidade atinente ao alegado empréstimo (mútuo nulo por falta da forma).
3. – Rebelam-se, isso sim, contra a improcedência do pedido subsidiário, a condenação dos RR. pelo princípio do não locupletamento à custa alheia.
4. – Para tanto o recurso abrange tanto a matéria de facto, como a matéria de direito.
5. – No que à matéria de facto diz respeito, os Recorrentes impugnam a decisão constante das alíneas b) a f) e j) dos Factos não provados, e impugnam também a não inclusão, nos Factos provados, do empobrecimento dos AA. e correlativo enriquecimento dos RR., bem como da inexistência de causa justificativa para tal.
6. – Quanto à matéria fáctica constantes das alíneas b) a f) dos Factos não provados, deverá desde logo esclarecer-se que os AA. não conseguiram provar a factualidade atinente ao referido mútuo verbal, ínsita no segmento “mediante contrapartida de restituição” (expressão da Sentença Recorrida).
7. – Tirante esse segmento, toda a restante parte dessas alíneas está mal julgada, pois consta erradamente nos Factos não provados, quando devia ter sido julgada como provada.
8. – Na verdade, entendem os Recorrentes que fizeram prova cabal e suficiente das entregas pecuniárias que, ao longo dos anos 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, fizeram a favor dos RR., quer através de transferências bancárias, quer através de depósitos na conta bancária dos RR..
9. – Essa prova foi realizada, desde logo, pela documentação junta com a p.i. – Docs. 1 a 46 a qual consiste precisamente nos suportes das ditas transferências bancárias e bem assim nos talões dos referidos depósitos, tudo a favor da conta bancária dos RR.. Note-se que estes nunca impugnaram a veracidade desses documentos.
10. – Além disso, a mesma matéria fáctica foi também comprovada por dois depoimentos testemunhais, prestados pelas testemunhas H… e I…, de que, no corpo destas alegações, se reproduz alguns excertos.
11. – Particularmente importante foi o depoimento da última destas testemunhas, I…, que confirmou que ela própria, a mando do A. seu irmão, efectuou depósitos bancários na conta dos RR., seus pais, confirmando a sua assinatura nos respectivos talões e a assinatura do A. marido nos depósitos não efectuados por ela, e confirmando ainda as transferências bancárias por si executadas. Na inquirição foi confrontada com a documentação junta na p.i., cujo teor confirmou, bem como as referidas assinaturas – v. transcrição, no corpo desta Motivação, dos excertos do seu depoimento.
12. – Quanto à documentação bancária, deverá notar-se que os AA. tiveram o cuidado de juntar os documentos de saída da sua conta, com os correlativos documentos da entrada das respectivas quantias na conta bancária dos RR..
13. – Conjugando essa documentação com os sobreditos depoimentos testemunhais, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados (excepção feita ao mencionado segmento relativo ao mútuo) os factos constantes das alíneas b) a f) dos Factos não provados.
14. – Note-se ainda uma outra circunstância de relevo: existem nos autos documentos comprovativos de que a conta bancária de destino das entregas pecuniárias era detida por ambos os RR., E… e sua mulher F…. Trata-se dos Docs. nº 10, 11, 13, 16, 17, 21 e 32, juntos com a p.i., que são cartas bancárias dirigidas ao R. Marido, onde se pode ler em epígrafe: Outros titulares – F….
15. – Esses documentos comprovam inquestionavelmente que a conta nº 5001656.001 da Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras, balcão da Silveira, era conjunta, titulada por ambos os RR..
16. – Com esta matéria se liga o teor da alínea j) dos Factos não provados, que reproduz a factualidade atinente ao proveito comum do casal. Mais uma vez se conjuga a prova documental com a testemunhal: os AA. juntaram aos autos, em requerimento Ref. 50330761 a certidão de casamento dos RR., que indica terem contraído matrimónio segundo o regime da comunhão de adquiridos; por outro lado, a já citada testemunha I…, filha dos RR., depôs também sobre esta matéria, afirmando sem qualquer hesitação que seus pais vivem juntos, que sua mãe assegurava o trabalho doméstico mas também ajudava o marido na exploração agrícola, respondendo afirmativamente quando lhe foi perguntado se a actividade do pai revertia a favor do casal – v. reprodução da gravação no corpo desta Motivação.
17. – Conjugando, pois, os documentos bancários supra-referidos no Ponto 15, com a certidão de casamento também junta aos autos, e com este depoimento testemunha, fácil é concluir que deverá ser dada como provada a factualidade constante da alínea j) dos Factos não provados.
18. – É realmente incompreensível e motivo de grande espanto para quem soma já quase 50 anos de profissão forense, que um Tribunal dê como não provados os factos das alíneas b) a f) e j), os quais, perante as provas apresentadas em juízo, deveriam ser claramente julgados como provados.
19. – Embora não elencado nas alíneas dos Factos não provados, há ainda um outro facto, importante para o preenchimento dos requisitos da figura do não enriquecimento sem causa, que deverá ser julgado provado por decorrer automaticamente das deslocações pecuniárias efectuadas pelos AA. a favor da conta bancária dos RR.: o empobrecimento do património dos AA. com o correlativo enriquecimento dos RR., matéria que a Sentença Recorrida deu como não provada na sua penúltima página.
20. – Por fim, deverá ainda dar-se como provada a inexistência de outra causa justificativa, para se firmar o carácter subsidiário de pedido de condenação pela figura do enriquecimento sem causa. Os AA. alegaram uma causa, o mútuo verbal, que não obteve vencimento. Os RR. apresentaram como justificação da deslocação pecuniária um hipotético acordo em que o A. marido teria combinado com seu pai, o R. marido pagar as dívidas bancárias deste em troca da exploração agrícola, o que não conseguiram provar – alínea h) dos Factos não provados.
21. – Alegaram ainda os RR. que os pagamentos das suas dívidas bancárias, praticadas pelos AA., se destinavam a compensar um comodato dos prédios rústicos daqueles, mas o contrato escrito indica como contratante do comodato não o A. marido, mas sim uma sociedade, além da circunstância impossível de um comodato ter contrapartidas pecuniárias… Pela sua absurdidade, esta hipótese foi completamente desconsiderada pelo Tribunal a quo.
22. – O facto de apresentarem causar hipotéticas para justificarem o recebimento dos dinheiros dos AA. constitui só por si a confissão de que houve esses recebimentos, pelo que, também por isso, os factos das alíneas b) a f) dos Factos não provados deverão ser julgados provados.
23. – Inexistem, pois, outras causas justificativas que tornem ilícito o recurso à aplicação das regras do enriquecimento sem causa. Lembre-se que a prova da inexistência de outra causa justificativa, pela sua própria natureza e formulação, não é possível ser feita de forma directa.
24. – O julgador deve saber aplicar os seus conhecimentos da vida prática, as regras da experiência comum, para avaliar com critério e sageja, as provas que lhe são presentes, a fim de proferir uma decisão que corresponde ao ideal de justiça que a comunidade espera de si.
25. – A livre apreciação da prova, as regras da experiência comum, o recurso às presunções judiciais e ao mais elementar sentido de justiça deviam ter conduzido o Tribunal a quo a dar como provada toda a matéria fáctica referida resumida no Ponto 5 destas Conclusões.
26. – Não decidindo assim, a Sentença Recorrida não aplicou correctamente, violando-as, as disposições legais prescritas nos nºs 3, 4 e 5 do art. 607º do C. Proc. Civil.
27. – Esperando-se que essa má decisão fáctica da Sentença Recorrida seja rectificada por este Tribunal da Relação, ficarão então preenchidos os requisitos para a aplicação da figura jurídica do enriquecimento sem causa consagrado no art. 473º do Código Civil, pelo que o pedido subsidiário deverá ser julgado procedente por provado.
