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PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário
I - As providências cautelares antecipatórias não são um meio de se criar ou definir direitos, e, como tal, só se justificam se for real o perigo de ocorrência de danos graves e dificilmente reparáveis. II - O direito de retenção, enquanto direito real de garantia, tem eficácia erga omnes, sendo, por isso, oponível ao terceiro adquirente da coisa retida. III - Os danos de natureza exclusivamente patrimonial são ressarcíveis por via indemnizatória e, como tal, a tutela cautelar só se justifica em caso de impossibilidade ou considerável dificuldade económica do requerido para suportar o respectivo valor. IV - O terceiro proprietário de veículo automóvel matriculado não é juridicamente prejudicado pelo exercício do direito de retenção e, como tal, sobre ele impende a obrigação de segurar prevista no art. 6.º, n.º 1 do DL n.º 291/2007, de 21/08.
Texto Integral
Proc. n.º 7611/24.7T8VNG.P1 – Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz...
Relatora: Carla Fraga Torres
1.º Adjunto: Manuel Fernandes
2.º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais
Acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5.ª Secção Judicial/3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório.
Recorrente: AA
Recorridos: BB e CC
AA
propôs contra
BB e CC
providência cautelar não especificada, com inversão do contencioso, de restituição do veículo que identifica, se necessário com apreensão pelas forças policiais para posterior entrega a si como fiel depositário, e de condenação dos recorridos no pagamento de uma sanção compulsória, no valor de 500,00 € por cada dia de incumprimento da providência decretada.
Para o efeito, alegou que depois de no Proc. 1281/18.9T8VVD ter sido proferida sentença, já transitada em julgado, de resolução do contrato pelo qual os recorridos haviam adquirido o veículo automóvel de matrícula ..-TG-.. à sociedade A..., com empréstimo concedido pelo Banco 1..., S.A., o próprio adquiriu o mesmo veículo a essa sociedade, de que foi sócio-gerente, não o tendo consigo porque os recorridos, apesar de interpelados por si, não procederam à respectiva restituição, pelo que o seu direito de propriedade “encontra-se gravemente lesado, pois não pode livremente usar e fruir uma viatura que é sua” (art. 17.º); “a não entrega do veículo impede o requerente de dispor e retirar dele qualquer rendimento no exercício da sua actividade” (art. 32.º); o veículo está a desvalorizar-se e a depreciar-se” (art. 32.º); “poderia…vender o automóvel, que é a sua intenção, e desconhece se o mesmo circula na via pública, em que estado se encontra atualmente, pelo que desconhece os quilómetros do mesmo no momento presente, podendo ter um prejuízo irreparável, ...porque os quilómetros não podem vir a ser descontados e pode perder negócios de venda do veículo que já poderia ter feito a preços muito mais vantajosos para si e em virtude desta situação vê-se impedido disso” (art. 33.º); sendo a “lesão ao direito de propriedade do requerente grave e de difícil reparação” (art. 20.º), “uma vez que se trata de um veículo que tem um valor comercial que ronda os 14.000,00 €… que os requeridos dificilmente poderiam restituir ao requerente” (art. 21.º), “Dada a sua condição económica” (art. 22.º), revelada pela circunstância de “para adquirir a referida viatura… fizeram-no através de contrato de mútuo…o que demonstra que podem …não conseguir solver eventuais responsabilidades decorrentes desta situação” (art. 23.º); tem “fundado receio de perda grave e dificilmente reparável” (art. 24.º); “teme, seriamente, que os requeridos estejam a fazer várias manobras de ocultação para nunca chegar a entregá-lo” (art. 24.º), “porque se a intenção dos requeridos fosse entregar o veículo…já o teriam feito, não se antevendo boas intenções na recusa” (art. 25.º); “quanto mais tempo os requeridos tiverem a viatura na sua posse (se é que ainda a tem e não a dissiparam já) maior é o risco do veículo se estragar…podendo até extinguir-se tal direito, pelo perecimento/desaparecimento do bem” (art. 29.º); tem “fundado receio na ocultação da viatura e tem ainda mais receio que a mesma possa ser envolvida em acidente de viação ou manobra menos clara” (art. 15.º); “pode a mesma ser dada como desaparecida, e tem um fundado receio de lhe perder o rasto … que os requeridos a coloquem em parte incerta, não assumindo responsabilidades” (art. 18.º); “receia igualmente que possa ter ocorrido, ou que venha a ocorrer uma acidente de viação causador de ofensas corporais ou mesmo a morte de terceiros, resultante da condução dos Requeridos ou mesmo de terceiros, que origine a obrigação de indemnizar os intervenientes…com o pedido de pagamento de indemnizações” (art. 30.º); “que os Requeridos possam ter um acidente com o veículo, com os inerentes riscos...de danos…mecânica e carroçaria que possam afetar o seu bom funcionamento” (art. 31.º), visto que “a viatura encontra-se registada a seu favor, sendo o seu proprietário, pelo que responde por todos os factos e danos onde a mesma esteja envolvida” (art. 16.º), e “o próprio veículo não possui apólice de seguro válida” (art. 37.º).
