APOIO JUDICIÁRIO
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
CAUÇÃO
PRAZO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

SUMÁRIO (da responsabilidade do relator)
I- O Tribunal Constitucional, pelo acórdão n.º 353/2017, de 13-09, publicado no Diário da República n.º 177/2017, Série I de 2017-09-13, páginas 5382 – 5385, decidiu declarar “inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma que impõe o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias contados da data da comunicação ao requerente da decisão negativa do serviço da segurança social sobre o apoio judiciário, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão, constante da alínea c) do n.º 5 do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto”.
II- Em face desta decisão vinculativa do TC, temos de considerar que a “decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário” a que se reporta o artº 15º-F/7 do NRAU é a decisão que aprecia do recurso de impugnação judicial do pedido de apoio judiciário, e não a decisão da Segurança Social, como resultava daquele artº 29º/5, al. c) da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
III- Tal entendimento tem necessariamente de se referir também às demais quantias mencionadas artº 15º-F/5 do NRAU (caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso) e cujo pagamento está dependente da decisão final de improcedência do pedido de apoio judiciário.
IV- Em consequência, não pode ser determinado o desentranhamento da oposição ao procedimento especial de despejo nos termos do artº15º-F/7 do NRAU enquanto estiver pendente o recurso de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.
V- Se a oposição apresentada não contém os elementos factuais essenciais para poder ser considerada materialmente uma verdadeira oposição à pretensão da autora e tendo ainda a recorrente sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado, o que não fez, a decisão que decretou o despejo e condenou no pagamento das rendas em dívida era a que se impunha.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Ré recorrente: LATITUDE DOS TEMPEROS – PRODUTOS ALIMENTARES, LDA.
Autora recorrida: LINCORLAR-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E IMOBILIÁRIA, LDA.
A autora instaurou procedimento especial de despejo peticionando a desocupação do locado sito na Rua..., loja ..., Odivelas, bem como a sua entrega livre de pessoas e bens, com fundamento na falta de pagamento das rendas no valor total de € 32.595,24, a que acresce os juros de mora vencidos, à taxa legal supletiva comercial, no montante de € 1.873,75, perfazendo a quantia total de € 34.468,99 (na data da propositura da ação).
A requerida apresentou articulado de oposição no qual referiu ter formulado pedido de apoio judiciário. A oposição é do seguinte teor:
1.
A Ré propôs aos proprietários que o pagamento das rendas se fizesse com o valor da caução prestada.
2.
A Ré comunicou à Autora que se deveria pagar pelos valores da caução e daí em diante prosseguir com o pagamento normal das rendas até porque, como é do conhecimento da Autora, a Ré realizou avultas benfeitorias no locado que valorizou bastante o referido imóvel.
3.
A compensação devida por benfeitorias realizadas no locado, pelo locatário - artigo 1273º do Cód. Civil - deve ser apreciada segundo o regime do enriquecimento sem causa, previsto nos artigoss. 473º a 482º do Cód. Civil e não pelas regras gerais da responsabilidade civil (artigos 562º e seguintes do Cód. Civil), independentemente da sua qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis, (quando estas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa);
4.
As benfeitorias não podem ser levantadas, pois o imóvel foi locado no estado de “tosco” e forçou a Ré a avultadas benfeitorias para colocar o locado em condições.
5.
O senhorio deve ser responsabilizado pelo pagamento daquelas obras que, destinando-se a evitar a degradação e perda do locado, bem como aquelas que colocam o locado em posição de entrar no comércio jurídico por estar devidamente pronto e equipado para o exercício de qualquer actividade económica e assim asseguram que o senhorio mantenha (valorizado) o seu património.
6.
Ora, como à data é difícil valorizar as benfeitorias realizadas, as mesmas deverão ser alvo de uma perícia destinada a avaliar todas as obras e benfeitorias realizadas pela Ré que, sem sombra de dúvida, superam largamente o valor reclamado pela Autora.
