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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INUTILIDADE
DEPOIMENTO DE PARTE
DECLARAÇÕES DE PARTE
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
DIREITO DE REGRESSO
PAGAMENTO NA TOTALIDADE
Sumário
I. A impugnação de factos que tenham sido considerados provados / não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa não deve ser apreciada pelo Tribunal da Relação, na medida em a insusceptibilidade de interferir da decisão a proferir determina a sua inutilidade, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é lícita a prática de actos inúteis no processo. II. Tendo o Réu sido admitido a prestar depoimento de parte e não resultando do mesmo a confissão nada obsta a que, em tese, se valorem factos favoráveis ao depoente que venham a resultar espontaneamente desse seu depoimento. III. As declarações de parte devem ser encaradas como qualquer outro momento de recolha de prova, sujeito ao contraditório e à livre apreciação por parte do Tribunal, nada obstando a que as mesmas constituam o único arrimo para dar certo facto como provado, desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação. IV. O direito de regresso – reconhecido apenas ao devedor solidário que pagou mais do que correspondia à sua real quota – é “um verdadeiro direito de compensação concedido ex vi legis ao condevedor que satisfaz o direito do credor”, cujas raízes provêm “do momento constitutivo da obrigação solidária”. V. A solidariedade pressupõe: (i) a pluralidade de sujeitos de um ou de ambos os lados da relação obrigacional e (ii) o direito de exigir toda a prestação de qualquer devedor (no caso de solidariedade passiva) ou o direito a toda a prestação por parte dos credores (no caso de solidariedade activa), (iii) a extinção da obrigação do credor em relação a todos os devedores solidários com o cumprimento da obrigação ao credor por um dos devedores solidários (no caso de solidariedade passiva). VI. Os elementos úteis para aferir da natureza solidária da dívida hão de ser buscados – expressa ou tacitamente – no plano externo e na forma como se processavam as relações entre os devedores e os credores. VII. O pagamento por um dos co-devedores da totalidade da dívida, constante do acordo firmando em que, concomitantemente, o credor da quitação da mesma, com o pagamento efectuado por apenas um deles, constitui um forte e decisivo índice de que a obrigação assumida pelos devedores (Autor e Réus) era solidária. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório:
CC intentou acção de processo comum contra AA e BB formulando os seguintes pedidos:
a) deve ser declarado que o A. tem direito de regresso sobre os RR. relativamente a metade do valor de 31.000,00 € pago a DD e mulher EE, e metade do valor de 1.500,00 € pago à Exm.ª Sr.ª Dr.ª FF, em consequência do que devem os RR. ser condenados a pagar ao A. a quantia de 16.250,00 €;
b) devem os RR. ser condenados a pagar ao A. juros vencidos de há 5 anos até à presente data, num total de 3.251,78 €, e os vincendos desde agora até efectivo e real embolso do A.
c) devem os RR. ser condenados em custas.
Para fundamentar o pedido alega o Autor sumariamente:
- por escrito particular tendo como primeiros intervenientes Autor e Réus e como segundos intervenientes DD e EE foi firmado acordo através do qual, mediante o pagamento pelos primeiros outorgantes aos segundos, da quantia de € 31 000,00, estes se comprometiam a restituir uma parcela de terreno ali identificada, que vinham explorando e cultivando, com autorização dos primeiros;
- o pagamento dos referidos € 31 000,00 foi efectuado mediante a entrega de um cheque sacado sobre uma conta solidária do Autor com o 1.º Réu e o filho do Autor, mas apenas movimentada por aquele, quer a crédito, quer a débito;
- o cheque foi descontado integralmente da conta do Autor e desse pagamento deram os segundos outorgantes quitação;
- Autor e Réus concordaram pagar “a meias” os honorários devidos pelos serviços prestados pela Dra. FF , que reduziu a escrito e reconheceu as assinaturas constantes do referido documento;
- o pagamento dos honorários à Dra. FF, no montante de € 1500,00, foram efectuados através de cheque sacado sobre a mesma conta do Autor;
- em virtude do acordo efectuado entre os primeiros outorgantes o Autor deveria suportar a quantia de € 16 200,00 (15 500+750), e os Réus outro tanto;
- o 1.º Réu, invocando não ter cheques da sua conta, garantiu ao Autor que procederia posteriormente ao pagamento da parte por si devida;
- não obstante, não o fez, nem na data, nem posteriormente, apesar de saber da sua responsabilidade solidária no pagamento de tal quantia e das diversas e repetidas interpelações.