Com o requerimento inicial o recorrente juntou a identificada sentença, no que aqui releva, com o seguinte segmento decisório:
“3. Condena-se a ré, A..., Lda., ao pagamento aos autores do montante global de 878,06 (oitocentos e setenta e oito euros, seis cêntimos), relativo aos prejuízos decorrentes do contrato resolvido”.
Da mesma sentença consta, além do mais:
- do respectivo enquadramento jurídico que,
“no que toca às apuradas despesas com a manutenção e reparação do veículo, no montante global de 878,06 €…estará a ré obrigada a indemnizar os autores por estes dispêndios”, e,
- como factos provados que,
Citados, os recorridos deduziram oposição, invocando a ilegitimidade do recorrente e requerendo a intervenção principal da identificada sociedade e da identificada entidade bancária, para depois justificar a não restituição do veículo com o seu alegado direito de retenção sobre o mesmo enquanto a dita sociedade não cumpra a mencionada sentença, que executaram, e que condenou esta a pagar-lhes quantias que têm por objecto esse veículo. Termos em que concluíram que em relação ao recorrente inexiste o direito invocado e que este agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Terminam, pedindo a condenação solidária da referida sociedade e do recorrente no custo do aparcamento do veículo no valor de 6.150,00 € acrescido do valores da execução pendente, invocando novamente o direito de retenção da viatura. Finalmente, pediram a condenação do recorrente como litigante de má-fé.
Após convite para esclarecer, concretizando factualmente, a alegada falta de condições económicas dos recorridos, o recorrente, relativamente a este aspecto, reiterou o que já havia alegado no requerimento inicial.
As requeridas intervenções de terceiro foram indeferidas e, realizada a audiência final de acordo com o formalismo legal, o tribunal recorrido proferido decisão, com o seguinte segmento final:
“a) Julgar improcedente o presente procedimento cautelar.
b) Condenar o requerente no pagamento das custas processuais (artigo 527.º do
Código de Processo Civil).
c) Julgar não verificada a litigância de má fé do requerente”.
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o requerente, que, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
1. Na douta sentença proferida, o tribunal julgou improcedente o procedimento cautelar interposto pelo Requerente/Recorrente.
2. É convicção do Recorrente que a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, e salvo devido respeito, incorreu em erro notório na verificação dos requisitos que regem os procedimentos cautelares.
3. O tribunal deu como provados os factos 1 a 12 constantes e melhor descritos na sentença.
4. E deu como não provado apenas um facto.
5. O tribunal a quo deu como provado que o veículo automóvel é da propriedade do Requerente, mas está na posse (ilegítima) dos Requeridos. Com a resolução do contrato de compra e venda, os Requeridos teriam de restituir o veículo à A..., Lda. e esta última teria de restituir o preço recebido à Banco 1..., S.A. A A..., Lda. restituiu o preço à Banco 1..., S.A. que, posteriormente, ressarciu os Requeridos, mas os Requeridos, por sua vez, não restituíram o veículo automóvel à A..., Lda.
6. Mais tarde, o aqui Requerente adquiriu a propriedade do veículo, tendo vindo este último a tentar, ao longo de todo este tempo, que o veículo lhe seja restituído, visto que é o seu proprietário legítimo, ao contrário dos Requeridos.
7. Mesmo depois de contactados pelo Requerente, que lhes transmitiu ser sua obrigação proceder à imediata devolução do veículo automóvel, os Requeridos mantiveram a posição de total desrespeito das suas obrigações, tendo recusado proceder à devolução do mesmo, sabendo que se encontram a tal obrigados.
8. Desta feita, veio o Requerente intentar o presente procedimento cautelar para que o veículo lhe fosse restituído, tendo o tribunal proferido na sentença que não se encontravam preenchidos os requisitos da providência cautelar.
9. De acordo com o artigo 362.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), a o procedimento cautelar não especificado depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: possibilidade séria da existência de um direito segundo um juízo de probabilidade ou verosimilhança; justo ou fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e de difícil reparação – periculum in mora – segundo um juízo de realidade ou de certeza; não adequação de qualquer providência cautelar específica; adequação da providência à situação de lesão iminente; não ser o prejuízo resultante da providência superiorao danoque com ela se quer evitar.