28. – Não decidindo assim, a Sentença não aplicou ao caso, violando-o, o disposto nesse art. 473º do C. Civil.
Nestes termos e nos mais de direito com que V. Excias. doutamente suprirão as insuficiências do patrocínio, deverá, quanto à matéria de Facto, dar-se como provada a factualidade resumida no Ponto 5 das Conclusões e, conseguintemente, julgar-se como preenchidos os requisitos de aplicação do art. 473º do C. Civil, que consagra o princípio do não enriquecimento sem causa, e condenar-se os RR. a pagarem aos AA. a quantia total de € 57.910,78 (soma das entregas pecuniárias referidas nas alíneas b) a f) dos Factos não provados), julgando-se assim procedente o pedido subsidiário, dando-se provimento ao recurso, revogando nessa medida a Sentença Recorrida e fazendo-se JUSTIÇA!».
Os RR. contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões [de facto e de direito] formuladas pelos recorrentes nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022 – 7ª ed., págs. 134 a 142].
Nessa conformidade, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- impugnação da decisão acerca da matéria de facto;
- verificação dos pressupostos da condenação dos RR. na entrega das quantias peticionadas pelos AA., com base em enriquecimento sem causa.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
«1) O Autores casaram-se entre si no dia 12 de Março de 2019, e residem na Rua do …, Torres Vedras;
2) O Autor é filho dos Réus;
3) Com data de 30 de Março de 2020, o Autor, por intermédio da sua mandatária, enviou um escrito ao Réu, que este recebeu, solicitando-lhe o pagamento da quantia de € 70.899,95 – cfr. e nos termos do documento junto aos autos como doc. 63 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
4) Com data de 20 de Maio de 2021, os Autores remeteram aos Réus uma carta registada com aviso de receção, comunicando-lhe, além do mais:
«(…) Como é do vosso conhecimento, nós emprestamos dinheiro a V. Exas. e amortizamos várias dívidas de V. Exas. (…)
Tais pagamentos, realizados nos anos de 2014 a 2018, ascenderam à quantia global de € 55.036,43 (…) Tratou-se, pois, de um empréstimo que nós realizamos a favor de V. Exas., mas como não foi acordado nenhum prazo para o seu pagamento, vimos notificá-los nos termos do artigo 1148.º, nº 1 do Código Civil, para realizarem no prazo de 30 dias o pagamento deste empréstimo de € 55.036,43 (…) com juros de mora contados a partir do recebimento da carta. (…) – cfr. documento 65 junto com a petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;--
5) Os Réus não responderam aos escritos referidos em 3) e 4).—
6) Com data de 06/03/2014 foi ajustado um documento denominado CONTRATO DE COMODATO, entre o aqui Réu (como primeiro outorgante) e G…, Lda., (como segunda outorgante) que aí interveio representada pelo seu Gerente único, o aqui Autor, mediante o qual e além do mais, cedeu o primeiro à segunda, por um período de 15 anos renováveis, os prédios rústicos ali identificados; estipulando-se na cláusula 2 «O primeiro outorgante abdica de qualquer restituição financeira por parte do segundo outorgante, locando contudo a este os encargos de manutenção ou outros, respeitantes aos prédios atrás descritos (…)» - cfr. doc. 1 junto com a contestação e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
7) Foi contraído um empréstimo bancário junto da CGD, mas este em nome da G…, Lda., representada pelo A. C… na qualidade de gerente daquela sociedade por quotas, onde os ora RR. figuram como fiadores;
8) O Réu E… aquando da celebração do documento referido em 6) transferiu o imobilizado da empresa que detinha em nome individual para o A.;-
9) No mútuo contraído pelo gerente da G… aqui A. - C…, e a Caixa Geral de Depósitos (Mútuo com Hipoteca e Fiança) , foram fiadores seus pais, aqui RR. – E… e F…, constituindo a favor da CGD hipoteca do imóvel correspondente à sua casa morada de família; tendo os Réus efetuado pagamentos desse empréstimo;-
10) O Autor é sócio-gerente de uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, que tem por objecto a realização de “culturas de leguminosas secas e sementes oleaginosas, viticultura e
11) A Sociedade G… Lda foi constituída em 04.03.2014, com o capital social de €5.000,00 (cinco mil euros), distribuído pelos sócios da seguinte forma: quota de €3.500,00 titulada por C…e outra quota no valor de €1.500,00 titulada por E… – cfr. certidão de matrícula da sociedade junta com a contestação e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
12) A sociedade era uma empresa familiar composta por C… e pelo seu pai, E…, ora Réu.--».
A decisão recorrida considerou não provados os seguintes factos:
«a) Durante o ano de 2014, os Réus atravessavam dificuldades financeiras, pelo que os Autores lhes emprestaram, ao longo de anos, múltiplas quantias que se destinaram a pagar dívidas por aqueles assumidas, juntas da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras; Caixa Geral de Depósitos S.A.; Banco Português de Investimento S.A.; EDP – Comercial – Comercialização de Energia S.A. e Autoridade Tributária e Aduaneira.
b) No ano de 2014, os autores disponibilizaram aos réus, mediante contrapartida de restituição por estes, a quantia total de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros) de 2014 através de dois depósitos em numerário na conta bancária destes discriminados da seguinte forma:
• €200,00 (duzentos euros) através de depósito em numerário no dia 17 de Junho de 2014 na sua conta bancária no BPI S.A.;
• €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) através de depósito em numerário no dia 25 de Novembro de 2014 na sua conta bancário no BPI S.A.;
c) No ano de 2015, os Autores disponibilizaram aos réus, mediante contrapartida de restituição por estes, a quantia total de €10.630,00 (dez mil seiscentos e trinta euros) em 2015, através dos seguintes depósitos em numerário na conta bancária:
• €500,00 (quinhentos euros) através de depósito em numerário no dia 27.02.2015 realizado na conta do Réu na Caixa Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• 1.200,00 (mil e duzentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 28.04.2015 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €8.700,00 (oito mil e setecentos euros) através de depósito em numerário no dia 19 de Maio de 2015 na conta bancária do Réu na Caixa Geral de Depósitos S.A.;
• €30,00 (trinta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 24 de Agosto de 2015 na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €200,00 (duzentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 1º de Setembro de 2015, na conta bancária do Réu no BPI S.A.;
d) No ano de 2016, os Autores disponibilizaram aos réus, mediante contrapartida de restituição por estes, da quantia total de €20.162,00 (vinte mil cento e sessenta e dois euros) em 2016, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €140,00 (cento e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 22 de Fevereiro de 2016 na conta do Réu na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras;
• €500,00 (quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 30 de Março de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras:
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 21 de Abril de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €800,00 (oitocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Abril de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 4 de Maio de 2016 na conta do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €800,00 (oitocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 31 de Maio de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 16 de Junho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 5 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 6 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €500,00 (quinhentos euros) através de transferência realizada no dia 27 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:;
• €400,00 (quatrocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Julho de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €400,00 (quatrocentos euros) através depósito em numerário realizado no dia 30 de Setembro de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.050,00 (dois mil e cinquenta euros) através de depósito de cheque bancário no dia 16 de Outubro 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €3.112,00 (três mil cento e doze euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Novembro de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 27 de Dezembro de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €10,00 (dez euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30 de Dezembro de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa Geral de Depósitos S.A.;
• €50,00 (cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30 de Dezembro de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa Geral de Depósitos S.A.;
