EMBARGOS DE EXECUTADO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÕES EMERGENTES DAS RELAÇÕES DE PROPRIEDADE HORIZONTAL
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
OPOSIÇÃO À PENHORA
BEM NÃO PERTENCENTE AO EXECUTADO
Sumário

I – A excepção de não cumprimento (artigo 428º, nº 1, do Código Civil), que constitui uma excepção dilatória de direito material e se sustenta num sinalagma, supõe que os vínculos creditórios em confronto se encontram já vencidos e são exigíveis.
II – Não é, por princípio, de arredar esse instituto para vínculos relacionais, à margem dos directamente contemplados contratos bilaterais, desde que naqueles seja possível encontrar afinidades que o justifiquem; como é o caso das obrigações emergentes das relações de propriedade horizontal, entre condómino e condomínio.
III – A exigibilidade do crédito, que coincide com o seu vencimento, constitui um pressuposto material de exequibilidade, estando vedada a promoção da execução no caso de ela não ser inequivocamente comprovada (artigo 713º do Código de Processo Civil).
IV – Se, em transacção homologada, se convencionou, por um lado, o dever do condomínio em apurar as patologias geradas na fracção autónoma e recolher os orçamentos necessários para as colmatar, situação sujeita a análise e aprovação em assembleia, e, por outro, que os vínculos do condómino se venciam na data da aprovação das obras (uma parte) e na data do início dos trabalhos (a outra parte), esse acordo traduz uma cláusula de condição suspensiva com natureza imprópria (artigos 270º e 405º, nº 1, do Código Civil).
V – A circunstância de a obrigação, que se pretende executar, estar sujeita a uma condição suspensiva, transporta para a esfera do exequente o encargo de alegar e provar, com adequada solidez e segurança, que a condição já se verificou (artigo 715º do Código de Processo Civil).
VI – A hipótese de discordância, entre condómino e condomínio, acerca dessa verificação, torna prematuro o saneador-sentença, a julgar imediatamente de mérito (artigos 595º, nº 1, alínea b), e 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil); impondo-se, nesse caso, o seguimento da instância declarativa de embargos, para escrutínio e julgamento dos factos controversos, relevantes para o apuramento da ocorrência da condição e do vencimento da obrigação (artigos 662º, nº 2, alínea c), e 665º, nº 2, do Código de Processo Civil).
VII – Só é possível ao executado suscitar, com sucesso, a oposição à penhora se o vício objectivo que a fundamenta incidir sobre um bem de sua propriedade (artigo 784º, nº 1, segmento inicial, do Código de Processo Civil).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. A acção executiva; a oposição por embargos.
1.1. O exequente Condomínio do Prédio ---, suscitou uma acção executiva, para pagamento de quantia certa, sob forma sumária, contra a executada M--- (21.12.2021).
O título executivo é uma sentença homologatória de transacção, proferida em julgado de paz, e transitada em julgado (em 4.8.2020).
O requerimento executivo expressa que a executada se confessou de devedora de quotização de condomínio e aceitou pagá-la em prestações, de 3.264,14 € cada; com vencimento, a 1.ª “na data da aprovação do orçamento para as obras a realizar na fracção da executada, após apurar as patologias e respectivos orçamentos necessários para as colmatar” e a 2.ª “no início dos trabalhos referentes a tais obras”.
A exequente apurou os problemas na fracção, aprovou as obras e comunicou a data para o seu início.
A executada foi notificada da aprovação e do início dos trabalhos, a partir de 10 de Maio de 2021, por carta, que recebeu, em 6 de Maio de 2021.
A exequente comunicou os trabalhos, já realizados, em 24 de Maio de 2021; e comunicou a fase seguinte, de avanço de obras, em 30 de Julho de 2021.
A exequente enviou email para a hipótese de devolução da carta. Enviou, ainda, em 16 de Agosto de 2021, outra carta, cópia da anterior.
Em assembleia de condóminos, a executada assumiu não ter pago as prestações.
Foi junta a sentença exequenda e, em complemento, as duas cartas de Maio de 2021 e a de Julho de 2021, o email e acta da assembleia.
1.2. No curso da execução, foi efectivada a penhora de um saldo bancário, de conta à ordem, com o valor de 902,43 €, e indicação de dois titulares (7.1.2022).
1.3. A executada deduziu embargos de executado e oposição à penhora (7.2.2022). Excepcionou a litispendência.
(1) Invocou a excepção de não cumprimento. Disse que a sua fracção sofre de infiltrações e humidades, que denunciou várias vezes, sem acção do exequente. Em Março de 2019 comunicou que, sem reparação, nada pagaria.
Na sequência da transacção, o exequente « nada fez ».
Não foi realizado « estudo / levantamento da origem das patologias ». Houve intervenção; mas o problema da infiltração « não ficou resolvido ».
« Com as chuvas (…), a infiltração acentuou-se e piorou substancialmente ». Acha-se privada de usar a divisão que padece de infiltração.
A venda do imóvel está também prejudicada « por sofrer de infiltrações ».
A executada teve de intervir, « retirar o papel que tinha na parede e proceder à pintura do hall e da escada ».
O exequente « não cumpriu o acordo ».
A acção executiva « configura abuso de direito e um afrontamento ao princípio da boa fé ».
A executada « tem o direito de recusar o pagamento das quotas adstritas à sua fracção, enquanto o exequente não realizar as obras [que lhe permitam] e sua família a fruição da sua fracção na sua plenitude ».
(2) A executada é a segunda titular na conta bancária penhorada; a primeira titular é a sua mãe; a « conta só é movimentada, quer a crédito, quer a débito pela sua mãe ».
O valor penhorado deve « ser restituído à primeira titular da conta ».
1.4. O condomínio exequente contestou os embargos (19.10.2022).
Disse que nenhum dos fundamentos de oposição, contemplados no artigo 729º do Código de Processo Civil, se encontra verificado.
Suscitou o infundado da litispendência.
(1) Quanto à excepção de não cumprimento. O acordo homologado previa que o exequente diligenciasse pelo apuramento das patologias e agendasse a assembleia para a análise e aprovação do orçamento para as colmatar. A executada criou dificuldades a essas diligências. Impossibilitou a assembleia prevista. Ainda assim, o exequente iniciou diligências e trabalhos. Agendou peritagem; efectuou teste na fracção; tentou imprimir progresso « na identificação da causa da infiltração e elaboração de orçamento »; autorizou intervenções, que se realizaram; comunicou que, « tendo a garantia que, com tais procedimentos, a origem da anomalia estava debelada », ia solicitar as demais reparações; e solicitou o pagamento à executada.
Prosseguiu nas diligências; relembrou as obras efectuadas; e acertou outras. O exequente, em suma, fez tudo o que podia e estava ao seu alcance.
Pelo que, não é pertinente o instituto da excepção de não cumprimento.
(2) Em tema de penhora, desconhece as circunstâncias invocadas pela executada.
1.5. A executada juntou um « relatório de peritagem », de « detecção e análise de patologias e anomalias técnicas », datado de 21 de Dezembro de 2022 e elaborado pela empresa “L---”, tendo como « objectivo a identificação, registo e estudo de soluções das patologias encontradas » (13.2.2023).
O exequente pronunciou-se, além do mais, impugnando-o.
1.6. O senhor juiz “a quo” conheceu imediatamente do mérito (20.10.2024). Julgou improcedente a excepção (dilatória) da litispendência.