10. O tribunal entende que não estão preenchidos os dois primeiros requisitos.
11. Relativamente ao requisito da possibilidade séria da existência de um direito segundo um juízo de probabilidade ou verosimilhança, o tribunal defende que a não restituição do veículo encontra fundamento jurídico no direito de retenção tendo em conta um alegado direito de crédito que os Requeridos/Recorridos detêm sobre a sociedade A..., Lda..
12. In casu, nunca poderia existir direito de retenção, pois o “crédito restante sobre aquela sociedade” em nada tem a ver com o Requerente, visto que o alegado crédito é sobre a sociedade e não sobre o Requerente e, tal como resulta provado nos autos, o veículo é da propriedade do Requerente.
13. O Requerente/Recorrente não é o devedor dos Requeridos/Recorrentes.
14. Como o próprio tribunal indica, o crédito é sobre a sociedade e não sobre o Requerente.
15. Assim, o direito de retenção nunca poderia servir de fundamento para a não restituição do veículo pelos Requeridos ao Requerente.
16. Também as custas de parte não podem ser tidas como despesas feitas por causa do veículo, pois são despesas decorrentes de uma ação judicial e apenas por causa desta última.
17. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/02/2010, processo n.º 5703/09-6.
18. O Requerente apenas quer ver acautelado o seu direito de propriedade.
19. O decretamento da providência não implicaria aos Requeridos qualquer prejuízo que deva merecer tutela jurídica, já que foram os mesmos que deram causa aos seus fundamentos, adoptando uma conduta manifestamente ilícita e abusiva, violando conscientemente o direito de propriedade do Requerente.
20. No que concerne ao requisito do periculum inmora, o comportamento ilícito dos Requeridos está, sem dúvida, a causar ao Requerente prejuízos graves e de difícil reparação.
21. A Meritíssima Juiz a quo acentuou a natureza puramente patrimonial do dano na esfera do Requerente, afirmando que o Requerente apenas alegou que os Requeridos não poderiam um dia ressarci-lo dos prejuízos em que incorre e incorrerá devido à sua insuficiência económica.
22. O Requerente não se focou apenas nesse facto, na petição. Pois bem, o Requerente tem fundado receio na ocultação do veículo e tem ainda mais receio que o mesmo seja envolvido em acidente de viação ou manobra menos clara, dado que é o seu proprietário e, portanto responde por todos os factos e danos causados pelo mesmo.
23. Considerando que o veículo continua em circulação, com todos os riscos inerentes a esse facto, sem que exista qualquer cobertura de seguro de responsabilidade civil ou até, eventualmente, de seguro contra danos próprios, o Requerente está a correr o risco, em caso de acidente, de ser responsabilizado civilmente por danos causados a terceiros, bem como de vir a suportar danos que o veículo sofra, que poderão traduzir-se na afetação do seu bom funcionamento (mecânica e carroçaria) ou até mesmo na perda total.
24. O Requerente também refere que o seu direito de propriedade se encontra gravemente lesado, pois não pode usar e fruir livremente de um veículo que é seu e que, a qualquer momento, pode desaparecer ou ser facilmente ocultado, frustrando-se a finalidade da providência cautelar requerida, não assumindo os Requeridos qualquer responsabilidade.
25. Além disto, o Requerente afirmou e bem que quanto mais tempo o veículo estiver na posse dos Requeridos, maior é a probabilidade de este se estragar ou desaparecer, colocando irremediavelmente o direito de propriedade do Requerente em causa.
26. Ainda, o veículo automóvel tem um valor comercial de, aproximadamente, 14.000,00 € (catorze mil euros) e a circunstância de o veículo automóvel continuar a ser utilizado, embora indevidamente, pelos Requeridos, implica uma desvalorização acentuada, sobretudo porque o veículo continua na posse de quem sabe que, mais dia menos dia, será privado do mesmo, não tendo, consequentemente, qualquer interesse na respectiva conservação e manutenção. O Requerente poderia vender o imóvel facilmente, se o tivesse na sua posse. Todavia, o Requerente desconhece em que estado é que se encontra o veículo, o número de quilómetros que detém atualmente, perdendo, assim, negócios de venda vantajosos.
27. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/06/2019, processo n.º 641/19.2T8FIG.C1.
28. Desta forma, encontram-se preenchidos os requisitos previstos pelo artigo 362.º do CPC.
29. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e deve ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que declare procedente o procedimento cautelar, condenando os Requeridos a entregar/restituiro veículo ao Recorrente e, no caso de os Recorrentes não entregarem o veículo no prazo que lhes for fixado, deve ser ordenada a sua apreensão pelas forças policiais competentes para posterior entrega ao Requerente/Recorrente como fiel depositário e, ainda, devem os Requeridos ser condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de 500,00 € (quinhentos euros) por cada dia que não cumpram a efetividade da providência decretada e, por último, deve ser decretada a inversão do contencioso, nos termos do disposto nos artigos 369.º e 371.º do Código de Processo Civil e, por via disso dispensar o Recorrente do ónus de propor a ação principal”.