e) No ano de 2017, os Autores disponibilizaram aos réus, mediante contrapartida de restituição por estes da quantia total de €14.090,00 (catorze mil e noventa euros) em 2017, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.01.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €200,00 (duzentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 23.02.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €510,00 (quinhentos e dez euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.01.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €620,00 (seiscentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.03.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €80,00 (oitenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 26.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 28.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €900,00 (novecentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €650,00 (seiscentos e cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 03.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 30.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €320,00 (trezentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30.06.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €340,00 (trezentos e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.07.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.000,00 (mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 04.08.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €160,00 (cento e sessenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 07.08.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.520,00 (mil quinhentos e vinte euros) através de transferência bancária realizada no dia 08.09.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.09.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €440,00 (quatrocentos e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.10.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 01.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 23.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;-
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €400,00 (quatrocentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 29.12.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
f) No ano de 2018, os Autores disponibilizaram aos réus, mediante contrapartida de restituição por estes a quantia total de €5.290,00 (cinco mil duzentos e noventa euros) em 2018, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €600,00 (seiscentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 31.01.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 08.02.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.500,00 (mil e quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.03.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €350,00 (trezentos e cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 15.05.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €20,00 (vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 23.05.2018 para a conta bancária do Réu no BPI S.A.;--
• €30,00 (trinta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 05.06.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €70,00 (setenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 22.06.2018 para a conta bancária do Réu no BPI S.A.;--
• €220,00 (duzentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 04.12.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
g) A pedidos dos Réus, e mediante contrapartida de restituição do respetivos valores, os Autores pagaram-lhes as seguintes faturas:
• Pagamento de factura da EDP no valor de €101,01 efectuado no dia 02.08.2017;--
• Pagamento de factura da EDP no valor de €118,44 efectuado no dia 26.09.2017;
• Pagamento de factura da Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de €181,95 no dia 26.09.2017;--
• Pagamento de factura da Autoridade Tributária e Aduaneira (IMI) no valor de €143,98 efectuado no dia 15.12.2017;
• Pagamento de factura da Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de €20,91 efectuado no dia 29.12.2017;--
• Pagamento de factura da EDP no valor de €115,78 efectuado no dia 25.01.2018;
• Pagamento de factura da EDP no valor de €238,83 efectuado no dia 27.03.2018;--
• Pagamento de factura da EDP no valor de €207,89 efectuado no dia 23.05.2018;
• Pagamento de factura da Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de €147,41 efectuado no dia 24.05.2018;--
• Pagamento de factura da Autoridade Tributária e Aduaneira (IMI) no valor de €200,07 efectuado no dia 11.07.2018;--
• Pagamento de factura da Câmara Municipal de Torres Vedras no valor de €31,20 efectuado no dia 11.07.2018;--
• Pagamento de factura da EDP no valor de €157,35 efectuado no dia 19.07.2018;--
• Pagamento de factura da EDP no valor de €111,60 efectuado no dia 14.11.2018;--
• Pagamento de factura da EDP no valor de €230,12 efectuado no dia 13.03.2019;--
h) O Autor, na qualidade de gerente da sociedade Horto MJT, Lda.assumiu o compromisso perante os Réus, de pagar na íntegra o empréstimo que em nome destes havia sido contraído junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, da Caixa Geral de Depósitos e do BPI;--
i) o valor do imobilizado referido em 8) dos factos provados, em 15 de Janeiro de 2024, tinha o valor total de € 67.252,01 (sessenta e sete mil duzentos e cinquenta e dois euros e um céntimo);--
j) As quantias referidas em a) e g) destinaram-se a pagar as despesas de casa, despesas com a atividade agrícola do Réu, com a qual sustenta o seu agregado doméstico de que faz parte a Ré mulher, bem como dívidas e empréstimos bancários relativos à mesma atividade, o que fez com que a sua mulher, Ré, também beneficiasse com essas quantias;
k) Essas transferências bancárias juntamente com os depósitos em numerários realizados pelos Autores foram servindo para pagar os juros moratórios que se venciam numa conta caucionada associada a essa conta à ordem na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, também ela titulada pelos Réus».

MÉRITO DO RECURSO         
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Nos termos do art. 662.º n.º1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., págs. 333 e ss.), «sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa».
Note-se, no entanto, que «quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no art. 640.º n.º1 do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no art. 608.º n.º2 do Código de Processo Civil» (cfr. Ac. STJ de 23/1/2020, proc. 4172/16, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt)[1]. Caso contrário, estaríamos a praticar um acto inútil, proibido à luz do art. 130.º, do mesmo diploma.
Acresce que, como se refere no Ac. RP de 21/6/2021 (proc. 2479/18, disponível em http://www.dgsi.pt), «mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância».
Particularmente no caso da prova testemunhal e por declarações de parte (e desde que não estejamos perante factos de prova vinculada), é de salientar que, havendo vários depoimentos / declarações contraditórios entre si, as regras da sua apreciação não são matemáticas, ou seja, um facto não é considerado provado ou não provado consoante exista um maior ou menor número de pessoas a afirmá-lo ou a contrariá-lo. Ainda que apenas uma pessoa afirme um facto, enquanto todas as outras o negam, e ainda que várias pessoas afirmem um facto, enquanto apenas uma o nega, esse facto pode ser considerado provado / não provado, conforme a apreciação que seja feita dos depoimentos / declarações, com base na sua credibilidade, coerência, isenção, razão de ciência, distanciamento, conjugação com outros meios de prova (v.g., documental) e conjugação com as regras da experiência. Aliás, ainda que todas as pessoas ouvidas afirmem determinado facto, o mesmo pode ser considerado não provado - basta que os depoimentos / declarações não sejam credíveis (porque, por exemplo, as pessoas têm interesse na decisão da causa e não se mostraram objectivas na sua narração, o seu conhecimento não é directo, os depoimentos / declarações foram contraditórios ou foram de tal forma coincidentes que se afiguram «ensaiados», não é possível que aquelas pessoas, nas circunstâncias concretas, tivessem conhecimento daqueles factos…). E não se pode olvidar que o tribunal de primeira instância se encontra em posição privilegiada para levar a cabo tal tarefa de apreciação, ponderação e discernimento, uma vez que contacta directa e presencialmente (ou, mesmo que à distância, com imagem) com as pessoas ouvidas e, portanto, pode aperceber-se dos aspectos relevantes da linguagem não verbal – expressões faciais, postura, gestos, hesitações. Significa isto que, salvo casos de flagrante erro de avaliação por parte do tribunal de primeira instância (v.g., uma testemunha em que o tribunal se baseou claramente está a efabular, o seu depoimento é contrariado por prova documental ou pericial fiável, os factos que narrou não podiam – de acordo com as regras da experiência ou outras – ter acontecido daquela forma, aquilo que disse não foi o que o tribunal entendeu…), não há que alterar a matéria de facto fixada na sentença. Dito de outra forma, em caso que não seja de prova legal, deve confiar-se na avaliação efectuada em primeira instância, a não ser que a prova produzida implique, necessariamente, decisão diversa.
Finalmente, para que o tribunal de recurso aprecie a impugnação da matéria de facto, é ainda necessário que o recorrente, na sua alegação e na formulação das conclusões, respeite determinados requisitos.
Com efeito, nos termos do art. 640.º do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».
Assim, naquilo que para aqui releva, são os seguintes os ónus do recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto[2]:
a)        Indicar na motivação e, em síntese, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)        Especificar, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa;
c)         Indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d)        Deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos[3].