(1) Disse, além do mais:
« Da acta nº 23 da assembleia (…), realizada no dia 26 de Maio de 2021, na qual a executada / embargante esteve presente, resulta claramente que já ocorreu o apuramento das patologias na fracção da executada e a aprovação do orçamento necessário para as colmatar, tendo os trabalhos referentes a tais obras sido já iniciados.
Dúvidas inexistem, pois, de que a primeira e a segunda prestações do acordo homologado por sentença dada à execução estão vencidas, logo são exigíveis, (…). »
E, a propósito da excepção de não cumprimento:
« Não há, (…), qualquer sinalagmaticidade ou correspectividade entre [a] obrigação do condómino [de contribuir para as despesas comuns] e [a] obrigação do condomínio [de conservar e reparar as zonas comuns] e, portanto, a ausência do pagamento das quotizações por parte daquele não terá a virtualidade de constituir o mecanismo compulsório que é próprio da excepção de não cumprimento. »
(2) Propugnou ser pressuposto da oposição à penhora a propriedade do executado.
Concluiu, a final, pela improcedência dos embargos e da oposição à penhora.
2. A instância do recurso de apelação.
2.1. A embargante inconformou-se; e interpôs recurso. Apresentou a alegação; onde sumariamente concluiu assim:
i. A sentença padece dos vícios de nulidade, por omissão de pronúncia, de erro de julgamento e de errada aplicação do direito ao caso concreto.
ii. Olvidou que a transacção, homologada pela decisão exequenda, foi realizada, sob condição suspensiva, consistente na obrigação de o exequente «diligenciar no sentido do levantamento da situação que permita apurar [as] patologias [na fracção da executada] e respectivos orçamentos necessários para as colmatar».
iii. E, olvidou, que no negócio sob condição suspensiva a obrigação só é exigível depois de a condição se verificar, ficando o credor / exequente onerado com a prova dessa verificação, sem o que a execução não é admissível (artigos 270º do CC e 715º, n.ºs 1 a 4, do CPC).
iv. A sentença olvidou que o exequente não cumpriu o seu vínculo, na transacção, mormente, não diligenciou no sentido do levantamento da situação que permitisse apurar as patologias existentes.
v. O exequente juntou documento elaborado pela Sociedade V---, que menciona:
« A pedido da empresa de gestão do condomínio M--, Lda, procedemos à colocação de duas palas na chaminé sobre a fracção do 5º Dto do Bloco B.
Estas palas destinam-se a reduzir o espaço entre o capelo da chaminé e a zona da tubagem de modo a impedir a incidência da fracção da chuva nesta zona que pode, caindo pelos tubos, afectar o tecto da fracção ».
vi. O predito documento, utiliza a palavra pode; ou seja, não tem a certeza.
vii. Na verdade, a predita obra não produziu qualquer efeito positivo na fracção da executada.
viii. A sentença não se pronunciou sobre o documento, junto pela executada em 13/2/2023, consubstanciado num relatório elaborado pela empresa L---, no qual descreve as patologias referentes às infiltrações sofridas na fracção; bem como descritas na factualidade alegada na petição inicial dos embargos (mormente, a junção de fotos do estado degradado em que se encontra o imóvel, desde o ano 2010).
ix. Pelo que, incorreu em omissão de pronúncia de prova fundamental para a descoberta da verdade material.
x. A fundamentação da sentença demonstra de modo claro, que o tribunal “a quo”, não entendeu que a transacção, mormente as obrigações do exequente, que não foram cumpridas – não foi feito o levantamento das patologias, a que aquele estava obrigado, e consequentemente vai contra o entendimento da doutrina e da jurisprudência dominantes.
xi. A sentença entendeu que o estado de degradação em que se encontra a fracção não causa qualquer dano à executada, e muito menos a desvaloriza.
xii. A sentença fez tábua rasa do princípio da reciprocidade das obrigações.
xiii. Analisou a transacção, não como acordo, mas decisão unilateral do exequente, bem como todos os documentos por ele juntos – cartas, actas de assembleia geral e emails.
xiv. Todos os documentos juntos pela executada, não tiveram qualquer relevância na decisão da causa.
xv. Tanto assim, que a sentença não deu qualquer importância ao valor do imóvel, bem como ao dano causado pelo exequente pelo incumprimento do acordo – transcrito na transacção.
xvi. No que concerne à improcedência da oposição à penhora, a sentença olvidou que estamos perante uma conta bancária solidária; o que significa, em sentido lato, pertença a duas ou mais pessoas.
xvii. No caso concreto, sendo a executada, segunda titular, os depósitos bancários pertença da titular correspondem a 50%, nunca a totalidade dos mesmos.
xviii. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e em omissão de pronúncia.
xix. E violou os artigos 615º, nº 1, alínea d), 662º e 715º, do CPC; e os artigos 227º, 270º e 762º, nº 2, do CC.
Em suma; a decisão proferida deve ser revogada e o recurso julgado procedente.
2.2. O embargado respondeu.
Em síntese, para propugnar assim:
i. A executada invoca o direito a recusar o pagamento das quotas de condomínio enquanto não forem realizadas as obras que lhe permitam a fruição plena da fracção.
ii. O exequente pretende obter o pagamento das prestações, confessadamente não cumpridas, e cujas condições já estão alcançadas; o exequente não pede o cumprimento pela existência de obras terminadas.
iii. Não se verifica qualquer condição suspensiva.
iv. Não estando em causa a última prestação, sobre as obras concluídas, o alegado documento (de 13.2.2023) não assume qualquer relevância.
v. Não há violação de reciprocidade de obrigações; nem o valor do imóvel ou o dano assumem relevância em face do concreto pedido, aqui em causa.
vi. Quanto à penhora, incidente sobre bem de terceiro, é este que, por embargos de terceiro, deve vir reclamá-la.
Em suma; deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença.
3. Delimitação do objecto do recurso.
3.1. É entendimento pacífico o de que, olhado o perímetro do segmento dispositivo da sentença desfavorável ao recorrente, o objecto do recurso há-de aí ser circunscrito pelas conclusões da alegação (artigo 635º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil).
Assinalando-se, assim, as questões decidendas postas em equação (artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil).
3.2. (1) O caso concreto (edifício em propriedade horizontal) convoca uma controvérsia genética entre a embargante (um condómino) e o embargado (o condomínio), cuja síntese pode assim ser recortada:
Na fracção da primeira ocorrem anomalias, com origem em partes comuns. O segundo é credor, daquela, em prestações de condomínio.
Entre as partes foi firmada, em julgado de paz, uma transacção, homologada e transitada, que fixou os termos do pagamento da embargante ao embargado.
(2) Suscitada a execução, e feita uma penhora, sinalizam-se estas questões: (1.ª) a sentença apelada padece de nulidade, por omissão de pronúncia?
(2.ª) ocorrem circunstâncias que habilitem fazer operar, com sucesso, a excepção de não cumprimento?
(3.ª) o vínculo, que se transaccionou, foi sujeito a condição suspensiva?
(4.ª) comungando dois titulares do saldo bancário penhorado, e só um sendo executado, pode este suscitar, com sucesso, o levantamento da penhora?
II – Fundamentos
1. A matéria de facto evidenciada pela sentença recorrida.
O saneador-sentença apelado enunciou os seguintes factos (a que agora se dá uma diferente fisionomia):