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Os recorridos não apresentaram contra-alegações
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Recebido o processo nesta Relação, proferiu-se despacho a considerar o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com o efeito e o modo de subida adequados.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se se verificam os pressupostos de que depende o decretamento da requerida providência cautelar.
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III. Fundamentação de facto.
O tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos:
1. “O veículo com a matrícula ..-TG-.., marca ..., foi objecto dos seguintes registos na Conservatória do Registo Automóvel:
a. Registo de propriedade com ap. ...11, em 20.7.2017, a favor de A..., Lda.;
b. Registo de propriedade com ap. ...36, em 7.8.2023, a favor de AA.
2. Em julho de 2017, os requeridos celebraram contrato de compra e venda com a A..., Lda., da qual o requerente foi gerente até 14 de Agosto de 2023, para compra da viatura com a matrícula ..-TG-.., por recurso a crédito junto do Banco 1..., S.A.
3. O veículo TG ficou em poder dos requeridos.
4. Os requeridos instauraram contra A..., Lda., e Banco 1..., S.A., acção declarativa com o n.º 1281/18.9T8VVD, que correu os seus termos no Juízo Local Cível de ..., pedindo que se anule o contrato de compra e venda do veículo com a matrícula ..-TG-.. celebrado com a A..., Lda., com restituição recíproca do recebido, e que se condene a A..., Lda. no pagamento dos custos e prejuízos sofridos com a reparação e manutenção do veículo automóvel, a determinar em execução de sentença. Pediram ainda, que, invalidado o contrato de compra e venda, se declare a invalidade do contrato de crédito, coligado, n.º ...34, celebrado com a ré Banco 1..., SA.
5. No âmbito do referido processo n.º 1281/18.9T8VVD, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, determinado a resolução do contrato de compra e venda e do contrato de mútuo coligado, a restituição pelos aqui requeridos à A..., Lda., do veículo, a restituição por esta última ao Banco 1..., S.A, do preço recebido, a entrega deste último aos aqui requeridos das prestações efectuadas, o pagamento pela A... aos aqui requeridos de € 878,06 e o pagamento pelas rés das custas processuais.
6. O recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães da sentença descrita em 5 foi julgado improcedente, confirmando a sentença recorrida.
7. Os requeridos interpelaram as rés no processo n.º 1281/18.9T8VVD para cumprirem o decidido e manifestaram disponibilidade para entregar de imediato a viatura.
8. O Banco 1..., S.A., devolveu aos requeridos quanto destes recebeu.
9. Apresentando como título executivo a sentença descrita em 5, os aqui requeridos instauraram execução contra A..., Lda., para pagamento coercivo da quantia de € 878,06 e das custas de parte com o valor de € 765,00, quantias acrescidas dos respectivos juros moratórios.
10. O Requerente solicitou aos Requeridos a entrega do veículo por diversas vezes.
11. O veículo com a matrícula ..-TG-.. tem um valor comercial que ronda os 14.000,00 €.
12. A partir de 14 de Agosto de 2023, a A..., Lda., passou a ter como gerente DD.
V. Ficaram por demonstrar os seguintes factos:
A. O aparcamento e guarda da viatura nas instalações dos requeridos implicou
para estes um custo diário de € 12,50”.
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IV. Fundamentação de direito.
Delimitada a questão essencial a decidir, nos termos sobreditos sob o ponto II, cumpre apreciá-la.
O art. 2.º do CPC, sob a epígrafe “Garantia de acesso aos tribunais”, contempla como tal no seu n.º 2, quer as acções adequadas a reconhecer, a prevenir ou a reparar a violação de um direito e a realizá-lo coercivamente, quer os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil dessas acções.
Por sua vez, o art. 362.º do CPC, relativo ao âmbito das providências cautelares não especificadas, dispõe no seu n.º1 que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
Consagra este tipo legal a tradicional distinção estabelecida pela doutrina entre providências conservatórias e as providências antecipatórias.