Em consonância, o recurso deverá ser rejeitado se houver[4]:
1.         Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [arts. 635.º n.º4 e 641.º n.º2 b) do Código de Processo Civil];
2.         Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados [art. 640.º n.º1 a)];
3.         Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
4.         Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
5.         Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
Balizadas que estão as regras que nos orientarão, passemos à apreciação da pretensão dos recorrentes, que é a de que passem a constar como provados os seguintes factos:
A – Alínea b) dos factos não provados (com excepção do segmento «e mediante contrapartida de restituição do respetivos valores»);
B – Alínea c) dos factos não provados (com excepção do segmento «e mediante contrapartida de restituição do respetivos valores»);
C – Alínea d) dos factos não provados (com excepção do segmento «e mediante contrapartida de restituição do respetivos valores»);
D – Alínea e) dos factos não provados (com excepção do segmento «e mediante contrapartida de restituição do respetivos valores»);
E – Alínea f) dos factos não provados (com excepção do segmento «e mediante contrapartida de restituição do respetivos valores»);
F – Alínea j) dos factos não provados;
G – Que, mediante as transferências, houve empobrecimento do património dos AA., com o correlativo enriquecimento dos RR.;
H – Que inexiste outra causa justificativa para a transferência.
Vejamos.
Os recorrentes entendem que a matéria em causa deve considerar-se provada, com base na seguinte argumentação: os documentos n.º 1 a 46 da petição inicial provam os depósitos, os quais foram ainda confirmados pelo depoimento das testemunhas H… e I…; o facto de os RR. terem fornecido uma explicação alternativa para os depósitos significa que admitem a existência dos mesmos; os documentos n.º 10, 11, 13, 16, 17, 21 e 32 da petição inicial provam que a conta n.º5001656.001 da CCAMTV é uma conta conjunta de ambos os RR.; a certidão de casamento dos RR. comprova que são casados no regime da comunhão de adquiridos; o depoimento da testemunha S…comprova a existência de proveito comum do casal.
Por seu turno, o tribunal recorrido justificou a fixação da matéria de facto não provada da seguinte forma:
«Em relação aos factos não provados, a decisão do Tribunal resultou de não ter sido produzida prova suficiente, segura, idónea ou concludente quanto à matéria alegada.
A existência dos empréstimos pelos autores aos réus alegados em contexto de dificuldades financeiras daqueles, não resultou de todo, quer da análise documental, quer da prova testemunhal.
Os documentos bancários juntos não demonstram nem a que título, nem em que qualidade e com que destino foram feitas as movimentações a que possam dizer respeito, o que não foi de todo esclarecido pelos depoimentos supra aludidos das testemunhas arroladas pelos autores e inquiridas a essa matéria.
Nenhuma das demais testemunhas inquiridas revelou ter conhecimento de qualquer empréstimo concedido pelos autores aos réus ou da demais matéria alegada, resultando outrossim dos depoimentos supra aludidos que existiam dívidas referentes à atividade agrícola desenvolvida em contexto familiar - – numa primeira fase pelo autor e pelo réu, e posteriormente através da sociedade G….
Restava-nos as declarações de parte do Autor. Temos entendido que a credibilidade e força probatória das declarações de parte – por serem uma possibilidade acrescida das partes reiterarem as suas pretensões, depois dos articulados – está fortemente dependente da sua sustentação pela restante prova produzida. Ora, as declarações de parte, segundo a qual pelo autor foi emprestando dinheiro ao pai, não encontraram corroboração na restante prova produzida, documental e testemunhal; apresentando ainda uma versão não coincidente na íntegra com o relatado na petição inicial – tendo sido dito que o autor foi emprestado dinheiro ao pai, e que por este lhe foi dito que acertavam depois na partilha com os irmãos o que, no dizer do autor, não terá sucedido.
Assim, a prova produzida apenas permitiu ao Tribunal considerar provada a matéria que fez constar no elenco dos factos provados».
Relativamente aos depoimentos a que alude na sua convicção, referiu o tribunal a quo que:
«A testemunha H…, bancário junto da Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras, referiu que em conversas com o autor, soube e recorda-se de terem existido transferências para contas bancárias, mas sem saber precisar de tais transferências diziam respeito à Sociedade G… ou a título pessoal, ou se diziam respeito a conta pessoal ou daquela sociedade, desconhecendo «o que foi combinado entre pai e filho».
A testemunha J…, contabilista, referiu conhecer autor e réu no âmbito da sua atividade profissional, por ambos terem sido clientes, bem como a sociedade G…, e referiu, a propósito da matéria a que foi inquirida desconhecer se o réu tinha dívidas pessoais, e que relativamente à sociedade Horto, que houve saídas de dinheiro da sociedade, de forma periódica, sem que soubesse a quem pertenciam as contas bancárias de destino, sendo que taos saídas era feitas sem suporte documental; referindo que a informação que lhe foi dada na altura era que «durante um período ia ser assim», mas que depois iria ser regularizado.
A testemunha K…, integrada no contexto vivencial das partes dada a relação de vizinhança que mantém com todos, relatou tratar-se de uma família que sempre trabalhou bem, sendo o autor e o réu em conjunto; e que «era falado» que o réu «tinha dívidas», mas sem que as atribuísse a este porque o que era referido, dada a atividade em si e o facto de se tratar de empresa familiar era que «a casa tinha dívidas», desconhecendo se as mesmas foram pagas ou assumidas pelo autor.
No mesmo sentido, a testemunha L…, integrada no contexto vivencial das partes pelas mesmas razões da anterior, referiu que dada a atividade agrícola desempenhada pelo próprio e pelas partes, era «normal» recorrer à banca, relatando que em conversas já posteriores à zanga que o autor teve com os pais, que por aquele lhe foi dito que tinha de pagar dívidas dos pais – não sabendo no entanto se tal ocorreu ou não, esclarecendo que na sua perspetiva os mesmos trabalhavam em conjunto.
A testemunha I…, integrada no contexto vivencial das partes dado ser irmã do autor e filha dos réus, referiu ter feito trabalho de secretariado para a sociedade familiar G…, referindo que, nesse contexto, cumprindo instruções do irmão (gerente) fez transferências para conta do réu, relatando que havia empréstimos do pai relativos à agricultura, sendo que quando este cessou a atividade em nome individual e tal atividade passou para a sociedade G…, passaram também as dívidas existentes.
Relatou ainda que os empréstimos bancários eram referentes à atividade da sociedade, sendo o irmão (autor) a gerir a empresa, sendo que o que ficou combinado – de forma verbal – foi que uma vez que o irmão ficava com a sociedade, pagava os empréstimos da atividade agrícola anterior.
As testemunhas N… e O… de igual modo integrados no contexto vivencial e familiar das partes, de quem são sobrinhos e primos, referiram que antes de o autor de terem criado a empresa G…, já trabalhavam juntos, referindo que após criação da empresa, o autor ficou com tudo o que pertencia a esta.
O depoimento da testemunha P…, ex cônjuge do autor, relatou de forma corroborante dos depoimentos anteriores que a exploração agrícola esteve inicialmente em nome do réu, tendo o autor sempre trabalhado com este e sendo inclusive as decisões tomadas por este; relatando após a constituição da empresa em 2014 a celebração do contrato de comodato, a transferência do imobilizado e outra empesa de camionagem, com dívidas associadas.
Referiu ainda o empréstimo que está a ser pago pelo réu enquanto fiador, bem como outro empréstimo pago por este junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A., Relatou, em sentido coincidente com as demais testemunhas inquiridas e com o conhecimento pessoal da relação conjugal que teve com o autor e que mantém com os réus (avós do filho em comum com aquele), que toda a família sempre viveu da atividade agrícola, e que a constituição da sociedade apenas veio a formalizar uma situação que já existia, sendo gerida de facto pelo autor, sendo as dívidas que existiam e imputadas ao réu, feitas pelo autor, tendo este consciência das dívidas que assumiu com a empresa.
A testemunha M…, também integrado no contexto familiar e vivencial das partes, por ser filho dos réus e irmão do autos, relatou a atividade da família, a constituição da sociedade Horto, ficando como sócio o autor, tendo o património e o imobilizado passado para a sociedade; e referiu que os réus não têm dívidas pessoais.