i. No processo n.º --- que correu termos no Julgado de Paz de ---, em que foi demandante Condomínio do prédio sito na T--- e demandad[a] M--- (…), foi proferida sentença no dia 3 de Julho de 2020, transitada em julgado no dia 4 de Agosto de 2020, que homologou o acordo obtido entre as partes em sede de julgamento, nos seguintes termos (além do mais):
« […] as partes decidiram pôr termo ao presente litígio por acordo, o que fizeram nos seguintes:
TERMOS
1. A Demandada confessa-se devedora na quantia de € 9.792,40 (…) correspondente a prestações de condomínio vencidas e não liquidadas correspondente ao período de Janeiro de 2018 a Junho de 2020 […].
2. O Condomínio Demandante obriga-se a agendar uma Assembleia de Condóminos até ao dia 25 de Setembro de 2020 com a seguinte ordem de trabalhos: .
[.] análise e aprovação do orçamento para colmatar as patologias da fracção X, da Demandada [.]
., obrigando-se ainda a diligenciar no sentido do levantamento da situação que permita apurar tais patologias e respectivos orçamentos necessários para as colmatar.
3. A Demandada obriga-se a pagar a quantia mencionada em 1 em três prestações, cada uma no valor de € 3.264,14 (…), vencendo-se .
[.] a primeira prestação na data da aprovação das obras mencionadas em 2, [.] a segunda prestação no início dos trabalhos
[.] e a última prestação no fim dos trabalhos
., pagamento que será efectuado por transferência bancária para a conta do Demandante […] »

ii. O exequente remeteu à executada, e esta recebeu, carta registada com aviso de recepção, datada de 21 de Setembro de 2020, onde, além do mais, aquele refere a falta de cooperação desta no processo de levantamento das patologias e lhe pede o contributo necessário para a sua aferição.