Clarificando uma e outra, Marco Carvalho Gonçalves escreve que:
“As providências cautelares de natureza conservatória previnem a ocorrência ou a continuação de produção de danos graves e irreparáveis ou de difícil reparação no direito do seu titular, acautelando o efeito útil do reconhecimento definitivo desse mesmo direito. Com efeito, estas providências têm como objetivo conservar, “manter ou preservar a situação existente, assegurando ao requerente a manutenção da titularidade ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem, que está ameaçado de perder”. O mesmo é dizer que estas providências cautelares destinam-se a garantir que a situação de facto e de direito existente numa fase inicial do processo judicial (seja antes ou na pendência da ação judicial) se mantenha inalterada até que o processo chegue ao seu termo, assegurando-se, dessa forma, a efetividade e a executoriedade da decisão judicial…Deste modo, neste tipo de medidas, o requerente deduz um pedido que não corresponde necessariamente ao que deduziria na ação principal. Assim, por exemplo, no procedimento cautelar de arresto, o requerente pede a apreensão de determinados bens ou direitos como forma de garantir um direito de crédito e, na ação principal correlativa, o requerente, agora autor, pede a condenação do réu no pagamento desse mesmo crédito. Há ainda que salientar que, sob o ponto de vista dos seus efeitos, estas providências cautelares não visam antecipar, ainda que provisoriamente, o efeito jurídico da decisão a ser proferida na ação principal…
As providências cautelares de natureza antecipatória são aquelas que, face à situação de urgência que lhes está associada, antecipam os efeitos jurídicos próprios da decisão a ser proferida na ação principal, bem como a realização do direito. O mesmo é dizer que estas providências antecipam a própria “realização do direito que presumivelmente virá a ser reconhecido nessa ação” ... Nessa exata medida, estas providências cautelares encontram-se associadas à situação de “pericolo da tardività”, já que visam impedir, mediante a antecipação dasatisfação da pretensão do requerente, o prejuízo que o prolongamento de uma situação antijurídica provoca ao titular do direito” (in “Providências Cautelares”, 2016, 2.ª Edição, Almedina, págs. 93 e ss.).
Ponto é que umas e outras, as providências cautelares conservatórias e as providências cautelares antecipatórias, partilham de características comuns de que se destaca, por um lado, a instrumentalidade e dependência, e, por outro, a provisoriedade, posto que, por regra, estão dependentes de uma acção já instaurada ou a instaurar e não produzem resultados definitivos.
Esclarecendo, o citado autor, diz-nos que “a tutela cautelar caracteriza-se por revestir um caráter instrumental e provisório, porquanto limita-se a proteger o efeito útil da sentença a ser proferida na ação principal. Significa isto que, ressalvada a possibilidade de inversão do contencioso, não é possível obter, pela via cautelar, a composição definitiva de um direito. Assim, “a tutela cautelar não pode ser considerada uma forma de tutela urgente. Não há, no ordenamento jurídico português, nenhuma tutela cautelar que seja igualmente uma tutela urgente, nem nenhuma tutela urgente que seja obtida através da tutela cautelar” (in loc. cit., pág. 105/6).
Verdade, como salienta o mesmo autor, que a nossa lei de processo civil inclui na tutela cautelar as medidas de garantia, de regulação provisória e de antecipação provisória, ao contrário do que sucede com alguns ordenamentos jurídicos, como o brasileiro e o italiano, que distinguem entre as providências cautelares propriamente ditas e as antecipações de tutela, “sendo que estas últimas, enquanto “tipos de tutela de urgência”, constituem medidas de caráter urgente que se destinam a proporcionar ao interessado os mesmos resultados (ou parte deles) que se visam obter com a sentença de mérito” (in loc. cit., pág. 110). O autor explica: “…enquanto na tutela antecipada se concede ao autor parte ou a totalidade do direito que é peticionado na ação, mediante prova de elementos que evidenciem a probabilidade de existência do direito e o perigo de verificação de um dano, já na tutela cautelar adota-se uma medida que seja suscetível de garantir o efeito útil da sentença a ser proferida na ação principal. O mesmo é dizer que “as tutelas antecipadas não visam, como as cautelares, conservar meios para que o processo em si mesmo possa operar de modo eficiente, mas oferecer diretamente às pessoas algo cuja demora poderia ser-lhes prejudicial”. Nesta perspetiva, a concessão da tutela cautelar antecipada permite que o requerente obtenha, ainda que de forma provisória, uma tutela de que só beneficiaria no futuro, com o proferimento da sentença. Trata-se, por isso, de uma vantagem que lhe é atribuída com “carácter provisório”…”. E convocando o actual regime brasileiro, explica o mesmo autor que “Diversamente do que sucedia no código revogado, em que a lei exigia uma “prova inequívoca do direito invocado” para que o juiz pudesse decretar uma medida de antecipação da tutela, o novo Código de Processo Civil faz depender a concessão dessa medida do requisito do fumus boni iuris, isto é, da “probabilidade” da existência do direito. Verifica-se, por isso, neste domínio, uma aproximação entre a tutela urgente cautelar e a tutela urgente antecipada.