Por sua vez, Q…, também integrada no mesmo contexto vivencial e familiar dos autores e dos réus, por serem estes sogros e aqueles cunhados da mesma, referiu que quando conheceu as partes, já o autor trabalhava nas estufas com o réu, o que tem feito desde sempre, estando primeiramente a exploração agrícola em nome do réu e tendo posteriormente sido constituída a sociedade, referindo que nessa altura os empréstimos atinentes à exploração agrícola levada a cabo passaram para a sociedade. Referiu ainda que os réus não têm dívidas pessoais; que vivem na mesma casa de sempre, com despesas normais, e vivendo das respetivas reformas, não sendo pessoas de adquiri empréstimos a título pessoal.
As testemunhas em causa, tiveram depoimentos consistentes e seguros na parte do que revelaram ser do seu conhecimento, não evidenciando qualquer constrangimento nos mesmos.
Assim, particularmente com base na análise conjugada dos documentos bancários, certidão de matrícula da sociedade, contrato de comodato junto e depoimentos das testemunhas I…, N… e O… P…, M…, e P…, convenceu-se o Tribunal no sentido de considerar provado que foi contraído um empréstimo bancário junto da CGD, mas este em nome da G…, Lda., representada pelo A. C… na qualidade de gerente daquela sociedade por quotas, onde os ora RR. figuram como fiadores; que o Réu E… aquando da celebração do documento referido em 6) transferiu o imobilizado da empresa que detinha em nome individual para o A., que no mútuo contraído pelo gerente da Horto G… aqui A. - C…, e a Caixa Geral de Depósitos (Mútuo com Hipoteca e Fiança) , foram fiadores seus pais, aqui RR. – E… e F…, constituindo a favor da CGD hipoteca do imóvel correspondente à sua casa morada de família; tendo os Réus efetuado pagamentos desse empréstimo e que a sociedade G… era uma empresa familiar composta por C… e pelo seu pai, E…, ora Réu».
Isto posto, temos, desde logo, de dizer que, ao contrário do que pretendem os recorrentes, os recorridos não admitem, sem mais, a existência de todos os depósitos invocados na petição inicial – referem, sim, que alguns dos depósitos foram efectuados para pagamento de empréstimo contraído pelos RR. junto da CCAM, mas assumido pelo A., tendo este também assumido pagamentos junto da CGD e do BPI (cfr. arts. 18.º a 20.º da contestação). Portanto, quanto à efectivação dos depósitos admitidos pelos RR., tem de proceder a impugnação da decisão de facto. Quanto aos mais, para que possa proceder a impugnação das alíneas b) a f) dos factos não provados, é necessário que existam elementos que permitam concluir que todos os outros depósitos invocados pelos AA. (e não admitidos pelos RR.) efectivamente foram feitos, e que todos os depósitos (admitidos, ou não, pelos RR.) foram feitos à custa do património dos AA..
Ora, analisados, com detalhe, os documentos n.º1 a 46 juntos com a petição inicial, dos mesmos podem ser retiradas diversas conclusões relativamente à matéria de facto, que o tribunal de 1.ª instância descurou (assim como descurou, parcialmente, o acordo das partes nos articulados). É certo que parte desses documentos foi impugnada pelos RR. (cfr. arts. 21.º e 29.º da contestação), mas tal ocorreu apenas por os RR. entenderem que os mesmos não podem servir para provar a existência de um empréstimo ou de quem o fez, e já não porque tenham sido alterados ou forjados. Ora, tratando-se de documentos bancários (extractos, talões de depósito, notas de lançamento), são os mesmos fiáveis e, portanto, são idóneos a provar que:
A - Em 17/6/2014 e em 25/11/2014, foram feitos depósitos de numerário na conta titulada pelo R. junto do Banco BPI, nos valores de, respectivamente, € 200,00 e € 2.500,00 (documentos 1 e 2 da petição inicial). Nada mais se pode concluir a este respeito, já que se ignora a quem pertencia o dinheiro depositado e, portanto, deve permanecer nos factos não provados que aqueles depósitos correspondam a quantias disponibilizada pelos AA. aos RR.. Nessa medida improcede a impugnação da alínea b) dos factos não provados, a qual deve manter-se intocada.
B – Nos dias 27/2/2015, 28/4/2015, 19/5/2015, 24/8/2015 e 1/9/2015 foram efectuados, respectivamente, os seguintes depósitos em contas tituladas pelo R.: cheques, no valor de € 900,00 (documento 3 da petição inicial - CCAM); cheques, no valor de € 3.200,00 (documento 4 da petição inicial - CCAM); numerário, no valor de € 8.700,00 (documento 5 da petição inicial - CGD); numerário, no valor de € 30,00 (documento 7 da petição inicial - CCAM); numerário, no valor de € 200,00 (documento 9 da petição inicial - BPI). Nada mais se pode concluir a este respeito, já que se ignora a quem pertencia o dinheiro depositado e, portanto, deve permanecer nos factos não provados que aqueles depósitos correspondam a quantias disponibilizada pelos AA. aos RR.. Note-se que, apesar de a testemunha I… ter referido que efectuou depósitos por ordem do irmão (aqui A.), daí não se pode concluir que o dinheiro em causa pertencesse aos AA.. Nessa medida improcede a impugnação da alínea c) dos factos não provados, a qual deve manter-se intocada.
C – Nos dias 22/2/2016, 21/4/2016, 29/4/2016, 4/5/2016, 30/9/2016, 27/12/2016, 30/12/2016 e 30/12/2016 foram efectuados, respectivamente, os seguintes depósitos em contas tituladas pelo R.: numerário, no valor de € 140,00 (documento 9 da petição inicial - CCAM); transferência MB, no valor de € 2.000,00 (documento 9 da petição inicial - CCAM); transferência MB, no valor de € 800,00 (documento 9 da petição inicial - CCAM); numerário, no valor de € 300,00 (documento 9 da petição inicial - CCAM); numerário, no valor de € 400,00 (documento 9 da petição inicial - CCAM); numerário, no valor de € 4.500,00 (documentos 9 e 23 da petição inicial - CCAM); numerário, no valor de € 10,00 (documento 24 da petição inicial - CGD), numerário, no valor de € 50,00 (documento 25 da petição inicial - CGD). Nada mais se pode concluir a este respeito, já que se ignora a quem pertencia o dinheiro depositado (o facto de determinada pessoa ser a autora do depósito não significa que o dinheiro lhe pertença) e, portanto, deve permanecer nos factos não provados que aqueles depósitos correspondam a quantias disponibilizada pelos AA. aos RR.. Nesta medida improcede a impugnação da alínea d) dos factos não provados, a qual deve manter-se intocada, nessa parte.