iii. O exequente remeteu à executada, e esta recebeu, carta registada com aviso de recepção, datada de 5 de Maio de 2021, onde, além do mais, aquele escreve assim:
« […]
2 – Trabalhos aprovados pela Administração do condomínio para resolução das patologias na Vossa fracção:
Atendendo ao que observámos no local aquando da nossa deslocação no dia 14 de Abril de 2021, a comissão de acompanhamento do condomínio autorizou a intervenção na chaminé sobre a cozinha, afecta à fracção X, (…), colocando duas palas em ambos os lados, de modo a restringir a possibilidade de água da chuva batida a vento poder cair pelas tubagens que desembocam na chaminé.
Esta nossa percepção da origem do problema é confirmada pela análise feita às plantas dos projectos de arquitectura. Efectuaremos também a reparação das fissuras existentes nas paredes da chaminé. Estes trabalhos serão executados no decorrer da semana de 10 de Maio de 2021.
Após termos a garantia que a origem da anomalia ficou debelada, poderemos então solicitar a reparação dos danos causados no “quarto da empregada”, após termos a garantia que os elementos estruturais estão devidamente secos. A data da reparação no interior da habitação terá de ser posteriormente acordada com V. Exas. e, após os trabalhos efectuados supra.
[…]
3 – Pagamentos em dívida:
(…) os Senhores encontram-se agora obrigados a pagar:
- 1ª prestação no valor de 3.264,14 €, uma vez que a Administração do condomínio já aprovou as obras a efectuar e, irão dar início na próxima semana.
- 2ª prestação no valor de 3.264,14 €, a pagar após a obra acima descrita, a realizar na semana de 10 de Maio.
- Sendo que a 3ª prestação apenas será devida após a conclusão da última fase da obra, ou seja, depois da reparação no interior da habitação.
[…] »
iv. O exequente remeteu à executada, e esta recebeu, carta registada com aviso de recepção, datada de 24 de Maio de 2021, onde, além do mais, aquele escreve assim:
« […]
1 – Trabalhos aprovados pela Administração do condomínio para resolução das patologias na Vossa fracção e já realizados:
Os trabalhos de exterior na chaminé sobre a cozinha, afecta à fracção X, (…), colocando uma pala no lado mais desfavorável junto à tubagem proveniente da fracção, de modo a restringir a possibilidade de água da chuva batida a vento poder cair pelas tubagens que desembocam na chaminé, foi realizado sob a responsabilidade da M--, Lda., empresa gestora de condomínios, no dia 14 de Maio de 2021.
Os trabalhos de exterior de reparação das fissuras existentes nas paredes da chaminé foram executados no decorrer no dia 20 de Maio de 2021 por G--- de pinturas e reparações de imóveis, em acesso por cordas.
Conforme referido na nossa carta de 5 de Maio de 2021, após termos a garantia que a origem da anomalia ficou debelada, poderemos então solicitar a reparação dos danos causados no “quarto da empregada”, sendo a intervenção feita logo que os elementos estruturais estejam secos. A data da reparação no interior da habitação terá de ser posteriormente acordada com V. Exas.
2 – Pagamentos em dívida:
(…) os Senhores encontram-se agora obrigados a pagar:
- 1ª prestação no valor de 3.264,14 €, uma vez que a Administração do condomínio já aprovou as obras a efectuar;
- 2ª prestação no valor de 3.264,14 €, uma vez que a obra acima descrita já foi terminada no dia 20 de Maio;
- Sendo que a 3.ª prestação de 3.264,14 € apenas será devida após a conclusão da última fase da obra, ou seja, depois da reparação no interior da habitação.
[…] »
v. Da acta n.º 23 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos do prédio sito na T---, realizada no dia 26 de Maio de 2021 consta, além do mais, o seguinte:
« […]
A Presidente da Mesa enumerou as acções desenvolvidas com vista a respeitar o acordo homologado junto dos Julgados de Paz, referentes à fracção “X” (…).
[…]
Em Maio de 2021, entre os dias 14 e 20, a Administração corrigiu as deficiências que poderiam ter originado as infiltrações no “quarto da empregada”, intervindo na reparação das fissuras existentes na chaminé afecta à fracção “X” e colocando palas na chaminé, de modo a obviar a entrada de água da chuva batida pelo vento, para o topo da tubagem daquela chaminé. Aguarda-se agora que o tecto do “quarto da empregada” fique seco para se poder reparar os danos causados no interior. Para tal, a proprietária da fracção deverá permitir acesso para medir a humidade no tecto do quarto para se aferir quando há condições para se proceder aos trabalhos de reparação interior.
A proprietária da fracção X tomou a palavra para refutar as diligências referindo que só efectuou o acordo por considerar que as mesmas estariam terminadas em Setembro de 2020, tendo a PM referido que conforme diligências supra e pela ausência de comunicação tal avizinhava-se impossível, contudo, e de tudo tem feito esta Administração para cumprir o referido acordo, tendo a final a referida proprietária referido que assim que as mesmas estiverem terminadas que pagará os valores devidos.
[…] »
vi. O exequente remeteu à executada, e esta recebeu, carta registada com aviso de recepção, datada de 30 de Julho de 2021, onde, além do mais, aquele escreve assim:
« […]
Na sequência das nossas cartas de 3 de Maio e de 21 de Maio de 2021, (…), temos a referir o seguinte:
1 – Trabalhos aprovados pela Administração do condomínio para resolução das patologias na Vossa fracção e já realizados:
Foram efectuados os trabalhos de exterior na chaminé sobre a cozinha, afecta à fracção X, (…), colocando duas palas em ambos os lados, de modo a restringir a possibilidade de água da chuva batida pelo vento poder cair pelas tubagens que desembocam na chaminé, tal serviço foi realizado sob a responsabilidade da M-- empresa gestora de Condomínios, no dia 14 de Maio de 2021 (relatório da empresa V---, em Anexo).
Os trabalhos de exterior de reparação das fissuras existentes nas paredes da chaminé foram executados no decorrer no dia 20 de Maio de 2021 por G--- – Alpinistas de pinturas e reparações de imóveis em acesso por cordas, sem entrarem na fracção dando cumprimento ao distanciamento social da Covid 19 (relatório em Anexo).
Conforme referido nas nossas cartas de 3 de Maio e de 21 de Maio de 2021, estando a origem da anomalia debelada, poderíamos então solicitar a reparação dos danos causados no “quarto da empregada”, após termos a garantia que os elementos estruturais estariam devidamente secos.
Na visita realizada à Vossa fracção no dia 23 de Julho de 2021, mediante marcação prévia, após medição dos níveis de humidade nos tectos efectuados pelo Eng (…) da M-- e na presença dos proprietários da fracção, Dra. M--- e (…), verificou-se que os elementos estruturais estão devidamente secos para se avançar com a pintura de reparação interior, tendo esta intervenção ficado agendada e acordada convosco para o dia 15 de Agosto de 2021.
2 – Pagamentos em dívida:
(…) os Senhores encontram-se agora obrigados a pagar:
- 1ª prestação no valor de 3.264,14 €, uma vez que a Administração do condomínio autorizou e contratou profissionais para efectuar as obras em causa.
- 2ª prestação no valor de 3.264,14, uma vez que a obra acima descrita já foi terminada no dia 20 de Maio e devidamente atestada pelos respectivos relatórios técnicos para o efeito.
- Sendo que a 3ª prestação de 3.264,14 € apenas será devida após a conclusão da última fase da obra, ou seja, depois das obras de pintura a efectuar no interior da habitação.
[…]
Assim, e antes de efectuarmos as obras de pintura de reparação final no interior da fracção agendadas para 15 de Agosto de 2021 e de acordo com a sentença do Julgado de Paz de Lisboa em 3 de Julho de 2020 (…), solicitamos uma vez mais que efectue previamente o pagamento das duas prestações plasmadas no Acordo e já vencidas no valor de 3.264,14 € cada, totalizando 6.528,28 €
[…] ».

vii. A esta carta, foram juntos, em anexo, dois escritos.
Um, com data de 20 de Maio de 2021, assinado por G---, com o seguinte dizer:
« (…) declara, para os devidos efeitos, que no dia 20 de Maio de 2021 executou obra de reparação de fissuras exteriores na chaminé do Bloco B sobre a cozinha afecta à fracção X, bloco B, 5º e 6º Dtº. »
Outra, com data de 19 de Julho de 2021, subscrita pela gerência de V--- Ld.ª, com o seguinte dizer:
« A pedido da empresa de gestão do condomínio, M--, Lda, procedemos à colocação de duas palas na chaminé sobre a fracção do 5º Dtº do Bloco B.
Estas palas destinam-se a reduzir o espaço entre o capelo da chaminé e a zona da tubagem de modo a impedir a incidência da água da chuva nesta zona que pode, caindo pelos tubos, afectar o tecto da fracção. »

viii. A agente de execução procedeu à penhora do remanescente do valor do salário mínimo nacional da conta de depósitos à ordem com a identificação PT 0---EUR existente na C---, no valor de 902,43 €.
2. O mérito do recurso.
2.1. A nulidade da sentença; omissão de pronúncia.
O tema é suscitado pela apelante na óptica de que o tribunal “a quo” não se pronunciou, devendo fazê-lo, ora acerca de factos importantes para a decisão de mérito e por si alegados, ora a respeito (ao menos) de um documento revelador de tais factos e que juntou (em 13.2.2023).
À omissão de pronúncia, como vício da sentença, se refere o artigo 615º, nº 1, alínea d), segmento inicial, quando prescreve que a decisão é nula quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Conexiona-se com a disposição do artigo 608º, nº 2, segmento inicial, quando aí se estabelece, como assuntos a julgar na sentença, que o juiz deve resolver (a mais das de conhecimento oficioso) todas as questões que as partes submetam à sua apreciação e exceptuadas apenas as que se devam ter por prejudicadas.
É o vício que se apresenta, designadamente, quando algum facto controverso e com importância (impacto) para o enquadramento jurídico, que a parte haja alegado, é preterido no julgamento da matéria de facto.
A este respeito, lei pretérita ao código de 2013 era mais impressiva.
Consignava, a pretexto da selecção da matéria de facto (artigo 511º, nº 1), que o juiz devia seleccionar os factos relevantes para a decisão da causa, « segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida ».
Padecendo essa selecção de deficiência no caso de omissão de algum.
E que, persistindo por ocasião do julgamento, era passível de arrastar o vício da omissão; e a anulação da decisão, exactamente para efeitos de ampliação da matéria de facto (artigo 712º, nº 4, anterior ao código de 2013).

Com o nascimento dos temas da prova, como expressão da condensação (artigo 596º, nº 1), a problemática passou a centrar-se (quase) exclusivamente na oportunidade da sentença.
É quando a concebe que verdadeiramente o juiz escrutina, selecciona, os factos relevantes; sobre que, logo a seguir, se (deve) pronuncia(r).
O que não torna caduco o precedente critério selectivo: esses factos continuam a ser os que forem relevantes para a decisão jurídica, segundo as várias soluções plausíveis da controvertida questão de direito.
Por maioria de razão, o vício da omissão acontece quando, de modo prematuro, o juiz profere a sentença de mérito na fase intermédia da acção, findos os articulados, e não obstante se apurar persistirem factos controversos ainda capazes de poderem moldar o enquadramento e o efeito de direito material (artigo 595º, nº 1, alínea b), e nº 3, segmento final, do CPC).
Nesse caso, menos bem, o juiz entende que os factos (já) plenamente provados são suficientes para sustentar a conscienciosa decisão jurídica.
Em qualquer dessas hipóteses, ocorre omissão de pronúncia.
Como resulta claro de disposições como, por exemplo, as do artigo 640º, nº 1, alíneas a) ou c) (hoje, melhor interpretadas pelo acórdão uniformizador nº 12/2023, de 17.10 [DR, 1.ª série, de 14.11.2023]), do código, cada concreto ponto de facto (controverso) constitui uma autónoma questão de facto.
Que, se não for (seleccionada e) pronunciada, acarreta o vício omissivo.
E no limite, como antes, a poder envolver anulação da decisão, por modo a poder ser ampliada (ou completada, acrescentada) com a sua (selecção e) pronúncia (artigo 662º, nº 2, alínea c), na redacção actual; artigo 665º, nº 2, segmento final, a contrario).
Diferente já nos parece ser a abordagem probatória; do documento invocado.
Aí se tratando mais propriamente de mecanismo vocacionado ao convencimento acerca da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), a sua putativa preterição impacta, antes, em eventual recurso sobre matéria de facto (artigos 640º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea b), ou 662º, nº 1); circunstância alheada da hipótese aqui em crise.
2.2. A excepção de não cumprimento.
É o assunto central invocado para sustentar a oposição à execução.
A sentença aborda-o, no essencial, para por princípio arredar a sua invocação no quadro do confronto entre os vínculos do condómino (quotas) e do condomínio (partes comuns), embora no concreto pondere a seguir o juízo de proporcionalidade para, com base em ditames de boa fé, recusar a legitimação da excepção.
Vejamos então.
Na base da execução e dos embargos está um litígio que afasta a condómina embargante (e apelante) e o condomínio embargado (e apelado); em discussão, há vínculos de natureza comum e há vínculos de natureza particular, tudo como é próprio do regime da propriedade horizontal.
Estes vínculos foram, não obstante, reconfigurados.
Por via da decisão exequenda, recortaram-se (por novo) os termos obrigacionais:
(1.º) O condomínio obrigou-se a (1) « diligenciar no sentido do levantamento da situação que permita apurar [as patologias na fracção autónoma da condómina] e respectivos orçamentos necessários para as colmatar » e a (2) agendar uma assembleia de condóminos « até 25 de Setembro de 2020 » tendo por ordem de trabalhos a « análise e aprovação do orçamento para colmatar [as patologias na fracção autónoma da condómina] »;
(2.º) A condómina obrigou-se (1) a pagar 3.264,14 €, a vencer « na data da aprovação das obras [para colmatar as patologias na fracção autónoma] » e obrigou-se (2) a pagar 3.264,14 €, a vencer « no início dos trabalhos ».
Estabelece o artigo 428º, nº 1, do Código Civil:
« Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação
enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo ».
A vocação natural deste instituto, que constitui uma excepção dilatória de direito material (Acórdão da Relação de Guimarães de 1 de Junho de 2023, proc.º nº 54843/19.6YIPRT-A.G1), para a matéria contratual, tipicamente de direito das obrigações, é a razão conducente aos pontos de vista que arredam a sua aplicação a outro tipo de relações jurídicas, particularmente reais (Acórdão da Relação de Évora de 30 de Janeiro de 2020, proc.º nº 1729/18.2T8LLE-A.E1).
Não é, portanto, de estranhar aquela que é a óptica de base da sentença, a da inadmissibilidade da invocação da excepção de não cumprimento no campo dos vínculos que se confrontem em domínio de propriedade horizontal (ademais, sustentada em jurisprudência conforme; o Acórdão da Relação de Évora de 23 de Novembro de 2023, proc.º nº 22903/21.9T8LSB-A.E1).
É importante, contudo, considerar que esse ponto de vista não é pacífico. Existindo opiniões que, também, enquadram a admissibilidade da excepção de
não cumprimento, uma vez verificadas as apropriadas circunstâncias de facto, a outro tipo de situações relacionais, com afinidades aos vínculos creditícios, como é, de certo modo, o caso das relações de propriedade horizontal e das obrigações daí decorrentes (Acórdãos da Relação de Lisboa de 11 de Abril de 2019, proc.º nº 4722/17.9T8OER-A.L1-6, e de 9 de Maio de 2019, proc.º nº 4723/17.7T8OER-A.L1-2).
Em qualquer dos casos, a centralidade da excepção encontra-se no sinalagma.
A prestação que se exige e a que é invocada pela contraparte (para fundamentar a recusa) são causa e razão de ser uma da outra (José João Abrantes, “A excepção de não cumprimento do contrato no direito civil português – conceito e fundamento”, página 40).
Visando-se, então, sancionar o seu homogéneo cumprimento, como sinal de boa fé e de concretização da materialidade subjacente; expresso pelo imperativo de que ninguém deve ser compelido a cumprir o seu vínculo, enquanto o outro não cumprir o seu, ainda que ambos estejam já vencidos.
Numa outra abordagem (João Calvão da Silva, “Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, 2.ª edição, páginas 337 a 338); com a exceptio se cumpre uma dupla função, de garantia e coercitiva; ali, enquanto se salvaguardam as consequências do não cumprimento das obrigações recíprocas; aqui, enquanto se forma um meio de pressão sobre o inadimplente, compelindo-o a cumprir.
Em síntese; oposta a excepção, opera a suspensão da exigibilidade do vínculo. E essa suspensão manter-se-á pelo tempo em que perdurar a recusa do outro.
O efeito é o de retardar legitimamente o cumprimento; já exigível; mas suspenso.
Confrontado os contornos da hipótese, aqui controversa, com este envolvimento jurídico, da exceptio, não vemos em bom rigor a ajustada confluência.
Desde logo; a transacção assumida pelos sujeitos, e que a sentença exequenda homologou, constitui-se ademais de tudo (e também) como um contrato (artigo 1248º, nº 1, do Código Civil).
Aplicando-se-lhe (então) as apropriadas regras interpretativas (artigos 236º, nº 1, ou 238º, nº 1, do Código Civil).
Olhadas, com este pano de fundo, as cláusulas firmadas, e em face do litígio que a montante já opunha condómina e condomínio, por causa de danos gerados no interior da fracção, supostamente de génese nas partes comuns, e que globalmente o condomínio (até) aceita com essa índole, fica-nos a convicção de que, na concepção do consenso gizado, não poderão deixar de ter sido parâmetros orientadores (essenciais) o do máximo rigor (segurança), concretização (precisão) e acerto (solidez) na formulação do conteúdo.
Nessa óptica, querendo-se fixar o vencimento da primeira das prestações da condómina « na data da aprovação das obras », suponha-se previamente que o condomínio diligenciasse « no sentido do levantamento da situação que permitisse apurar [as] patologias e respectivos orçamentos necessários para as colmatar ».
Ou seja; era condicionante essencial à sequência seguinte o reconhecimento (técnico; capaz), a concreta identificação, a sinalização (rigorosa; segura), das designadas patologias; posto que só essa pormenorização (exigente; credível) permitiria em termos normais, razoáveis, expectáveis, formular a seguir o projecto de acção – incluindo o orçamental – (ajustado devidamente) para as debelar, com sucesso. A análise e aprovação, dos vícios e dos orçamentos, imbuídos dessa segurança e
rigor, eram os factores condicionantes para o vencimento da prestação da condómina. Apontando-se desde logo essa análise e aprovação para uma assembleia.
Que logo se quis também enquadrar no tempo (até 25 de Setembro de 2020).

O certo é que assumidamente a prevenida assembleia se não realizou.
E, não obstante a actuação efectiva do condomínio, não é pacífica a rigorosa identificação de (todas) as patologias, dos vícios existentes, que devem ser afrontados e debelados; e de todos eles; com a virtualidade de uma resolução integral. Por não ser crível que o acordo firmado não quisesse deixar de ter este universal impacto; e por conseguinte de os abranger (aos vícios; às patologias) a todos (na sua exigente e segura análise, orçamentação e expectativa de resolução).
Contudo, sobre este assunto, não temos consenso […].
Como assim, o revela o confronto nos articulados das partes; o exequente, numa óptica de cumprimento em requerimento inicial executivo e em contestação dos embargos; a executada, numa óptica de reserva, e insatisfação, pela persistência das patologias persistentes, sem o rigoroso escrutínio (indagação) do condomínio.
O significado de tudo é o de que é no mínimo duvidoso o vencimento da primeira das prestações exequendas; fixada para a « data da aprovação das obras ».
Arrastando igual efeito à segunda; fixada para o « início dos trabalhos ».
E assim; se isto entendermos como pressupondo; ali, o primordial levantamento e registo das (várias) patologias, com rigorosa certificação; aqui, as intervenções, mas aquelas (todas) a isso consequentes.
Como – tudo o indica – terá sido a intenção (material; substantiva) subjacente à formulação do acordo, homologado pela sentença exequenda.
Ora, não vencida(s) a(s) prestação(ões) exequenda(s), é inoperativa a exceptio. Não havendo logicamente hipótese de suspender o vínculo inexigível.
2.3. A condição suspensiva.
É o assunto que a apelante suscita, (apenas) nas alegacões de recurso. E que o apelado, em resposta, rejeita.
Veja-se que o saneador-sentença, a este propósito, é claro – « [d]úvidas inexistem […] de que a primeira e a segunda prestações do acordo homologado por sentença dada à execução estão vencidas, logo são exigíveis ».
Sendo aqui precisamente o centro das dúvidas, que suscitamos.
Vejamos então.

Transportando o tema decidendo para montante da exceptio, temos de olhar, uma vez mais, para as cláusulas formuladas na transacção homologada; e que, com a acção executiva, se pretendem fazer honrar.
No contexto controverso (intervenções de rectificação de danos [vs.] quotizações de condomínio), o vencimento da (1.ª) obrigação exequenda foi posicionado « na data da aprovação das obras »; sendo que esta supunha diligências de « levantamento da situação que permit[isse] apurar [as] patologias [na fracção; e os conexos] orçamentos necessários para as colmatar ».
O vencimento seguinte, da (2.ª) obrigação exequenda foi relegado para depois, ao tempo do « início [daqueles, de rectificação] trabalhos ».
Como antes dissemos, o contexto, a envolvência, as circunstâncias, a rodearem a transacção homologada, aparenta-se essencial à conscienciosa busca do sentido do que foram os compromissos realmente assumidos; como instrumental a uma conscienciosa decisão dos embargos (como do desfecho da execução).

O artigo 270º do Código Civil estabelece assim:
« As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva ».

A condição constitui, por princípio, uma cláusula acessória do negócio jurídico; e quadra o princípio da autonomia da vontade privada (artigo 405º, nº 1, do CC).
Da sua anatomia típica fazem parte duas características primordiais; a natureza futura e a incerteza (objectiva) do facto condicionante; este que, uma vez ocorrido, produz o resultado pensado, prevenido, ora desencadeando (condição suspensiva), ora extinguindo (condição resolutiva) efeitos jurídicos.
Certo que, na pendência da condição, estes efeitos ficam latentes; não operam.
A liberdade contratual autoriza ainda as chamadas condições impróprias; quer dizer, aquelas em que algum dos seus elementos típicos se encontre menos nítido (Luís Carvalho Fernandes, “Teoria geral do direito civil”, II, 4.ª edição [rev. e actualiz.], páginas 408 a 409).
É o caso, por exemplo, quando o facto eleito se não envolve de maior incerteza quanto à sua verificação (seguramente se verificará), e a indeterminação se repercute apenas no momento concreto da respectiva ocorrência (quando se verificará).

Ao que cremos, é a hipótese aqui em controvérsia.
O acordo que se firmou estabeleceu um complexo fáctico a jusante, a cargo do condomínio embargado, e que este com a maior das probabilidades não deixaria de honrar, mas deixou algo fluido – ainda que dentro de parâmetros mais ou menos previsíveis – a concreta ocasião da sua ocorrência plena, de verificação íntegra dos vínculos assumidos.
Deixando na dependência dessa verificação o momento específico em que à condómina embargante se impunha realizar o pagamento da sua dívida (o tempo próprio do vencimento do crédito exequendo).

A verificação da condição suspensiva, na hipótese, não é ainda clara.
Saber se o condomínio exequente diligenciou com efectividade, em conformidade com os planos prevenidos (tidos em vista) e estabelecidos através do acordo firmado, é uma ilação que só pode ser feita depois de escrutinada, apreciada e julgada a vária da matéria de facto convocada, e que com clareza não é objecto de consenso, nem se mostra apurada por prova tabelada.
Veja-se, desde logo, que assembleia prevenida no acordo não ocorreu […].
O saneador-sentença funda-se, em termos fácticos, essencialmente na prova documental consistente, além do título executivo propriamente dito, sobretudo nas missivas (várias) enviadas, pelo condomínio à condómina, associando (ainda; além do mais) uma acta de assembleia geral.
Aparenta-se-nos ser pouco, e inconcludente […].
Além dessa prova, cujo conteúdo os factos expressam, existem os próprios factos compreendidos nesse conteúdo; e que os articulados – sobretudo (mas não apenas) na petição e na contestação dos embargos – permitem identificar e sinalizar.
E esses, na sua essência, controvertidos entre os sujeitos.

Note-se, por exemplo, o pormenor de que, para a hipótese de se apurar que foi uma conduta inconveniente da condómina a criar o obstáculo ao cumprimento exacto e pontual do condomínio – situação que este visa ilustrar nos seus articulados –, há-de ser ele a ter ganho de causa.
Já que, como diz o artigo 275º, nº 2, do Código Civil, no seu trecho inicial:
« Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; (…) ».