Contudo, ao invés da tutela cautelar, o juiz só pode antecipar a tutela se considerar que é necessário proteger de imediato o direito, antecipando os efeitos da tutela pretendida, face à “impossibilidade de espera”” (in loc. cit., pág. 111 e ss.).
O que vem de se dizer permite a extrapolação de que, fazendo-se a tutela antecipatória provisória dos efeitos de uma sentença, no nosso regime jurídico, por via das providências cautelares antecipatórias, é a estas que, como pressuposto da sua aplicação, se deve exigir a necessidade de protecção imediata do direito.
Na realidade, recorrendo, uma vez mais, a Marco Carvalho Gonçalves, “os riscos de uma decisão injusta são muito maiores neste tipo de providências, se atendermos a que os efeitos destas medidas são irreversíveis, no sentido em que o requerente, através da antecipação proporcionada pelo decretamento das mesmas, goza provisoriamente de um direito que, a final, pode não lhe ser reconhecido.
Atento o facto de a providência cautelar antecipatória propender por “consumir os efeitos da decisão final”, o tribunal deve ser prudente e cauteloso no seu juízo de ponderação quanto à necessidade de decretamento da providência requerida. Com efeito, neste tipo de tutela, assiste-se a uma “maior responsabilização do julgador perante a emissão de uma providência antecipatória” (in loc. cit., pág. 97).
Assim, é à luz desta exigência que os requisitos gerais das providências cautelares, constituídos pela aparência do direito, o chamado fumus bonis juris e o perigo de insatisfação desse direito, o chamado periculum in mora,têm de ser apreciados.
A este respeito, a RP em acórdão de 24/02/2025 (Proc. 591/21.2T8AVR – C.P1; rel. Manuel Domingos Fernandes), pronunciou-se, nos seguintes termos: “No que diz respeito à apreciação do requisito da titularidade do direito, a lei contenta-se com a emissão de um juízo de probabilidade ou verosimilhança, exigindo, todavia, que tal probabilidade seja justa e séria.[3] Já no que concerne ao segundo requisito suprarreferido, o do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, pressupõe a providência que aquele que a solicita se encontre perante meras ameaças…
Por outro lado, a violação receada não será qualquer uma, mas aquela que "modificando o estado actual, possa frustrar ou dificultar muito a efectividade do direito de uma parte. Para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um acto qualquer, mas sim aquele que é capaz de exercer uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito".[5]
Ou seja, não basta, para o deferimento da providência, que se conclua pela possibilidade de o requerente poder vir a sofrer um qualquer dano. Tal dano tem de revestir uma gravidade assinalável, ser penoso e importante de tal forma que a sua reparação posterior seja inviável ou mesmo meramente difícil.
Este último requisito há-de aferir-se já não através de um juízo de mera probabilidade (como o da verificação da aparência do direito) mas sim através de um juízo de realidade ou de certeza.
Em suma, o que está em causa, em última análise, é obviar-se ao "periculum in mora". Ou seja, a providência cautelar, porque não constitui um meio para se criarem ou definirem direitos, não deve ser encarada como uma antecipação da decisão final a proferir na acção principal e da qual dependente, apenas se justificando para se acautelar o direito invocado no sentido de evitar, durante a pendência da acção principal, a produção de danos graves e dificilmente reparáveis” (in www.dgsi.pt).
Retomando o caso dos autos, o que se verifica, a respeito do primeiro dos referidos requisitos das medidas cautelares, é que o recorrente se arroga o direito de propriedade sobre o veículo de matrícula ..-TG-.., que, estando inscrito no registo a seu favor, se presume pertencer-lhe por força do art. 7.º do Código de Registo Predial (CRP) aprovado pelo DL n.º 224/84, de 6/07, por remissão do art. 29.º do DL n.º 54/75, de 12/02.
Sucede que os recorridos invocaram o direito de retenção sobre a viatura em causa por crédito que a decisão recorrida considerou resultante de despesas, no valor de 878,06 €, efectuadas pelos mesmos com essa viatura, como, de resto, resulta da sentença junta pelo recorrente para sustentar a sua pretensão cautelar. Não impugnando esta concreta conexão directa entre a coisa a entregar e o crédito reclamado, o recorrente defende, porém, que, não sendo ele o devedor das ditas despesas, o direito de retenção não pode servir de fundamento para a não restituição do veículo pelos recorridos.
Vejamos.
O direito de retenção, como explica Antunes Varela, “consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele” (in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, 772/3).
Está previsto em termos gerais no art. 754.º do CC e para determinados casos particulares noutras disposições legais de que o art. 755.º do mesmo diploma legal é o exemplo mais relevante.