7.
O valor a ressarcir pelas benfeitorias necessárias ou úteis a que o possuidor tem direito, por as ter custeado e não as poder levantar sem detrimento da coisa, nos termos do artigo 1273º nº 2 do Código Civil, corresponde ao menor de qualquer um dos seguintes valores: o custo que o possuidor suportou com tais benfeitorias, por um lado, e o acrescento que as benfeitorias trazem ao património do enriquecido, por outro.
8.
Assim, a diferença entre a situação atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se as benfeitorias não tivessem sido realizadas, é apenas um dos limites a que se recorre para o cálculo do valor a ressarcir pelas benfeitorias necessárias e úteis que não podem ser levantadas.
9.
Para o apuramento do valor a atribuir por tais benfeitorias há que atender a outro limite: o valor do dispêndio, prejuízo ou custo suportado pelo possuidor na realização dessas benfeitorias, em concreto ou abstrato, conforme o que for superior, desde que dentro do valor do enriquecimento, por só assim se poder satisfazer o interesse deste instituto, impedindo a deslocação patrimonial que se funda no injusto enriquecimento de uma pessoa à custa do empobrecimento de outra.
10.
Face ao exposto, deve ser a presente oposição ser julgada procedente e, em consequência, dar como provada a compensação de créditos entre os valores das rendas peticionadas e o valor das benfeitorias que venha a ser determinada em perícia e, por conseguinte, determinar a absolvição da Ré do pedido de despejo formulado pela Autora.
Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve ser a presente oposição ser julgada procedente e, em consequência, dar como provada a compensação de créditos entre os valores das rendas peticionadas e o valor das benfeitorias que venha a ser determinada em perícia e, por conseguinte, determinar a absolvição da Ré do pedido de despejo formulado pela Autora”.
*
Em face da oposição foi proferido o seguinte despacho:
1. Consigna-se que na presente data o Tribunal não se encontra munido da decisão quanto ao apoio judiciário, pelo que se encontra impedido de verificar o disposto no n.º 5 do artigo 15.º F do Novo Regime de Arrendamento Urbano (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro).
Para o efeito, deve, oportunamente, a Requerida juntar aos autos a decisão que recair sobre o pedido de apoio judiciário.
Notifique.
2. Decorre do disposto no número 3 do artigo 15-H do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), que recebidos os autos o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoarem as peças processuais.
Ora, do cotejo da oposição deduzida pela Requerida afere-se que a mesma alega que terá executado benfeitorias no imóvel em apreço nos autos.
Sucede, porém, que não alega as benfeitorias que levou a cabo, fá-lo de forma genérica e por outro lado, não refere os valores que despendeu no pagamento das aludidas benfeitorias.
Nesse sentido, convida-se a requerida:
I. A concretizar as benfeitorias que realizou no locado, concretizando a finalidade das mesmas;
II. O valor que despendeu na sua realização.
Prazo: 5 dias”.
A ré solicitou a prorrogação do prazo por 10 dias.
Tal prorrogação foi concedida por despacho de 11.11.2024.
A ré não apresentou qualquer articulado em cumprimento desse despacho.
Em 27.11.2024 a Segurança Social informou os autos de que o pedido de apoio judiciário formulado pela ré foi indeferido.
De seguida foi proferido o seguinte despacho:
Tomei conhecimento da informação de que a decisão que recaiu sobre o pedido de apoio judiciário pedido pelo Réu.
Decorre do disposto no número 7 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) que: “A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.”
Uma vez que não resulta da informação prestada pela Segurança Social em que data é que foi comunicada a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário do Réu.
Nesse sentido, notifica-se o Réu para vir juntar aos autos comprovativo de pagamento de taxa de justiça e o pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.
Prazo: 5 dias”.
Tal despacho foi notificado eletronicamente à ré na data de 29.11.2024.
Em face desse despacho a ré nada veio dizer.