Conclui assim o Autor pela procedência da acção e consequente condenação dos Réus nos pedidos formulados.
Devidamente citados, os Réus vieram contestar, alegando, em suma, que:
i. Faz parte do acervo hereditário de GG, pai de Autor e Réu, mas também de HH e II, um prédio rústico, situado em ..., freguesia e concelho de Santana, registado sob o n.º 22 da Conservatória de Registo Predial e inscrito na respectiva matriz sob o art. 218, da secção 024, o qual se situa contíguo a um outro terreno, propriedade exclusiva de Autor e Réu, inscrito na matriz predial sob o artigo 217, da mesma secção 024;
ii. Por mero favor da mãe do Autor e Réu e consentido pelos herdeiros estava a ser desenvolvida, em parte do prédio rústico inscrito na matriz sob o n.º 218, uma actividade agrícola por DD e EE;
iii. A circunstância de estar a ser projectada uma estrada, que colocava em causa essa ocupação, fez com que o Autor, apressadamente – e sem que antes fossem notificados pelo Governo Regional ou declarada a utilidade pública da parcela – contactasse o agricultor propondo-lhe o pagamento de um valor, tendo como contrapartida o abandono da parte do prédio que o mesmo explorava;
iv. Tudo do pressuposto de que iriam receber uma indemnização pelas parcelas de terreno necessárias à estrada a construir;
v. Foi o Autor quem acertou com DD e EE o valor a pagar e efectuou tal pagamento, no pressuposto de que seriam feitas contas desse montante com todas as outras verbas que têm sido recebidas pelos herdeiros por bens comuns;
vi. Tendo os Réus inclusivamente sugerido que o montante a pagar aos agricultores apenas o fosse com a concretização da expropriação e montante pago pela mesma;
vii. O pagamento efectuado pelo Autor foi por sua conta e risco;
viii. O benefício com a libertação do prédio foi para todos os proprietários do mesmo e não apenas para Autor e Réu;
ix. Os Réus nunca aceitaram ou acordaram pagar a meias as despesas com honorários a advogada, nem quaisquer outras: os pagamentos seriam adiantamentos pelo Autor a ser acertados nas contas da herança dos pais;
Concluem assim pela total improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos contra si formulados.
Fazendo apelo ao art. 3.º, n.º 4, do CPC, veio o Autor responder à matéria da contestação que, no seu entender, consubstanciava a alegação de factos extintivos.
Foi designada data para a realização de audiência prévia, a qual, posteriormente, foi dada sem efeito e notificadas as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade da sua dispensa, com prolação de despacho sanador.
A 29-01-2024 foi proferido despacho que (i) fixou valor à acção, (ii) proferiu despacho saneador tabelar, (iii) fixou o objecto do litígio, (iv) elencou os temas de prova, (v) pronunciou-se sobre os requerimentos probatórios até ali apresentados e (vi) calendarizou data para realização do julgamento.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e em 31-07-2024 foi proferida sentença (decisão recorrida) na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e em consequência:
A) Condenar os Réus AA e BB, solidariamente, ao pagamento ao Autor CC da quantia global de 16.250,00 € (dezasseis mil duzentos e cinquenta euros) acrescida de juros, à taxa de 4%, desde 12 de Abril de 2023 até efectivo e integral pagamento.
B) Condenar os Réus AA e BB, solidariamente, ao pagamento das custas processuais.
Inconformada com a sentença que julgou a acção parcialmente procedente, vieram os Réus dela apelar, tendo apresentado alegações, em que formularam as seguintes conclusões:
A. A sentença da Comarca - Juízo Local Cível do Funchal - que condenou os Réus, solidariamente, a pagar ao Autor da quantia global de 16.250,00 € (dezasseis mil duzentos e cinquenta euros) acrescida de juros, à taxa de 4%, desde 12 de Abril de 2023 até efectivo e integral pagamento, fez uma errada aplicação do direito e baseou-se em factos que não foram provados em julgamento e no processo e considerou como não provados outros que deviam ser considerados como provados.
