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PROPRIEDADE INTELECTUAL
DIREITO DE AUTOR
CRIAÇÃO INTELECTUAL
DESENHO INDUSTRIAL
ORIGINALIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator) 1. Sendo a “originalidade” de uma obra um conceito de Direito, como revela desde logo a jurisprudência do TJ (em especial, casos Cofemel e Brompton Bicycle), o juízo jurídico da originalidade assentará, não em critérios dos domínios literários, científicos ou artísticos, mas em critérios próprios do domínio jurídico. 2. Os requisitos jurídicos de originalidade adiantados pelo TJ, consiste no conceito de Criação Intelectual do Próprio Autor (CIPA), e no requisito de o material ser expresso com suficiente precisão e objetividade. 3. Sendo “necessário e suficiente” para verificar-se a “originalidade”, que o resultado material (a alegada “obra”), reflita a personalidade do seu autor, manifestando escolhas livres e criativas deste (CIPA), caberá ao Autor da ação provar este facto. Mais terá de provar o segundo requisito, ou seja, que o resultado material que manifestou, está expresso com suficiente precisão e objetividade. 4. Em “contrapartida”, ou seja, como facto impeditivo do efeito visado pelo Autor da ação, caso o Réu queira contradizer o carácter original da alegada obra, poderá desde logo provar que inexistiu liberdade criativa, porque o resultado material foi ditado por constrangimentos técnicos, por regras ou por outras limitações que não deixaram margem para o exercício de liberdade criativa, por exemplo, que é mero resultado de uma imposição de terceiros. 5. Poderá, ainda, na mesma senda, e para enfermar a alegada “liberdade criativa”, alegar e provar que o resultado material obtido pelo Autor mais não é do que um produto usual, costumeiro ou rotineiro. 6. O Réu poderá, por último, alegar e provar que o alegado criador não foi o verdadeiro autor da obra, sendo esta, por exemplo, uma mera cópia de uma obra anterior. 7. No caso concreto, o presente tribunal conclui que o desenho em causa constitui uma criação intelectual, enquadrável nos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, al. i), do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. 8. Mais considera verificados, diferentemente do tribunal a quo, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, do dano, nexo causal e culpa. Em consequência, e atenta a impossibilidade de uma quantificação rigorosa dos danos, o presente tribunal, a título de equidade, condena a Ré, no montante indemnizatório de 5.000,00 €.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
1. A Autora intentou contra a Ré, um procedimento cautelar em 18-04-2023, que foi julgada parcialmente procedente pelo tribunal a quo.
2. Na sequência de tal procedimento cautelar a Autora intentou, em 25-10-2023, ação declarativa de condenação em processo comum contra a Ré, tendo formulando os seguintes pedidos:
a) Ordenar-se à Ré a proibição imediata da continuação da violação dos direitos da Autora e, nessa medida, que a Ré cesse, de imediato, de usar na sua atividade comercial, designadamente em todos e quaisquer produtos da sua fábrica e comércio, o desenho de que a Autora é titular, nos termos dos artigos 9.º, n.º 2 e 67.º, n.ºs 1 e 2 do CDADC;
b) Em consequência, ordenar-se que a Ré seja proibida de fabricar, de produzir, de comercializar, de reproduzir, de usar, publicitar ou por qualquer forma utilizar, sob qualquer forma ou meio, o desenho de que a Autora é titular, na sua atividade comercial, atual e futura;
c) Proibir-se a Ré de divulgar e promover, designadamente através da Internet, no seu website ou em qualquer outra página web, todos e quaisquer suportes, anúncios, anúncios publicitários, referências, frases, indicações, informações ou meras alusões, ao desenho da Autora, assim como nas redes sociais Facebook®, Instagram® ou outras, em plataformas digitais, Youtube® ou qualquer outra;
d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora, e lesada, por danos patrimoniais e não patrimoniais, um montante indemnizatório a fixar equitativamente pelo Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 211.º, n.º 5 do CDADC;
e) Ser ordenada, a expensas da Ré e no meio de comunicação a indicar pela Autora, a publicitação da decisão final, nos termos previstos no artigo 211.º-A do CDADC.
3. Para tanto, a Autora alegou em síntese, que é a criadora e titular dos direitos de autor sobre um desenho, desenho este que é utilizado em colchões que comercializa, obra esta que merece a tutela do Direito de Autor. Tal desenho foi copiado pela Ré e utilizado no mesmo ramo de comércio.
4. Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que o desenho cuja titularidade a Requerente reclama não está protegido por qualquer registo e não reúne os requisitos para beneficiar da proteção conferida em sede de direitos de propriedade intelectual.
5. Foi realizado audiência de julgamento em primeira instância.
6. O tribunal a quo proferiu sentença em 21-11-2024, julgando a ação parcialmente procedente e condenando a Ré nos seguintes termos:
1.1 Cessar, de imediato, de usar na sua atividade comercial, designadamente em todos e quaisquer produtos da sua fábrica e comércio, o desenho de que a autora é titular;
1.2 Proibição de fabricar, de produzir, de comercializar, de reproduzir, de usar, publicitar ou por qualquer forma utilizar, sob qualquer forma ou meio, o desenho de que a autora é titular na sua atividade comercial, atual e futura;
1.3 Proibição da ré de divulgar e promover, designadamente através da Internet, no seu website ou em qualquer outra página web, todos e quaisquer suportes, anúncios, anúncios publicitários, referências, frases, indicações, informações ou meras alusões, ao desenho da autora, assim como nas redes sociais Facebook®, Instagram® ou outras, em plataformas digitais, Youtube® ou qualquer outra;
1.4 Publicitar a decisão final, nos termos previstos no artigo 211º-A do CDADC, no meio de comunicação a indicar pela Autora.
7. Mais absolveu a Ré do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, contra si deduzido pela Autora.
8. De tal sentença apelou a Recorrente principal (Autora), formulando as seguintes
conclusões e pedido essenciais (transcrição parcial):
1. [O tribunal a quo] absolveu a Ré do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, contra si formulado.
2. Porém, outra deveria ter sido a decisão do Tribunal a quo, porquanto não é aceitável que, perante o reconhecimento de um direito de autor da Autora e consequente infração por parte da Ré, assim como a venda do produto infrator, não seja atribuída qualquer indemnização.
3. A matéria de facto assente e considerada provada pelo Tribunal a quo é omissa quanto a um facto essencial.
4. O presente processo teve início com a apresentação de um procedimento cautelar, de resto apenso aos autos (Processo nº …/….4YHLSB, Juiz …, que correu termos no Tribunal da Propriedade Intelectual).
5. Em sede cautelar foi determinado que a Requerida, ora Apelada, identificasse os grossistas e retalhistas destinatários dos produtos em causa, informando sobre as quantidades produzidas, fabricadas, entregues, recebidas ou encomendadas, bem como sobre o preço obtido pelos produtos.
6. A Apelada veio então admitir, em requerimento apesentado no processo (Ref.ª … 89), que “em conformidade com a douta sentença (…) após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79”.
7. Trata-se de uma omissão objetiva de um facto relevante.
8. Timidamente, a Douta Sentença refere que “A Polypreen confirmou ter comprado o tecido para este colchão à ré Matias & Araújo S.A.” (facto provado nº 1.11).
9. E mais considerou como provado que “a produção relacionada com o desenho de folhas harmoniosas, assim designado pela Ré, somente foi fornecida à Polypreen, por encomenda desta, não teve continuidade, tendo cessado em Janeiro de 2023” (facto provado nº 1.24).
10. Do que se extrai da factualidade suprarreferida, é que a Apelada fabricou e vendeu à Polypreen tecido para colchão infringindo o desenho da Apelante, num total de 3.368,10 à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79, facto que a Apelada trouxe aos autos e que não pode ser ignorado.
11. Em obediência ao disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, deve este facto ser considerado provado, e portanto, ser integrado no elenco dos factos assentes: Após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79.
12. O presente recurso é interposto da Douta Sentença apelada, na parte em que absolve a Ré, ora Apelada, do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
13. Para os devidos efeitos e com relevância para a discussão, o Tribunal a quo considerou provado que a ré, no exercício da sua atividade comercial, vendeu à Polypreen malha (têxtil) para colchões com o desenho criado pela autora, mostrando-se assim preenchido o facto voluntário do agente.
14. Mais considerou igualmente provado que o desenho constante da malha vendida à Polypreen é criação da autora e não da ré, pelo que a sua conduta violou os direitos autorais da autora, protegidos pelo disposto no art.º 211.º do CDADC, sendo assim ilícita a conduta da ré.
15. Não obstante, e respaldando-se no artigo 483º do Código Civil, na avaliação da culpa do infrator o Tribunal a quo concluiu existirem causas que a afastam, não tendo agido de “forma dolosa, nem tão pouco negligente ou com mera culpa”.
16. Porém, no domínio da violação de direitos de propriedade intelectual, “a culpa é aferida em relação à ilicitude do ato e não ao resultado que dele provém”.
17. Essencial é que se demonstre que a Apelada sabia, ou tinha motivos suficientes para saber, que a sua conduta era ilícita.
18. Ora, a Apelada concorre no comércio com a Apelante e, salvo o devido respeito, não pode simplesmente dizer-se, in casu, que procurou aconselhamento jurídico e que por tal ter acontecido, mostra-se correta e diligente a sua atuação, posto que em conformidade com o aconselhamento que recebeu.