Em 02.12.2024 a ré apresentou impugnação judicial relativa à decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Em 13.12.2024 a autora apresentou o seguinte requerimento:
LINCORLAR-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E IMOBILIÁRIA, LDA., Autora melhor identificada nos presentes autos, tendo sido notificada do Despacho do Tribunal de 29/11/2024, Ref.ª 163087220, vem expor e requerer o seguinte:
1.
O Tribunal determinou, através do despacho suprarreferido, que a Ré fosse notificada no sentido de “vir juntar aos autos comprovativo de pagamento de taxa de justiça e o pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso”, conforme se encontra previsto no n.º 7 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.
2.
Tendo a Secretaria realizado a notificação do despacho, através da plataforma informática citius, a 29/11/2024, considera-se notificada a Ré do mesmo a 2 de dezembro 2024.
3.
Assim, o prazo legal de 5 dias para proceder ao pagamento da taxa de justiça e das rendas em falta terminou a 09/12/2024, sendo que o prazo para submissão do ato processual dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo terminou igualmente no dia 12 de dezembro do presente ano.
4.
Deste modo, verifica-se que a Ré não realizou o pagamento da taxa de justiça devida pela sua oposição nem pagou a caução, correspondente a seis meses de rendas, imposta pelo artigo 15.º-F, n.º 7, do NRAU.
5.
Resulta desta norma que, não tendo sido realizados os pagamentos devidos, a oposição tem-se por não deduzida.
6.
À luz do ora exposto, e atendendo ao facto de a Ré ter deixado de liquidar as rendas há aproximadamente um ano e meio, requer-se que o Tribunal ordene, com a maior urgência, o desentranhamento da oposição junta no presente processo e, por conseguinte, a devolução dos presentes autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio, para que a sua tramitação ocorra sob a forma de processo especial de despejo.
Em face do exposto, deverá o Tribunal determinar:
a)
O desentranhamento a oposição da Ré junta no presente processo; e
b)
A devolução dos presentes autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio”.
Em face deste requerimento foi proferido despacho do seguinte teor:
Antes demais, aguarde-se o decurso do prazo para o exercício do contraditório quanto ao requerimento apresentado pela Requerente”.
A ré nada veio dizer em resposta ao requerimento.
Em 06.01.2025 foi proferida a seguinte decisão:
1.
Tal como resulta do despacho proferido em 29.11.2024, deveria a Ré documentar nos autos o pagamento de taxa de justiça, bem como de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.
Não tendo a Ré cumprido com o mencionado ónus, determino o desentranhamento da oposição, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 15.º-F, n.º 5, 6 e 7, do NRAU.
Notifique.
*
2.
SENTENÇA
*
LINCORLAR-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E IMOBILIÁRIA, LDA., intentou contra LATITUDE DOS TEMPEROS – PRODUTOS ALIMENTARES, LDA. o presente procedimento especial de despejo.
Para o efeito, alega a celebração com a Requerida de um contrato de arrendamento ao imóvel sito na Rua..., loja ..., Odivelas.
No mais, invoca a falta de pagamento das seguintes rendas no valor total de € 32 595,24, a que acresce os juros de mora vencidos, à taxa legal supletiva comercial, no montante de € 1873,75, perfazendo a quantia total de € 34468,99 (na data da propositura da ação).
*
A Requerida não deduziu oposição, ainda que regularmente notificada para o efeito.
*
Os presentes autos foram remetidos à distribuição, “A fim de ser distribuído nesse Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º EA da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro com as alterações introduzidas pela Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro”.
*
Estão verificados os pressupostos de validade e regularidade da instância.
*
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 15.º-EA do N.R.A.U., “O processo é imediatamente concluso ao juiz para proferir decisão judicial para entrada imediata no domicílio nos casos em que:
a) Depois de notificado, o requerido não deduzir oposição no respetivo prazo”.