B. Duas são as questões que, com o devido respeito, foram mal julgadas:
a. A primeira sobre um facto que foi considerado provado e a ilação que dele se retirou;
b. A segunda sobre a subsunção jurídica feita pelo Tribunal ao ter considerado ter-se constituído uma obrigação solidária passiva que obrigava os Réus.
C. O Tribunal considerou provado que o Autor e os Réus acordaram ainda em pagar em partes iguais os honorários devidos pelos serviços prestados pela Exm.ª Sr.ª Dr.ª FF, os quais importaram em 1.500,00 €. (facto 14 da matéria de facto) por haver um acordo que fixou a responsabilidade repartida entre os irmãos (Autor e Réus) no pagamento dos honorários da advogada, acrescentando “ainda”, ou seja, subentendendo que esse acordo foi mais amplo fixando essa responsabilidade entre os dois quer para o valor pago ao agricultor quer para os honorários de advocacia.
D. Essa alegada prova fez correlativamente julgar como não provados que os Réus nunca se comprometeram a pagar 50% do valor acordado com o Sr. DD, nem 50% do valor de honorários da Ilustre Mandatária e que o Autor efetuou o pagamento ao Sr. DD e à Ilustre Mandatária por sua conta e risco.
E. Para assim ter julgado o Tribunal combinou três meios de prova produzidos nos autos:
a. O documento 1 junto com a petição inicial e levado aos factos provados e descrito no n.º 12;
b. As declarações de parte do Autor;
c. O depoimento da testemunha DD, gravado no sistema habilus e que acima se transcreveu.
F. O acordo reduzido a escrito e reproduzido no ponto 12, comprova a restituição da posse de uma parcela desse terreno que até então estava agricultada pelo casal DD e EE, que assim se comprometem a não mais trabalhar nessa parcela, recebendo a quantia de 31 mil euros de que prestam quitação. Acrescenta que os Primeiros pagam naquela data aos Segundos, a quantia de € 31.000,00 (trinta e um mil euros), através de um cheque nominativo n.º ...893 sacado em 18/01/2010, sobre o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., que se sabe ter sido sacado de uma conta exclusiva do Autor (facto provado referenciado com o n.º 17).
G. Em nenhuma parte do acordo se refere que os Réus assumiram a responsabilidade por esse pagamento, quer integral quer parcialmente!
H. O acordo não constitui nenhuma obrigação entre os irmãos. Comprova um pagamento e uma obrigação de facto assumida pelos segundos outorgantes (casal DD)!
I. E é manifesto que a intervenção dos Réus no acordo não tem por objectivo qualquer responsabilização sua – muito menos perante o irmão e cunhado – mas antes para testemunhar o pagamento e garantir que o casal de agricultores nada mais lhes poderia a exigir, seja a que título for, libertando assim a referida parcela para que os seus legítimos proprietários lhe possam dar a utilização que melhor lhes aprouver. (como se escreveu na ultima clausula do acordo).
J. É natural que o pagamento tivesse sido feito por um herdeiros (como foi!) já que visando bens de uma herança seria natural que fosse levado posteriormente a contas de administração da herança (artigos 2068º, 2074º, 2079º 2087º n.º 1 e 2090º do Código Civil).
K. Como o Sr. DD tinha falado com os dois irmãos (primeiramente com o Autor e com o objetivo de legalizar a sua “aquisição” e posteriormente com o Réu por causa da expropriação) era de adequada cautela que ambos assinassem a devolução da posse da parcela em causa ao herdeiros identificados.
L. Depois, resulta do depoimento da testemunha e das declarações e depoimento das partes ouvidas em tribunal, que houve dois momentos distintos em que o agricultor (a testemunha DD) contactou com herdeiros de GG e JJ:
a. - num primeiro momento, após o falecimento de JJ, mãe do Autor e do Réu Varão, por não estar legalizada a aquisição de uma parcela de terreno que tinha feito em vida dela;
b. - anos depois, após a notificação do Governo Regional da declaração de utilidade publica para expropriar parte do prédio, por constatar que teria problemas para conseguir ser indemnizado.