19. Após ter sido confrontada com os factos em missivas que a Apelante lhe dirigiu, a Apelada apenas respondeu à segunda delas, através dos seus mandatários, não reconhecendo nem aceitando as imputações efetuadas sobre a alegada violação de direito de autor, mais referindo que não violou qualquer eventual direito da Lava Textiles, não produzindo o design do qual esta se arroga detentora (vide factos 1.12, 1.13 e 1.14).
20. Resulta da Douta Sentença apelada, que o aconselhamento em causa foi prestado pela testemunha A …, porém não podia razoavelmente sustentar-se em qualquer conselho que lhe tenha sido prestado por esta testemunha, como resulta evidente pelas considerações do próprio Tribunal a quo, na apreciação que faz do seu depoimento.
21. O comportamento da Apelada não foi justificável, não procurou qualquer contacto com a Apelante em resposta às missivas que lhe foram dirigidas, aliás negou qualquer violação do direito de autor sobre o desenho.
22. O que subjaz à factualidade evidenciada é que a Apelada produziu e comercializou no mercado um produto, sem cuidar de saber, previamente, se o mesmo violava direitos de terceiros, o que é tanto mais censurável quanto é certo que, mesmo após ter sido confrontada com esse facto, o negou, não reconhecendo o direito de autor invocado pela Autora.
23. Por conseguinte, desde a primeira hora que a Apelada sabia ser ilícito o seu comportamento, o que basta para que lhe seja atribuída culpa para efeitos indemnizatórios.
24. Também no que respeita aos danos, o Tribunal a quo, com o devido respeito, incorre num equívoco.
25. O cálculo do montante da obrigação de indemnização não assenta no dano (Cfr. artigo 211º, nº 2 do CDADC).
26. É igualmente válida a consideração de que, ainda que nos encontremos perante uma ausência de danos patrimoniais, não é negligenciável, antes pelo contrário, o valor que a Apelada recebeu pela venda à Polypreen de tecido para colchão infringindo o desenho da Apelante, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79.
27. No caso presente, não pode aceitar-se, tendo em conta a especificidade do negócio em questão, assim como os circuitos comerciais em que a Apelante e a Apelada se movem, que esta desconhecesse, ou que tivesse para isso motivos razoáveis, que a sua conduta era ilícita, conforme se referiu supra.
28. Perante a factualidade evidenciada, a Apelada tinha obrigação de saber que a sua conduta violava o desenho da Apelante e o direito de exclusivo que a lei lhe confere.
29. A circunstância de alguém utilizar, em proveito próprio, direitos de terceiros, é suficientemente grave e provocador de danos na esfera patrimonial dos respetivos titulares.
30. A violação de um direito exclusivo de propriedade intelectual tem associada, forçosa e necessariamente, a inevitabilidade de provocar um dano.
31. A utilização do desenho da Apelante, operada pela Apelada, é ainda suscetível de afetar a imagem de que o desenho goza no mercado, causando à sua legítima titular danos diretos e indiretos, sendo certo que usou o desenho, sem que para tal tivesse obtido o respetivo consentimento.
32. Tal comportamento constitui a Apelada na obrigação de indemnizar a Apelante por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos previstos no artigo 211.º do CDAC.
33. Dos factos assentes, resulta demonstrado, e provado, que a Apelada usou no seu fabrico e comércio o desenho da Apelante, composto por linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulada, pelo que deverá a Apelada ser condenada no pagamento de uma indemnização, a título de responsabilidade civil por facto ilícito.
34. A determinação de montante indemnizatório é um exercício de difícil concretização, considerando até que a conduta lesiva da Apelante é causadora de danos patrimoniais e danos não-patrimoniais.
35. Apesar dos critérios orientadores estabelecidos no artigo 211º do CDADC, a verdade é que não foi possível quantificar qualquer valor que pudesse ser atribuído à Apelante a título indemnizatório pela ofensa do seu direito de autor.
36. No entanto, tenha-se presente, que a Apelada vendeu à empresa Polypreen België NV produto do seu fabrico, reproduzindo o desenho da Autora, no montante de €15.964,79 (quinze mil novecentos e sessenta e quatro Euros e setenta e nove cêntimos).
37. Não sendo possível fixar o montante indemnizatório pelos danos patrimoniais e não patrimoniais efetivamente sofridos pela Apelante, e lesada, deve a Apelada ser condenada no pagamento à Apelante de um montante indemnizatório a fixar equitativamente pelo Tribunal.
38. A Douta Sentença apelada foi proferida em violação do artigo 211º do CDADC
Termos em que,
Deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, devendo em consequência:
I. Ser revogada a Douta Sentença na parte em que absolve a Ré, ora Apelada, da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;
II. Ser a Apelada condenada a pagar à Apelante, e lesada, por danos patrimoniais e não patrimoniais, um montante indemnizatório a fixar equitativamente pelo Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 211º, nº 5 do CDADC.
III. Por fim deve a Apelada ser condenada na totalidade das custas judiciais
*
9. A Recorrida não respondeu ao recurso, mas apresentou recurso subordinado onde formulou as seguintes
conclusões e pedido (transcrição):
1) Uma vez que não alegou a existência de qualquer registo do mesmo, a A. funda a sua pretensão na proteção concedida ao seu desenho que classifica como obra (“desenho composto por linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulada”) pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), partindo pois do pressuposto de que tal desenho enquadra uma obra protegida.
2) A R. na sua contestação alegou diversas razões que retiram ao dito desenho as necessárias características para que o mesmo seja enquadrado na definição e proteção legal daí decorrente, de “obra protegida”.
3) Com todo o respeito – e que é muito! – parece-nos evidente que a douta sentença em crise não fez a devida apreciação dos fundamentos da oposição deduzidos pela ora recorrente, as quais, devidamente ponderados, conduzirão inexoravelmente à improcedência total da pretensão deduzida pela A./Recorrida.
4) Ora, define-se como “desenho ou modelo” a aparência na totalidade ou de uma parte de um produto resultante das suas características, nomeadamente das linhas, contornos, cores, formas, textura e/ou materiais do próprio produto e/ou da sua ornamentação.
5) Esse desenho poderá estar protegido somente e na medida em que seja novo e possua caracter singular, conforme prevê o disposto no n.º 1 do art. 176.º do CPI.
6) No artigo seguinte do CPI, encontrámos um critério objetivo que nos permite determinar o que é considerado “novo” e, segundo esta norma, são novos todos os desenhos ou modelos que não forem idênticos a qualquer outro anteriormente “divulgado ao público dentro ou fora do País”.
7) O legislador, no n.º 2 do art. 177.º do CPI, esclareceu que, se dois desenhos ou modelos, cujas características específicas apenas diferirem em “pormenores sem importância”, considerar-se-ão idênticos e, como tal, aquele que foi divulgado em último lugar, não será “novo”, ficando, consequentemente, afastado da proteção pelo regime legal do CPI.
8) Porém, existe ainda a possibilidade, prevista no art. 176.º n.º 2 do CPI, de um desenho ou modelo ser protegido, apesar de não ser totalmente novo, se a combinação de elementos já conhecidos lhe conferir carácter singular.
9) Segundo o art. 178.º do CPI, um desenho ou modelo possui carácter singular se causar no utilizador informado uma impressão global diferente de qualquer outra provocada por outro desenho ou modelo já conhecido (divulgado), ou seja, a aparência, as características estéticas do desenho ou modelo têm de provocar no utilizador informado sensações ou sentimentos diferentes dos provocados pelos desenhos ou modelos já divulgados.
10) Ora, o desenho em apreço nada tem de singular, como também não possui a característica de novidade, daqui divergindo absolutamente da conclusão a que chegou a douta sentença em mérito.
11) Na verdade, e como é óbvio e notório, “linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulada”, existem desde tempos imemoriais, encontrando-se presentes em variadíssimos desenhos e imagens, nada têm de singular ou de novidade, não sendo suscetíveis de apropriação ou constituir objeto de propriedade privada.
12) Um mero desenho/imagem de linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulante não pode ser classificado como uma obra, pois o Direito de Autor visa a proteção das obras literárias e artísticas.
13) No caso específico de desenhos industriais, a proteção geralmente é regida por outras formas de propriedade intelectual, como o design industrial ou o direito de desenho.
14) Essas leis de design industrial ou direito de desenho oferecem proteção específica para a aparência externa de um produto, incluindo suas características ornamentais ou estéticas.
15) É importante destacar que o registo de desenho industrial é diferente da proteção de direitos autorais.
16) Embora o direito autoral possa oferecer alguma proteção aos desenhos industriais como obras de arte aplicadas, nem todos os desenhos industriais são protegidos automaticamente pelo direito autoral, pois estes são distintos dos desenhos artísticos ou de ilustrações que podem ser protegidos pelo Direito de Autor.
17) Uma obra original, no contexto do Direito de Autor, refere-se a uma criação intelectual única e genuína, que é fruto do esforço e criatividade do autor e não é uma cópia direta ou derivada de outras obras existentes.
18) Os desenhos industriais podem receber proteção legal, sendo que essa proteção é regida por leis específicas de propriedade industrial, e não pelo Direito de Autor em si.
19) Em resumo, uma obra original é uma criação intelectual única e não copiada, que resulta do esforço criativo do autor.
20) É essa originalidade que confere ao autor os direitos exclusivos de reprodução, distribuição, exibição, adaptação e outros direitos previstos na legislação de direitos autorais.
21) Todas as características supra elencadas, não se verificam no desenho/imagem apresentado pela Autora e não está protegida pelo direito de autor.
22) Trata-se de uma mera cópia do que há muito tempo se vem fazendo no mercado específico onde se insere, nomeadamente no fornecimento de tecidos para colchões: não é original!