Ao abrigo do disposto no mesmo artigo, no seu n.º 3 “3 - Quando tenha sido efetuado o pedido de pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, a decisão referida no n.º 1 pronuncia-se igualmente sobre aquele pedido”.
Neste contexto, caberia aos Requeridos provarem que os pagamentos em causa foram realizados, prova esta que não foi realizada.
**
Decisão:
Assim, e atento o cumprimento dos requisitos inerentes ao Procedimento Especial de Despejo, importa:
 Condenar a Requerida a pagar a quantia de € 34 468,99 a título de rendas e juros calculados até a data da propositura da ação, acrescidos dos juros entretanto vencidos e dos vincendos até efetivo e integral cumprimento, à taxa supletiva comercial;
 Determinar/autorizar a entrada imediata no domicílio.
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Tenha-se em consideração a indicação de A.E. efetuada.
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Custas pela Requerida – artigo 527.º, do C.P.C. .
*
Valor da causa – atento o exposto no artigo 297.º, 298.º, n.º 1, do CPC, fixa-se como valor da causa o montante de € 115 461,24”.
*
Inconformada com o decidido, apelou a ré, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
A.
A Recorrente foi notificada da sentença de fls…, e não se pode conformar com a mesma.
B.
Resulta da sentença de fls… que “tal como resulta do despacho proferido em 29.11.2024, deveria a Ré documentar nos autos o pagamento de taxa de justiça, bem como de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.”
C.
Acrescenta a sentença de fls… que “não tendo a Ré cumprido com o mencionado ónus, determino o desentranhamento da oposição, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 15.º-F, n.º 5, 6 e 7, do NRAU.”
D.
Em relação à taxa de justiça, a Recorrente impugnou judicialmente a decisão de indeferimento do apoio judiciário, razão pela qual, até ao trânsito em julgado da decisão que mantenha o indeferimento ou que revogue a decisão de indeferimento, não é devida o pagamento da taxa de justiça.
E.
A Recorrente propôs à Recorrida que o pagamento das rendas se fizesse com o valor da caução prestada.
F.
A Recorrente comunicou à Recorrida que se deveria pagar pelos valores da caução e daí em diante prosseguir com o pagamento normal das rendas até porque, como é do conhecimento da Recorrida, a Recorrente realizou avultas benfeitorias no locado que valorizou bastante o referido imóvel.
G.
As benfeitorias não podem ser levantadas, pois o imóvel foi locado no estado de “tosco” e forçou a Recorrente a avultadas benfeitorias para colocar o locado em condições.
H.
O valor a ressarcir pelas benfeitorias necessárias ou úteis a que o possuidor tem direito, por as ter custeado e não as poder levantar sem detrimento da coisa, nos termos do artigo 1273º nº 2 do Código Civil, corresponde ao menor de qualquer um dos seguintes valores: o custo que o possuidor suportou com tais benfeitorias, por um lado, e o acrescento que as benfeitorias trazem ao património do enriquecido, por outro.
I.
Para o apuramento do valor a atribuir por tais benfeitorias há que atender a outro limite: o valor do dispêndio, prejuízo ou custo suportado pelo possuidor na realização dessas benfeitorias, em concreto ou abstrato, conforme o que for superior, desde que dentro do valor do enriquecimento, por só assim se poder satisfazer o interesse deste instituto, impedindo a deslocação patrimonial que se funda no injusto enriquecimento de uma pessoa à custa do empobrecimento de outra.
J.
Face ao exposto, deveria ter sido a oposição julgada procedente e, em consequência, dar como provada a compensação de créditos entre os valores das rendas peticionadas e o valor das benfeitorias que venha a ser determinada em perícia e, por conseguinte, determinar a absolvição da Recorrente do pedido de despejo formulado pela Recorrida.
K.
Contudo, notificou o Tribunal a quo para a Recorrente para documentar nos autos o pagamento de taxa de justiça, bem como de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.
L.
Como a Recorrente não o fez, julgo o Tribunal a quo determinar o desentranhamento da oposição, o que fez, salvo melhor opinião, em violação da lei.