A existência do direito de retenção, nos termos do citado art. 754.º, depende da verificação de três requisitos: a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem (cfr. art. 756.º, al. a) do CC); o detentor da coisa ser credor da pessoa com direito à entrega, e o crédito do detentor da coisa resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados (conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa).
No caso, da factualidade apurada colhe-se que o veículo detido pelos recorridos foi obtido por via de um contrato de compra e venda, e, portanto, por meios lícitos e que aqueles, detentores do veículo, têm sobre a sociedade vendedora, que, por força da resolução daquele contrato, têm direito à entrega do veículo, o crédito de 878,06 € por despesas efectuadas com o mesmo.
De onde, se conclui pela verificação dos três requisitos constitutivos do direito de retenção previsto no citado art. 754.º do CPC.
Sucede que, o recorrente defende que, não sendo ele devedor das ditas despesas, o direito de retenção não pode servir de fundamento para a não restituição do veículo pelos recorridos.
É hoje pacífico que o direito de retenção previsto no art. 754.º e ss. do CC, constitui um direito real de garantia (cfr. arts. 758.º e 759.º do CC), e, como tal, com eficácia erga omnes, oponível a terceiros da relação creditícia, designadamente a quem adquiriu posteriormente a coisa, como, no caso, sucede com o recorrente (com interesse vide Sérgio Nuno Coimbra Castanheira, “Direito de retenção do promitente-adquirente”, in “Garantia das Obrigações”, coord. Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Almedina, pág. 498 e ss.; Teresa Fernanda Mofreita Fernandes, “A Oponibilidade do Direito de Retenção e a Protecção de Terceiros: No âmbito do Contrato-Promessa e do Contrato de Subempreitada”, Julho de 2013, Universidade de Coimbra, págs. 34 e ss., on line e Mariana Coimbra Piçarra, “O Direito de Retenção do Promitente-Comprador: Algumas Reflexões”, págs. 21 e ss., Revista Julgar, n.º 34, 218). Nesta medida, como escreve Mariana Coimbra Piçarra – “sendo um direito real de garantia que incide sobre coisas corpóreas, é dotado do respectivo efeito de sequela e, como tal, caso o terceiro/proprietário da coisa retida venha a pagar o crédito garantido, sub-rogar-se-á contra o devedor (art. 592.º)” in loc. cit., pág. 22.
Neste contexto, sendo verosímil o direito de propriedade do recorrente sobre a viatura em discussão, a sua detenção pelos recorridos encontra-se justificado pelo também provável direito de retenção que a estes assiste nos termos sobreditos, em prejuízo da tutela cautelar que aquele reclama.
Vejamos, em todo o caso, o segundo dos pressupostos das providências cautelares, ou seja o periculum in mora.
O recorrente defende que para justificar este pressuposto, ao contrário do afirmado pelo tribunal a quo, não alegou apenas a insuficiência económica dos requeridos, mas também matéria reveladora de danos de natureza não puramente patrimonial, que, como tal, descreve: “fundado receio na ocultação do veículo”, envolvimento do mesmo “em acidente de viação ou manobra menos clara, dado que é o seu proprietário e, portanto responde por todos os factos e danos causados ao mesmo” (conclusão 22); “o veículo continua em circulação, com todos os riscos inerentes a esse facto, sem que exista qualquer cobertura de seguro de responsabilidade civil ou até, eventualmente, de seguro contra danos próprios, o Requerente está a correr o risco, em caso de acidente, de ser responsabilizado civilmente por danos causados a terceiros, bem como de vir a suportar danos que o veiculo sofra, que poderão traduzir-se na afetação do seu bom funcionamento (mecânica e carroçaria) ou até mesmo na perda total” (conclusão 23); “não pode usar e fruir livremente de um veículo que é seu e que, a qualquer momento, pode desaparecer ou ser facilmente ocultado” (conclusão 24); “quanto mais tempo o veículo estiver na posse do Requeridos, maior é a probabilidade de este se estragar ou desparecer” (conclusão 25); “o veículo automóvel tem um valor comercial de, aproximadamente, 14.000,00 € … e a circunstância de o veículo automóvel continuar a ser utilizado…implica uma desvalorização acentuada, sobretudo porque o veículo continua na posse de quem sabe que…será privado do mesmo, não tendo, consequentemente, qualquer interesse na respectiva conservação e manutenção (conclusão 26).
Insiste o recorrente em riscos e perigos que se prendem com danos de natureza exclusivamente material, seja por ocultação, desaparecimento, desgaste ou desvalorização do veículo, seja por não o poder utilizar ou vender.