Nos dias 30/3/2016, 31/5/2016, 16/6/2016, 5/7/2016, 6/7/2016, 27/7/2016, 29/7/2016, 16/10/2016 e 29/11/2016, foram efectuados, respectivamente, os seguintes depósitos em conta titulada pelos RR. junto da CCAM: transferência MB de € 500,00, feita a partir de conta do A. (documentos 9 e 10 da petição inicial - CCAM - facto admitido pelos RR. no art. 20.º da contestação); transferência MB, no valor de 800,00, feita a partir de conta do A. (documentos 9 e 13 da petição inicial - CCAM - facto admitido pelos RR. no art. 20.º da contestação); transferência interbancária, no valor de € 2.000,00, feita a partir de conta do A. (documentos 9 e 15 da petição inicial - CCAM - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); cheque do A., no valor de € 600,00 (documentos 9 e 14 da petição inicial - CCAM - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 2.000,00, feita a partir de conta do A. (documentos 9 e 11 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 20.º da contestação); transferência MB, no valor de € 500,00, feita a partir de conta do A. (documentos 9 e 16 da petição inicial - CCAM - facto admitido pelos RR. no art. 20.º da contestação); transferência MB, no valor de € 400,00, feita a partir de conta do A. (documentos 9 e 17 da petição inicial - CCAM); cheque, no valor de € 2.050,00 (documentos 18 a 20 da petição inicial - CGD e CCAM - facto admitido pelos RR. nos arts. 18.º e 20.º da contestação); transferência de € 3.112,00, feita a partir de conta do A. (documentos 9, 21 e 22 da petição inicial - CCAM - facto admitido pelos RR. nos arts. 18.º e 20.º da contestação). Neste caso, encontra-se perfeitamente identificada a conta a partir da qual foi feita a deslocação patrimonial e, portanto, os correspondentes depósitos devem passar para os factos provados. No entanto, não pode dar-se como provado que as quantias depositadas pertencessem aos próprios AA., já que o facto de as transferências provirem de conta titulada pelo A. marido não significa que os montantes lhe pertençam: não só é consabido que, nos negócios familiares (como é o caso dos autos) as contas particulares servem, frequentemente, de placa giratória para valores pertencentes às sociedades, como a testemunha R…, contabilista, afirmou precisamente que houve saídas de dinheiro da sociedade, de forma periódica, o que ocorreu sem suporte documental. Nesta medida procede apenas parcialmente a impugnação da alínea d) dos factos não provados.
Assim:
1 - A alínea d) dos factos não provados passará a ter a seguinte redacção:
«No ano de 2016, os Autores disponibilizaram aos réus, mediante contrapartida de restituição por estes, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €140,00 (cento e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 22 de Fevereiro de 2016 na conta do Réu na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras;
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 21 de Abril de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €800,00 (oitocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Abril de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras,;
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 4 de Maio de 2016 na conta do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €400,00 (quatrocentos euros) através depósito em numerário realizado no dia 30 de Setembro de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 27 de Dezembro de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €10,00 (dez euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30 de Dezembro de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa Geral de Depósitos S.A.;
• €50,00 (cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30 de Dezembro de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa Geral de Depósitos S.A..»
2 - Acrescenta-se aos factos provados um número 13, com a seguinte redacção:
«13 - No ano de 2016, o A. marido entregou aos réus as seguintes quantias, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €500,00 (quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 30 de Março de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras:
• €800,00 (oitocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 31 de Maio de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 16 de Junho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 5 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 6 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €500,00 (quinhentos euros) através de transferência realizada no dia 27 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €400,00 (quatrocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Julho de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.050,00 (dois mil e cinquenta euros) através de depósito de cheque bancário no dia 16 de Outubro 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €3.112,00 (três mil cento e doze euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Novembro de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras»;
3 - Acrescenta-se aos factos não provados uma alínea l), com a seguinte redacção:
«l) AA. e RR. acordaram que estes deveriam restituir àqueles as quantias mencionadas em 13».
D – Nos dias 31/1/2017, 23/2/2017, 7/2/2017, 31/3/2017, 26/4/2017, 28/4/2017, 28/4/2017, 3/5/2017, 30/5/2017, 31/5/2019, 30/6/2017, 31/7/2017, 4/8/2017, 7/8/2017, 8/9/2017, 28/9/2017, 31/10/2017, 1/11/2017, 23/11/2017, 30/11/2017 e 29/12/2017 foram efectuados pelo A., respectivamente, os seguintes depósitos em conta titulada pelos RR. junto da CCAM: numerário, no valor de € 600,00 (documento 26 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 200,00 (documentos 26 e 27 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 510,00 (documentos 26 e 18 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 620,00 (documentos 26 e 29 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 80,00 (documentos. 26 e 30 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 600,00 (documentos 26 e 31 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 900,00 (documentos 26 e 32 da petição inicial - facto admitido pelos RR. nos arts. 18.º e 20.º da contestação); numerário, no valor de € 650,00 (documentos 26 e 33 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 1.200,00 (documento 26 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 300,00 (documentos 26 e 34 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 320,00 (documentos 26 e 35 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 340,00 (documentos 26, 35 e 36 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 1.000,00 (documentos 26 e 35 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 160,00 (documentos 26, 35 e 37 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 1.520,00 (documentos 26 e 35 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 1.550,00 (documentos 26 e 35 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 440,00 (documentos 26, 35 e 38 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 1.200,00 (documentos 26 e 35 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 1.200,00 (documentos 26 e 35 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 300,00 (documentos 26 e 35 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 400,00 (documentos 26, 35 e 39 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação). Neste caso, encontra-se perfeitamente identificada a pessoa que ordenou a deslocação patrimonial e, portanto, os correspondentes depósitos devem passar para os factos provados. No entanto, não pode dar-se como provado que as quantias depositadas pertencessem aos próprios AA., pelas razões já expostas a propósito da alínea d) dos factos não provados. Nesta medida procede apenas parcialmente a impugnação da alínea e) dos factos não provados.
Assim:
1 - Acrescenta-se aos factos provados um número 14, com a seguinte redacção:
«14 - No ano de 2017, o A. marido entregou aos réus as seguintes quantias, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.01.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €200,00 (duzentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 23.02.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €510,00 (quinhentos e dez euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.01.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €620,00 (seiscentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.03.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €80,00 (oitenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 26.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 28.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €900,00 (novecentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €650,00 (seiscentos e cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 03.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 30.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €320,00 (trezentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30.06.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €340,00 (trezentos e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.07.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.000,00 (mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 04.08.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €160,00 (cento e sessenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 07.08.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.520,00 (mil quinhentos e vinte euros) através de transferência bancária realizada no dia 08.09.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.09.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €440,00 (quatrocentos e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.10.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 01.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 23.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;-
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €400,00 (quatrocentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 29.12.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--»
2 - A alínea e) dos factos não provados passa a ter a seguinte redacção:
«l) AA. e RR. acordaram que estes deveriam restituir àqueles as quantias mencionadas em 14».
E – Nos dias 23/5/2018 e 22/6/2018 foram efectuados, respectivamente, os seguintes depósitos em conta titulada pelo R. junto do BPI: numerário, no valor de € 20,00 (documento 42 da petição inicial); numerário, no valor de € 70,00 (documento 45 da petição inicial). Nada mais se pode concluir a este respeito, já que se ignora a quem pertencia o dinheiro depositado (o facto de determinada pessoa ser a autora do depósito não significa que o dinheiro lhe pertença) e, portanto, deve permanecer nos factos não provados que aqueles depósitos correspondam a quantias disponibilizada pelos AA. aos RR.. Nesta medida improcede a impugnação da alínea f) dos factos não provados, a qual deve manter-se intocada, nessa parte.
Nos dias 31/1/2018, 8/2/2018, 28/3/2018, 15/5/2018, 5/6/2018, 22/6/2018 e 4/12/2018, foram efectuados pelo A., respectivamente, os seguintes depósitos em conta titulada pelos RR. junto da CCAM: transferência MB, no valor de € 600,00 (documento 40 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 2.500,00 (documento 40 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); transferência MB, no valor de € 1.500,00 (documento 40 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 350,00 (documentos 41 e 44 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 30,00 (documentos 43 e 44 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação); numerário, no valor de € 220,00 (documento 46 da petição inicial - facto admitido pelos RR. no art. 18.º da contestação). Neste caso, encontra-se perfeitamente identificada a pessoa que ordenou a deslocação patrimonial e, portanto, os correspondentes depósitos devem passar para os factos provados. No entanto, não pode dar-se como provado que as quantias depositadas pertencessem aos próprios AA., pelas razões já expostas a propósito da alínea d) dos factos não provados. Nesta medida procede apenas parcialmente a impugnação da alínea f) dos factos não provados.