M.
O pedido da Recorrida ser formulado nos termos do n.º 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, a verdade é que a Recorrente formulou a sua pretensão assente no pedido de compensação de créditos.
N.
O que significa que o sacrifício imposto à Recorrente, sem qualquer sacrifício da Recorrida, atendendo ao pedido de compensação formulado, é manifestamente inconstitucional, conforme veremos,
O.
Mas isto apenas é aplicável nos casos em que o inquilino não se tenha defendido por compensação.
P.
Contudo, nos presentes autos também a Inquilina, aqui Recorrente, tem a sua posição creditícia, o que significa que, não é lícito impor um sacrifício financeiro à aqui Recorrente sem impor o mesmo sacrifício à Recorrida, sob pena de violação do princípio de igualdade de armas.
Q.
Há ofensa, nesta interpretação das normas do NRAU, de acordo com o disposto no artigo 13.º e n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, por violação material dos direitos à igualdade e de defesa no processo civil.
R.
Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que determine o recebimento da oposição e determine a ulterior tramitação do processo.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
FUNDAMENTAÇÃO
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Objeto do Recurso
O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar respeitam prima facie à decisão de desentranhamento da oposição, nomeadamente apurar se tal decisão poderia ter sido proferida em face da pendência do recurso relativo à decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário proferida pela Segurança Social. Depois apurar se, em face da oposição, o processo deverá prosseguir.
***
A factualidade a atender para a apreciação do recurso é a que consta do relatório supra, acrescentando-se o seguinte, que resulta do apenso de impugnação da decisão de apoio judiciário:
- Em 14.02.2025 foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.
*
Fundamentação jurídica
Como resulta da decisão recorrida, esta divide-se em duas partes.
- a primeira, em que se determinou o desentranhamento da oposição;
- a segunda, em que se decidiu do mérito da causa, tendo como pressuposto aquele desentranhamento.
O desentranhamento baseou-se no disposto no artigo 15.º-F, n.º 5, 6 e 7, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU).
Nos termos do nº 7 do artigo 15.º-F do NRAU, a oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.
Como resulta dos factos provados, a ré havido formulado pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social (SS), tendo efetuado a junção do comprovativo da apresentação desse pedido com a oposição que deduziu neste procedimento especial de despejo.
O pedido de apoio judiciário foi inferido pela SS. Nessa sequência foi proferido despacho a determinar a junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e do pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, nos termos do artº 15º-F/5 do NRAU, o que a ré não fez.
Em 02.12.2024 a ré apresentou impugnação judicial relativa à decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, que, como consta supra, foi decidido em 14.02.2025. Quer isto dizer que à data em que a decisão que determinou o desentranhamento da oposição foi proferida, estava pendente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Quanto à questão dos efeitos da pendência da impugnação judicial da decisão de indeferimento do apoio judiciário, há que atender ao Ac. do Tribunal Constitucional n.º 353/2017, de 13-09, publicado no Diário da República n.º 177/2017, Série I de 2017-09-13, páginas 5382 – 5385, que decidiu declarar “inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma que impõe o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias contados da data da comunicação ao requerente da decisão negativa do serviço da segurança social sobre o apoio judiciário, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão, constante da alínea c) do n.º 5 do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto”.
Em face desta decisão vinculativa do TC, temos de considerar que a “decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário” a que se reporta o artº 15º-F/7 do NRAU é a decisão que aprecia do recurso de impugnação judicial do pedido de apoio judiciário, não sendo, em face daquela decisão do TC, de aplicar o artº 29º/5, al. c) da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto. Deste preceito resultava que tal decisão era a da SS, tendo a impugnação judicial um efeito meramente devolutivo, devendo a taxa de justiça ser paga, sem prejuízo da devolução a que houvesse lugar caso a impugnação fosse julgada procedente. Tal norma foi, como se viu, declarada inconstitucional com força obrigatória geral. Daí decorre necessariamente que enquanto estiver pendente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do apoio judiciário, não há obrigação de pagamento da taxa de justiça. Consideramos que tal entendimento tem necessariamente de se referir também, no caso do artº 15º-F/5 do NRAU, às demais quantias aí mencionadas e cujo pagamento está dependente da decisão final de improcedência do pedido de apoio judiciário.