Esta disposição contempla uma ficção legal pensada, como sanção civil, para comportamentos desajustados, desviantes da boa fé (artigo 762º, nº 2, do CC), a pretexto da ocorrência, ou não, da condição.
A boa fé, neste particular, deve ser entendida em sentido objectivo, como regra de conduta, traduzindo-se a sua violação num comportamento desleal sem consideração dos interesses da parte contrária (Manuel Pita, em “Código Civil anotado”, volume I, coord. Ana Prata, página 334).
E a norma deve ser interpretada como estabelecendo que « nunca nenhuma das partes pode, contra a boa fé, impedir ou provocar condições »; e, assim, como aquele que violando os ditames da boa provocar a realização da condição, não se poderá aproveitar dessa circunstância, ficando sujeito aos efeitos da sua não realização, também o outro, que nos mesmos termos impedir a realização da condição, será onerado, sancionado, castigado, com os efeitos legalmente ficcionados da sua verificação (António Menezes Cordeiro, “Tratado de direito civil – parte geral”, tomo 1, 2005, página 725).
Com o que se nos afigura prematuro o saneador-sentença do juiz “a quo”. Havendo que, previamente ao julgamento de mérito, filtrar – de acordo com o
critério selectivo do relevo para o enquadramento de direito – e ajuizar – de acordo com as regras da livre apreciação da prova –, os factos (controvertidos; alegados ou que, sendo pertinentes, por outra via [p. ex., por justificado convite], possam ser adquiridos, assimilados, pela instância declarativa) que permitam perceber se o exequente efectivamente assumiu a conduta apropriada (ou a isso foi inadequadamente impedido) a fazer vencer uma e outra das prestações que, com a acção, visa executar.
2.4. Oposição à execução; solução ajustada.
A conclusão, por ora, é a de que a(s) obrigação(ões) exequenda(s) não está(ão) devidamente recortada(s), em matéria do respectivo vencimento.
Por consequência, é ainda discutível (duvidosa; e a discutir) a sua exigibilidade.
Estabelece o artigo 713º do Código de Processo Civil:
« A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo ».
A exigibilidade do crédito constitui um dos requisitos da exequibilidade do título; um dos pressupostos materiais da obrigação exequenda, e que é indispensável à promoção da execução.
É a qualidade substantiva do vínculo que deva ser cumprido de modo imediato e incondicional após interpelação do devedor; obrigação exigível é a obrigação que está em tempo de cumprimento – é a obrigação actual (Rui Pinto, “A acção executiva”, 2019, reimp., páginas 230 a 231).
Ela coincide com o vencimento; não sendo exigível a prestação quando a obrigação está sujeita a prazo, que ainda se não venceu, ou está sujeita a uma condição que ainda se não verificou.
Estabelece o artigo 715º, nº 1, do CPC:
« Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efectuou ou ofereceu a prestação ».
E no seu nº 2:
« Quando a prova não possa ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferece de imediato as respectivas provas ».
Neste caso, não é aplicável a forma sumária da execução (artigo 550º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Civil).
Devendo o exequente, no requerimento executivo, além de tudo o mais, alegar a verificação da condição suspensiva, a realização ou o oferecimento da prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, e indicar ou juntar logo os meios de prova (artigo 724º, nº 1, alínea h), do CPC).
O processo é então concluso ao juiz para despacho liminar (artigo 726º, nº 1).
E, sendo caso de preterição da exigibilidade, de convite ao aperfeiçoamento, por modo de o convocar a complementar o requerimento inicial, com a alegação e prova ajustadas a preencher esse pressuposto material (artigos 726º, nº 4, e 6º, nº 2).
Ou, em alternativa, não suprida a falha nessa fase introdutória, podendo ainda o executado fundar uma oposição, mediante embargos, na inexigibilidade da obrigação exequenda; mesmo que fundada esta em sentença (artigo 729º, alínea e), do CPC).
Em síntese; ao credor exequente, que queira executar um vínculo sujeito a condição suspensiva, se impõe o ónus de alegar e provar a verificação da condição através da designada por prova complementar do título (Acórdão da Relação do Porto de 5 de Dezembro de 2005, proc.º nº 0556152).
E é esse um tema que o juiz escrutinará; ora liminarmente, e sob o risco do indeferimento liminar da execução (artigo 726º, nº 5); ora, se for o caso, em contexto de oposição à execução (artigo 715º, nº 5; artigo 732º, nº 2).
Na hipótese em análise, o condomínio exequente ensaia, no requerimento inicial da execução, essa prova complementar do título (este, a sentença homologatória).
Mas com fraqueza; a nosso ver.
A prova junta retrata, no seu essencial, as apontadas missivas que enviou à condómina executada; e sem outro suporte, de maior consistência.
Controvertidos os factos – diligências consequentes para apuramento da situação patológica; orçamentação detalhada da obra; análise e aprovação em assembleia de condóminos –, impunha-se revelar a suplementar convicção da respectiva realidade. Ou a demonstração do seu razoável impedimento, mal-grado o esforço despendido.
Por outro lado, ao desencadear a forma sumária da execução, para pagamento de quantia, como que transmitiu (assumiu) pacífica a exigibilidade da dívida que pretendeu executar; o que foi também menos certo e igualmente prematuro […].
Como nem o agente de execução, talvez como devesse, ensaiou de suscitar a intervenção do juiz, para melhor esclarecimento (artigo 855º, nº 2, alínea b), do CPC).
Por isso que; só agora, em oposição à execução (artigo 856º, nº 1, do Código de Processo Civil), o assunto surge, controverso e dúbio; carente de clarificação.
Mas sem que se reúnam condições para o proferimento de saneador-sentença.
Ao invés; havendo antes de dar impulso à instância declarativa, para as fases do pós-articulados, (1) de gestão inicial, (2) saneamento, (3) condensação e (4) audiência final, por modo de seleccionar, assumir e julgar, a matéria de facto, relevante e controversa, que permita decidir conscienciosamente sobre se os créditos exequendos estão, ou não, apetrechados da sua habilitação material essencial, que é a da exigibilidade.
2.5. A oposição à penhora.
No curso da execução, foi penhorado um saldo bancário.
A embargante invocou a co-titularidade (dois titulares) do depósito; sugeriu que a pertença dos fundos radica na sua co-titular; e pediu a supressão do ónus.
O embargado pugnou pelo desconhecimento dos factos.
A sentença afirmou que a oposição pressupõe a dominialidade do executado.
Já em recurso, a embargante circunscreveu a impugnação à metade do saldo que pertence à co-titular.
E o embargado respondeu dever ser essa co-titular a desenvolver a defesa.
Vejamos então.
Estamos agora em domínio de oposição à penhora; que a embargante deduziu nos próprios embargos, ademais, em coerência com o concreto modelo processual em trânsito (artigo 856º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Os fundamentos da oposição, as causas de pedir que a envolvem, são as restritas e taxativas enunciadas no artigo 784º, nº 1, do Código de Processo Civil; todas têm em comum o carácter de ilegalidade objectiva do acto e de dizerem exclusivamente respeito a bens do executado, não de outrem; constituindo o pedido consequente o da revogação da penhora, precisamente nos bens do executado (Rui Pinto, “Manual da execução e despejo”, páginas 720 e 721).
O segmento inicial do artigo 784º, nº 1, é impassível de dúvida; são os « bens pertencentes ao executado » que foram atingidos pela apreensão, o objecto da oposição; ora porque a penhora não é quanto a esses possível ou foi feita sobre eles numa dimensão intolerável – alínea a) –; ora porque tais bens não são atingíveis no imediato – alínea b) –; ora porque os bens, nos termos do direito material, não têm a virtualidade para garantir o crédito exequendo – alínea c) –.
Em qualquer dos casos, só o executado pode deduzir a pretensão e apenas sobre os bens que lhe pertencem, afectados no contexto executivo; não sendo aliás incomum o indeferimento liminar da oposição « porque o executado, desde logo, alega que os bens penhorados não lhe pertencem » (Virgínio Ribeiro, Sérgio Rebelo, “A acção executiva anotada e comentada”, 2015, páginas 428 a 429).

É exactamente este o caso concreto.
A embargante ao ter por objectivo a defesa do total, ou de uma porção, do saldo bancário penhorado, que afirma não lhe pertencer, automaticamente arreda sustentação ao mecanismo instrumental que usa, e que é o da oposição à penhora.
A sua legitimação material para essa defesa falece.

E, por consequência, a oposição não pode proceder; como, nesse particular, bem decidiu (e imediatamente) o saneador-sentença apelado.

II – Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar:
1.º; a respeito da oposição à execução;
1.º-1; julgar procedente a apelação, por estarem carentes de escrutínio os factos relevantes para a verificação conscienciosa do requisito da exigibilidade do crédito exequendo ([1] apuramento das patologias; [2] orçamentação das intervenções ajustadas para as debelar; [3] análise e aprovação em assembleia de condóminos; [4] início dos trabalhos a isso consequentes);
1.º-2; nessa conformidade, anular o saneador-sentença recorrido, por omissão de pronúncia, que deverá ser substituído por despacho que dê o seguimento apropriado à instância declarativa, com o objectivo referido em 1.º-1.
2.º; a respeito da oposição à penhora;
- julgar a apelação improcedente e confirmar o segmento decisório recorrido que rejeitou a oposição e manteve a penhora.
As custas, que o recurso de apelação importe, serão encargo da embargante e do embargado, na proporção de 1/8 para a primeira e de 7/8 para o segundo (artigo 607º, nº 6, do Código de Processo Civil).
Em primeira instância, consolidado o segmento de decisão, agora confirmado, a embargante manter-se-á responsável pela (proporcional) oitava parte das custas, a ela aí imputadas pela decisão recorrida.

Lisboa, 29 de Abril de 2025
Luís Filipe Brites Lameiras
Paulo Ramos de Faria
Cristina Silva Maximiano