Assim:
1 - A alínea f) dos factos não provados passará a ter a seguinte redacção:
«No ano de 2018, os Autores disponibilizaram aos réus, mediante contrapartida de restituição por estes, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €20,00 (vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 23.05.2018 para a conta bancária do Réu no BPI S.A.;--
• €70,00 (setenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 22.06.2018 para a conta bancária do Réu no BPI S.A.;-- »
2 - Acrescenta-se aos factos provados um número 15, com a seguinte redacção:
«15 - No ano de 2018, o A. marido entregou aos réus as seguintes quantias, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €600,00 (seiscentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 31.01.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 08.02.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.500,00 (mil e quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.03.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €350,00 (trezentos e cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 15.05.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €30,00 (trinta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 05.06.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €220,00 (duzentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 04.12.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras»;
3 - Acrescenta-se aos factos não provados uma alínea m), com a seguinte redacção:
«l) AA. e RR. acordaram que estes deveriam restituir àqueles as quantias mencionadas em 15».
F – Quanto à alínea j) dos factos não provados, que os AA. pretendiam que fosse dada como provada, temos que, atenta a modificação efectuada nos factos provados, tal matéria, a provar-se, teria de ter a seguinte redacção: «as quantias referidas em 13, 14 e 15 destinaram-se a pagar as despesas de casa, despesas com a actividade agrícola do R., com a qual sustenta o seu agregado doméstico de que faz parte a R. mulher, bem como dívidas e empréstimos bancários relativos à mesma actividade, o que fez com que a sua mulher, Ré, também beneficiasse com essas quantias».
Ora, analisada a prova produzida, não vemos que, quer dos documentos, quer dos depoimentos, resulte a conclusão de que as quantias entregues aos RR. se tenham destinado a pagar as despesas de casa ou com a actividade agrícola do R., com a qual sustentava, à data das transferências, o seu agregado doméstico. O que resultou, sim, do contrato intitulado de comodato juntou como documento n.º1 da contestação, conjugado com o depoimento das testemunhas é que se trataria antes de assegurar o pagamento do empréstimo contraído para construção de estufas e de outros empréstimos associados à actividade, a qual entretanto foi cedida à sociedade HMJT, gerida pelo A. marido e que terá «ficado com tudo» o que antes pertencia ao R., cabendo-lhe, conforme acordado, a responsabilidade pelos correspondentes encargos: cfr. o acordado na cláusula 2.ª do contrato de comodato, bem como o depoimento das testemunhas V… (bancário na CCAM), X… (as dívidas eram «da casa»), S… (irmã do A. e filha dos RR., que referiu que as dívidas da actividade do R. «passaram» para a sociedade HMTJ), Y… (ex-mulher do A., que disse que as dívidas decorrentes da actividade do R. passaram para a sociedade HMTJ) e Z… (nora dos RR., que igualmente afirmou que os empréstimos referentes à exploração agrícola passaram para a sociedade aquando da celebração do contrato de comodato).
Deste modo, a matéria em causa deve permanecer nos factos não provados, assim improcedendo a impugnação da decisão de facto, nesta parte.
G – Em relação ao facto que os AA. pretendiam que fosse acrescentado à matéria provada (que, mediante as transferências, houve empobrecimento do património dos AA., com o correlativo enriquecimento dos RR.), não pode proceder tal pretensão, já que se trata de uma conclusão a que só se poderia chegar mediante a alegação e prova de factos concretos que integrassem os invocados empobrecimento e consequente enriquecimento. Assim, improcedem as conclusões de recurso, nessa parte.
H – Finalmente, quanto ao facto que os AA. pretendiam que fosse aditado à matéria provada - que inexiste outra causa justificativa para a transferência -, além de ser igualmente conclusivo, não vemos que o mesmo resulte da prova produzida. Como já referimos supra, as diversas testemunhas ouvidas justificaram os depósitos com o facto de a sociedade G… ter assumido as dívidas da anterior actividade profissional do R. e, portanto, não se pode considerar que não tenha existido uma justificação para os depósitos (sendo certo que os AA. alegavam que a justificação era a existência de um empréstimo, embora não o tenham logrado provar, e o certo é que também não forneceram qualquer explicação alternativa). Improcedem, também nesta medida, as conclusões de recurso.

Do mérito da decisão recorrida:
Para melhor facilidade de compreensão, passamos a transcrever os factos provados, após a procedência parcial da impugnação da decisão de facto:
«1) O Autores casaram entre si no dia 12 de Março de 2019, e residem na Rua …, Torres Vedras;
2) O Autor é filho dos Réus;
3) Com data de 30 de Março de 2020, o Autor, por intermédio da sua mandatária, enviou um escrito ao Réu, que este recebeu, solicitando-lhe o pagamento da quantia de € 70.899,95 – cfr. e nos termos do documento junto aos autos como doc. 63 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
4) Com data de 20 de Maio de 2021, os Autores remeteram aos Réus uma carta registada com aviso de receção, comunicando-lhe, além do mais:
«(…) Como é do vosso conhecimento, nós emprestamos dinheiro a V. Exas. e amortizamos várias dívidas de V. Exas. (…)
Tais pagamentos, realizados nos anos de 2014 a 2018, ascenderam à quantia global de € 55.036,43 (…) Tratou-se, pois, de um empréstimo que nós realizamos a favor de V. Exas., mas como não foi acordado nenhum prazo para o seu pagamento, vimos notificá-los nos termos do artigo 1148.º, nº 1 do Código Civil, para realizarem no prazo de 30 dias o pagamento deste empréstimo de € 55.036,43 (…) com juros de mora contados a partir do recebimento da carta. (…) – cfr. documento 65 junto com a petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;--
5) Os Réus não responderam aos escritos referidos em 3) e 4).—
6) Com data de 06/03/2014 foi ajustado um documento denominado CONTRATO DE COMODATO, entre o aqui Réu (como primeiro outorgante) e G…, Lda., (como segunda outorgante) que aí interveio representada pelo seu Gerente único, o aqui Autor, mediante o qual e além do mais, cedeu o primeiro à segunda, por um período de 15 anos renováveis, os prédios rústicos ali identificados; estipulando-se na cláusula 2 «O primeiro outorgante abdica de qualquer restituição financeira por parte do segundo outorgante, locando contudo a este os encargos de manutenção ou outros, respeitantes aos prédios atrás descritos (…)» - cfr. doc. 1 junto com a contestação e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
7) Foi contraído um empréstimo bancário junto da CGD, mas este em nome da G…, Lda., representada pelo A. C… na qualidade de gerente daquela sociedade por quotas, onde os ora RR. figuram como fiadores;
8) O Réu E… aquando da celebração do documento referido em 6) transferiu o imobilizado da empresa que detinha em nome individual para o A.;-
9) No mútuo contraído pelo gerente da Horto C… aqui A. - C…, e a Caixa Geral de Depósitos (Mútuo com Hipoteca e Fiança) , foram fiadores seus pais, aqui RR. – E… e F…, constituindo a favor da CGD hipoteca do imóvel correspondente à sua casa morada de família; tendo os Réus efetuado pagamentos desse empréstimo;-
10) O Autor é sócio-gerente de uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, que tem por objecto a realização de “culturas de leguminosas secas e sementes oleaginosas, viticultura e
11) A Sociedade G… Lda foi constituída em 04.03.2014, com o capital social de €5.000,00 (cinco mil euros), distribuído pelos sócios da seguinte forma: quota de €3.500,00 titulada por C… e outra quota no valor de €1.500,00 titulada por E… – cfr. certidão de matrícula da sociedade junta com a contestação e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
12) A sociedade era uma empresa familiar composta por C… e pelo seu pai, E..., ora Réu.