Sucede que danos provenientes da violação destas obrigações, sendo danos de natureza exclusivamente patrimonial, podem ser ressarcidos por via de adequada indemnização em dinheiro nos termos dos art. 564.º, n.º 1 e 566.º, n.º 1 do CC, não necessitando da demandada tutela cautelar.
No citado acórdão da RP de 24/05/2025 pode ler-se que “A propósito do critério de aferição da verificação dos requisitos de uma providência cautelar comum, refere Abrantes Geraldes[6] que, “(…) Quanto aos prejuízos materiais o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva”.
Acrescenta, todavia, o mesmo autor que “apesar disso, não deve excluir-se, como, aliás, a lei não exclui, a possibilidade de protecção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados” …
Sem dúvida que os prejuízos materiais são, em regra, como refere o autor citado, passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva, todavia, ainda assim, não se deve excluir a possibilidade de proteção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, não obstantedevam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido”.
No mesmo sentido se pronunciou a RL em acórdão de 8/01/2008 (Proc. 7956/2007-1; rel. Rui Vouga) assim sumariado: “III - Os prejuízos decorrentes para a Requerente tanto da eventual perda total ou parcial do veículo, como do desgaste e desvalorização do mesmo e, bem assim, os lucros cessantes por ela deixados de auferir são, em princípio, ressarcíveis por via duma adequada indemnização em dinheiro (nos termos dos arts. 564º-1 e 566º-1, ambos do Código Civil).IV - Só assim não seria se, porventura, a situação patrimonial da Requerida/Agravada for tal que ela não estivesse em condições de arcar com o pagamento da referida indemnização. Para tanto, far-se-ia mister que a Requerente tivesse curado de articular (e provar) factos concretos evidenciadores da precariedade da situação económico-financeira da Requerida”.
No caso, a factualidade apurada, pelas razões expostas na sentença recorrida, não permite caracterizar a situação económica dos recorridos como precária ou insuficiente para responder pelos eventuais danos no veículo ou lucros cessantes, e, como tal, não se justifica a aplicação da demandada medida cautelar de entrega do veículo ao recorrente.
Não se ignora que recaindo o direito de retenção sobre coisa móvel, o respectivo titular, ao abrigo do disposto nos arts. 670.º a 673.º do CC, por remissão implícita do art. 758.º do CC, goza dos direitos e está sujeito às obrigações do credor pignoratício. Entre estas obrigações conta-se a de guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua existência e conservação (art. 671.º, al. a)) e a não usar dela sem consentimento do autor do penhor, excepto se o uso for indispensável à conservação da coisa (art. 671.º, al. b)). Inclusive não se desvaloriza o disposto no art. 673.º do CC que, em caso de o credor usar a coisa empenhada contra o disposto na alínea b) do artigo 671.º, ou proceder de forma a que a coisa corra o risco de perder-se ou deteriorar-se, confere ao autor do penhor, no caso ao proprietário da coisa, o direito de exigir que aquele preste caução idónea ou que a coisa seja depositada em poder de terceiro. De facto, assim é. Todavia, a adopção destas medidas, desta feita conservatórias, em sede cautelar, inclusive no caso concreto – dado que o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida (art. 376.º, n.º 3 do CPC) - não deixam de estar dependentes das exigências que presidem à tutela cautelar, ou seja, além da aparência do direito, que o mesmo se encontre em risco de sofrer uma lesão grave e irreparável ou de difícil reparação, o que, como vimos, não sucede, desde logo, por não estar demonstrada a insuficiência económica dos recorridos para, oportunamente, e, se for o caso, repararem os danos patrimoniais por via de indemnização adequada, tanto mais que, como se disse, respondem pela existência e conservação do veículo retido.
Finalmente, o recorrente justifica a necessidade da pretendida medida cautelar com o receio dos danos de índole pessoal que possam resultar para terceiros e pelos quais tenha de responder, enquanto proprietário do veículo.
Ora, sem prejuízo de os recorridos, enquanto credores, não poderem usar o veículo retido sem o consentimento do recorrente (art. 671.º, al. b) do CC), sempre se dirá que o direito de retenção daqueles, não se destinando a proporcionar-lhes o gozo ou fruição do veículo, não causa prejuízo jurídico ao recorrente, sobre quem, enquanto proprietário do veículo matriculado, impende a obrigação de segurar, nos termos do art. 6.º, n.º 1 do DL n.º 291/2007 de 21/08, assim se evitando o alegado perigo de uma lesão grave e dificilmente reparável dos interesses associados ao seu direito de propriedade, sem necessidade, portanto, de tutela cautelar.
Termos em que se conclui pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade do recorrente (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
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V. Decisão
Perante o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação julgar improcedente o recurso e em manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Porto, 28/4/2025
Carla Fraga Torres
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais