SANEADOR-SENTENÇA
INSOLVÊNCIA
CONTRATO PROMESSA
TRADIÇÃO DA COISA
POSSE
ANIMUS
USUCAPIÃO
DIREITO DE CRÉDITO
Sumário

art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
1. A apreciação de mérito, total ou parcial, da ação em sede de despacho saneador deve ser reservada para situações excecionais, em que a clareza dos factos e a presença de uma solução de direito praticamente unívoca, autorizam que o tribunal antecipe a fase decisória.
2. É indiscutível a dificuldade de prova da motivação que preside à atuação do detentor/possuidor, já que o animus, por contender com matéria volitiva e com convicções pessoais, pode não evidenciar uma exteriorização diferenciada, razão pela qual – prevenindo situações de dúvida - a lei faz presumir a titularidade do direito na esfera jurídica do possuidor (art.º 1268º do Código Civil).
3. Há que apreciar se a sucessão de atos praticados pelo “possuidor” se reflete na definição do direito a que, em cada momento, correspondeu o exercício dos seus poderes de facto sobre a fração, isto é, se o animus que acompanhou o corpus é contínuo, inalterado e reflete uma persistente atuação correspondente ao exercício de poderes próprios de quem atua convicto de que é proprietário.
4. Não existe fundamento para se recorrer a presunções, ou necessidade de produzir prova acrescida, quando o animus que acompanhou o período de exercício de poderes de facto, pelo menos, a partir de março de 2009, torna manifesta a circunstância de o autor/apelante se assumir, em todos os momentos, como titular de um direito de crédito (ainda que com invocada garantia real sobre o imóvel ocupado) e não como titular de um direito de propriedade.

Texto Integral

Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
a. Por apenso ao processo de insolvência que corre termos contra a devedora Euro 2007 – Construção Civil, Lda, declarada insolvente por sentença datada de 06.06.2013, transitada em julgado em 01.07.2013, veio AA., advogado, intentar ação declarativa comum contra a MASSA INSOLVENTE DA EMPRESA EURO 2007 – CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA., representada pela Senhora Administradora de Insolvência Senhora Dra. BB., os CREDORES da identificada massa insolvente e a INSOLVENTE EURO 2007 – CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA., que teve sede na Praceta da Juventude, Lote 14, 1.º, Sala A, 2975-339 Quinta do Conde, concluindo por pedir que:
- seja reconhecida a aquisição, originária, por usucapião, pelo A., da fracção H, incluindo o apartamento no 3º andar esquerdo e o lugar de estacionamento na cave que a integra, do prédio sito na Rua …;
- seja ainda ordenado o cancelamento de todas as inscrições, hipotecas e penhoras e/ou outras registadas na Conservatória do Registo Predial que ofendam a posse e a propriedade do Autor, reconhecida e a justificar, por, além do mais, serem ineficazes.

Alegou, para tanto e em síntese que:
- a fração objeto do litígio está registada como propriedade da insolvente e está na posse do autor, ininterruptamente, desde outubro de 2005, com entrega da chave pelos sócios da insolvente imediatamente após a sua conclusão; usa e frui a fração, desde abril de 2006, por si ou através da sua filha, de forma pública, pacífica e de boa-fé, na convicção de que exerce um direito próprio;
- a referida fração foi dada ao A., nesse mês de Outubro de 2005, em cumprimento parcial de uma obrigação de dívida de honorários por serviços prestados;
- a posse passou a ser titulada em 11/10/2006, data em que foram reconhecidas as assinaturas das partes em acordo feito em 10/8/2006, tendo sido redigidos os termos do contrato promessa (doc. 1 que anexa) para formalizar o negócio enquanto, por falta de constituição da propriedade horizontal e passagem das licenças finais, não era possível realizar a escritura pública definitiva;
- o autor interpelou repetidamente a gerência e sócios da ora insolvente para celebração da escritura pública, interpelou ainda para comparência em cartório notarial para outorga da escritura;
- o A. acabou por demandar a insolvente, pedindo em juízo a devolução do sinal em dobro, através de ação que intentou em Abril de 2009, e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Cascais, sob o número de processo (…), pedindo a declaração de resolução do contrato e a restituição do sinal em dobro, que veio a ser julgada improcedente em 1ª instância, onde se considerou que a entrega do apartamento fora uma dação em pagamento de honorários; o recurso interposto veio a obter declaração de inutilidade superveniente por decorrência da sobrevinda declaração de insolvência da devedora, mas pode e deve considerar-se assente a decisão na parte do julgamento da matéria de facto, porquanto o A./ recorrente, não recorreu da matéria de facto;
- a atuação do autor enquanto promitente comprador que beneficiou da entrega do imóvel deve ser entendida como prática de atos de posse enquanto verdadeiro proprietário, concluindo que nem a declaração de insolvência, nem quaisquer vicissitudes do processo de insolvência (ainda pendente) se apresentam como passíveis de ter qualquer impacto na qualificação da posse ou na contagem do prazo prescritivo de aquisição.

b. Foi apresentada contestação pela massa insolvente, que:
- excecionou a litispendência com base na ação pendente como apenso H do processo de insolvência, na qual visava o aqui autor obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial peticionando que se declare que é proprietário da fração H. Pede, a título subsidiário, que se considere aquela ação como causa prejudicial, dado que é ali peticionada a separação da fração apreendida para a massa
- impugna a factualidade alegada pelo autor em suporte da aquisição originária do direito de propriedade, qualificando-o como mero detentor com perda de título de posse por efeito da opção de resolução do contrato promessa, com consequente presunção de má-fé da posse que continuou a exercer, corroborada pela oposição à posse associada às notificações que lhe foram dirigidas para desocupação do imóvel pela Administradora de Insolvência da massa insolvente, evidenciando a oposição à posse;
- invoca o abuso de direito do autor na modalidade de venire contra factum proprium.
Conclui pedindo a improcedência da ação e a consequente absolvição da ré Massa Insolvente do pedido.

c. Por despacho de 07.02.2023, foi ordenada a notificação do autor para exercer contraditório em relação à matéria de exceção contida na contestação.

d. Foram citados editalmente os credores e dirigida citação à devedora, que não apresentaram contestação.

e. Por requerimento de 10.1.2024 o autor apresentou resposta às exceções arguidas na contestação.

f. Foi designada data para realização de audiência prévia, que teve lugar no dia 10.4.2024, no contexto da qual, sem oposição das partes, foi apreciada a conveniência da tramitação conjunta do apenso H no do apenso J, concretamente, da matéria da reconvenção daquele apenso H, única para cuja apreciação de mérito prosseguiam os referidos autos.

g. Em 22.5.2024 foi proferido despacho que julgou extemporânea a resposta apresentada pelo autor à matéria da contestação.

h. Em 1.7.2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
Analisada a factualidade alegada nestes autos (apenso J), tendo em vista a sua ulterior tramitação, concluímos que o processo reúne condições para conhecimento de imediato do pedido neles formulado (que não se confunde com a apreciação da questão pendente e com origem no apenso H).
Uma vez que esta questão não foi suscitada em sede de audiência prévia (que teve um fito distinto) e para evitar a prolação de decisões surpresa, determina-se a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem

i. O autor pronunciou-se em 15.7.2024, pugnando pela procedência da ação.

j. Em 30.10.2024 foi proferido saneador-sentença que, conhecendo do mérito da causa, julgou a ação integralmente improcedente e absolveu os réus do pedido.
Mais ordenou o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido reconvencional deduzido no apenso H.