Vertendo ao caso sub juditio, do exposto supra temos de concluir que, estando pendente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário à data em que foi decidido o desentranhamento da oposição, tal desentranhamento não poderia ter sido determinado.
Acontece, porém, que, compulsada a oposição, da mesma não se retiram quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão da autora. E teriam de resultar factos que consubstanciassem exceções perentórias uma vez que a ré-recorrente não impugnou o alegado pela autora-recorrida na petição inicial, estando por isso assente a falta de pagamento das rendas invocada naquele articulado. A recorrente baseia o recurso, quanto ao mérito, no facto de ter invocado na oposição que realizou benfeitorias no locado e que pretendia que fosse efetuada a compensação entre o valor de tais benfeitorias e o valor das rendas.
No entanto, na oposição a recorrente não referiu, de todo, quaisquer benfeitorias, nem qual o valor que elas teriam, de tal forma que o Tribunal a quo proferiu despacho de aperfeiçoamento no seguinte sentido:
Do cotejo da oposição deduzida pela Requerida afere-se que a mesma alega que terá executado benfeitorias no imóvel em apreço nos autos.
Sucede, porém, que não alega as benfeitorias que levou a cabo, fá-lo de forma genérica e por outro lado, não refere os valores que despendeu no pagamento das aludidas benfeitorias.
Nesse sentido, convida-se a requerida:
I. A concretizar as benfeitorias que realizou no locado, concretizando a finalidade das mesmas;
II. O valor que despendeu na sua realização”.
A recorrente, não obstante ter solicitado a prorrogação de prazo para o efeito, não veio apresentar articulado de aperfeiçoamento. Em face disso, mantém-se o teor da oposição tal como foi deduzida, da qual decorre que nenhumas benfeitorias foram alegadas.
A inércia da recorrente relativamente ao despacho de aperfeiçoamento tem como consequência que não possam ser atendidas quaisquer benfeitorias, por manifesta falta de alegação quanto às mesmas, sendo que era à recorrente que cabia o ónus de alegação e prova das benfeitorias que realizou, nos termos do artº 342º/2 do CCivil.
Na conclusão J das alegações a recorrente diz o seguinte:
Face ao exposto, deveria ter sido a oposição julgada procedente e, em consequência, dar como provada a compensação de créditos entre os valores das rendas peticionadas e o valor das benfeitorias que venha a ser determinada em perícia e, por conseguinte, determinar a absolvição da Recorrente do pedido de despejo formulado pela Recorrida”.
Esta conclusão, que resume o efeito que a recorrente pretende atribuir à oposição que apresentou, é manifestamente improcedente, pois nenhuma benfeitoria, em concreto, foi invocada e muito menos o valor das mesmas.
Assim, apesar de a decisão que determinou o desentranhamento da oposição não ter sido, à data em que foi proferida, correta, por estar pendente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário1, o recurso improcede atendendo a que a oposição apresentada não continha os elementos factuais essenciais para poder ser considerada materialmente uma verdadeira oposição à pretensão da autora, ao que acresce a circunstância de a recorrente ter sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado, não tendo acedido a esse convite.
A decisão recorrida deve, portanto, manter-se, pois era a que teria de ser proferida ainda que a oposição não fosse desentranhada.
***
DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente (artº 527º/1 e 2 do CPC).

TRL, 24abr2025
Jorge Almeida Esteves
Vera Antunes
Gabriela de Fátima Marques

1. Tal impugnação judicial veio, em todo o caso, a ser considerada improcedente.