23) Aliás, diga-se que se a Autora tivesse nas suas mãos uma ideia original, certamente teria de imediato diligenciado pelo registo de desenho comunitário!
24) Agora vir apresentar uma mera imagem, que resulta da impressão de um ficheiro técnico da estrutura da malha, que vai determinar o modo de funcionamento da máquina e de tecelagem, não pode ser minimamente enquadrável como resultado de uma obra original, protegida por direitos autorais
25) Para que uma obra artística, protegida pelo direito de autor, seja considerada como tal, não pode ser suficiente, que tenha sido criada pelo intelecto de alguém, fruto da sua cabeça.
26) Para além de original, tem de envolver engenho intelectual, ir além do banal, enriquecer o quadro cultural disponível, ser reconhecido pelos peritos na arte como tal.
27) A imagem apresentada pela Autora consiste apenas numa variação de formas ondulantes em contínuo, nada tendo de original, não envolvendo qualquer engenho intelectual, em nada reflete a personalidade do alegado autor, sendo uma imagem banal, não enriquece o quadro cultural disponível, não sendo reconhecido pelos peritos na arte como tal.
28) Trata-se simplesmente de uma imagem, que gera um efeito estético na malha.
29) A douta sentença em mérito conclui que o desenho em causa é original baseando-se apenas no facto de ter resultado provado que o mesmo foi desenvolvido e resultou de processo criativo da Autora!
30) Contudo, tal como se referiu, tal não é suficiente para que uma obra artística, protegida pelo direito de autor, seja considerada como tal, não pode ser suficiente, que tenha sido criada pelo intelecto de alguém, fruto da sua cabeça.
31) Ora, nada a Autora alegou relativamente à existência do mínimo de criatividade e de novidade exigível no caso concreto.
32) Não resultou provado que o desenho em causa tivesse carácter singular, como é exigível para a sua proteção
Bem pelo contrário!
33) Resultou demonstrado à saciedade que o desenho invocado pela A. como fundamento da sua pretensão não possui caracter de singularidade exigido, sendo similar a outros desenhos já existentes, desenhos cuja utilização já se fazias nas décadas de 50 e 60 do século passado!!!
34) Em face do exposto, não é a imagem apresentada pela Autora suscetível de ser qualificados como “obra”, à luz do art. 2.º, n.º 1, al. i), do CDADC.
35) E consequentemente não pode beneficiar da proteção conferida pelo Direito de Autor, carecendo assim de fundamento os pedidos deduzidos pela Autora.
36) Pelo que, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela A. e, pela procedência do recurso subordinado, então deverá ser revogada a decisão que julgou a ação parcialmente procedente e consequentemente, ser a R. absolvida in totum dos pedidos que contra ela foram deduzidos, o que se requer.
37) A douta sentença recorrida violou, nomeadamente, o art. 2.º, n.º 1, al. i), do CDADC.
Por todo o exposto e nos melhores de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deverá julgar-se improcedente o recurso apresentado pela A., e, pela procedência do recurso subordinado, deverá ser revogada a decisão que julgou a ação parcialmente procedente e, consequentemente, ser a R. absolvida in totum dos pedidos que contra ela foram deduzidos.
10. A Autor respondeu ao recurso subordinado, pugnando pela respetiva improcedência.
11. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
*
Esclarecimento prévio
12. Como é sabido, em regra, o recurso subordinado apenas deverá ser conhecido após a apreciação do recurso principal (cf. artigo 633.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
13. Nos presentes autos, contudo, e nada obstando ao conhecimento de qualquer um dos recursos interpostos, após a apreciação da impugnação da matéria de facto feita no recurso principal, haverá que conhecer em primeiro lugar, em sede de Direito, do recurso subordinado. Isto porque o recurso subordinado, em sede de Direito, põe em crise o mérito da sentença recorrida, pugnando pela absolvição total dos pedidos.
14. Mandam, assim, as regras da lógica que o presente tribunal, após estabilizar a matéria de facto, comece pela apreciação da questão suscitada no recurso subordinado (cf. artigo 608.º, n.º 1 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil).
15. Feito este esclarecimento passamos a enunciar as questões que cumpre resolver.
Questões que o presente tribunal cumpre resolver:
i. Em sede de impugnação da matéria de facto, deve ser aditado o seguinte facto provado: após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido pela Ré, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79?
Em sede de Direito
ii. O desenho invocado pela Autora constitui uma obra original, na aceção do Direito de Autor?
iii. No caso concreto, verifica-se o pressuposto da responsabilidade civil, consubstanciado na culpa?
iv. Em caso de resposta afirmativa à questão precedente, verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil, consubstanciados no dano e nexo causal?
v. Em caso de respostas afirmativas às duas questões precedentes, deve ser fixado um montante indemnizatório a favor da Autora, por violação de Direito de Autor, a fixar equitativamente pelo Tribunal?
*
II. Fundamentação
A sentença recorrida fixou a factualidade nos termos que se passa a expor.
Factos provados
1.1. A autora é uma empresa familiar belga de tricotar cuja constituição remonta ao ano de 1925.
1.2. A autora tem instalações industriais na Bélgica (o seu país de origem), nos Estados Unidos da América (desde 2007), na Roménia (desde 2011), na Indonésia (desde 2018) e, mais recentemente, no México, desde 2021.
1.3. O negócio principal da autora consiste em produzir tecidos de malha de alta qualidade para colchões, toppers (sobrecolchões) e almofadas, com um toque de design único.
1.4. A autora desenvolveu, em processo criativo próprio, como motivo central dos seus tecidos para colchões, o desenho composto por linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulada, que a seguir melhor se representa:
1.5. O desenho em apreço resultou do processo criativo subjacente aos produtos fabricados e produzidos pela autora, tendo origem em 25 de Outubro de 2018, com a referência XD01052.
1.6. Deste desenho resultaram sucessivas versões, em 29 de Outubro de 2018 e 12 de Novembro de 2021.
1.7. A autora continuou a usar o supra-referido motivo central – composto por linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulada – em combinação com um padrão diferente na área branca esquerda e direita, tendo origem em 30 de Outubro de 2018 e 12 de Dezembro de 2018, com a referência XD01060.
1.8. A autora começou a produzir amostras do desenho acima identificado em 2019, designadamente para uma exposição a ter lugar na feira ‘Interzum’, em Colónia, que se realiza em Maio, a cada dois anos.
1.9. A autora começou a vender têxteis com o desenho acima mencionado a desde 2019, até aos dias de hoje, entre outros, a um cliente "Maison de la Literie Industries", que está a vender produtos com o desenho em questão no mercado francês.
1.10. Aquando de uma visita ao seu fornecedor e fabricante de colchões, a empresa de nacionalidade belga ‘Polypreen’, a autora foi surpreendida com um colchão, produzido por esta empresa para uma sua cliente em França, a empresa ‘Sedac Meral’, feito com um tecido que abaixo se reproduz e que corresponde a uma fotografia captada na referida visita da Autora:
1.11. A ‘Polypreen’ confirmou ter comprado o tecido para este colchão à ré ‘Matias &Araujo S.A.’.
1.12. Por carta datada de 09.01.2023 a autora remeteu missiva à ré, solicitando que esta cessasse a sua conduta, designadamente abstendo-se de fabricar produtos utilizando o desenho da Requerente, inexistindo qualquer resposta à mesma.
1.13. Por carta datada de 07.03.2023, a autora voltou a remeter missiva à ré solicitando que esta cessasse a sua conduta, designadamente abstendo-se de fabricar produtos utilizando o desenho da Requerente.
1.14. A ré respondeu através dos seus mandatários, não reconhecendo nem aceitando as imputações efetuadas sobre a alegada violação de direitos de autor, mais referindo que não violou qualquer eventual direito da Lava Textiles, não produzido o design do qual esta se arroga detentora.
1.15. A autora não autorizou a ré a utilizar ou usar nos seus produtos, o desenho aqui em apreço – o desenho composto por linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulada, representado supra – ou qualquer outro por si titulado.
1.16. A autora tem na sua posse amostras do tecido fabricado pela ré, que esta vendeu à empresa belga Polypreen.
1.17. A ré é uma sociedade anónima que tem por objeto social o “fabrico de malhas”, constituída em 1997.
1.18. A ré é uma empresa dedicada à produção de malhas circulares para múltiplas indústrias globais como a moda, o desporto, os têxteis-lar e os transportes.
1.19. A ré tem uma equipa de designers.
1.20. A atividade da ré assenta num processo criativo, tal como é o caso dos tecidos de malha para colchões, nos quais são aplicados os seus produtos originais, por si desenvolvidos, com diferentes desenhos e imagens, texturas e composições.
1.21. Há formas entrelaçadas ou de ondas já existem no mercado há inúmeros anos, em bases de dados livres.
1.22. O cliente Polypreen solicitou o envio de várias amostras, designadas por bandeiras, de várias propostas de tecelagem, com estruturas, imagens, cores, formatos e qualidades diferentes, tendo recaído a escolha na amostra onde constava o motivo designado por “folhas harmoniosas”.
1.23. Após surgiu uma encomenda de fabricação de malhas para colchões, com o motivo central representativo de folhas em contínuo.
1.24. A produção relacionada com o desenho de folhas harmoniosas, assim designado pela Ré somente foi fornecida à Polypreen, por encomenda desta, não teve continuidade, tendo cessado em Janeiro de 2023.
Mais se provou que:
1.25. A ré diligenciou junto de profissional qualificado, saber se o desenho inserido na malha têxtil que vendeu à Polypreen violava direitos de terceiro, obtendo resposta negativa.
Factos não provados
2.1. É exigência dos clientes da autora e designadamente da cliente desta Maison De La Literie Industries, a garantia de um exclusivo relativamente ao desenho dos produtos que encomenda e compra à autora, tendo em conta os mercados específicos em que esses clientes operam.
2.2. Este motivo foi encomendado pela Polypreen, exclusivamente para um cliente designado por Sedac Meral, e somente a este se destinou.
2.3. A empresa Sedac Meral comercializa exclusivamente para sofás-camas e camas articuladas e a Maison De La Literie Industries tem o seu mercado em lojas de colchões clássicos.
2.4 A Polypreen, pediu alterações ao desenho apresentado pela ré, a que esta procedeu.
*
III. Do mérito do recurso
i. Deve ser aditado o seguinte facto provado: após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido pela Ré, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79?
16. Nesta sede, alega a Autora, Recorrente principal que “Para os devidos efeitos e no cumprimento da sentença (cautelar) condenatória, a Apelada veio então admitir, em requerimento apesentado no processo (Ref.ª … 89), que “em conformidade com a douta sentença (…) após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79”.
17. Mais alega que tal facto foi alegado no artigo 66.º da petição inicial, mas a sentença recorrida é omissa quanto ao mesmo.
18. Nos presentes autos de recurso a Ré nada disse sobre este ponto. Apreciação deste tribunal
19. O facto em causa efetivamente resulta de uma declaração da Ré nos autos de procedimento cautelar em apenso, mais concretamente do requerimento de 31-07-2023, com a referência Citius n.º … 12/… 80.
20. Reproduz-se aqui o conteúdo daquele requerimento, nos seus exatos termos:
“Que após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de facturação de €15.964,79.”.
21. Mais resulta que o facto em causa foi alegado em sede de petição inicial, em concreto, no artigo 66.º.
22. É certo que a Ré, na contestação, impugnou tal facto no respetivo artigo 111.º.
23. Contudo, há que recordar que, em sede do procedimento cautelar aludido em n.º 1 do Relatório, o tribunal a quo decidiu, além do mais, o seguinte:
“determina-se que a Requerida identifique os grossistas e retalhistas destinatários dos produtos em causa e informe sobre as quantidades produzidas, fabricadas, entregues, recebidas ou encomendadas, bem como sobre o preço obtidos pelos produtos.”.
24. Foi, portanto, aquela informação prestada no cumprimento expresso de uma ordem de um Tribunal, dada ao abrigo do artigo 210.º-F do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, e no âmbito de uma sentença proferida em procedimento cautelar.
25. Recorde-se que o não cumprimento de uma ordem dada em sede do decretamento de uma providência cautelar, faz incorrer o seu destinatário em crime de desobediência qualificado (artigo 375.º do Código de Processo Civil).
26. Por seu turno, há que notar que o disposto no artigo 210.º-F do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos resultou da transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, conhecida como Diretiva Enforcement, em concreto do seu artigo 8.º.
27. Tal “direito de informação”, visou, nos dizeres do Considerando n.º 21 da Diretiva “um elevado nível de proteção” dos direitos de autor.
28. Como é evidente, a utilidade daquela informação, quando prestada em sede de decretamento de providência cautelar, só pode ser para fins inerentes à ação principal.
29. Neste contexto, por tratar-se de um documento emitido pela própria Ré nos termos descritos, não pode considerar-se que a impugnação constante da contestação tenha a virtualidade de afetar o conteúdo do mesmo. Tal seria, aliás, manifestamente contra os propósitos da aludida Diretiva e contra a boa-fé (artigo 8.º do Código de Processo Civil e artigo 334.º do Código Civil).
30. Assim sendo, há que considerar o facto em causa provado por documento, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4 e 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
31. Nestes termos, o recurso neste ponto deve ser julgado procedente, considerando-se o facto provado nos termos requeridos pela Autora.
ii. O desenho invocado pela Autora constitui uma obra original, na aceção do Direito de Autor?
32. No presente caso concreto, há que recordar que a causa de pedir principal na ação é constituída pela invocação, pela Autora, de criações intelectuais do domínio das artes aplicadas, em concreto, desenhos ou modelos (vulgarmente, design) consubstanciados num desenho ilustrado no facto provado n.º 1.4, alegadamente protegido em sede de direito de autor
33. É certo que, em abstrato, a proteção jurídica das obras de design resulta, essencialmente, de dois corpos normativos: o regime dos desenhos ou modelos (consagrado no Código da Propriedade Industrial e no Regulamento n.º 6/2023) e a disciplina dos direitos de autor (prevista no Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos ou CDADC).
34. Dada tal dupla possibilidade de proteção, no que toca a obras de arte aplicada, subsistiam, até relativamente pouco tempo, controvérsias sobre a forma como se articulavam os dois regimes e sobre quais os requisitos que deveriam ser exigidos para que determinado material pudesse ser considerado uma obra protegida pelo direito de autor.
35. Foi neste âmbito que se pronunciou o TJ em 12 de setembro de 2019, no caso Cofemel, C-683/17, ECLI:EU:C:2019:721. Todos os casos do TJ (Tribunal de Justiça) aqui citados podem ser acedidos em https://curia.europa.eu. Relativamente ao caso Cofemel, veja-se também a importante opinião do Advogado Geral (ECLI:EU:C:2019:363), acessível no mesmo website. Neste acórdão, de forma inequívoca, foi consagrada a solução da cumulação parcial entre os regimes de direito industrial e direito de autor.
36. Como se refere no acórdão em referência: “o legislador da União optou por um sistema segundo o qual a proteção conferida aos desenhos e modelos e a que é assegurada pelo direito de autor não se excluem mutuamente” (n.º 43). E mais adiante: “embora a proteção dos desenhos e modelos e a proteção associada ao direito de autor possam, por força do direito da União, ser concedidas cumulativamente a um mesmo objeto, esta cumulação só pode ser admitida nalgumas situações” (n.º 52).
37. Tais “situações” em que o desenho pode beneficiar da proteção do direito de autor, ocorre, seguindo o citado acórdão do TJ, quando o material de design deva ser qualificado de “obra” na aceção da Diretiva 2001/29, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (conhecida como a Diretiva Infosoc). Nestas situações, o desenho beneficiará da tutela do direito de autor, independentemente da eventual tutela que possa merecer ao abrigo do regime dos desenhos ou modelos.
38. Como recorda o mesmo acórdão Cofemel, o conceito de obra é “um conceito autónomo do direito da União que deve ser interpretado de modo autónomo e uniforme e que pressupõe que estejam reunidos dois elementos cumulativos. Por um lado, este conceito implica que exista um objeto original, no sentido de que este é uma criação intelectual do próprio autor. Por outro, a qualificação de obra está reservada aos elementos que sejam a expressão dessa criação (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2019, Infopaq International, C‑5/08, EU:C:2009:465, n.ºs 37 e 39, e de 13 de novembro de 2018, Levola Hengelo, C‑310/17,EU:C:2018:899, n.ºs 33 e 35 a 37 e jurisprudência referida)” (n.º 29, com sublinhados nossos).
39. Os referidos requisitos da “obra” passam, portanto, pela originalidade, no sentido do material ser uma criação intelectual do próprio autor (ou CIPA) Expresso em inglês pela sigla AOIC ou pela expressão Author’s Own Intelectual Creation. e que tal criação esteja expressa com suficiente precisão e objetividade (ou seja, que não se baseie essencialmente em sensações, intrinsecamente subjetivas, da pessoa que apreende o objeto em causa).
40. No que respeita ao primeiro requisito, o CIPA,mais esclarece o TJ que: “decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para que um objeto possa ser considerado original, é simultaneamentenecessário e suficiente que reflita a personalidade do seu autor, manifestando as escolhas livres e criativas deste último”. (n.º 30, com sublinhados nossos).
41. De notar quanto a este ponto, que o TJ não faz depender o requisito do CIPA de um critério de mérito, por exemplo, literário ou artístico. Acrescenta apenas que: “Em contrapartida, quando a realização de um objeto tiver sido determinada por considerações técnicas, por regras ou por outras limitações, que não deixaram margem para o exercício de liberdade criativa, não se pode considerar que esse objeto tenha a originalidade necessária para poder constituir uma obra” (n.º 31).
42. Já quanto ao segundo requisito de expressão objetiva, o TJ sublinhou que “as autoridades responsáveis pela proteção dos direitos exclusivos inerentes ao direito de autor devem poder conhecer com clareza e precisão o objeto assim protegido. O mesmo se diga dos terceiros a quem pode ser oposta a proteção reivindicada pelo autor desse objeto. Por outro lado, a necessidade de afastar qualquer elemento de subjetividade, prejudicial à segurança jurídica, no processo de identificação do referido objeto pressupõe que este último tenha sido expresso com objetividade” (n.º 33).
43. Neste seguimento o referido acórdão esclareceu que o facto de determinado desenho ou modelo gerar um efeito estético não permite, por si só, determinar se esse trabalho constitui uma criação intelectual. Isto porque, o efeito estético, tal como entendido pelo TJUE, é o resultado de uma “sensação intrinsecamente subjetiva” (cf. n.ºs 53 e 54).
44. A jurisprudência do caso Cofemel foi ulteriormente reiterada pelo TJUE, em 11-06-2020, Brompton Bicycle, C- 833/18, ECLI:EU:C:2020:461.
45. Sublinhando que a jurisprudência do caso Cofemel resolveu importantes dúvidas quanto à proteção devida às obras de arte aplicada em sede de direito de autor, o conceito de originalidade nele expresso tem sido considerado por diversa doutrina nacional e internacional, vago e de difícil aplicação. Neste sentido, entre nós, Pedro Sousa e Silva, "A Tutela Jusautoral de Obras de Design na Esteira do Acórdão COFEMEL: “Nada de Novo debaixo do Céu”". Revista de Direito Intelectual 01-2023 (2023): 171-196. Na doutrina estrangeira pode ver-se, entre outros, Jens Schovsbo, “Copyright and design law: What is left after all and Cofemel? – or: Design law in a ‘double whammy’ (2020). Acessível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=3519156 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3519156 (acedido em 24-04-2025) e Laureen Schuldt, “EU Copyright and Trade Mark Law: a unifying lens for the protection of Fashion Designs?”, tese de mestrado da Universidade de Estocolmo, acessível em: https://su.diva-portal.org/smash/record.jsf?pid=diva2%3A1776959&dswid=3192 (acedido em 24-04-2025).
46. Da nossa parte não cremos que tais críticas sejam determinantes e inultrapassáveis.
47. Em primeiro lugar, sendo a originalidade um conceito de Direito (da União), como revela desde logo a jurisprudência do TJ, há que salientar que o juízo jurídico da originalidade assentará, não em critérios dos domínios literários, científicos ou artísticos, mas em critérios próprios do domínio jurídico.
48. A pertinência, assim, de opiniões de peritos em arte ou design, serão sempre de valor relativo. Em última instância, deve ser o tribunal a decidir da originalidade da obra de acordo com critérios jurídicos.
49. Resolvido este primeiro problema, há que conjugar os critérios enunciados pelo TJ e já expostos, com as habituais regras processuais, em especial, relativas ao ónus de alegação e prova.
50. Ora, sendo “necessário e suficiente” para verificar-se a “originalidade”, que o resultado material reflita a personalidade do seu autor, manifestando escolhas livres e criativas deste, bastará ao Autor da ação provar este facto.
51. Quanto a este primeiro requisito talvez seja pertinente esclarecer o que deve entender-se por um material que “reflita a personalidade do seu autor”. Tal conceito invoca a conceção inerente aos sistemas inspirados no Droit d’Auteur francês “de définir l’originalité comme «empreinte de la personnalité de l’auteur». Si l’œuvre est l’image de l’auteur, alors l’originalité ne peut être définie que par la trace que celui-ci laisse dans son œuvre: ce n’est pas le travail ou l’effort qui justifient la protection, cette dernière ne pouvant être accordée que si et dans la mesure où la personnalité unique du créateur s’y reflète.” Mireille Buydens, La propriété intellectuelle Évolution historique et philosophique, Bruylant, 2012, 333.
52. Esta condição é tanto mais problemática quanto hoje o direito de autor se estendeu aos domínios dos programas de computador e bases de dados. Quanto a programas de computador rege o DL. n.º 252/94 de 20/10. Este Decreto-Lei procedeu à transposição da Diretiva n.º 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, ulteriormente codificada pela Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/04/2009. Quanto a bases de dados rege o DL. n.º 122/2000 de 04/07, que transpôs para o Ordenamento Nacional, a Diretiva n.º 96/9/CE de 11 de março.
53. Neste contexto, onde “o critério da criação intelectual do próprio autor, tal como desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, é aplicável a todas as categorias de obras” (Opinião do Advogado Geral, Cofemel, n.º 29), inclusive, a programas de computador e bases de dados, há que interpretar esta condição de forma realista e pragmática.
54. Assim sendo, cremos que bastará, para que determinado material ou expressão possa ser considerada “própria do autor”, que tenha sido ele(a) a conceber e a expressá-lo num qualquer suporte (com precisão e objetividade). O autor será, assim, causa eficiente da expressão materializada. São estes requisitos, parece-nos, que possibilitam que se fale de um “autor” e a “sua” “obra”.
55. Mais terá de provar o segundo requisito, ou seja, que o resultado material que manifestou (a “obra”), está expresso com suficiente precisão e objetividade.
56. Em “contrapartida”, ou seja, como facto impeditivo do efeito visado pelo Autor da ação, caso o Réu queira contradizer o carácter original da alegada obra, poderá desde logo provar que inexistiu liberdade criativa, porque o resultado material foi ditado por constrangimentos técnicos, por regras ou por outras limitações que não deixaram margem para o exercício de liberdade criativa, por exemplo, que é mero resultado de uma imposição de terceiros.
57. Poderá, ainda, na mesma senda, e para enfermar a alegada “liberdade criativa”, alegar e provar que o resultado material obtido pelo Autor mais não é do que um produto usual, costumeiro ou rotineiro (vulgarmente designado de “banalidade”).
58. O Réu poderá, por último, alegar e provar que o alegado criador não foi o verdadeiro autor da obra, sendo esta, por exemplo, uma mera cópia de uma obra anterior.
59. Aqui chegados, há que verificar se, de acordo com a matéria de facto provada, estamos ou não perante uma obra original no sentido exposto.
60. Ora, se bem que os factos podiam ser considerados, de uma certa perspetiva, algo “conclusivos”, o certo é que, na sua essencialidade, julga-se que permitem os juízos jurídicos pertinentes.
61. Efetivamente, da matéria provada resulta, desde logo que: “A autora desenvolveu, em processo criativo próprio, como motivo central dos seus tecidos para colchões, o desenho composto por linhas oblíquas e sobrepostas, representando um entrelaçado e imagem ondulada” (facto 1.4), tendo tal processo resultado no desenho ora em causa, que, recorde-se, tem a seguinte configuração:
62. Mais resulta do facto provado 1.5 que “O desenho em apreço resultou do processo criativo subjacente aos produtos fabricados e produzidos pela autora, tendo origem em 25 de Outubro de 2018, com a referência XD01052.”.
63. Deste desenho resultaram sucessivas versões, em 29 de Outubro de 2018 e 12 de Novembro de 2021.
64. Resulta, ainda, da factualidade provada, que a Autora “começou a produzir amostras do desenho acima identificado em 2019, designadamente para uma exposição a ter lugar na feira ‘Interzum’, em Colónia, que se realiza em Maio, a cada dois anos”.
65. Ou seja, resultou provado que o desenho foi concebido pela Autora, num processo criativo próprio, do qual resultaram, aliás vários desenhos, entre os quais o ora em causa. Ou seja, inexistem dúvidas de que o desenho resulta de uma conceção e expressão imputáveis à Autora, em suma, é uma criação sua.
66. Por seu turno, se resultaram várias versões dos desenhos, tal só pode ser resultado da liberdade e de escolhas criativas da Autora.
67. Além disso, resulta da factualidade ora exposta, que o desenho foi expresso com suficiente precisão e objetividade. Estando devidamente individualizado no desenho ilustrado, não se podem levantar dúvidas às autoridades responsáveis pela proteção dos direitos exclusivos inerentes ao direito de autor, maxime os tribunais, ou a terceiros, sobre qual o objeto protegido.
68. Cremos, pois, que o conceito de CIPA se mostra verificado no caso concreto, relativamente ao desenho ilustrado.
69. Concluímos, pois, estarmos perante uma obra original, enquadrável nos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, al. i), do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
70. Não se olvida que a Ré, quer em sede de contestação, quer em sede de recurso subordinado, alega, de forma profícua e repetida, que ao desenho em referência falta originalidade (e novidade), alegando, por exemplo, na contestação que: “42. Trata-se de uma mera cópia do que há muito tempo se vem fazendo no mercado específico onde se insere, nomeadamente no fornecimento de tecidos para colchões: não é original! 43. Alias, diga-se que se a Autora tivesse nas suas mãos uma ideia original, certamente teria de imediato diligenciado pelo registo de desenho comunitário! 44. Agora vir apresentar uma mera imagem, que resulta da impressão de um ficheiro técnico da estrutura da malha, que vai determinar o modo de funcionamento da máquina e de tecelagem, não pode ser minimamente enquadrável como resultado de uma obra original, protegida por direitos autorais. … 63. Todas as formas entrelaçadas ou de ondas já existem no mercado há inúmeros anos, não constituindo património original de ninguém. 64. As imagens aqui em causa são meros desenvolvimentos do pré-existente, somente com outra apresentação.”
71. Ou seja, a Ré alegou, por um lado que o desenho em causa é uma mera cópia de outra já feita por outrem, que resulta de constrangimentos técnicos, e, ainda, que não é mais do que se produz de forma usual, costumeira ou rotineiramente no domínio específico do design têxtil.
72. Contudo, não consta da matéria de facto a existência de qualquer obra anterior igual criado por pessoa diversa, nem resulta provado que o desenho é um mero produto rotineiro, não passando de uma “banalidade”.
73. É certo que, resultou provado em 1.26 o seguinte: “Há formas entrelaçadas ou de ondas já existem no mercado há inúmeros anos, em bases de dados livres.”. Tal facto nada nos diz, no entanto, quanto ao desenho individual e concreto aqui em causa. Que tipos de ondas e entrelaçados se refere a este facto? Serão minimamente coincidentes com o desenho ora em causa? Como nos parece evidente, o facto citado não responde a estas questões, não enfermando, assim, a conclusão de que o desenho ora em causa é o resultado de escolhas livres e criativas da Autora.
74. Aliás, a alegação da Ré no presente recurso, de que “As imagens aqui em causa são meros desenvolvimentos do pré-existente, somente com outra apresentação” (sublinhados nossos), parece-nos perfeitamente irrelevante. Conforme se aludiu no Ac. TRL de 22-01-2024, processo 253/21.0YHLSB.L1-PICRS: “Nul ne créant ex nihilo,l’œuvre a nécessairement deux sources: si l’une est le génie de l’auteur, l’autre est le fond où il a puissé. Le miroir de la création ne reflète pas que l’âme de l’auteur, mais aussi celle du monde.” Mireille Buydens, supra nota 4, 336. Ou seja, se por um lado, ninguém (a não ser Deus) cria algo do nada, sendo sempre, em alguma medida, devedor(a) do seu mundo, por outro, seria também caso para sublinhar, com evidente pertinência em sede de criações intelectuais, que “o diabo está nos detalhes”.
75. Recorde-se ainda, que se apurou que o negócio principal da autora consiste em produzir tecidos de malha de alta qualidade para colchões, toppers (sobrecolchões) e almofadas, com um toque de design único, sendo certo que o desenho em causa surgiu no âmbito desta mesma atividade.
76. Neste contexto, é evidente que o desenho não resultou unicamente de constrangimentos técnicos. Podem ser concebidos centenas senão milhares de desenhos diferentes para os efeitos referidos.
77. Nestes termos, não se pode concluir que o desenho resulta de meros constrangimentos técnicos ou outras regras ou imposições, por exemplo, as impostas pela função de um colchão ou sobrecolchão.
78. Nem se pode concluir que o desenho tenha sido resultado de imposições de terceiros. Recorde-se aqui, que a Autora “começou a produzir amostras do desenho acima identificado em 2019, designadamente para uma exposição a ter lugar na feira ‘Interzum’, em Colónia, que se realiza em Maio, a cada dois anos”. Ou seja, o desenho não foi o resultado de uma encomenda específica de um terceiro.
79. Por último, quanto à questão do não registo como desenho comunitário, resulta da jurisprudência do TJ supra exposta, que tal não veda a respetiva proteção em sede de Direito de Autor, desde que verificado os requisitos de obra que, como vimos, estão preenchidos no caso concerto.
80. Por seu turno, o que efetivamente resultou provado nos autos é que a Ré, apesar de alegar que tem um departamento de designers que produzem obras originais, comercializou um produto com uma configuração idêntica ao desenho criado pela Autora:
81. É, pois, manifesto que reproduziu, sem autorização, obra alheia, em produto por si comercializado, em violação do direito de exclusivo do autor, previsto nos artigos 67.º e 68.º, n.º 2, al. i), do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, tal como concluiu a sentença recorrida.
82. Nada há, pois, a censurar à sentença recorrida, no que toca às condenações da Ré, colocadas aqui em causa por esta.
83. É certo que, sendo a Autora uma empresa, logicamente não pode ser a pessoa física que terá criado o desenho.
84. Assim sendo, poder-se-ia ter alegado que a Autora não era a titular do Direito de Autor, pertencendo este ao criador intelectual em sentido originário, ou seja, à pessoa física que criou o desenho (cf. artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos).
85. Tal questão não foi, no entanto, suscitada nos autos pela Ré, limitando-se esta, quer em sede de contestação, quer em sede de recurso subordinado, a colocar em causa os pressupostos da respetiva tutela, em especial, a originalidade (e novidade) da obra. Assim sendo, o presente tribunal não pode conhecer desta questão.
86. Nestes termos, o recurso subordinado deve ser julgado improcedente.
iii. No caso concreto, verifica-se o pressuposto da responsabilidade civil, consubstanciado na culpa?
87. Nesta sede, a sentença recorrida, apesar de considerar preenchidos alguns dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, em concreto, o facto e a ilicitude – a reprodução da obra e comercialização de produto com tal reprodução à Polypreen -, conclui pela inexistência de culpa.
88. Para tanto baseou-se no seguinte: “… a ré pediu aconselhamento junto da testemunha A … que, no exercício da sua atividade profissional presta serviços de consultoria em questões de marcas e imagens, com formação do INPI e que já tinha assistido a ré numa situação de registo da marca. Foi no seguimento da resposta profissional deste, de que não havia violação de direitos de terceiros por banda da ré, que esta incluiu no seu portfolio este desenho que, posteriormente, veio a ser escolhido pelo cliente Polypreen e a este vendido.”.
89. Neste contexto, concluiu:
“Verifica-se que a ré, não agiu de forma dolosa, nem tão pouco negligente ou com mera culpa. Na verdade, a ré procurou aconselhamento profissional, mostrando-se diligente e correta na sua atuação, agindo em conformidade com a resposta que recebeu, ficando convencida que não violava direitos de terceiros, motivo pelo qual se sentiu à vontade para declinar a responsabilidade que lhe foi assacada pela autora nas suas cartas. A ré confiou na idoneidade da informação que recebera, prestada por um profissional do ramo, o que a exime de censura (culpa).”.
90. Tais considerações, tecidas em sede de Direito, recorde-se, encontram sustento factual no seguinte facto provado:
“1.25 A ré diligenciou junto de profissional qualificado, saber se o desenho inserido na malha têxtil que vendeu à Polypreen violava direitos de terceiro, obtendo resposta negativa.”
91. É deste ponto concreto, portanto, que a Autora, Recorrente principal, discorda.
92. Para tanto, alega, em essência:
“19. … no domínio da violação de direitos de propriedade intelectual, “a culpa é aferida em relação à ilicitude do ato e não ao resultado que dele provém”. 20. Essencial é que se demonstre que a Apelada sabia, ou tinha motivos suficientes para saber, que a sua conduta era ilícita. 21. Ora, a Apelada concorre no comércio com a Apelante e, salvo o devido respeito, não pode simplesmente dizer-se, in casu, que procurou aconselhamento jurídico e que por tal ter acontecido, mostra-se correta e diligente a sua atuação, posto que em conformidade com o aconselhamento que recebeu.”. Apreciação deste tribunal
93. A verificação de responsabilidade civil extracontratual pela violação de direito de autor obedece aos requisitos tradicionais previstos no art. 483.º do CC, reiterados no art. 203.º do CDADC - facto, ilícito, dano e nexo de causalidade, e imputação subjetiva ou culpa.
94. Conforme resulta de n.ºs 87 a 90, o tribunal a quo eximiu a Ré de culpa, baseando-se no facto desta se ter informado com A …, “que, no exercício da sua atividade profissional presta serviços de consultoria em questões de marcas e imagens, com formação do INPI e que já tinha assistido a ré numa situação de registo da marca.”.
95. Não se pode concordar, neste ponto, com a sentença recorrida.
96. Como se sabe, a culpa consiste num juízo de censura dirigida ao agente por ter agido como agiu, quando podia ter agido de outra forma.
97. Desculpabilizar um lesante que se informa de questões de Direito Industrial, quando in casu não estavam apenas questões de tal subdomínio do Direito Intelectual, mas, principalmente, questões de Direito de autor, afigura-se manifestamente errado.
98. Como qualquer profissional de Propriedade Intelectual sabe (ou devia saber), este divide-se em dois subdomínios bastante diversos entre si, o Direito Industrial e o Direito de Autor (e direitos conexos).
99. O INPI, ou seja, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, está vocacionado, como o próprio nome indica, para a vertente de Direito Industrial, tratando dos registos de Direitos Industriais, tais como patentes, modelos de utilidade, desenhos e modelos, marcas, logótipos, para além de denominações de origem e indicações geográficas.
100. Ora, pode considerar-se que um profissional qualificado em Direito Industrial é o também em matéria de Direito de Autor?
101. Como nos parece evidente, tal não ocorre necessariamente, desde logo, quando recebeu formação no INPI e quando a sua atividade profissional se limita a direitos industriais relacionados com “marcas e imagens”.
102. Apenas para ilustrar as diferenças, por vezes muito nuançadas, entre o Direito Industrial e o Direito de autor, tome-se em conta, por exemplo, a noção de originalidade supra analisada e a noção de “novidade” do âmbito do Direito Industrial.
103. Caso fizéssemos coincidir o conceito de originalidade (pelo menos parte) com o conceito de novidade, excluiríamos a possibilidade da tutela da chamada criação paralela. Como eloquentemente expôs a opinião do Advogado Geral no já aludido caso Cofemel: “Dois fotógrafos que fotografam a mesma cena no mesmo momento podem obter imagens que não produzem uma impressão visual global diferente. No plano do direito dos desenhos e modelos, aquele que divulga primeiro a sua fotografia poderá opor‑se à divulgação da fotografia do outro. Não é o que acontece no âmbito do direito de autor, onde a criação paralela, desde que seja verdadeiramente original, é não só lícita como beneficia plenamente de proteção como obra distinta” (n.º 64).
104. E muitas outras diferenças existem entre os dois subdomínios da Propriedade Intelectual, desde logo o facto de que a tutela da obra pelo Direito de Autor, não depende nunca de um registo, diferentemente do que sucede, em regra, nos direitos industriais. Por outro lado, enquanto os direitos industriais supra aludidos, são taxativos, inexiste um elenco fechado das obras protegidas pelo Direito de Autor.
105. Bastariam estas considerações, portanto, para tornar altamente duvidosas as considerações e conclusões do tribunal a quo supra citadas em n.ºs 87 a 90.
106. Mas o fundo da questão toca, ainda, num outro ponto problemático da culpa no Direito Civil.
107. Nesta sede, como é consensual, o dolo, em primeira linha, abrange “os casos onde o agente quis diretamente realizar o facto ilícito” João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, 7.a ed. (Coimbra: Almedina, 1993), 562.. É o chamado dolo direto.
108. No caso concreto, como já vimos, resulta que a Ré reproduziu uma obra da Autora, sem autorização desta, apondo o desenho num produto seu, após o qual vendeu-o à empresa ‘Polypreen’ (cf. factos provados 1.10, 1.11 e 1.15).
109. Perante tal factualidade há que concluir que a Ré agiu com dolo direto, pois praticou o facto ilícito de forma intencional.
110. O problema que se poderia aqui levantar, perante o facto provado 1.25, seria a de saber se, no Direito Civil, à imagem do Direito Penal, o dolo e culpa, em sede civil, também pressupõem o conhecimento da proibição (artigo 16.º do Código Penal) ou uma consciência da ilicitude (artigo 17.º do Código Penal).
111. Não desconhecendo autores doutrinais que assim propendem, da nossa parte, cremos que tal construção não encontra fundamento legal no nosso ordenamento jurídico.
112. Desde logo, como é sabido, o Direito Penal não é subsidiário do Direito Civil.
113. O tratamento previsto para situações de erro em sede civil, por exemplo, nos artigos 251.º e 252.º do Código Civil, em pouco ou nada se assemelha ao tratamento dado ao erro sobre a proibição ou à falta de consciência da ilicitude penais.
114. Mesmo o erro acerca dos pressupostos da ação direta ou da legítima defesa obtém um tratamento diverso em Direito Civil (cf. artigo 338.º do Código Civil), relativamente ao Direito Penal (artigo 16.º, n.º 1 e 2, do Código Penal). Enquanto no Direito Civil o lesante é obrigado a indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro for desculpável, no caso do Direito Penal o erro sobre uma causa de exclusão da ilicitude ou culpa, exclui o dolo.
115. Neste contexto, a aplicação da figura da falta de consciência da ilicitude em sede cível, esbarra, tal como sublinhado por Menezes Cordeiro António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Reimpressão da 1. ed. do tomo III da parte II de 2010, vol. VIII (Coimbra: Almedina, 2014), 481., com o preceituado no artigo 6.º do Código Civil: “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.”.
116. Por outro lado, falar-se, em sede cível, de um dolo de culpa, o qual tem inerente a consciência da ilicitude, parece-nos manifestamente inadequado.
117. Como é sabido, na Doutrina Penal, segundo a orientação de Figueiredo Dias: “ao dolo do tipo deve acrescer um novo elemento – digamos: “emocional” –, caracterizador da específica atitude pessoal exigida pelo tipo de culpa dolosa. Elemento emocional este que é dado, em princípio, através da consciência da ilicitude” Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal (Coimbra: Coimbra Editora, 2001), 245..
118. Ora, tal exigência poderá fazer sentido em sede de Direito Penal, pois o crime contém, em regra, um substrato axiológico forte. Aí parte-se, portanto, do pressuposto que o cidadão comum sentirá uma repulsa, mais ou menos intensa (o tal elemento “emocional”), perante hipóteses, por exemplo, de homicídio, violação, roubo ou mesmo de furto. Caso não sinta tal afetação emocional poderemos estar, como é defendido pelo ilustre Penalista, perante um caso de culpa na formação da personalidade.
119. Como é bom de ver, o Direito Civil não parte dos mesmos pressupostos éticos, nem possui conceitos como a culpa na formação da personalidade, conduzindo-se antes pela figura do “bom pai de família” (cf. artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil). As considerações expostas, nomeadamente sobre uma culpa na formação da personalidade, não fazem, pois, sentido.
120. Por último, sempre se dirá que, a entender-se de forma diferente, estaria aberta a porta para a desresponsabilização geral de qualquer lesante. Bastaria alegar e provar que o lesante recebeu informações erradas de um terceiro, que nem sequer tem competências específicas na área em questão (no nosso caso, o Direito de Autor), para obter-se a absolvição, por falta de censurabilidade do ato ilícito.
121. Em suma, não se afigura, de todo, que este seja o pensamento do Legislador. A haver responsabilidade de um terceiro para a prática do facto ilícito, tal terá de ser resolvido entre o lesante e aquele, e não às custas do lesado.
122. Conclui-se, pois, que se mostra preenchida a culpa da Ré, na vertente dolosa, tal como pugnou a Recorrente principal (com argumentação diversa).
iv. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil, consubstanciados no dano e nexo causal?
123. Após analisar o elemento culpa (que, em bom rigor, devia ser o último elemento a ser analisado em sede de responsabilidade aquiliana), a sentença recorrida analisou os requisitos do dano e nexo causal, concluindo pela não verificação do dano e, consequentemente, do nexo de causalidade.
124. Fundamentou tal conclusão da seguinte forma: “Na verdade, a autora não alega quaisquer danos patrimoniais ou morais por mínimos que fossem, recorrendo apenas à disposição legal (art.º 211.º do CDADC) que lhe permite ser indemnizada, se necessário com recurso à equidade, mas sem qualquer alegação que alicerce ou minimamente comprove a existência de danos efectivos. Na verdade, a autora não está dispensada da alegação e prova dos danos, não bastando a violação do seu direito de autor. Tem de demonstrar que essa violação lhe ocasionou danos, quaisquer que eles sejam e, não sendo tais danos alegados pela autora, não resultam provados, o que implica o afastamento do nexo de causalidade.”.
125. Por seu turno, a Recorrente principal, nesta sede, alega, desde logo, que: “ainda que nos encontremos perante uma ausência de danos patrimoniais, não é negligenciável, antes pelo contrário, o valor que a Apelada recebeu pela venda à Polypreen de tecido para colchão infringindo o desenho da Apelante, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79”.
126. Mais acrescenta que a “violação de um direito exclusivo de propriedade intelectual tem associada, forçosa e necessariamente, a inevitabilidade de provocar um dano e que “A utilização do desenho da Apelante, operada pela Apelada, é ainda suscetível de afetar a imagem de que o desenho goza no mercado, causando à sua legítima titular danos diretos e indiretos, sendo certo que usou o desenho, sem que para tal tivesse obtido o respetivo consentimento”.
127. Nestes termos, conclui a Recorrente principal que a Apelada deve ser condenada no pagamento à Apelante de um montante indemnizatório a fixar equitativamente pelo Tribunal. Apreciação deste tribunal
128. Conforme resulta da apreciação e resposta à primeira questão, o Autor, já em sede de petição inicial (artigo 66.º), tinha alegado o seguinte facto “Após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79.”.
129. Mais alegou a Autora, no artigo 75.º da petição: “A utilização do desenho da Autora, operada pela Ré, é ainda suscetível de afetar a imagem de que o desenho goza no mercado, causando à legítima titular do direito, a Autora, danos diretos e indiretos.”.
130. Não se compreende, assim, a afirmação do tribunal a quo no sentido de que não foram alegados danos.
131. Vejamos, assim, se mostram provados os alegados danos.
132. Em sede resposta à primeira questão deste recurso, foi aditada à matéria de facto provada, por este tribunal ad quem, ora aludida em n.º 128.
133. Ora, se o produto, contendo a reprodução ilícita da obra da Autora, foi efetivamente comercializado pela Ré à Polypreen, cremos que se deve concluir que foi produzido um dano àquela.
134. No sentido de que a venda no mercado de cópias ilegais de determinada obra, permite concluir pelo decréscimo de vendas do lesado, veja-se o Ac. TRL 10-04-2018, proc. n.º 225/13.9YHLSB.L1-7.
135. Segundo este acórdão, apreciando a questão quer à luz do Código de Propriedade Industrial, quer à luz do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, afirmou-se: “Afigura-se-nos que poderemos retirar a ilação de que, pelo facto de a R laborar no mesmo mercado, vendendo luminárias parecidas com as que a A. comercializa, naturalmente que a A. deixará de vender, pelo menos, parte da sua produção e, nesse sentido, também, perde clientela.”.
136. Que as partes são concorrentes no mercado das malhas de colchões, não podem existir dúvidas, perante a matéria de facto provada.
137. Conclui-se, pois, pela existência deste dano patrimonial.
138. Passemos à apreciação do alegado dano consistente na afetação da imagem de que o desenho goza no mercado.
139. Este tipo de dano – prejuízo de imagem e diluição do apelo comercial de desenhos ou de outros direitos intelectuais -, consubstancia, conforme vem sendo reconhecido, por exemplo, em França, um dano patrimonial, em concreto, um dano emergente. Cf. André Lucas, Henri-Jacques Lucas e Agnès Lucas Schoetter, Traité de la proprieté littéraire et artistique, 4.ª ed. (Paris: LexisNexis, 2012), 921.
140. Conduzindo-nos, pois, por esta qualificação jurídica dos danos invocados, concluímos que, também aqui resulta provado um dano patrimonial, pelo mero facto de que o direito de exclusivo ter sido violado, nos termos já supra referidos, inclusive, com uma comercialização indevida de uma obra ilegalmente reproduzida.
141. Aliás, o Ac. STJ de 24-05-2018, proc. n.º 1329/15.9T8BGC.G1.S1, numa situação de uso não autorizado de uma obra literária, entendeu o seguinte: “Ainda que da matéria de facto não resultem factos de onde se extraiam os danos provocados, directa e necessariamente, com esta violação, não está o tribunal impedido de atribuir essa indemnização nos termos do art. 211.º, n.º 2, do CDADC, a qual deve ser fixada com recurso à equidade.”. Mais resulta da fundamentação deste acórdão: “O Tribunal pode, diremos mesmo deve, fixar uma indemnização com recurso à equidade.”.
142. Também o nexo causal entre o facto ilícito e os aludidos danos é manifesto, pois, quer um decréscimo de vendas, quer a diluição do apelo comercial do desenho, são efeito da reprodução ilegal e consequente comercialização ilícita realizadas pela Ré.
143. Concluímos, pois, pela verificação de todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.
144. Passemos, assim, à análise da última questão.
v. Deve ser fixado um montante indemnizatório a favor da Autora, por violação de Direito de Autor, a fixar equitativamente pelo Tribunal?
145. Em sede de violação de direitos de autor, dispõe o artigo 211.º do CDADC, resultante da transposição da Diretiva Enforcement (Diretiva 2004/48/CE de 29 de Abril de 2004), o seguinte (com sublinhados nossos):
“Indemnização 1 - Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de autor ou os direitos conexos de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelas perdas e danos resultantes da violação. 2 - Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, o tribunal deve atender ao lucro obtido pelo infrator, aos lucros cessantes e danos emergentes sofridos pela parte lesada e aos encargos por esta suportados com a proteção do direito de autor ou dos direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito. 3 - Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infrator, designadamente do espetáculo ou espetáculos ilicitamente realizados. 4 - O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infrator, bem como às circunstâncias da infração, à gravidade da lesão sofrida e ao grau de difusão ilícita da obra ou da prestação. 5 - Na impossibilidadede se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efetivamente sofrido pela parte lesada, e desde que este não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas caso o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos em questão e os encargos por aquela suportados com a proteção do direito de autor ou direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito. 6 - Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infrator constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos critérios previstos nos n.ºs 2 a 5.”.
146. Na sequência da resposta à questão anterior, concluímos aqui que o montante do prejuízo causado, quer em termos de potencial decréscimo vendas, quer em termos de imagem e apelo comercial de produtos, resultam, pela natureza das coisas, impossíveis de determinar, pelo menos de forma exata.
147. Não se consegue determinar a quantidade exata de um potencial decréscimo de vendas. Por seu turno, é extremamente difícil, senão impossível, determinar de forma precisa, o valor patrimonial da “imagem” e quantificar a diluição de um produto.
148. Aliás, conforme já supra aludido, segundo o Ac. STJ de 24-05-2018, proc. n.º 1329/15.9T8BGC.G1.S1, em situações como o presente caso: “Ainda que da matéria de facto não resultem factos de onde se extraiam os danos provocados, directa e necessariamente, com esta violação, não está o tribunal impedido de atribuir essa indemnização nos termos do art. 211.º, n.º 2, do CDADC, a qual deve ser fixada com recurso à equidade.”. Mais resulta da fundamentação deste acórdão: “O Tribunal pode, diremos mesmo deve, fixar uma indemnização com recurso à equidade.”.
149. Como é sabido, a equidade deve assentar numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, no respeito pelos princípios da proporcionalidade e igualdade, conduzindo-se por “critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados” (cf. Ac. STJ de 10-12-2019, proc. n.º 1087/14.4T8CHV.G1.S1).
150. Nestes termos, haverá que tomar em especial conta, as seguintes circunstâncias do caso concreto:
- O facto aditado por este tribunal, com o seguinte teor: após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79.
- O grau de censurabilidade da conduta da Recorrida é elevado, por ter agido com dolo direto, mesmo tendo em conta que esta se guiou por informação (errónea), prestada por um terceiro. Note-se, nesta sede, que, por carta datada de 09.01.2023 a Autora remeteu missiva à Ré, solicitando que esta cessasse a sua conduta, designadamente abstendo-se de fabricar produtos utilizando o desenho da Requerente, inexistindo qualquer resposta à mesma. Por seu turno, por carta datada de 07.03.2023, a Autora voltou a remeter missiva à Ré solicitando que esta cessasse a sua conduta, designadamente abstendo-se de fabricar produtos utilizando o desenho da Requerente e a Ré respondeu através dos seus mandatários, não reconhecendo nem aceitando as imputações efetuadas sobre a alegada violação de direitos de autor (cf. factos provados n.ºs 1.13 a 1.15).
151. Quanto a critérios jurisprudenciais nesta específica área do direito – direito de autor –, infelizmente a nossa produção jurisprudencial mais recente não é muito extensa.
152. Por exemplo, no Ac. STJ de 24-05-2018, proc. n.º 1329/15.9T8BGC.G1.S1, supra citado, pela utilização não autorizada de um projeto de candidatura a um programa de incentivos da QREN, qualificada, em essência, como obra literária, fixou-se a indemnização com recurso à equidade, em 28.906,00 €. O montante atribuído pela QREN, com base, portanto, numa candidatura copiada, foi de 3.854.187,15 €. No contrato celebrado entre as partes de tal processo, previa-se, inclusive, o pagamento pela Ré à então Autora, de 1,5% do montante do apoio do QREN.
153. No processo desta Secção n.º 14/21.7YHLSB.L1, por Ac. TRL de 09-10-2023 (ainda não publicado), pelo uso não autorizado de uma fotografia, relacionada com o futebol, numa mensagem nas redes sociais aquando do “Campeonato do Mundo de 2018”, onde se apurou que a respetiva titular não a venderia ou cederia os seus direitos por valor inferior a 5.000,00 €, fixou-se a indemnização neste valor (eram peticionados 20.000,00 €). O uso referido perdurou por cerca de um ano.
154. No processo também desta secção, n.º 253/21.0YHLSB.L1, também já aludido, num caso que envolveu a reprodução ilícita de desenhos de candeeiros, como o respetivo uso e exibição de exemplares ilegítimos em diversos locais (um Hotel e um restaurante em Vilamoura) e websites, fixou-se, por equidade, o montante indemnizatório em 5.000,00€.
155. Já em sede de propriedade industrial, por exemplo, no Ac. TRL de 10-02-2022, proc. n.º 399/20.2YHLSB.L1, onde se apurou que a respetiva Ré usou sinais distintivos (marcas registadas) pertencentes à Autora, em violação do respetivo direito exclusivo, suscitando situações de efetiva confusão entre os respetivos clientes e parceiros, a indemnização foi fixada em 5.000,00 €.
156. O presente apresenta mais semelhanças com os casos ora referidos em 152 a 154, mas com a particularidade do apuramento concreto de vendas de produtos contendo reproduções ilegais de obra, vendas estas que totalizaram uma faturação 15.964,79 €. Desconhece-se, contudo, a margem de lucro obtida com tal faturação.
157. Julga-se, assim, que a indemnização, em sede de equidade, também deve ser fixada em € 5.000,00 (cinco mil euros), ou seja, em pouco mais de 30% do faturado.
158. Nestes termos, o recurso principal deve ser julgado procedente.
159. Não foram peticionados quaisquer juros, pelo que não serão atribuídos.
*
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso subordinado improcedente, e o recurso principal procedente, e, em consequência:
a) Adita-se aos factos provados, sob o n.º 1.26, o seguinte facto: “Após produção das amostras e várias alterações solicitadas pela Polypreen België NV tal produto somente foi para esta produzido pela Ré, num total de 3.368,10 m à razão de € 4,74/m2, num total de faturação de €15.964,79”.
b) Revoga-se a sentença recorrida apenas na parte em que absolveu a Ré do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
c) Em vez de tal absolvição, o presente tribunal condena a Ré num montante indemnizatório, fixado com recurso à equidade, em 5.000,00 € (cinco mil euros).
Custas pela Ré, Recorrida e Recorrente subordinada (art. 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 02-05-2025
Alexandre Au-Yong Oliveira
A.M. Luz Cordeiro
Bernardino Tavares
_______________________________________________________ [1] Todos os casos do TJ (Tribunal de Justiça) aqui citados podem ser acedidos em https://curia.europa.eu. Relativamente ao caso Cofemel, veja-se também a importante opinião do Advogado Geral (ECLI:EU:C:2019:363), acessível no mesmo website. [2] Expresso em inglês pela sigla AOIC ou pela expressão Author’s Own Intelectual Creation. [3] Neste sentido, entre nós, Pedro Sousa e Silva, "A Tutela Jusautoral de Obras de Design na Esteira do Acórdão COFEMEL: “Nada de Novo debaixo do Céu”". Revista de Direito Intelectual 01-2023 (2023): 171-196. Na doutrina estrangeira pode ver-se, entre outros, Jens Schovsbo, “Copyright and design law: What is left after all and Cofemel? – or: Design law in a ‘double whammy’ (2020). Acessível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=3519156 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3519156 (acedido em 24-04-2025) e Laureen Schuldt, “EU Copyright and Trade Mark Law: a unifying lens for the protection of Fashion Designs?”, tese de mestrado da Universidade de Estocolmo, acessível em: https://su.diva-portal.org/smash/record.jsf?pid=diva2%3A1776959&dswid=3192 (acedido em 24-04-2025). [4] Mireille Buydens, La propriété intellectuelle Évolution historique et philosophique, Bruylant, 2012, 333. [5] Quanto a programas de computador rege o DL. n.º 252/94 de 20/10. Este Decreto-Lei procedeu à transposição da Diretiva n.º 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, ulteriormente codificada pela Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/04/2009. Quanto a bases de dados rege o DL. n.º 122/2000 de 04/07, que transpôs para o Ordenamento Nacional, a Diretiva n.º 96/9/CE de 11 de março. [6] Mireille Buydens, supra nota 4, 336. [7] João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, 7.a ed. (Coimbra: Almedina, 1993), 562. [8] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Reimpressão da 1. ed. do tomo III da parte II de 2010, vol. VIII (Coimbra: Almedina, 2014), 481. [9] Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal (Coimbra: Coimbra Editora, 2001), 245. [10] Cf. André Lucas, Henri-Jacques Lucas e Agnès Lucas Schoetter, Traité de la proprieté littéraire et artistique, 4.ª ed. (Paris: LexisNexis, 2012), 921.