k. Da decisão de 30.10.2024 vem o autor interpor o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão recorrida com declaração de procedência do pedido deduzido ou, subsidiariamente, que seja ordenado que os autos baixem à 1ª instância para prosseguimento dos termos da ação.
Suporta a pretensão em fundamentos que “sintetiza” nas seguintes conclusões:
1. No seu despacho/sentença recorrido, o douto Tribunal a quo decidiu, em sede de saneador, que o facto de o A. ter comunicado a resolução do contrato-promessa que celebrara com a insolvente teria comprometido o seu animus enquanto possuidor e que o facto de ter, por diversas vezes, invocado o direito de retenção sobre o apartamento na sua posse constituiria uma inversão do título da posse agora a seu desfavor, porquanto revelaria que, assim, se teria passado a apresentar, apenas, como credor. Não tem razão.
2. Assim sendo, embora pareça ter admitido que o A. chegou a ter a posse idónea para adquirir a propriedade mediante usucapião, o douto Tribunal a quo decidiu imediatamente a questão, sem outra produção de prova, no que não andou bem.
3. O douto Tribunal, sem apurar quando e em que circunstâncias o apartamento sub juditio foi entregue ao A, e sem julgar os factos alegados na PI, incluindo quanto a essa matéria, cuidou, erradamente e sem alegação nesse sentido, que a posse decorreria da entrega na sequência de um contrato-promessa, embora, paradoxalmente, reconheça que esse contrato nada diz a respeito. Não tem razão. E, por isso, decidiu nos termos do despacho/sentença recorrido.
4. Sem prescindirmos de invocar que existe uma corrente doutrinária que postula uma abordagem objectiva, reconhecemos que a Doutrina e Jurisprudência maioritárias no nosso país postulam a corrente subjectiva como mais conforme ao Código Civil, que demanda uma apreciação da atitude psicológica ou intencional do possuidor – o animus, a intenção do possuidor de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados e é nesse pressuposto que concluímos o que segue, já que a primeira tornaria inútil a discussão, pois que a posse objectiva corpus não foi colocada em crise.
5. A questão fundamental, conforme o despacho/sentença recorrido a colocou, é a de saber qual o animus com que o A. tem exercido a posse do apartamento objecto dos autos ao longo destes mais de 16 anos, até à dedução da acção. E, antes disso, frisamos nós, se sempre são, pelo menos, 15 anos…
6. Na PI, o A. alegou que entrou na posse, originária, do apartamento através da entrega, voluntária, dele como, ou a título, de dação em pagamento, pela empresa construtora e proprietária (a empresa Euro, 2007, que veio a ser a insolvente), logo após a conclusão do prédio, ainda antes deste ter sido constituído em propriedade horizontal, e antes e independentemente do contrato-promessa que veio a ser celebrado.
7. Todos os elementos (de prova) nos autos o sugerem, numa parte e confirmam, na outra, incluindo o próprio despacho/sentença recorrido, que reconhece que «Foi acordado entre o Autor e os sócios da Ré que a transacção da fracção consubstanciaria uma dação em cumprimento pelo crédito de honorários, que aquele detinha sobre estes, a título de serviços de advocacia prestados até maio de 2003».
8. O contrato-promessa celebrado depois do acordo e da própria entrega, foi, como o A. sustentou na PI, apenas instrumental; ocorreu porque, ao contrário do inicialmente previsto, a documentação necessária – incluindo a constituição da propriedade horizontal -, levou muito mais tempo a ser obtida do que o inicialmente previsto, tendo ele sido o mecanismo que ocorreu às partes para garantir os direitos do ora A.
9. O cumprimento do contrato-promessa foi pedido pelo A. no apenso H deste processo; sem sucesso, exactamente porque o douto Tribunal a quo julgou que o contrato havia sido resolvido… SMO, neste apenso J, discutindo-se a aquisição originária por usucapião, interessará saber se a posse originária e originada pela entrega do apartamento a título de dação em pagamento é boa, idónea, para usucapir, independentemente da longa discussão – apoiada em douta Doutrina e em mais douta Jurisprudência invocada - sobre se o contrato-promessa foi, ou não, resolvido.
10. O contrato-promessa foi o meio a que as partes recorreram para protegerem os interesses do A. enquanto a dação em cumprimento, materializada pela entrega do apartamento após a construção e ainda antes de ter sido constituída a propriedade horizontal, não podia ser formalizada e concluída, pela falta deste documento.
11. Como se alegou na PI, a materialização da dação em cumprimento através da entrega pela insolvente ao A. do apartamento após a construção gerou uma situação de posse.
12. Interessa saber, nesta acção, designadamente, se o corpus e o animus desta posse, que é originada pela entrega do apartamento para pagamento de honorários, a título de dação em pagamento, corresponde à posse do direito de propriedade, para efeitos do disposto no art.º 1287º do Código Civil (CC);
13. E quanto tempo durou;
14. Independentemente das vicissitudes do contrato-promessa entretanto celebrado.
15. O douto Tribunal a quo, mesmo tendo considerado provado – cfr. pontos 16 e 17 da fundamentação de facto - que a R., já depois da recepção da comunicação da resolução, continuou a tratar da marcação da escritura, embora não tenha chegado a conseguir obter do Montepio Geral o termo de cancelamento das hipotecas sobre a referida fracção, acabou por considerar o contrato-promessa resolvido, no que o A. não concorda, nem se conforma, apesar das doutas Doutrina e Jurisprudência invocadas;
16. Porque a resolução que comunicou foi instrumental para tentar sair do impasse em que a situação se encontrava; e também porque a Insolvente, como já referido – cfr. pontos 16 e da fundamentação de facto -, continuou a tratar da escritura, percebendo a pressão do A. e que era exactamente a escritura que ele queria finalmente poder realizar.
17. Se a Insolvente continuou a diligenciar na marcação da escritura após a comunicação recebida e o A. nunca se recusou a comparecer nela, pelo contrário, esteve sempre disponível, intentou uma primeira acção pedindo a devolução do sinal em dobro, pediu, já depois da insolvência, à Senhora Administradora de Insolvência o cumprimento do contrato e, face à recusa, intentou uma segunda acção pedindo esse cumprimento, dúvidas não surgem no espírito do A. de que para ele e para a insolvente, o contrato-promessa esteve em vigor até ao trânsito em julgado da decisão do douto Tribunal a quo no apenso H;
18. Mas, sobretudo, para o que nesta acção interessa, dúvidas pertinentes não podem surgir quanto à qualidade do animus possidendi, também referido como animus domini, do A. na posse que tem exercido sobre o apartamento que lhe foi entregue para o pagamento dos seus honorários.
19. Em Março de 2009, era já grande a mora para a realização da escritura, a insolvente tinha constituído a favor do referido banco várias hipotecas, que este não cancelava em relação à referida fracção e que aquela não se mostrava diligente em cancelar. Entretanto, ia celebrando as escrituras de compra e venda das outras fracções… Havia que fazer algo; e esse algo, naquelas circunstâncias, era accionar o mecanismo previsto no contrato-promessa que garantia os interesses do A…
20. Colocado nas mesmas circunstâncias do A. naquela altura, o que seria previsível que fizesse o homem médio com a formação dele? Ou, numa avaliação de prognose póstuma, poderá porventura considerar-se que a actuação do A., naquelas circunstâncias, foi desrazoável e que o facto de se ter visto forçado a recorrer a ela representa uma mudança no seu animus possidendi, ou intenção de continuar a exercer sobre a coisa o poder que já detinha correspondente ao domínio de facto do direito de propriedade?
21. Com a actuação referida - comunicar a resolução do contrato-promessa, exigindo a devolução do sinal em dobro – o A. esperava que, com o risco de ter que o pagar, a insolvente empenhar-se-ia finalmente na concretização do negócio prometido, como, de resto, foi anunciando. É assim que se justificam os factos considerados provados nos pontos 16) e 17) da Fundamentação de Facto;
22. E é assim que tem deve ser lida a actuação do A., que fez a comunicação referida na mesma altura em que, tendo destinado o apartamento para a residência da filha, esta já estava a viver nele! – cfr. pontos 15) e 29) da Fundamentação de Facto.
23. Não num qualquer prédio…, mas no mesmo prédio onde vivia e vive o A.;
24. Mesmo que, porventura, este facto – da resolução e do exercício do direito de retenção terem sido comunicadas pelo A. enquanto mantinha e queria manter a filha a residir no apartamento na sua posse - não influa na apreciação dos efeitos da comunicação da resolução do contrato-promessa, no que não se concede, influi, sem margem para dúvidas, na avaliação do animus com que, nessa altura, o A. continuou a encarar a posse que (passe o pleonasmo) possuía, sempre manteve e fez de tudo para manter, e que possui; Era, foi, continuo a ser e é um animus possidendi, coerente com o recebimento do apartamento como acto material de pagamento dos honorários;
25. Que, reitera-se, lhe adveio originariamente pela entrega voluntária a título de dação em pagamento.
26. O facto de ter invocado o direito de retenção, para um determinado efeito em nada abala o animus possidendi da posse anterior ou já existente, que era o de continuar a exercer sobre a coisa o domínio de facto correspondente ao exercício do direito de propriedade.
27. É esse animus possidendi, gerado pela entrega correspondente ao acto material da dação em cumprimento, que importa avaliar;
28. Recorde-se que o A. sentia-se e sente-se dono do apartamento, que lhe foi entregue para pagamento de uma dívida de honorários. Este sentimento, justo e compreensível, subjaz e permeia sempre a intenção com que o A. sempre exerceu e exerce a posse sobre ele.
29. Pode, a esta luz, o intérprete e julgador dizer com segurança que o possuidor, que manteve a filha a viver na casa, que continuou a utilizar o lugar de estacionamento, que directamente e através dela, na altura continuou a suportar as despesas relacionadas com o apartamento, que as suporta até hoje, que se continuou a apresentar como o dono dele perante toda a gente, afinal o manteve na sua posse apenas para, ao contrário do que acontecera até aí, passar a exercer um «mero » ou simples direito de retenção?
30. Ou será que, pelo contrário, in casu o A. manteve intacta a sua «… intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, um direito real, correspondente àquele domínio de facto», em latim, o animus possidendi, animus domini, ou o animus sibi habendi?
31. Os factos revelam que foi esta última a situação, o A. continuou sempre, incluindo nesse período, a manter «a actuação correspondente ao exercício do direito» de propriedade – cfr. art.º 1257º do CC -, ou seja;
32. O A. manteve o animus (possidendi) de dono, ou proprietário, o animus sibi habendi.
33. Na verdade, ao contrário do que entendeu o douto Tribunal a quo, é exactamente por o possuidor ser advogado que se pode concluir que ele, justamente, recorreu a todos os instrumentos legítimos e legais para garantir a manutenção da posse em seu poder até ser possível concretizar, quer por acordo, sempre insistentemente tentado, ou judicialmente, a regularização formal da aquisição;
34. Incluindo a invocação, reiterada, do direito de retenção;
35. Numa altura em que ainda não tinha decorrido o tempo necessário para que o possuidor – o A. – pudesse invocar a usucapião.
36. Vai exactamente nesse sentido a douta Jurisprudência deste mesmo TRL citada na PI, aqui aplicável com as necessárias adaptações, do Ac. 19/11/2002, no âmbito do processo n.º8205/2002-7, da qual se pode extrair o ensinamento de que o facto de o interessado ter actuado em diversas frentes para defender os seus interesses por cada uma das vias que a lei lhe consente, não basta para invalidar a sua posse para efeitos de usucapião.
37. Antes de se preocupar com o título invocado, o A. preocupou-se, sempre, em assegurar a manutenção da posse do apartamento que, para além da respectiva utilidade não só económica e prática, representa longas horas do seu esforço, da sua dedicação, do seu talento e de vários sucessos, alcançados por si e pelo seu escritório.
38. Enquanto não pôde usucapir, o A. – como está bem patente no processo, quer no apenso H, quer no processo principal, quer, mesmo, no procedimento cautelar que instaurou para defender a sua posse (apenso I) - invocou, naturalmente, o direito de retenção e tentou chegar a acordo, sempre para lograr sobretudo registar o apartamento em seu nome, nunca, primeiramente, para receber indemnização, enquanto tentou, também, denodadamente, quando não o conseguiu, obter sentença judicial que lhe permitisse a conclusão do negócio, com o mesmo fim;
39. Para, finalmente, conformar o registo à situação de facto e à vontade das partes quando realizaram a entrega do apartamento para pagamento dos honorários do A.
40. No ponto 33 da fundamentação de facto, a expressão «além do mais» refere certamente os pedidos principais dessa acção (apenso H). É que o primeiro pedido teve como objectivo a realização do negócio, o segundo também, o terceiro idem e só no quarto pedido, sem conceder nos anteriores, se pediu, à cautela, o pagamento de indemnização. E o pedido citado neste ponto 33, o quinto, é tão claramente instrumental, que começa com a expressão «Para tanto…» - cfr. PI no apenso H.
41. Não restam dúvidas, o animus do A. manteve-se possidendi, intacto e idóneo para usucapir;
42. E se dúvidas existissem, no que não se concede, sempre teriam que ser resolvidas a favor do A., nos termos do art.º 1253º n. 2 do CC.
43. Decorrido o tempo necessário para poder invocar a usucapião, o A. continuou a tentar chegar a acordo, mantendo-se sempre disponível para ele, mas, evidentemente, tratou de intentar a presente acção para o reconhecimento judicial da aquisição do apartamento por essa via, permitindo assim, ao fim de tantos (quase 20) anos, realizar a Justiça.
44. Que outro meio, legítimo e legal, restava ao A. para manter a posse e garantir que, um dia, se faria justiça, como agora, certamente, se irá fazer? A si próprio e ao seu advogado, na altura, só lhes ocorreu aquela via, apesar de mui laboriosa.
45. Porque era e é, também, de Justiça material que se trata!
46. Ninguém de boa-fé poderá insinuar – como não insinuou – que a pretensão do A. não seja materialmente justa. O apartamento foi-lhe entregue materialmente e deveria sê-lo juridicamente para pagamento das despesas e do trabalho havido com a prestação de serviços à insolvente; 19 anos depois, doença grave superada depois, pode ser contabilizado muito outro esforço e despesas para finalmente se conseguir regularizar esse pagamento por dação, através do registo do apartamento em nome do A., livre de ónus e encargos.
47. Enfim, é o próprio douto Tribunal a quo que reconhece, como já vimos, que «… a transacção da fracção consubstanciaria uma dação em cumprimento pelo crédito de honorários…». De notar que, atenta a redacção do facto assente anterior (T) na sentença de onde foi extraída esta conclusão, o verbo consubstanciaria, aqui, não está no futuro, mas no condicional, até porque se refere primeiramente à transacção material do apartamento, que já se verificara.
48. Na economia da sentença do Tribunal de Cascais, em que o douto Tribunal a quo se baseou para recolher a maior parte da Fundamentação de Facto, pressuposto ao contrato-promessa objecto daqueles autos, estava a referida dação em cumprimento…, que o explicava.
49. Isto para frisar que o douto Tribunal a quo reconheceu, e bem, que houve a entrega do bem, mas não identifica a data desta entrega; limita-se a reconhecer que a filha e o genro do A. vêm habitando a fracção desde Agosto de 2007 – cfr. 29) da Fundamentação de Facto – mas nada diz quanto à data e às circunstâncias da entrega. Matéria que é essencial nesta acção.
50. De resto, reconhece que no contrato-promessa «…não foi inscrita qualquer cláusula em que seja referida a entrega…», o que é lógico, porque, nessa altura, há muito que a entrega tinha sido feita;
51. E conclui, e bem, assim reconhecendo razão ao A. ora recorrente, que «… nenhuma evidência resulta do contrato promessa, de que se tenha transferido a posse por via do contrato (promessa)…»; o que se explica pela mesma razão, a entrega não decorreu do contrato-promessa, há muito que já tinha sido feita, enquanto acto material da dação em pagamento.
52. No que a sentença recorrida andou mal, foi ao ter abdicado de apurar quando;
53. E em que condições foi entregue o apartamento ao A.,
54. i.e., quando e porquê começou originariamente a posse do A.;
55. Ao invés de se ter dispersado especulando alguma inversão do título da posse.
56. E tinha que o fazer, porque o A. alegou expressamente essa matéria, nos arts. 2º a 12º, 15º e 16º, 20º, 25º a 28º da PI.
57. Desrespeitando o que a lei e os princípios processuais impõem – arts. 595º n. 1, b) a contrario, 608º n. 2, incorrendo no disposto no art.º 615º n1, d), todos do CPC e o Princípio do Dispositivo;
58. Aqui chegados, ou o douto Tribunal a quo mandava prosseguir a acção para instrução e julgamento, ou considerava, como o A., a partir de outros elementos de prova existentes nos autos, que deveria ter analisado e considerado, estarem demonstrados estes factos: em que condições e porquê foi entregue o apartamento pela insolvente ao A. e quando, ou, pelo menos, a partir de quando se pode considerar com segurança ter o A. a posse dele.
59. Como vimos, esta matéria é essencial:
60. - a duração da posse é matéria essencial numa acção de usucapião, o termo inicial dela tem que ser apurado;
61. - considerando que é inequívoco e foi alegado que o A. tem, pelo menos, o corpus da posse, é mister averiguar a data e as circunstâncias em que ela lhe veio, para se poder apurar o animus;
62. - tanto mais que o douto Tribunal a quo fez as considerações e retirou as conclusões que constam da sentença recorrida sobre a putativa resolução do contrato-promessa pelo A. Neste caso, por maioria de razão importa saber se a entrega do apartamento ocorreu em virtude do contrato-promessa, ou por outra razão, v.g. o já referido acordo de dação em cumprimento, como o A. alegou na PI.
63. Por outro lado, foi expressamente alegado pelo A. na PI, designadamente que:
64. - O apartamento foi entregue pela insolvente, na pessoa do seu gerente e sócios, mal ficou concluído, em Outubro de 2005;
65. - para pagamento de uma dívida de honorários, não dos sócios, mas da sociedade e também dos sócios.
66. - Desde esse mês, Outubro de 2005, o A. tem a posse do referido apartamento e do local de parqueamento, que lhe corresponde, na cave.
67. - o A., inicialmente, ainda pensou convencer alguns amigos a comprarem o apartamento e chegou a mostrá-lo a potenciais compradores;
68. - Nas relações do A. com os sócios e gerência da insolvente Euro 2007 e com as pessoas em geral, aquele foi considerado legítimo possuidor do apartamento desde Outubro de 2005, utilizando-o como dono e como se proprietário dele fosse;
69. - À vista de toda a gente e sem qualquer oposição ou ofensa do direito de outrem; Sem ter que pedir autorização, ou que contar com a tolerância de quem quer que seja; na convicção e certeza de que não prejudica ninguém e de que está a exercer um direito próprio.
70. - O A, e/ou os seus familiares, por indicação dele, paga as despesas do condomínio calculadas na proporção da permilagem, bem como a água e a energia. Docs. 2, 3, 3 A e 4.
71. - Para além de utilizar o apartamento, o A. e seus familiares, com a autorização deste, utilizam também, exclusivamente, pacificamente e à vista de todos, o parqueamento respectivo pelo menos desde o mês de Abril de 2006; Aí guardando os seus automóveis.
72. - Na pendência daquela acção – a que correu termos em Cascais - foi, entretanto, declarada a insolvência da Euro 2007, Lda. no processo principal;
73. - Facto que foi mantido fora do conhecimento do Tribunal de Cascais e do Tribunal da Relação e do A., por actuação omissiva da Requerente, CEMG e da Insolvente Euro 2007, Lda. que já reputámos ilícita, dolosa, desleal e de má-fé.
74. - Acresce que tanto a Euro 2007, Lda. como a CEMG, requerente e principal credor na respectiva insolvência, não comunicaram nos autos, principais, de insolvência a existência da dita acção, nem o direito do ora A., como era sua obrigação; nem foi dado, ali, cumprimento ao art.º 85º do C.I.R.E., o que comprometeu gravemente os direitos e interesses do A, que não foi notificado/citado da insolvência, apesar de ter pendente uma acção, onde invocava o direito de retenção sobre um bem e de poder ser – em função da eventual decisão dela – um dos 5 maiores credores da insolvente – cfr. os autos principais.
75. Sem a produção de prova testemunhal, não parecem existir, ainda, elementos nos autos que permitam considerar provada a alegação do A. de que o apartamento lhe foi entregue pela insolvente em Outubro de 2005 (v.g., entre outros, art.º 3º da PI) e que a sua filha tenha passado a residir nele pouco tempo depois de abril de 2006 (v.g., entre outros, art.º 22º da PI)…
76. Mas há prova nos autos que demonstra as circunstâncias e os motivos da entrega do apartamento, que ele já estava na posse do A. antes de Agosto de 2006 e o tipo de posse – com corpus e animus domini - que este (o A.) exercia e exerce.
77. Para além da douta sentença do Tribunal de Cascais em que o douto Tribunal a quo se baseou, o A. instruiu os autos com alguns documentos, incluindo as gravações e transcrições dos depoimentos das testemunhas naquele julgamento, relevantes porque, as duas que juntou, hostis, sobretudo o sócio da insolvente, CC., sócio da insolvente, mas também do Senhor DD., genro do A., que acabou por ficar incompatibilizado com este em virtude das vicissitudes com todo este caso (e cujo distanciamento se nota nas respectivas declarações).
78. A seguir à prova por documento autêntico, por confissão e por inspecção judicial, pouca prova há-de ser tão credível quanto o depoimento de testemunha hostil cujo conteúdo seja favorável à parte contrária…
79. Nesse depoimento – docs 5C (transcrição) do requerimento instrutório de junto em 11/4/2024 (referência Citius 39057724) e doc 5 (gravação original) do requerimento instrutório de 15/4/2024 (referência Citius 39079012), e doc. 5B (outra transcrição, menos profissional) da PI, o CC., sócio da insolvente, embora já não recordado da data da entrega do apartamento ao A., nem da celebração do contrato-promessa, e manifestamente confuso em relação à da constituição da propriedade horizontal, depôs com segurança e conhecimento de causa sobre as circunstâncias que presidiram a essa entrega e à celebração do negócio – o acordo para o pagamento dos honorários através de dação do apartamento -, e mesmo a causa deles (honorários devidos pela insolvente). Do depoimento de DD., concatenado com outros elementos, é possível retirar uma data mínima para o início da posse do apartamento pelo A.: pelo menos Agosto de 2006.
80. Assim, o referido CC., sócio da insolvente, depôs o seguinte no Tribunal de Cascais:
81. «…tive conhecimento directo do espírito a que presidiu a essa, a intenção desse… desse contrato. Isto é, na altura tinha sido feito um negócio por interposta acção do Doutor, acção não judicial, portanto, por intermédio do Doutor e em termos de honorários ficou acordado que a fracção, pronto, que ele até disse que seria para habitação da filha, que é a Ana, seria dada como pagamento de honorários quando o prédio estivesse construído.»
82. Já o Senhor DD., depôs o seguinte na mesma audiência no Tribunal de Cascais – cfr. a gravação original no Doc 5, junto com o requerimento instrutório de juntos de 15/4/2024 (referência Citius 39079012), e respectiva transcrição, como Doc. 5ª junta com o requerimento instrutório de 11/4/2024 (referência Citius 39057724):
83. - 00:01:58.0 a 00:02:10.8 - …que morava no terceiro esquerdo, da Rua …», confirmando que é precisamente a fracção aqui objecto de, de controvérsia, e que morava nessa fracção - 00:02:21.1 - «Desde Agosto de 2007»; que - 00:02:30.4 - «… tinha um acordo com o meu sogro, que é o proprietário, para mim, do, do, do referido andar, no sentido de, comecei a viver lá, de lhe fazer a aquisição desse mesmo andar…», e que - 00:03:17.1 - «… desde sempre, não tenho nenhuma palavra em contrário, quer dizer, era, era o que era do meu conhecimento, é que ele era o proprietário do andar.». Que - 00:03:41.6 - «…a única que eu sei é que, assim, eu fui para lá viver, por indicação do meu sogro, como sendo andar dele, na altura em que entrei naquela casa, falei com o Eng.º EE., que julgo que é uma das pessoas responsáveis pela empresa que construiu o prédio, nomeadamente porque tive necessidade de fazer obras de correcção, desde os estores a algumas infiltrações, portanto, aquelas obras que normalmente quando uma casa começa a funcionar, são necessárias serem feitas, fui sempre extremamente bem atendido pelo Eng.º EE…»; que a escritura - 00:06:12.3 - «Sim, era para ser celebrada com entidades envolvidas, não sei, mas que o dinheiro era para ser entregue ao meu sogro, isso era, porque era isso que eu tinha acordado com ele.»; que o sogro (o A.) - 00:06:29.7 - «E reside no, no 4.º andar.»; que o sogro, o A., pretendia, em relação à fracção, - 00:06:43.7- «Era vendê-la a mim, na circunstância de que, sendo eu casada com a filha dele, era intenção dele, gerir esse andar juntamente com os filhos e, portanto, eu compraria o andar, salvaguardando o outro filho que ele tem, dando-lhe o dinheiro a ele, ele depois … faria o que dele, o que dele entendesse, não é, isso aí já me ultrapassa.»; que - 00:07:27.2 -«Para mim, o andar era dele, e como lhe disse, inclusivamente, quando me, quando entrei naquela casa, em Agosto de 2007, tive contactos com o Eng.º EE., que julgo que é da, um dos responsáveis da empresa construtora, no sentido, que eu estava ali a viver, que ele sabia quem eu era, por intermédio do meu sogro e nessas circunstâncias, também da parte dessa entidade, nunca tive nenhum obstáculo, nem nenhum conflito, todos os problemas que havia de arranjos da casa, foram prontamente solucionado, sem qualquer dúvida ou questão, que se pudesse ser, portanto, também nunca senti daí que houvesse nenhum impasse, nem nenhum obstáculo em relação ao que fosse.»; que - 00:08:17.7 - «A fracção já era do nosso conhecimento, até muito anterior a essa situação, portanto, a situação que eu tinha conhecimento da fracção, através da minha mulher, como filha do Dr. AA., já há mais de 6 meses sensivelmente.»; que, quanto à intenção do A. de vender metade do apartamento à testemunha, - 00:08:53.6 - «Quando eu falei com o Eng.º EE., no primeiro contacto que tive com ele, pela necessidade do arranjo da casa, ele não, não demonstrou desconhecimento disso e, e depois a partir daí, tive relacionamento com o pai dele, que era uma pessoa que na altura ainda frequentava o prédio, porque havia outros andares para vender, com quem sempre estabeleci contacto  relação, sem que daí houvesse, digamos, nenhuma situação ou até alguma percepção de conflito, bem como, o outro irmão dele, que mora por cima de nós e que, aliás, está aí como testemunha, o CC., continua lá a viver e, portanto, nunca houve da nossa parte, nem nenhuma conflitualidade, nem nenhuma informação que nos levasse a pensar, que a situação não era aquela que efectivamente eu tinha conhecimento…»; Já em sede de esclarecimentos à advogada da outra parte, que: - 00:12:12.5 - «Sempre foi, porque quando eu comecei a viver com ela, vivia num andar alugado em Lisboa, e, portanto, quando começámos os 2 a viver, e tivemos um, durante um ano, em vivência conjugal, antes de nos casarmos formalmente, na altura em que a minha mulher foi viver comigo, ela estava para vir viver precisamente para aquela casa, para Cascais, ela sozinha como filha dele.»; que - 00:13:02.3 - «Eu aquilo que eu depreendi, é que o Dr. AA., tinha destinado aos 2 filhos aquela casa.», que - 0:13:15.7 - «…a ideia que eu tinha, é que efectivamente, ele tendo 2 filhos e, iria doar aquela casa aos 2 filhos, e sei que de facto a filha estava para ir viver para lá, quando começou a viver comigo.»; que - 00:13:59.1 - «… mas se, aquilo que ela estava preparada era, de facto, era ir viver, e só não foi logo, na altura, viver para ali, porque decidimos iniciar a nossa vida conjugal em Lisboa, o que depois posteriormente, havendo a disponibilidade daquela casa, até por razões de renda em Lisboa, era mais vantajoso para nós, nós virmos para ali, portanto, foi nesse sentido que falando com o meu sogro, ficou decidido irmos para ali morar, e fomos.»
84. Portanto, embora (ainda) não esteja provado que, como o A. alegou na PI, o apartamento foi entregue pela insolvente, na pessoa do seu gerente e sócios, mal ficou concluído, em Outubro de 2005, pode e deve considerar-se provado que «O apartamento foi entregue pela insolvente ao A. em data seguramente anterior a Agosto de 2006.», para pagamento de uma dívida de honorários, não dos sócios, mas da sociedade.
85. A prova deste facto consta da sentença do Douto Tribunal de Cascais citada pelo douto Tribunal a quo na sentença recorrida, junta no apenso H, e ainda nos documentos 5 e 5 C, juntos em 11/4/2024 (referência Citius 39057724) e 15/4/2024 (referência Citius 39079012), o Senhor CC., sócio da insolvente e irmão do respectivo gerente, depôs em Juízo no Tribunal de Cascais, referindo-se sempre e exclusivamente à actividade da Euro 2007, Lda., ali R., a dada altura, com verdade, que o apartamento ora sub juditio foi entregue ao (aqui e ali) A., ora recorrente, porque:
86. «…tive conhecimento directo do espírito que presidiu à intenção desse contrato, i.e., na altura tinha sido feito um negócio por interposta acção do Doutor, acção não judicial, portanto, por intermédio do Doutor e em termos de honorários ficou acordado que a fracção, pronto, que ele até disse que seria para habitação da filha, que é a FF., seria dada como pagamento de honorários quando o prédio estivesse construído.»
87. Este depoimento está transcrito no doc. 5C e consta, originalmente, do doc. 5 «depoimento de CC.», em 16/11/2011, aos 10:37:56, ficheiro de som «20111116103754_384102_64251.wma» aos 04’:08” – 04’:30”. Ainda, a instâncias da advogada da outra parte, em sede de esclarecimentos, 10’44”-11’:29” e em 12’:48”- 13’04”.
88. – Ficou provado, igualmente, através destes depoimentos surpa referidos, a alegação na PI de que:
89. - Nas relações do A. com os sócios e gerência da insolvente Euro 2007 e com as pessoas em geral, aquele foi considerado legítimo possuidor do apartamento desde Outubro de 2005, utilizando-o como dono e como se proprietário dele fosse;
90. A prova deste facto consta, para além do mais, no já referido depoimento, do Senhor CC., sócio da insolvente e irmão do respectivo gerente no Tribunal de Cascais, transcrito no doc. 5C e cuja gravação original consta do doc. 5 «depoimento de CC.», juntos, ambos, no já referido requerimento probatório, em 16/11/2011, aos 10:37:56, ficheiro de som «20111116103754_384102_64 251.wma» aos 6’:00”-6’:46”. Embora não tendo presente a data, do contrato-promessa e a da constituição da propriedade horizontal, fazendo alguma confusão no que respeita à data da entrega, não tem dúvida, e não nos deixa qualquer dúvida, de que o apartamento foi entregue no âmbito do acordo de pagamento dos honorários, muito anterior e que para a insolvente e os seus sócios, o apartamento, ainda antes da conclusão da construção, era «intocável», tendo sido entregue ao A., que o destinou à filha - cfr. 6’:19”- 6’:21”. E, ainda, entre 7’10”-7’:24”, bem como 7’:35”-8’:01”. Ainda, a instâncias da advogada da outra parte, em sede de esclarecimentos, 10’44”-11’:29”, bem como 13’26”-13:57.
91. E, com os mesmos meios de prova, os factos, alegados na PI, de que:
92. - À vista de toda a gente e sem qualquer oposição ou ofensa do direito de outrem; Sem ter que pedir autorização, ou que contar com a tolerância de quem quer que seja; na convicção e certeza de que não prejudica ninguém e de que está a exercer um direito próprio.
93. - Para além de utilizar o apartamento, o A. e seus familiares, com a autorização deste, utilizam também, exclusivamente, pacificamente e à vista de todos, o parqueamento respectivo pelo menos desde o mês de Abril de 2006; Aí guardando os seus automóveis.
94. O facto alegado na PI de que:
95. - O A paga as despesas do condomínio calculadas na proporção da permilagem, bem como a água e a energia.
96. Ficou provado pelos Docs. 2, 3, 3 A e 4, juntos com o requerimento probatório de 11/4/2024 (referência Citius 39057724).
97. Estão provados no processo, nos autos principais e no apenso H, os seguintes factos alegados na PI:
98. - Na pendência daquela acção (a que correu termos no Tribunal de Cascais, citada e fundamento da sentença recorrida) foi, entretanto, declarada a insolvência da Euro 2007, Lda.;
99. - Facto que foi mantido fora do conhecimento do Tribunal de Cascais e do Tribunal da Relação e do A., por actuação omissiva da Requerente, CEMG e da Insolvente Euro 2007, Lda. que já reputámos ilícita, dolosa, desleal e de má-fé.;
100. - Acresce que tanto a Euro 2007, Lda. como a CEMG, requerente e principal credor na respectiva insolvência, não comunicaram nos autos, principais, de insolvência a existência da dita acção, nem o direito do ora A., como era sua obrigação; nem foi dado, ali, cumprimento ao art.º 85º do C.I.R.E., o que comprometeu gravemente os direitos e interesses do A, que não foi notificado/citado da insolvência, apesar de ter pendente uma acção, onde invocava o direito de retenção sobre um bem e de poder ser – em função da eventual decisão dela – um dos 5 maiores credores da insolvente.
101. Na P.I. o A. alegou ainda, nos arts. 154º a 156º que:
102. 154º. No caso sub juditio, verifica-se que a Devedora mais tarde declarada insolvente entregou – traditio – o apartamento ao A. para pagamento de uma dívida – dação em pagamento – antes mesmo de ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda, e este foi necessário porquanto, na altura da respectiva celebração o prédio não estava, ainda, constituído em propriedade horizontal, o que impediu a imediata celebração da escritura definitiva;
103. 155º. E o A. passou, de imediato, a exercer actos materiais – como os supra descritos – sobre o apartamento, estando, assim, plenamente verificado o requisito do corpus;
104. 156º. Que a posterior celebração do contrato-promessa só veio confirmar.
105. Que também tinham que se considerar provados.
106. Tem entendido a jurisprudência do STJ, coerentemente, que «Num contrato promessa de compra e venda de fracção autónoma, a tradição da coisa, com o pagamento integral do preço, implica uma posse originária, dado que, nesse caso, o animus originário do promitente comprador é o de proprietário.»
107. Se assim é num contrato-promessa de compra e venda, por maioria de razão o é numa entrega de bem para dação em pagamento, como no caso sub juditio!
108. O facto de o A. ter tentado acautelar o seu direito de crédito e mesmo a sua posse, nada compromete o seu animus domini no que à posse se refere; muito pelo contrário, reforça-a.
109. O que deve ser apurado é, para além do corpus e desde quando, se o possuidor tem o animus domini, se no seu espírito resta intacta, como ficou, a intenção de continuar a exercer sobre a coisa o poder que já detinha correspondente ao domínio de facto do direito de propriedade; e não declarações instrumentais que tenha feito para assegurar os seus direitos e, até, salvaguardarem a posse de eventuais investidas.
110. O A. fez de tudo para manter a posse e, precisamente porque é advogado, numa altura em que não podia, ainda, invocar a usucapião, tratou de recorrer aos instrumentos legais (legítimos) que tinha a mão.
111. Comprador de um outro apartamento no mesmo prédio (no 5º andar), onde passou a residir, o A., depois de uma primeira fase em que tentou vender o apartamento sub juditio (no 3º andar) apresentando-o como coisa sua, esteve sempre, a partir dessa altura em que passou a residir no prédio, interessado em tornar-se formalmente no proprietário dele, regularizando a situação de facto e psicológica. Tal apartamento, que destinava aos filhos, não é, nunca foi, uma simples garantia. Para além do mais, foram celebrados contratos de abastecimento (de água e luz), é o A. quem paga as prestações de condomínio… o apartamento passou a ser habitado por familiares do A., por acto exclusivo de disposição do A., que os queria a viver perto de si.
112. Note-se, inclusivamente, que, como ficou provado no Tribunal de Cascais, na mesma data em que o A. comunicava a resolução do contrato-promessa e o exercício do direito de retenção sobre o apartamento, estavam e estariam ainda por muito tempo, a filha e o genro do A.;
113. Genro esse que depôs perante o Tribunal de Cascais – cfr. docs. 5 e 5 A - que o A. tencionara oferecer o apartamento à filha e que ele próprio, para adquirir a meação, apresentara pedido de financiamento bancário;
114. Estas condutas e disposições demonstram que o A. sempre se viu a si próprio como possuidor da fracção e que agiu como tal, e que todos os mecanismos jurídicos a que recorreu se destinaram, precisamente, a mantê-la sob o seu domínio.
115. Uma eventual condenação da devolução do sinal em dobro, como o A. na altura pediu ao Tribunal de Cascais, sem deixar de ser um negócio interessante, seria sobretudo e mais provavelmente, conforme o A. previa, o melhor estímulo para a R. e os seus sócios se empenharem em libertar a hipoteca e realizarem finalmente a escritura, em sede de transacção… e a única saída que o A., nas circunstâncias da altura, encontrou para superar o impasse então existente. Por isso marcou a escritura, comunicou a resolução e o exercício do direito de retenção e intentou a acção, sem nunca deixar de exercer o domínio sobre a fracção, estando a filha e o genro a viver nela, e o A. mantendo a expectativa de lhe dar a ela ½ da fracção, vendendo a outra metade ao genro. Como a(s) douta(s) sentença(s) reconhece(m).
116. O douto acórdão Ac. 27.9.2018, P. 11680/15.2T8LRS.L1-6, invocado no despacho sentença recorrido, que não é do STJ, mas do RL, é auto-ilustrativo no que respeita à sua inaplicabilidade ao caso sub juditio na parte pretendida pelo douto Tribunal a quo: citando a citação na sentença: «…a recorrente teve conhecimento, em 1995, que a ocupação ocorria sob um quadro de mero exercício de Direito de retenção.»
117. Citando uma outra parte, relevante, não citada na sentença recorrida deste douto aresto, «Tendo-se demonstrado, de forma clara, a inexistência de “animus possidendi” e a não materialização de um «corpus» relevante e próprio, nenhum sentido teria o proposto recurso a presunções; estas destinam-se a extrair de factos conhecidos outros de natureza desconhecida; ora, se conhecemos os factos, não tem qualquer sentido tratá-los como desconhecidos para a eles chegar por caminhos ínvios»;
118. Portanto, estaria em causa naquela acção julgada pelo douto acórdão citado, a pretensão e o pedido de se extrair uma presunção de uma situação de ocupação…
119. O contexto daquela «ocupação» foi, e bem, considerado «…substancialmente distinto do de “posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo”, para os efeitos do disposto no artigo 1287.º do Código Civil que fornece a definição normativa de usucapião.».
120. Já o contexto do caso sub juditio, como vimos, é inteiramente distinto. Não há presunções a retirar, apenas factos a apreciar e julgar. O apartamento foi entregue pela construtora sua proprietária ao A. ora recorrente como pagamento, num acordo de dação em pagamento, e este, desde essa altura, passou a agir como proprietário e a sentir-se como tal. Invocou depois o direito de retenção? Sim, mas nunca o mero direito de retenção; muitíssimo pelo contrário, invocou-o «para além do mais»…, como a própria sentença recorrida inclusivamente transcreve.
121. Está demonstrado – e pode voltar a ser ainda mais perfeitamente demonstrado – que o A. ora recorrente exerce ininterruptamente, desde, pelo menos, Agosto de 2006 (na verdade desde Outubro de 2005), o domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, verificando-se, assim, a materialização de um «corpus» relevante e próprio, que não carece de ser presumido.
122. Existe presunção a retirar, sim, mas a do art.º 1252º n. 2 do CC, no que respeita ao animus.
123. De facto, em caso de dúvida, a posse presume-se em quem exerce o poder de facto – art.º 1252º, nº 2, CC -, isto é, presume-se o exercício do animus naquele que detém o corpus, presunção a que subjaz a dificuldade de provar o dito animus.
124. A inversão do título vem prevista na al. d) do art.º 1263.º e 1265.º do Código Civil.
125. A Jurisprudência tem ensinado que «A inversão do título de posse (a interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio (não basta que a detenção se prolongue para além do termo do título que lhe servia de base; necessário se torna que o detentor expresse directamente junto da pessoa em nome de quem possuía a sua intenção de actuar como titular do direito).»
126. Não se conhece caso jurisprudencial de inversão do título da posse que seja o contrário, como pretende o despacho sentença recorrido, i.e., a pretensa substituição de uma posse em nome próprio por uma posse precária, em nome de outrem.
127. Por outro lado, os casos de perda de posse estão tipicamente previstos no art.º 1267º do CC e nenhum deles se verificou no caso sub juditio, designadamente, o A. não abandonou a posse, a coisa não se perdeu, nem esta destruída – pelo contrário, tem sido cuidada pelo A. -, este não cedeu a coisa, a posse continua na esfera jurídico-patrimonial do A.
128. A mera comunicação do exercício do Direito de Retenção por quem já detinha a posse por título anterior, como forma de proteger essa posse e de assegurar a inércia do titular do registo, não constitui nenhuma inversão do título da posse.
129. De resto, sem conceder, não há possibilidade de inversão do título da posse, se o possuidor é o mesmo.
130. Mas, para rematar esta questão, e a dos alegados efeitos da putativa resolução do contrato-promessa, estribamo-nos no já citado supra douto acórdão do TRCoimbra, que, julgando uma situação diferente, mas com um certo paralelismo ao caso ora sub juditio, com o apoio em douta Doutrina, ensinou:
131. «A usucapião redunda de dois elementos nucleares, a posse e o decurso do tempo, correspondendo a um modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica duma situação possessória duradoura no direito real correspondente. Posse que se traduz num elemento material de fruição de um direito (o corpus) e de um elemento intencional vertido na intenção de exercer um poder sobre as coisas (o animus sibi habendi). Animus que resulta da natureza do acto jurídico por que se transferiu o direito susceptível de posse, na apelidada teoria da causa. Elemento intencional que se dever aferir não pela vontade concreta do adquirente da posse mas pela natureza jurídica do acto que originou a posse. Como simplistamente clarificava Manuel Rodrigues: “… se a tradição se realizou em consequência de um acto de alienação da propriedade, a intenção que tem o adquirente é a de exercer o direito de propriedade. Se a tradição se realizou em consequência de um acto de locação, pelo qual se transferiu um determinado prédio, a intenção do locatário é a de exercer o direito pessoal de arrendatário".
132. Vale dizer que a vontade concreta do detentor só releva caso tenha invertido o título de posse. Doutro modo, o elemento intencional da posse mede-se pela natureza do acto jurídico que deu lugar à aquisição.
133. Princípios que se não modificaram com a vigência do actual Código Civil e que continuam a ter aplicação.»
134. O acto jurídico que, in casu deu lugar à aquisição da posse do A. do ora recorrente foi uma dação em pagamento, ou melhor, o acto material de uma dação em pagamento, que seria formalizada logo que a propriedade horizontal estivesse constituída. O elemento intencional do A./recorrente afere-se por esse negócio e não por qualquer situação de inversão do título da posse, como do douto Tribunal a quo especulou.
135. Mesmo em juízo, o A. ora recorrente revelou, lealmente, e tem revelado o seu animus possidendi, sempre, desde muito antes de poder invocar a usucapião.
136. Em Agosto de 2018, logo na questão prévia com que abriu a acção, o A. que:
137. «O requerente, que continua interessado em concluir o negócio, tornou-se credor da massa desde a falta de resposta no prazo de 90 dias pela Senhora Administradora;
138. [sem conteúdo]
139. Ignorando os requerimentos e a questão subjacente, conhecedora de que o requerente, ora A., obteve a tradição da fracção de que é promitente-comprador, que a pagou na totalidade, e de que tem desde há anos a posse legítima, pública, pacífica e titulada…»
140. No mês seguinte, Setembro de 2018, no art.º 28º do Procedimento Cautelar (apenso I), que instaurou (com o objectivo de defender a sua posse), o A. já alegou, também lealmente, que:
141. «A insolvência foi decretada Junho de 2013 a situação arrasta-se há 5 anos, e o requerente, que pagou integralmente o preço da fracção que prometeu comprar e em que habita, tem mantido, desde que a comprou, sem qualquer transtorno para quem quer que seja, a posse dela, não existindo razões ponderáveis para alterar a situação de facto neste período de tempo em que dura(rá) a pendência da acção intentada no apenso H e o conhecimento dos seus pedidos;»
142. [sem conteúdo]
143. Enfim, como frisou nos articulados, neste caso no de resposta às excepções:
144. «A posse que o A. exerce continua a transcender, em muito, o corpus, já que o A. manifestou e manifesta, sempre – e estes autos, incluindo os principais, bem o revelam -, de forma até apaixonada (fruto da indignação e sentimento de injustiça), um fortíssimo animus possidendi.
145. O A. nunca tergiversou ou sentiu abalado o convencimento do exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao próprio direito e na sua própria esfera jurídica, nem a intenção de o exercer e defender por todos os meios legais, em seu próprio nome. Nunca baixou, nem baixará os braços. Nem que tivesse que chegar ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que a presente acção, procedendo, como confia, evitará.
146. O A. nunca deixou de estar interessado no apartamento, nunca se apresentou como mero possuidor ou detentor, pelo contrário, nunca deixou de exercer em seu nome os direitos relacionados com o apartamento e com a posse dele. Sempre o considerou, consistentemente, como coisa realmente sua, mesmo na pendência do processo de Cascais, faltando, apenas, colocá-lo em seu nome, tendo já tentado de tudo para conseguir esse objectivo inicial, dele e da insolvente. Incluindo pagar um valor acrescido.
147. Mais que não fosse, a decisão do douto Tribunal de Cascais, de não decretar a resolução do contrato-promessa absolvendo a ora insolvente dos pedidos, reforçou o animus do A. enquanto possuidor de um apartamento por dois, ou melhor, três títulos, enquanto possuidor dela entregue a título de dação em cumprimento (1º), enquanto credor de uma declaração de venda que concretizasse, por fim, a aquisição da propriedade prometida vender (2º) e, e enquanto exercício do direito de retenção (3º).»
148. A douta sentença recorrida violou, para além das normas processuais supra referidas, do CPC, os arts. 1251º, 1252º n. 2, 1253º a contrario, 1257º, 1263º b), 1256º a contrario, 1268º n. 1, 1287º, por referência aos arts. 1258º a 1262º, e 1316º, todos do CC.

Em resposta às alegações de recurso, a Massa Insolvente apelada apresentou contra-alegações, pedindo a improcedência da apelação e a confirmação da decisão recorrida.
Apresenta as seguintes conclusões:
1. O Recurso interposto pelo Recorrente tem por objecto a Douta Sentença proferida nos presentes autos, em sede de Despacho Saneador- Sentença, na qual o Tribunal a quo, julgou, e bem, a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu os Réus do pedido.
2. A Douta decisão em crise não merece, no nosso entender, qualquer reparo e obedece às mais elementares regras jurídicas aplicáveis ao caso em apreço e, que nos seja permitido acrescentar, com todo o respeito, a Douta Sentença em causa é inatacável do ponto de vista jurídico e factual, tendo julgado com acerto e perfeita observância das disposições legais. Pelo que deverá a presente Apelação ser Julgada Totalmente Improcedente, por não provada, e, consequentemente confirmar a decisão proferida pelo Tribunal a quo com todas as consequências legais.
3. O Recorrente intentou a presente acção, contra a massa insolvente da Euro 2007 – Construção Civil, Lda., os credores da massa insolvente e a insolvente, peticionando que fosse reconhecida a aquisição originária, por usucapião, da fracção H, incluindo o apartamento no 3º andar esquerdo e o lugar de estacionamento na cave, do prédio sito na Rua …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …. Solicitando também o cancelamento de todas as inscrições, hipotecas e penhoras e/ou outras registadas na Conservatória do Registo Predial que “ofendam a posse e a propriedade do Autor”.
4. Diga-se, desde já que, o Recorrente, não só não é proprietário, como também não tem a posse do imóvel em causa e, a ter havido posse, que não se concede, a mesma findou em 2009.
5. O Recorrente não se conforma com a Douta Sentença do Tribunal a quo por entender, diremos sem lhe assistir qualquer razão, que a mesma “desrespeitou, designadamente, os arts. 595º n. 1, b) a contrario, 608º n. 2, incorrendo no disposto no art.º 615º n1, d), todos do CPC e o Princípio do Dispositivo” bem como “violou, para além das normas processuais supra referidas, do CPC, os arts. 1251º, 1252º n. 2, 1253º a contrario, 1257º, 1263º b), 1256º a contrario, 1268º n. 1, 1287º, por referência aos arts. 1258º a 1262º, e 1316º, todos do CC.”
6. Alegando, erradamente no nosso entender, que o Tribunal a quo andou mal por ter decidido, imediatamente, sem outra produção de prova arrolada pelo aqui Recorrente.
7. Diremos que não haveria prova que contrariassem os factos “irrefutavelmente” dados como provados na Douta Sentença em crise.
8. Pois o Tribunal a quo estava na posse de todos os elementos, de facto e de direito, para decidir do pedido do aqui Recorrente.
9. Razão pela qual, bem esteve o Tribunal a quo ao decidir, sem qualquer outra produção de prova, quando o primeiro pressuposto (posse) para se adquirir o direito real (propriedade) por usucapião não se encontra verificado e, os pressupostos para a aquisição do direito de propriedade por usucapião são cumulativos.
10. Nos termos do artigo 1251° do Código Civil "Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real".
11. Pelo que é constituída por um corpus - consubstanciado na prática de atos materiais correspondentes ao exercício do direito, é o elemento material, que consiste no domínio de facto sobre a coisa e por um animus - sendo este o elemento psicológico, que consiste na intenção e convencimento do exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao próprio direito e na sua própria esfera jurídica.
12. Ora, tal como referido na Douta Sentença em crise, “para se concluir pela existência de posse sobre uma coisa torna-se necessário o exercício de poderes de facto sobre a coisa objecto de posse, nos termos de um direito, com a convicção de actuação na qualidade de proprietário”.
13. E essa convicção, de que o Recorrente atua com a convicção de que é proprietário, não existe, pelo contrário. Todos os factos dados como provados, por si só, são o bastante para decidir no sentido decidido pelo Tribunal a quo.
14. E, atento às consequências que derivam de certas características da posse, o nosso código civil distingue várias espécies, previstas no artigo 1258.º do CC, - titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, pacifica ou violenta, publica ou oculta – e ser exercida, para efeitos da usucapião, por um certo lapso de tempo, características estas que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, também não se verificam.
15. Mais se diga que, e não obstante o Tribunal a quo não se ter pronunciado acerca das mesmas, pois e desde logo, não se verificando o elemento psicológico – animus, não poderia o Recorrente ver procedente o seu pedido, a aqui Recorrida não pode deixar de se pronunciar sobre elas, de forma breve, atenta às alegações do Recorrente.
16. Assim, não obstante o alegado pelo Recorrente em que “O apartamento foi entregue pela insolvente, na pessoa do seu gerente e sócios, mal ficou concluído, em Outubro de 2005; - para pagamento de uma dívida de honorários, não dos sócios, mas da sociedade e também dos sócios; - Desde esse mês, Outubro de 2005, o A. tem a posse do referido apartamento e do local de parqueamento, que lhe corresponde, na cave”. Alega também que “Para além de utilizar o apartamento, o A. e seus familiares, com a autorização deste, utilizam também, exclusivamente, pacificamente e à vista de todos, o parqueamento respectivo pelo menos desde o mês de Abril de 2006 “(artigo 27º das conclusões) (sublinhado nosso).
17. Esta alegada entrega da fracção, que ocorreu em 2005 ou 2006 teve como fundamento uma dação em cumprimento pelo crédito de honorários, que aquele detinha sobre estes, a título de serviços de advocacia prestados até maio de 2003, o facto é que, essa entrega pressupunha, conforme Douta Sentença que “posteriormente seria celebrado um negócio pelo qual tal bem seria dado em pagamento de dívidas do sócio da insolvente para com o Autor”.
18. E, em 10 de agosto de 2006, foi outorgado (entre aqueles) um contrato-promessa de compra e venda relativo ao bem imóvel em questão, pelo que, bem esteve o Tribunal a quo quando verificou que, “nele não foi inscrita qualquer cláusula em que seja referida a entrega, antes se prevê a possibilidade de o promitente comprador exigir à promitente vendedora as quantias entregues a título de sinal e a possibilidade de execução específica, típicos de um contrato promessa de compra e venda. No mesmo contrato não há qualquer menção à dação em pagamento, apenas se mencionando que o preço estava pago. Por ser assim, não podemos concluir que esta entrega pretendeu constituir o Autor, naquele momento, em possuidor em nome próprio, pois o bem apenas seria seu após a dação em cumprimento ser firmada mediante a celebração do contrato prometido. Portanto, nenhuma evidência resulta do contrato promessa, de que se tenha transferido a posse por via do contrato.”
19. E, nem venha o Recorrente agora alegar que “o contrato-promessa celebrado depois do acordo e da própria entrega, foi, como o A. sustentou na PI, apenas instrumental” (artigo 8º das conclusões) ou até que “a resolução que comunicou foi instrumental para tentar sair do impasse em que a situação se encontrava” (artigo 11º das conclusões).
20. Se era efectivamente instrumental, não o teria resolvido por comunicação à sociedade, em 27 de março de 2009, no qual expressamente refere que “Assim, ficam V. Exas. notificados de que a partir desta data passo a possuir a fracção não com intenção de aquisição na qualidade de promitente comprador, qualidade que assumi até hoje, mas sim na qualidade de credor com direito de retenção sobre a fracção até ao pagamento daquela indemnização” (facto provado 15), (negrito e sublinhado nosso).
21. Se era efectivamente instrumental, teria respondido, e não respondeu, às comunicações enviadas pela Insolvente, em 30 de março e 3 de abril de 2009, comprovando-se desta forma que, desde 27 de março de 2009 o Recorrente deixou de se ver e de agir (se é que o tinha anteriormente) com o animus de um verdadeiro possuidor, assumindo, com a resolução do contrato, pública e inequivocamente a posição de mero detentor ou possuidor precário. (factos provados 16 e 17),
22. Se era instrumental não teria, com base no contrato de promessa de compra e venda peticionado ao Tribunal de Cascais, em 16 de abril de 2009, que deu origem ao Proc. …, que a Insolvente fosse condenada a pagar ao Recorrente “a quantia de € 340.000,00 (a título de sinal / importâncias pagas em dobro), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa das operações comerciais”; e que lhe fosse reconhecido o direito “de retenção da fracção autónoma prometida vender, até ao integral pagamento dos aludidos € 340.000,00 e juros peticionados”. (facto provado 30).
23. Se era instrumental não teria no Apenso H, com base no contrato de promessa de compra e venda, peticionado ao Douto Tribunal, além do mais, que reconhecesse como “provada a existência do negócio e que o requerente cumpriu integralmente a sua obrigação no contrato bilateral não cumprido pela insolvente, se digne declarar, in casu, a não admissibilidade de recusa de cumprimento pela Senhora Administradora de Insolvência, devendo esta concluir o negócio.” Bem como peticionou para “Em qualquer caso, requer a V. Exa. se digne reconhecer, nos termos legais e da jurisprudência uniformizada, o direito de retenção do requerente sobre a fracção identificada no pedido supra, com efeitos sobre a graduação dos seus créditos” (facto provado 33, 34,)
24. Razão pela qual, com devido respeito, se indaga, como pode o Recorrente querer ver confirmado um direito real (o de propriedade), quando o mesmo confirmou e reconfirmou a sua verdadeira posição de mero detentor ou de possuidor precário, de má fé e sabendo que estava a lesar direitos de terceiros.
25. Bem sabe o Recorrente que a Administradora da Insolvência há muito (2018) o notificou para em 30 dias desocupar o imóvel livre de pessoas e bens, e disso mesmo deu conta ao Autos principais, mediante requerimento em 17 de julho de 2018.
26. Bem sabe o Recorrente da diligência agendada, em sede de liquidação, para a venda da fracção H, bem como as condições da mesma para o dia 13 de setembro de 2018, e que tinha sido designado para o dia 7 de setembro de 2018, entre as 11H30 e as 12H30 a visita à fracção H para os eventuais interessados na aquisição.
27. Da mesma forma, tem o Recorrente conhecimento que na diligência de venda em sede de liquidação, foram apresentadas várias propostas, tendo sido adjudicada a fracção H, sob condição, a um proponente pelo valor de 235.111,00€.
28. Factos que provam que a alegada posse (que não se admite) de boa-fé do Recorrente, seria sempre de má-fé, pelo menos desde o momento em que operou a resolução do contrato (2009) conforme sentença transitada em julgado no Apenso H.
29. De notar que, o Recorrente por inúmeras vezes invocou o direito de retenção sobre a fracção, como tal, assumiu o mesmo a condição de credor e não de proprietário.
30. Como alegado já em sede de contestação pela aqui Recorrida, poder-se-ia admitir que, de 2006 até 2009, o Recorrente poderia até ter a posse da referida fracção.
31. No entanto, ao outorgar em 10 de agosto de 2006 o contrato de promessa de compra e venda e resolvê-lo a 27 de março de 2009, aquando da comunicação à insolvente da resolução do contrato promessa, não só deixou de ter título válido, como se inverteu efectivamente o título da posse, mas, em sentido contrário ao consagrado no artigo 1265.º do CC, passando a posse a ser de má-fé e não titulada.
32. Ou seja, o recorrente confirmou este seu sentimento e convicção de não ser titular do alegado direito que aqui se arroga, quer aquando da resolução e subsequente apresentação da petição inicial que deu origem ao Proc. …, no qual peticionou a resolução do contrato e a devolução do sinal em dobro. Típico pedido de quem sabe que não é proprietário, que nunca foi e que nunca quis ser.
33. Todos os comportamentos, pedidos e acções judiciais do aqui Recorrente foram comprovadamente de quem é, um mero detentor ou possuidor precário relativamente à fracção em apreço.
34. Razão pela qual, o artigo 1253º do Código Civil classifica como detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito. Logo, por interpretação “a contrario”, só terá posse quem exercer esse poder de facto com intenção de agir como beneficiário do direito.
35. Pelo que, não se consente com as alegações do Recorrente nem se pode admitir o teor das mesmas, designadamente que o Tribunal a quo “não andou bem” ou que “Não tem razão”, como que, e mais uma vez, fazendo tábua rasa das suas próprias acções pois, diremos “é também de Justiça material que se trata”.
36. Pelo que bem esteve a Douta Decisão quando, decide que “o Autor é advogado de profissão e está patrocinado por Advogado, pelo que não é defensável que ao alegar como o fez não estivesse ciente da implicação do por si assumido. Sendo assim, é incontornável a conclusão que o Autor não tem, como alega, a posse do imóvel, ininterrupta, desde 2005. Ao invés, como se deixou expresso, seguramente desde 2009 que a utilização do imóvel é apenas como mero detentor, o que o Autor assume e alega no apenso H. Em face do exposto resulta que o Autor não demonstrou, sequer, a verificação do primeiro elemento - a posse - de que depende a invocada usucapião. Assim, não se verificando os elementos que integram a posse - o corpus e o animus (razão pela qual nos dispensamos de prosseguir na análise dos demais requisitos necessários para a aquisição de um imóvel por usucapião) improcede o pedido de reconhecimento do Autor como proprietário da fracção supra identificada.”
37. Mais uma vez, o Recorrente ignora das suas condutas e dos seus comportamentos, quando alega que “o facto de se ter invocado o direito de retenção para um determinado efeito em nada abala o animus domini da posse anterior ou já existente, que era o de continuar a exercer sobre a coisa o domínio de facto correspondente ao exercício do direito de propriedade”.
38. E, bem sabe, ou deveria saber o Recorrente que, o direito de retenção conferido ao promitente-comprador, não visa mantê-lo na fruição de qualquer direito de gozo, mas sim garantir o pagamento do seu crédito.
39. Entende o Recorrente que, o facto de ter comunicado a resolução do contrato-promessa de compra e venda que celebrara com a insolvente, bem como ter invocado por diversas vezes o direito de retenção sobre o imóvel, não comprometeu a sua posse e bem assim, o seu direito de usucapir. Não lhe assiste razão.
40. Entendemos, mais uma vez, que bem esteve a Douta Sentença, pois, não é, de todo o Tribunal a quo que “Não tem razão ou que não andou bem na Douta Decisão” mas, sim, é o Recorrente quem desconsidera, desta forma, os valores da Justiça, na medida em que, ao resolver o contrato da forma descrita e com perfeito conhecimento dos efeitos que operam tal resolução, ao apresentar a acção no Tribunal de Cascais e ao querer que lhe seja reconhecido o direito de retenção relativamente ao imóvel em apreço vem mais uma vez, e como lhe convém apresentar uma nova versão dos factos, alterado e modificado de acordo com os seus próprios interesses, sendo os mesmos manifestamente contraditórios.
41. Não sendo, por tudo quanto ficou alegado, a Douta Sentença em causa merecedora de qualquer reparo, mas sim o Recorrente que demonstra mais uma vez e pelo presente Recurso o seu “repúdio” pela ideia de Justiça e pelos valores jurídicos e de convivência social e, com todo o respeito que merece, vem mais uma vez o Recorrente, fazer tábua rasa do seu comportamento anterior e querer, o que não se admite, pelo presente Recurso, ver revogada a Douta Decisão em crise.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata em separado e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), identificam-se, como questões a decidir:
i. apreciar se a factualidade apurada permite ter por verificados os pressupostos necessários ao reconhecimento, na esfera jurídica do autor/apelante, da aquisição originária do direito de propriedade (usucapião) sobre a fração H, do prédio sito na Rua…;
ii. apreciar se o tribunal recorrido dispunha dos elementos de facto e de direito necessários ao conhecimento parcial do mérito da causa em sede de despacho saneador (art.º 595º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil);

III.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1) Encontra-se descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … o prédio urbano sito na Rua, freguesia e concelho de C.., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n.º...
2) O prédio encontra-se inscrito a favor da Ré mediante a apresentação n.º …, de 5 de Janeiro de 2007.
3) O prédio mostra-se constituído em regime de propriedade horizontal, existindo, além do mais, a fracção autónoma designada pela letra “H” (doravante designada por “fracção”).
4) Por documento reduzido a escrito, de 10 de Agosto de 2006, intitulado por “Contrato Promessa de Compra e Venda”, junto como Doc.1 nestes autos, a Ré, designada por promitente vendedor, prometeu vender ao Autor, que, por seu turno, prometeu comprar, designado por promitente comprador, pelo preço global de €170.000,00, a fracção.
5) O documento foi assinado presencialmente, com reconhecimento, no Cartório Notarial de…, em Lisboa, em 11 de Outubro de 2006.
6) Consta da cláusula 3.ª do documento que “O pagamento do preço encontra-se integralmente satisfeito”.
7) Consta do ponto 1. da cláusula 4.ª do documento que “A escritura de compra e venda será celebrada no prazo de 60 dias contados da data da Escritura de constituição de propriedade horizontal que o promitente vendedor marcará logo após a emissão das licenças necessárias pela C. M. de Cascais”.
8) A Ré outorgou a escritura de constituição da propriedade horizontal, o que se mostra registado mediante a apresentação n.º …, de 22 de Março de 2007.
9) A fracção, a par de outras fracções autónomas, tem constituída hipoteca voluntária a favor da Caixa Económica Montepio Geral, mediante a apresentação n.º …, de 16 de Novembro de 2004, hipoteca esta que veio a ser reforçada mediante as apresentações n.ºs … e …, de 17 de Janeiro de 2005.
10) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 6 de Janeiro de 2009, remetida pelo Autor à Ré, que recebeu, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 21, aquele comunicou que procedera “à marcação da escritura, no Cartório da Dr.ª ..-, na Rua …, no dia 23 de Janeiro de 2009, pelas 12 horas”.
11) Por fax de 20 de Janeiro de 2009, remetido pela Ré ao Autor, que recebeu, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 26, aquela informou que “não nos foi ainda possível obter o certificado energético, o que se prevê acontecer nos próximos 15 dias úteis, sendo que, logo que possível, diligenciaremos pela marcação da escritura. Quanto à regularização da hipoteca, estamos a proceder perante o Montepio Geral por forma a tentar que coincida com a entrega do referido certificado”.
12) A Ré não compareceu no local e data referidos em J).
13) A Ré nunca notificou o Autor para a outorga da escritura de compra e venda.
14) A Ré nada disse ao Autor decorridos dois meses sobre a data do envio do fax referido em 11).
15) Por fax de 27 de Março de 2009, remetido pelo Autor à Ré, que recebeu, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 27-28, aquele comunicou que “(…) após o decurso do prazo de 15 dias úteis requerido por V. Exas., considero por vós definitivamente incumprido o contrato, perdendo interesse na aquisição da fracção. 10. O incumprimento do contrato por V. Exas. determina, nos termos do contrato celebrado, a obrigação de indemnização pelo valor em dobro das quantias entregues a título de sinal e antecipação de pagamento, a saber 340.000,00 €. 11. Assim, ficam V. Exas. notificados de que a partir desta data passo a possuir a fracção não com intenção de aquisição na qualidade de promitente comprador, qualidade que assumi até hoje, mas sim na qualidade de credor com direito de retenção sobre a fracção até ao pagamento daquela indemnização. 12. Por este motivo, entregarei a fracção contra o recebimento da quantia de 340.000,00 €, o que aguardarei pelo prazo de 10 dias (…)”.
16) Por fax de 30 de Março de 2009, remetido pela Ré ao Autor, que recebeu, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 31, aquela comunicou que “(…) já conseguimos obter o Certificado Energético da fracção em epígrafe e envidámos todos os esforços que nos foram possíveis junto ao Montepio Geral para nos fornecesse o documento de cancelamento das hipotecas sobre essa fracção. A agência de Alfragide na pessoa do seu gerente está a proceder a uma nova análise da situação dos distrates das várias fracções por forma a libertar esta. Como não depende só de nós, solicitamos que nos conceda uma prorrogação do prazo que menciona no fax até ao final do mês de Abril (…)”.
17) Por fax de 3 de Abril de 2009, remetido pela Ré ao Autor, que recebeu, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 32, aquela comunicou que “Não tendo até esta data recebido a sua confirmação de que nos pode conceder um prazo mais alargado para a resolução da situação a contento de todos, com a celebração da escritura da fracção em epígrafe, renovamos o pedido por forma a nos permitir ter mais tempo para pressionar o Montepio Geral a emitir o termo de cancelamento das hipotecas sobre a referida fracção”.
18) O Autor não habita na fracção.
19) O Autor é advogado e titular da cédula profissional n.º 5577L.
20) Sem prejuízo do referido em F) [leia-se 6, face ao evidente lapso], o Autor não entregou à Ré, nem esta recebeu daquele, a quantia de € 170.000,00.
21) Foi acordado entre o Autor e os sócios da Ré que a transacção da fracção consubstanciaria uma dação em cumprimento pelo crédito de honorários, que aquele detinha sobre estes, a título de serviços de advocacia prestados até maio de 2003
22) O gerente da R. informou o Autor que a escritura seria celebrada até ao fim de Janeiro de 2008.
23) A R. foi instada posteriormente pelo Autor para indicar a data da celebração da escritura pública de compra e venda.
24) Tendo informado que só posteriormente poderia ser outorgada.
25) Em finais de Junho de 2008, a Ré assumiu perante o Autor que realizaria a escritura tão breve quanto o possível.
26) A aquisição da fracção, por parte do Autor, destinava-se à cedência a seus filhos.
27) Que pretendiam declarar prometer comprar a fracção, através de cessão da posição contratual do Autor, se a Ré nisto consentisse.
28) O que era do conhecimento dos sócios da Ré.
29) A filha e o genro do Autor vêm habitando a fracção desde Agosto de 2007.
30) O Autor demandou a insolvente, pedindo em juízo da devolução do sinal em dobro, através de acção que intentou em Abril de 2009, e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Cascais, sob o número de processo….
31) Nesse processo foi proferida sentença em 13.4.2012, julgando a acção improcedente, da qual o Autor interpôs recurso, não impugnando a decisão de facto contida naquela sentença.
32) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa declarou a inutilidade superveniente do recurso por decisão de 3.2.2016.
33) Em 13.8.2018, o Autor instaurou acção que constitui o apenso H, nos termos da qual pediu, além do mais, “se digne reconhecer, nos termos legais e da jurisprudência uniformizada, o direito de retenção do requerente sobre a fracção identificada no pedido supra, com efeitos sobre a graduação dos seus créditos.”
34) Na acção mencionada em 33) o Autor invocou a seu favor, por diversas vezes, o direito de retenção, designadamente argumentando “22- Nessa acção e desde essa acção, o requerente sempre invocou o Direito de retenção sobre a fracção prometida vender (…)”.
35) No apenso H) foi proferida sentença em 1.7.2022 que conheceu do pedido, na qual se lê, além do mais “Efetivamente, atendendo ao teor do acima vertido ponto O), por comunicação de 27.03.2009, remetida à ali ré e aqui insolvente, que recebeu tal comunicação, o autor declarou “considero por vós definitivamente incumprido o contrato, perdendo interesse na aquisição da fracção”.
A resolução do contrato consiste na destruição do vínculo negocial, em princípio retroativamente (n.º 1 do artigo 434º do Código Civil), e, entre as partes, com os efeitos previstos para a nulidade e anulação (artigo 433º do Código Civil).
Opera-se mediante declaração à outra parte (n.º 1 do artigo 436º do Código Civil), salientando Brandão Proença que como estrutura negocial, a resolução surge-nos como negócio jurídico unilateral receptício, integrando, normalmente, uma declaração extrajudicial, não sujeita a qualquer formalidade (in A resolução do contrato no direito civil, vol. XXII, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1982, p. 76).
Consistindo numa declaração recetícia, torna-se eficaz logo que chegue ao poder do seu destinatário (n.º 1 do artigo 224º do Código Civil) e torna-se, desde então, irrevogável (n.º 1 do artigo 230.º).
Retornando ao caso vertente, o autor comunicou de forma eficaz à agora insolvente que havia considerado definitivamente incumprido o contrato-promessa, perdendo o interesse na aquisição da fracção. A partir do momento em que esta declaração chegou ao conhecimento do seu destinatário – a agora insolvente –, a opção do autor consolidou-se, passando a tutela da sua posição, enquanto contraente adimplente, a situar-se no interesse contratual negativo, ou seja, na reparação dos danos causados pelo não cumprimento definitivo do contrato-promessa.
O comportamento do autor posterior à comunicação acima aludida confirma, precisamente, a escolha de caminho trilhado pelo autor: à comunicação resolução de 27.03.2009 sucedeu-se a propositura, em 16.04.2009 (cfr. artigo 14.º da petição inicial), da referida ação n.º … em que peticiona a resolução do contrato (1) e a restituição do sinal em dobro.
A circunstância de, posteriormente à resolução extrajudicial, ser judicialmente peticionada a resolução não invalida a declaração resolutiva já emitida que, tendo chegado ao destinatário, se tornou eficaz e irrevogável, apenas tornando, isso sim, o pedido de declaração judicial da resolução inadmissível judicial (sendo admissível, outrossim, o pedido de apreciação judicial da resolução já efetuada) – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2011, rel. Sousa Leite.“

Com relevância para a apreciação do objeto do recurso, resulta da consulta eletrónica efetuada ao apenso H, que:
36) A ação foi instaurada pelo aqui autor/apelante contra a massa insolvente, os credores e a devedora como “acção de verificação ulterior de créditos e de outros direitos, para reconhecimento e graduação de crédito e execução específica”, concluindo o autor com o seguinte pedido:
Termos em que requer a V. Exa. que, reconhecendo provada a existência do negócio e que o requerente cumpriu integralmente a sua obrigação no contrato bilateral não cumprido pela insolvente, se digne declarar, in casu, a não admissibilidade de recusa de cumprimento pela Senhora Administradora de Insolvência, devendo esta concluir o negócio.
Para tanto, requer a separação do bem objecto do negócio – a fracção autónoma designada pela letra H, correspondente ao 3º andar Esquerdo no prédio sito…, sito na R.,,,, inscrito na matriz sob o art.º …  e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de … sob o número … da freguesia de … -, devendo ele ser separado da relação de bens apreendidos, ser expurgada a hipoteca e vendido ao requerente, reconhecendo-se que o preço já foi pago, devendo a Senhora Administradora de Insolvência outorgar escritura de compra e venda;
Caso assim não se entenda, ou a Senhora Administradora de Insolvência não cumpra o pedido anterior, requer a Vossa Excelência se digne, com os mesmos fundamentos, proferir sentença que produza os efeitos da declaração negocial da faltosa, declarando a venda ao A. da fracção autónoma identificada no pedido anterior;
Caso assim não se entenda, no que não se concede, se se considerar admissível e verificada a opção da Senhora Administradora de Insolvência pela recusa da conclusão do negócio requer que seja reconhecido e graduado como privilegiado o crédito do A. sobre a massa falida no valor de 170.000,00€ (cento e setenta mil euros), correspondente ao valor da contraprestação da devedora na parte incumprida e ainda, no valor de 25.000,00€, a título de indemnização pelos prejuízos causados pelo incumprimento, no valor total de 195.000,00 (cento e noventa e cinco mil euros);
Em qualquer caso, requer a V. Exa. se digne reconhecer, nos termos legais e da jurisprudência uniformizada, o direito de retenção do requerente sobre a fracção identificada no pedido supra, com efeitos sobre a graduação dos seus créditos”
37) A sentença referida em 35) transitou em julgado e contém o seguinte dispositivo: “nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a ação e, em consequência, absolvo a ré de todos os pedidos contra si formulados pelo autor”, sendo ali determinado o prosseguimento dos autos apenas para apreciação do pedido reconvencional deduzido pela massa insolvente.

IV.
As questões enunciadas como objeto de recurso refletem as pretensões do apelante, que, a título principal, pretende ver reconhecida a procedência do pedido por si deduzido, com apreciação favorável e imediata do mérito da ação, que dispensaria o prosseguimento dos autos para instrução e julgamento, reservando esta última possibilidade para o caso de se considerar que tal reconhecimento depende de acrescida produção de prova.
É indiscutível que a apreciação de mérito, total ou parcial, da ação em sede de despacho saneador deve ser reservada para situações excecionais, em que a clareza dos factos e a presença de uma solução de direito praticamente unívoca, autorizam que o tribunal antecipe a fase decisória.
O juiz deve “conhecer do pedido ou dos pedidos formulados sempre que não exista matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização de audiência final. A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas, e independentemente de a mesma favorecer uma ou outra das partes”, o que acontecerá, designadamente, quando “seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis de direito a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na enunciação dos temas da prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, p. 749].

Importa salientar que, no caso concreto, o apelante não questiona ou impugna os factos que o tribunal elencou como provados, antes considerando que estes factos são suporte de uma distinta solução de direito, impondo, no limite, que lhe seja autorizada a prova de factos complementares que conduziriam a uma solução jurídica distinta.
A pretensão do autor é a de ver reconhecida a aquisição originária, por usucapião, da fração H do prédio sito na Rua … e, para este efeito, invocou que:
- a Devedora mais tarde declarada insolvente entregou – traditio – o apartamento ao A. para pagamento de uma dívida – dação em pagamento – antes mesmo de ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda, e este foi necessário porquanto, na altura da respetiva celebração o prédio não estava, ainda, constituído em propriedade horizontal, o que impediu a imediata celebração da escritura definitiva;
- o A. passou, de imediato, a exercer atos materiais sobre o apartamento, estando, assim, plenamente verificado o requisito do corpus, que a posterior celebração do contrato-promessa só veio confirmar;
- a prestação do A. estava já inteiramente realizada;
- o autor iniciou então uma atuação de promitente-comprador sobre o imóvel em nome próprio, enquanto verdadeiro proprietário, manifestada, designadamente, através da permanência e residência no imóvel, na realização de obras, do arrendamento ou comodato do imóvel a terceiro, da celebração de contratos de prestação de serviços, incluindo água e luz, em nome próprio ou dos seus familiares a quem cedeu a casa, entre outros;
- a partir da celebração do contrato-promessa, a intenção das partes no sentido de acordar e reconhecer ao Autor a constituição da posse sobre o apartamento e a aceitação expressa, pela Devedora ora Insolvente, da extensão e amplitude do exercício dessa posse, por ele enquanto verdadeiro proprietário;
- o exercício dos poderes de facto manteve-se de forma pública, pacífica e de boa-fé ao longo de 16 anos, período ao longo do qual teria o autor atuado com a convicção de que era o verdadeiro proprietário do imóvel.

O reconhecimento da aquisição da fração pela invocada via da usucapião, forma originária de aquisição de direitos reais, implicaria a prova de uma posse passível de ser subsumida à previsão do art.º 1251º do Código Civil, isto é, enquanto poder que se manifesta por uma atuação por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Tal como o próprio apelante reconhece, são dois os elementos relevantes para que a posse constitua um meio adequado à aquisição do direito: um elemento material – o corpus –, traduzido nos atos materiais praticados sobre a coisa; um elemento psicológico – o animus -, consubstanciado na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos atos materiais praticados.
Como define Orlando de Carvalho [RLJ, Ano 122, p. 104], “posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius: do direito real correspondente a esse exercício). Envolve, portanto, um elemento empírico – exercício de poderes de facto – e um elemento psicológico – em termos de um direito real”.
A menção ao direito real “correspondente a esse exercício” não é despicienda.
Como prevê o art.º 1287º do Código Civil, “[A] posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião”, acrescentando o art.º 1288º que, uma vez invocada a usucapião, os seus efeitos se retrotraem à data do início da posse.
Ainda com relevância para o caso concreto, preceitua o art.º 1257º, n.º 1 que a posse se mantém enquanto durar “a atuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar”.
Em suma, a posse, enquanto exercício de poderes de facto que, quando desenvolvida com específicas características e ao longo de um determinado lapso de tempo, permite a aquisição do direito de propriedade, corresponde a um poder que reclama uma contínua ou ininterrupta atuação nos termos correspondentes a esse direito real. Assim, o reconhecimento do direito do autor exigiria, não apenas a ocupação do imóvel ou ininterrupta utilização exclusiva do mesmo (por si ou através de terceiro) ao longo de um prolongado período de tempo, mas também que, ao longo de todo esse período, o autor, enquanto possuidor/detentor, houvesse mantido a convicção de que atuava como dono do imóvel.
É indiscutível a dificuldade de prova da motivação que preside à atuação do detentor/possuidor, já que o animus, por contender com matéria volitiva e com convicções pessoais, pode não evidenciar uma exteriorização diferenciada, razão pela qual – prevenindo situações de dúvida - a lei faz presumir a titularidade do direito na esfera jurídica do possuidor (art.º 1268º do Código Civil).

Vejamos, no caso concreto, se o autor/apelante adquiriu a posse do imóvel – pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito (art.º 1263º, a) do Código Civil) – e, caso tal haja ocorrido, se essa posse reúne as características reclamadas pelo art.º 1287º, passíveis de permitir a aquisição do direito de propriedade.
Partindo das razões que estiveram na base da tradição da fração para a disponibilidade do autor, resulta provado que, por documento reduzido a escrito em 10.8.2006, designado como “Contrato Promessa de Compra e Venda”, a Ré, designada por promitente vendedor, prometeu vender ao Autor, que, por seu turno, prometeu comprar, designado por promitente comprador, pelo preço global de €170.000,00, a fração em litígio, fazendo constar desse documento que o pagamento do preço se encontra integralmente satisfeito. Mais se provou ter sido acordado entre o Autor e os sócios da Ré que a transação da fração consubstanciaria uma dação em cumprimento pelo crédito de honorários que aquele detinha sobre estes, a título de serviços de advocacia prestados até maio de 2003.
No mais, tanto quanto resulta assente, após diligências no sentido de ver realizada a escritura pública de compra e venda para transmissão definitiva do imóvel, o autor remeteu à ré a carta reproduzida no ponto 15 dos factos provados (datada de 27.3.2009 – doc. anexo à contestação p. 149/238), notificando a ré de que, após o decurso de prazo de 15 dias, consideraria o contrato definitivamente incumprido, perdendo interesse na aquisição da fração, com consequente crédito indemnizatório correspondente ao dobro das quantias entregues a título de sinal, referindo que passava a “possuir a fracção não com intenção de aquisição na qualidade de promitente comprador, qualidade que assumi até hoje, mas sim na qualidade de credor com direito de retenção sobre a fracção até ao pagamento daquela indemnização”.
Mais resulta provado que, não obstante os subsequentes contactos da ré, o autor intentou ação contra a ré, em abril de 2009, pedindo em juízo a resolução do contrato-promessa e a devolução do sinal em dobro.
Já no contexto subsequente à declaração de insolvência, o autor instaurou a ação correspondente ao apenso H, em que pedia que se reconhecesse que havia cumprido integralmente a sua obrigação no contrato bilateral celebrado com a insolvente e não cumprido por esta, pretendendo que a Senhora Administradora de Insolvência concluísse o negócio, com separação da fração da relação de bens apreendidos, ou execução específica, ou ainda verificação e graduação do crédito com reconhecimento de que o mesmo se encontra garantido por direito de retenção.

A questão reside em apreciarmos se a sucessão de atos praticados pelo autor se reflete na definição do direito a que, em cada momento, correspondeu o exercício dos seus poderes de facto sobre a fração, isto é, se o animus que acompanhou o corpus é contínuo, inalterado e reflete uma persistente atuação correspondente ao exercício de poderes próprios de quem atua convicto de que é proprietário.
A esta luz, não assume verdadeira relevância discutir se a tradição do imóvel efetuada por ocasião ou em antecipação da celebração de um contrato promessa e dos seus efeitos é apta a transmitir uma posse juridicamente relevante ou se a resolução do contrato produziu integralmente os seus efeitos extintivos quando, por improcedência da ação judicial instaurada, se limitou à declaração extrajudicial nesse sentido dirigida pelo autor à ré (o que sempre decorreria diretamente da lei – art.º 436º, n.º1 do Código Civil), antes se centrando a solução da questão na apreciação objetiva da atuação do autor, avaliando-se a sua relevância para definição do direito que o mesmo, de forma expressa, manifestou estar convicto de titular sobre o imóvel.
Em suma, importa aferir se o processo reúne elementos de facto que nos permitam afirmar o animus que acompanhou o exercício pelo autor dos seus poderes de facto sobre o imóvel.

Cremos que a tese defendida pelo autor/apelante assenta no vício originário de considerar que o suporte jurídico justificativo da transmissão pela ré da disponibilidade do imóvel, que – segundo alega - marcou o início do exercício de poderes de facto sobre o bem, por obedecer ao propósito de realizar uma dação em pagamento, define, sem interrupção, o elemento psicológico dos poderes de facto que, de forma reiterada, exerceu sobre o imóvel. Contudo, ainda que, após prova, o tribunal considerasse ter sido essa a intenção inicial e pudesse situar o termo inicial da transmissão no referido ano de 2005 (art.º 25º da petição inicial), os demais factos provados evidenciam que a realidade da relação entre autor e ré não prosseguiu no sentido projetado por essa mesma intenção.
Resulta dos factos provados, que o autor não questiona, ter sido acordado entre o Autor e os sócios da Ré que a transmissão da fração consubstanciaria uma dação em cumprimento pelo crédito de honorários, que aquele detinha sobre estes, a título de serviços de advocacia prestados até maio de 2003.
Em anotação ao art.º 837º do Código Civil, referem Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 124] que “[A] dação em cumprimento (datio in solutum), que é uma das formas possíveis de satisfação do direito do credor (cfr. art.º 523º), distingue-se da dação em função do cumprimento (datio pro solvendo), regulada no art.º 840º; no primeiro caso, o devedor pretende, com a prestação diversa da devida, extinguir imediatamente a obrigação, ao passo que, no segundo, pretende apenas facilitar o cumprimento, fornecendo ao credor os meios necessários para este obter a satisfação futura do seu crédito”.
Como o próprio apelante aceita, o contrato-promessa (designado como de compra e venda) foi outorgado por inviabilidade de, nessa ocasião, poder ser formalizada a escritura pública de transmissão da fração. Ou seja, a ré não poderia entregar a fração em pagamento da dívida de honorários, conduzindo essa entrega à exoneração do devedor perante o credor com consequente extinção da obrigação, pelo que se limitou a assumir a obrigação de, no futuro, transmitir a fração para o autor, assumindo como pago o valor correspondente ao preço (valor da dívida), postergando-se a efetiva extinção da obrigação da ré perante o autor para o momento em que se realizasse a escritura pública (contrato prometido) e se formalizasse a transmissão definitiva.
A formalização do contrato-promessa constitui comprovação bastante de que o devedor não ficou exonerado da obrigação pela simples entrega do imóvel ao credor – como parece sugerir o apelante -, antes mantendo o credor o seu direito de crédito até à realização do contrato definitivo, direito de cuja titularidade o autor se arrogou ao longo dos anos subsequentes.
O contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (art.º 410º, n.º1 do Cód. Civil) ou, na definição de Almeida e Costa, “consiste na convenção pela qual um ou ambos os contraentes se obrigam à realização futura de um contrato.” (in “Direito das Obrigações”, 2ª ed., p. 126).
A circunstância de o autor ser credor da ré à data em que foi celebrado o contrato-promessa, bem como o facto de as partes terem a acordada intenção de extinguir o direito de crédito do autor pela via da transmissão futura do imóvel, não constituem alicerce inabalável da aquisição da posse pela via da tradição imediata do bem. Tal só ocorreria se fosse possível assumir que a disponibilização imediata do bem correspondia a uma vontade conjugada das partes de transmitir para o autor, a título definitivo, a posse correspondente ao direito de propriedade.
Esta vontade, contudo, é contrariada pelos comportamentos exteriorizados pelo autor ao longo de todo o período que se seguiu à formalização do contrato-promessa.
O autor/apelante não aceitou a extinção imediata da obrigação da ré por efeito da tradição da fração, como o evidencia a sua opção por formalizar a vontade de extinção dos efeitos do contrato-promessa pela via da resolução e pela expressa manifestação de desinteresse na aquisição do imóvel (factos 15 e 30), mantendo o exercício de poderes de facto sobre o bem no que assumiu corresponder ao exercício do direito de retenção em garantia do crédito de que sempre se arrogou ser titular – quer na carta remetida à ré aludida em 15, quer na ação instaurada contra a ré referida em 30 (cujo pedido se encontra resumido no documento 2 anexo à contestação), quer ainda no apenso H, cujo pedido se transcreve no facto 36.
A posse, como resulta do disposto no art.º 1263º, al. a) do Código Civil, adquire-se pela prática reiterada dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito, sendo a aquisição por usucapião uma faculdade autorizada àquele que mantém a posse “do direito de propriedade” por certo lapso de tempo, atuação reiterada que lhe permite adquirir o direito “a cujo exercício corresponde a sua atuação” – art.º 1287º.
Nesta medida, ainda que o tribunal considerasse provada a matéria factual alegada pelo autor e mencionada nas conclusões 56 e 63 a 74, a solução jurídica da causa não seria diferenciada, porquanto ainda que se viesse a apurar que o autor adquiriu a posse em outubro de 2005 e passou nessa ocasião a praticar atos correspondentes ao exercício de direito de propriedade, não poderia desconsiderar-se a evidente alteração de animus que resulta dos factos provados, sendo que estes têm por base a atuação do próprio autor.
Não existe fundamento para se recorrer a presunções ou necessidade de produzir prova acrescida, quando o animus que acompanhou o período de exercício de poderes de facto pelo autor/apelante que se desenvolve, pelo menos, a partir de março de 2009 (facto 15) torna manifesta a circunstância de aquele se assumir, em todos os momentos, como titular de um direito de crédito (ainda que com invocada garantia real sobre o imóvel ocupado) e não como titular de um direito de propriedade.

Neste conspecto, tem particular pertinência o decidido no Acórdão citado pela 1ª instância (por lapso mencionado como sendo do STJ, quando corresponde a um aresto do Tribunal da Relação de Lisboa) -  proc.º n.º11680/15.2T8LRS.L1-6, disponível para consulta nesta ligação -, onde se refere que “(…) Neste quadro circunstancial, é insofismável a ausência de «animus» – intenção de actuar sobre a coisa com um determinado estatuto – da parte da Recorrente, enquanto fenómeno do foro psicológico, cognitivo e volitivo que materializa uma expressão do pensamento coerente e compatível com o corpus enquanto laço físico e material assente no contacto e na expressão de uma relação entre o sujeito e o objecto no domínio da matéria – possibilidade de exercer influência sobre a coisa não toldável pela acção de terceiros. Tendo-se demonstrado de forma clara a impossibilidade de existência de «animus possidendi» e a não materialização de um «corpus» relevante e próprio, nenhum sentido teria o proposto recurso a presunções. Estas destinam-se a extrair de factos conhecidos outros, de natureza desconhecida – vd.  art.º 349.º do Código Civil. Ora, se conhecemos os factos, não podemos tratá-los como desconhecidos para a eles chegar por caminhos ínvios.
O mesmo sucede no caso em apreço.
Se a atuação do autor/apelante, ao longo de todos os anos que se seguiram à declaração resolutiva do contrato-promessa, foi acompanhada pela expressão clara de que a entrega do imóvel pela ré não produziu um efeito extintivo da obrigação desta de pagamento do valor devido a título de honorários, mantendo aquele a inequívoca manifestação de titularidade de um direito de cariz obrigacional, não poderá convolar, nesta fase, o elemento volitivo por si expressamente assumido, passando a invocar a existência de uma atuação desenvolvida na convicção de que titulava os direitos próprios de dono do imóvel, ou de que a sua ligação ao imóvel foi ininterruptamente desenvolvida na certeza interior de que seria dono do mesmo. Todas essas afirmações são contrariadas pelos factos, sendo que estes factos são a expressão do que sempre afirmou o próprio apelante.
Note-se, aliás, que no apenso H – ainda que negando a situação de incumprimento definitivo e de resolução do contrato-promessa e pretendendo, pela via da execução específica, obter a transmissão definitiva do imóvel -, o apelante manteve sempre a defesa do seu direito de crédito, não podendo, numa inversão de toda a sua atuação precedente e apenas por invocação do período de tempo entretanto decorrido, inverter a sua posição, convertendo a até então invocada possibilidade de “retenção” do imóvel em garantia do direito de crédito, numa súbita titularidade de um direito real de propriedade.
A contagem do tempo para efeitos de aquisição originária do direito de propriedade reclama a posse reiterada nos termos correspondentes ao exercício desse direito, que, ainda que com prova integral dos factos alegados na petição inicial e ora salientados pelo apelante, não poderia ser reconhecida.

Refere o apelante – conclusões 26 e 27 – que o facto de ter invocado o direito de retenção, para um determinado efeito em nada abala o animus possidendi da posse anterior ou já existente, que era o de continuar a exercer sobre a coisa o domínio de facto correspondente ao exercício do direito de propriedade. É esse animus possidendi, gerado pela entrega correspondente ao acto material da dação em cumprimento, que importa avaliar.
Acrescenta que ao tribunal recorrido se impunha apurar em que condições foi entregue o apartamento ao autor e quando e porquê começou a posse (conclusões 52 a 54 e 58), por se tratar de matéria essencial, referindo ainda (conclusão 134) que, sendo o ato jurídico que deu lugar à aquisição da posse um ato destinado a transferir a propriedade do imóvel (dação em pagamento), o elemento intencional do ato se afere por esse negócio.
Contudo, essa posição, tendo em conta a matéria provada e não impugnada – que se situa no momento temporal posterior àquele que terá definido a “investidura na posse” - não corresponde a uma solução jurídica plausível.
Como refere Manuel Henrique Mesquita [Direito Reais, Coimbra, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, p. 93/94], “(…) O acto de aquisição da posse (ou de investidura na posse) tem de conter os dois elementos definidores deste conceito: o corpus e o animus. O elemento intencional reveste sempre as mesmas características: o possuidor há-de actuar com a convicção de estar a exercer sobre a coisa um direito real próprio”.
Também José de Oliveira Ascensão [Direito Civil Reais, 4ª edição, 1987, p.91], a propósito do animus ou da intenção específica do sujeito que deve complementar o corpus para que haja posse, refere que “(..) Em caso nenhum o animus poderia ser confundido com a convicção de ser titular do direito (…) Nem é a intenção de ter a coisa como proprietário, ou animus domini, pois a posse pode referir-se a muitos outros direitos, além da propriedade. Não é sequer a intenção de exercer sobre a coisa um poder no próprio interesse (…) O animus seria assim a intenção de agir como o titular do direito a que o exercício do poder de facto se refere”.
No caso em apreço, ainda que se provasse a versão do autor de que havia iniciado atos de posse por decorrência de um projetado ato jurídico translativo da propriedade, que teria determinado a sua “investidura” no exercício de poderes de facto e definido o animus, a factualidade apurada (e, repete-se, não impugnada) nega de forma clara a existência de uma intenção persistente, contínua e inalterada de atuar sobre o bem com a intenção de exercer os poderes próprios de dono.
Como refere a apelada, a ter havido posse, ela findou em 2009.
São detentores ou possuidores precários aqueles que, tendo embora o corpus da posse, a detenção da coisa, não exercem o poder de facto com o animus de exercer o direito real correspondente (com animus possidendi) - cfr. al. a) do artigo 1253º do Código Civil -, apenas se presumindo a posse daquele que exerce o poder de facto em caso de dúvida, situação que, no caso concreto, não se verifica.
A situação jurídica do autor/apelante subsume-se à citada previsão, limitando-se, ao longo dos anos, com distintos argumentos jurídicos, a atuar no sentido de defender o seu direito de crédito, procurando não perder a possibilidade de adquirir o imóvel, mas ciente de que não se podia considerar seu dono.
Nessa medida, a partir do momento em que passa a atuar como mero detentor (sendo aqui indiferente que tal haja ocorrido no termo inicial ou, como com segurança se pode afirmar, a partir de março de 2009), a possibilidade de ser reconhecida ao autor a posse dependeria da alegação e prova de que a ocupação desenvolvida a título precário, em algum momento, houvesse sido convertida em posse passível de conduzir à aquisição do direito, o que, a ocorrer, teria que verificar-se de acordo com a previsão do art.º 1265º do CC, isto é, por inversão do título de posse.
A inversão do título de posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse (artigo 1265º do código Civil), sendo generalizado o entendimento de que a oposição tem de traduzir-se em atos positivos (materiais ou jurídicos) que revelem de forma inequívoca que o possuidor precário quer, daí em diante, ser um possuidor com “animus” de exercer o direito real que corresponde ao “corpus” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1984, pág. 30 e ss., Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, pág. 98 e ss., Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lisboa, 1978, vol. II, pag. 664 e ss.).
No nosso caso, o único momento em que o autor exterioriza a clara intenção de atuar como dono corresponde à propositura da presente ação, no contexto da qual alega factos que não convergem com os alegados no apenso H, numa atuação que, como o próprio reconhece, se destina a evitar, com recurso a todas as possibilidades jurídicas, ser desapossado do bem apreendido em benefício da massa insolvente.
O apelante refere (conclusões 108 e 109) que o facto de ter tentado acautelar o seu direito de crédito e mesmo a sua posse, nada compromete o seu animus domini no que à posse se refere; muito pelo contrário, reforça-a e que o que deve ser apurado é, para além do corpus e desde quando, se o possuidor tem o animus domini, se no seu espírito resta intacta, como ficou, a intenção de continuar a exercer sobre a coisa o poder que já detinha correspondente ao domínio de facto do direito de propriedade; e não declarações instrumentais que tenha feito para assegurar os seus direitos e, até, salvaguardarem a posse de eventuais investidas.
Parece-nos claro que o apelante confunde poder de facto, utilização ou detenção com posse juridicamente relevante, mantendo a firme defesa de que a circunstância de ter atuado perante todos, incluindo os tribunais, de forma não correspondente ao exercício de um direito de propriedade, exteriorizando e procurando ver judicialmente reconhecida a sua qualidade de credor, garantido por direito de retenção, seria despida de consequências jurídicas, o que, conforme referimos, não obtém sustentação na lei, nem reflete uma tese a que possa ser reconhecida plausibilidade jurídica.
A jurisprudência citada pelo apelante em apoio da sua tese – Ac. do TRL de 19.11.2002, proc.º n.º 8205/2002-7, acessível em www.dgsi.pt - não contende com a solução do caso concreto. Na situação factual do referido acórdão, o promitente comprador que obteve a tradição do imóvel, com pagamento integral do preço, manteve a posse reiterada e contínua do mesmo num contexto em que o promitente vendedor abdicou dos poderes associados ao direito de propriedade, passando o promitente comprador a atuar como dono – inclusivamente dando-o de arrendamento -, sem que existisse, ao longo do período em que exerceu os seus poderes, qualquer ato passível de ser considerado como interruptivo da posse, concluindo-se no referido aresto que “a tentativa de o promitente comprador defender os seus interesses por cada uma das vias que a lei lhe consente não pode significar, de modo imediato, a renúncia aos efeitos derivados da invocação da posse”, nem invalida o lapso de tempo já decorrido para efeitos de prescrição aquisitiva, tratando o aresto a situação como excecional, já que “na eventualidade da ausência de prova de outros factos complementares, a mera detenção da coisa prometida, ao abrigo de um contrato-promessa de compra e venda, seria insusceptível de atribuir ao promitente comprador os atributos do verdadeiro possuidor. Antes ele se assumiria, em geral, como mero detentor ou possuidor em nome de outrem”, ali se referindo, com relevância, que “a vida nem sempre se reduz aos estritos quadros sintetizados. Circunstâncias de diversa ordem podem confluir para atribuir, desde logo, ao promitente comprador a qualidade de verdadeiro possuidor”.
No caso concreto, ainda que se pudesse considerar que o apelante havia iniciado os seus poderes de facto sobre o imóvel em outubro de 2005 (como o mesmo alegou), o próprio, desde março de 2009, definitivamente deixou de atuar de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade – ainda que houvesse posse, expressamente renunciou à sua situação de possuidor em ação movida contra a promitente vendedora, que reconhecia como dona do imóvel. Não existe o quadro estável, continuado e juridicamente relevante que o aresto citado considerou corresponder a uma situação de vida que escapava ao tratamento jurídico habitual da situação de possuidor precário própria do promitente comprador que passa a deter a coisa prometida vender, antes ocorrendo uma típica situação de detenção ou posse precária reconhecida pelo autor/apelante que, numa fase precoce da detenção, manifestou de forma ativa pretender defender o seu direito de crédito, reconhecendo a indiscutível base contratual da detenção, optando pela destruição dos efeitos do contrato e procurando garantir, com recurso aos tribunais, que esse mesmo crédito obtinha satisfação.

Inexistindo qualquer elemento probatório com base no qual se possa concluir que, quer por exercício de poderes de facto ao longo de um reiterado e contínuo lapso de tempo com a convicção de que atuava como dono, quer por inversão da convicção com que detinha o prédio manifestada perante o titular do direito de propriedade, o autor haja, pelo menos a partir de março de 2009, praticado atos materiais sobre o imóvel na convicção de que era seu dono, sempre teria que improceder a ação instaurada.
A matéria de facto controvertida, associada à data em que a ocupação se iniciou ou às tentativas negociais de solução da situação do imóvel que se terão desenvolvido ao longo dos anos, mostra-se irrelevante para contrariar a posição exteriorizada pelo autor de forma persistente, como titular de um direito de crédito ou como retentor do imóvel em garantia desse crédito, motivo pelo qual não merece censura a opção do tribunal recorrido de proferir imediata decisão de mérito.
Impõe-se, em conclusão, julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
***
V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante (art.º 527º do Código de Processo Civil.
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Lisboa, 29-04-2025
Ana Rute Costa Pereira
Renata Linhares de Castro
Isabel Brás Fonseca