13 ) No ano de 2016, o A. marido entregou aos réus as seguintes quantias, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €500,00 (quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 30 de Março de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras:
• €800,00 (oitocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 31 de Maio de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 16 de Junho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 5 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.000,00 (dois mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 6 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €500,00 (quinhentos euros) através de transferência realizada no dia 27 de Julho de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €400,00 (quatrocentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Julho de 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €2.050,00 (dois mil e cinquenta euros) através de depósito de cheque bancário no dia 16 de Outubro 2016 na conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €3.112,00 (três mil cento e doze euros) através de transferência bancária realizada no dia 29 de Novembro de 2016 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras
14) No ano de 2017, o A. marido entregou aos réus as seguintes quantias, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.01.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €200,00 (duzentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 23.02.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €510,00 (quinhentos e dez euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.01.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €620,00 (seiscentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.03.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €80,00 (oitenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 26.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €600,00 (seiscentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 28.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €900,00 (novecentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.04.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €650,00 (seiscentos e cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 03.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 30.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.05.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €320,00 (trezentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30.06.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €340,00 (trezentos e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.07.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.000,00 (mil euros) através de transferência bancária realizada no dia 04.08.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras:--
• €160,00 (cento e sessenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 07.08.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.520,00 (mil quinhentos e vinte euros) através de transferência bancária realizada no dia 08.09.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.09.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €440,00 (quatrocentos e quarenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 31.10.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 01.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €1.200,00 (mil e duzentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 23.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;-
• €300,00 (trezentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 30.11.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;
• €400,00 (quatrocentos euros) através de depósito em numerário realizado no dia 29.12.2017 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras.
15) No ano de 2018, o A. marido entregou aos réus as seguintes quantias, através dos seguintes depósitos em numerário e transferências para a conta bancária dos Réus:
• €600,00 (seiscentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 31.01.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 08.02.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €1.500,00 (mil e quinhentos euros) através de transferência bancária realizada no dia 28.03.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €350,00 (trezentos e cinquenta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 15.05.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €30,00 (trinta euros) através de depósito em numerário realizado no dia 05.06.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras;--
• €220,00 (duzentos e vinte euros) através de depósito em numerário realizado no dia 04.12.2018 para a conta bancária do Réu na Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras».

O Direito:
Os autos reportavam-se, antes de mais, às consequências que os AA. pretendiam fazer extrair da alegada nulidade, por falta de forma, de um contrato de mútuo celebrado com os RR., pretendendo a condenação destes a restituírem os montantes mutuados. Tal pedido, conjugado com a respectiva causa de pedir, veio a improceder, com o que os AA. se conformaram, tendo a decisão proferida em 1.ª instância transitado em julgado, nessa parte.
            Quanto ao pedido subsidiário, pretendiam os AA. que os RR. fossem condenados a ressarci-los, com fundamento em enriquecimento sem causa, pelo facto de terem procedido ao pagamento de dívidas dos RR., enriquecendo estes à custa do património dos AA..
A este respeito rege o art. 473.º do Código Civil, nos termos do qual «aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou», tendo a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, de modo especial, por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[5], «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (preço da alienação de coisa alheia … recebimento de prestação não devida, porque a obrigação nunca existiu ou já havia sido cumprida ou fora cedida entretanto, … etc.); outras, numa diminuição do passivo (cumprimento efectuado por terceiro, na errónea convicção de estar obrigado a efectuá-lo), outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (…); outras, ainda, na poupança de despesas (…).
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
(…)
A causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe serve de fonte.
Assim, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer. Se, por exemplo, A entrega a B certa quantia para cumprimento de uma obrigação e esta não existe  – ou porque nunca foi constituída, ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio jurídico em que assenta – deve entender-se que a prestação carece de causa.
(…)
Para saber se o enriquecimento criado por determinados factos assenta ou não numa causa justificativa […] trata-se de um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correcta ordenação jurídica dos bens. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa.
(…)
Com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento (…).
A falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição: é preciso convencer o tribunal da falta de causa (...).
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outra.
(…)
O valor que, em qualquer dos casos, entra no património do enriquecido é o mesmo que sai do património do empobrecido.
(…)
No n.º 2 do artigo 473.º indicam-se exemplificativamente (…) casos especiais de enriquecimento sem causa. Cita-se, em primeiro lugar, o pagamento indevido, a que se referem os artigos 476.º a 478.º».
A restituição com base em enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, apenas podendo ocorrer se a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, se não lhe negar o direito à restituição e se não atribuir outros efeitos ao enriquecimento – cfr. art. 474.º do Código Civil.
Para o caso de cumprimento de uma obrigação inexistente (que constitui um caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa), prevê o art. 476.º n.º1, também do Código Civil, que «o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação».
Finalmente, de acordo com o art. 479.º, do mesmo diploma, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido.
Em suma, a obrigação de restituir fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a existência de um enriquecimento; que ele careça de causa justificativa; que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído[6].
Vejamos se os pressupostos desta figura se encontram, ou não, preenchidos no caso dos autos.
Relativamente ao primeiro dos requisitos enunciados, como se refere no Ac. RG de 9/6/2016[7], «é uniformemente entendido que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa. (…) O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido, e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento.
Atentos os factos provados, não restam dúvidas de que, entre 2016 e 2018, os RR. receberam diversas quantias nas suas contas bancárias, pelo que é de concluir que obtiveram uma vantagem patrimonial consistente nesse recebimento, assim obtendo um incremento no seu pecúlio.
No entanto, dos mesmos factos já não resulta que tal incremento tenha sido feito à custa do património dos AA., porquanto não se provou que os depósitos efectuados pelo A. marido proviessem de quantias pertencentes aos próprios AA. (e não a terceiro).
De resto, também não se provou que os depósitos tenham carecido de causa justificativa. É que, se é certo que não se provou que a prestação dos AA. tenha decorrido da celebração de um contrato de mútuo (como vinha alegado na petição inicial), essa falta de prova não equivale à prova de que não existiu qualquer causa para a atribuição patrimonial [que poderia ter decorrido, v.g., de atribuição gratuita dos AA. ou de acordo de assumpção de dívida]. Aliás, não se provou sequer (já que nem mesmo vinha alegado) que os AA. tenham feito aquela entrega na convicção errónea de que a isso estavam obrigados em razão de estarem convencidos de que tinham celebrado um contrato de mútuo (que, afinal, não se celebrou), ou de que estavam erradamente convencidos de que lhes cabia efectuar os depósitos – portanto, não se provou, como exige o referido art. 476.º n.º1 do Código Civil, que existiu, da parte dos AA., a intenção de, mediante os depósitos, cumprirem uma obrigação a que pensavam estarem adstritos, mas que na realidade não existia, por não ter chegado a constituir-se.
Deve, pois, atenta a falta de prova da inexistência de causa justificativa para a atribuição patrimonial (ónus que, como se disse, incumbia aos AA.), improceder o pedido subsidiário.
Deste modo, deve manter-se o segmento decisório recorrido, assim improcedendo a apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes – arts. 527.º do Código de Processo Civil e 6.º n.º2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais –, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 29-04-2025,
Alexandra de Castro Rocha
Rute Alexandra da Silva Sabino Lopes
Ana Rodrigues da Silva
_______________________________________________________
[1] A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): «Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente».
[2] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 197 -198; a este propósito pode ver-se ainda, com interesse, o Ac. STJ de 19/2/2015, proc. 299/05, disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Cfr. A.U.J. do Supremo Tribunal de Justiça nº12/2023.
[4] Ob. cit., págs. 200-201.
[5] Código Civil Anotado, Volume I, 4ª ed., em anotação ao art. 473º.
[6] Cfr. Ac. RC de 2/11/2010, proc. 1867/08, disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] Proc. 2847/14, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/2847-2016-94905375