M. O desfasamento temporal entre um e outro e o objetivo de cada contacto, não permite (como faz o Tribunal do Funchal) relacionar um com o outro! Aliás no primeiro momento a ideia do Autor (e do Réu varão) era “honrar a palavra da mãe” ou seja respeitar a sua vontade em alienar a parcela que DD agricultava, e no segundo momento o propósito foi acabar com essa exploração pagando ao casal que trabalhava a terra de forma a deixar livre de ónus o prédio para poder ser ressarcida a totalidade da justa indemnização por expropriação pelos herdeiros!
N. O depoimento da testemunha, na sua integralidade transcrito acima e para a qual se remete, nada refere sobre o pagamento dos honorários da Sra. Dra Advogada como nada refere sobre a forma de responsabilidade entre os dois irmãos (Autor e Réu) nos autos, ou seja como se repartiu a responsabilidade entre ambos.
Depoimento gravado no sistema do Tribunal (habilus) prestado no dia 17 de junho de 2024 em sede de audiência de julgamento, do minuto 15:32 a 15:54.
O. Por diversas vezes a testemunha refere que em relação ao “negócio” entre os dois “não sabe”. Insiste por diversas vezes que o acordo foi feito a três mas quem lhe pagou foi o Autor. A testemunha refere que houve um acordo entre os três – separado em dois momentos – para lhe pagar uma quantia de forma a abandonar a parcela de terreno que estava a agricultar desde que a mãe dos irmãos lhe tinha “vendido a parcela”, “devolvendo o que tinha pago”.
P. Nos esclarecimentos posteriores a instâncias do advogado dos Réus e respondendo a questões colocadas pelo Juiz no final do seu depoimento, a testemunha esclarece que foi por causa da morte da antiga proprietária que o agricultor se aproximou de um dos seus filhos (CC) para regularizar a propriedade, tendo encarregado a Advogada desse trabalho.
Q. Anos depois quando soube da intenção governativa de expropriar o terreno volta a contactar um dos filhos e é aí que lhe falam que queriam ficar com o terreno (até porque ia ser expropriado) dispondo-se a “devolver o dinheiro que tinha pago à mãe”.
R. A advogada – contratada pelo agricultor – intermeia o acordo e obtêm o valor final de 31 mil euros.
S. Esse acordo não foi concluído no primeiro momento no escritório da advogada no Funchal, mas só no segundo momento é que se “resolveu a questão do dinheiro” como refere a testemunha quando respondeu às questões do Mmo Juiz, ou seja, no momento em que é passado o cheque da conta bancária titulada exclusivamente pelo Autor.
T. Em nenhum parte do seu depoimento ressalta ou indicia que o Réu AA tenha acordado, participado nas negociações quanto ao valor e muito menos se tenha comprometido com o valor concreto de 31 mil euros! Ele testemunha que o Réu AA acordou na solução de devolver o terreno aos proprietários, mas não atesta que a responsabilidade pelo pagamento tenha sido assumida pelos dois irmãos! Por diversas vezes refere que foi o Autor que lhe “passou o cheque”.
U. Com maioria de razão para a Ré BB, aliás apenas referida no depoimento por ter ido assinar o acordo em Santana.
V. Por outro lado, o depoimento do Autor foi-o nos termos dos artigo 466º do CPC ou seja como declarações de parte sujeito ao regime do artigo 417º e dos artigos que 452º e seguintes do mesmo Código, em especial artigo 454º n.º 1 e 465º.
Sendo a sua versão, no que a esta matéria respeita, inversa do depoimento do Réu AA, a sua valorização é inadmissível, sem que esteja devidamente fundamentada.
W. Donde se conclui que: o facto 14 que acima se transcreveu não foi provado (por falta de meios de prova) e que pelo contrário foram provados que os Réus nunca se comprometeram a pagar 50% do valor acordado com o Sr. DD, nem 50% do valor de honorários da Ilustre Mandatária e que o Autor efectuou o pagamento ao Sr. DD e à Ilustre Mandatária por sua conta e risco.
X. Apesar de considerarmos que a questão factual a ser julgada de diferente forma, como se pugna, afasta por si só a condenação em causa, devemos acrescentar que também em relação à subsunção jurídica o Tribunal fez uma errada aplicação do direito.
Y. Determina o artigo 524º do Código Civil que o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a estes compete. Esse direito de regresso só existe no domínio das obrigações solidárias que são, como refere o artigo 513º do Código Civil, a exceção no domínio civil para as obrigações plurais (“A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes”).
Z. Refere o Tribunal do Funchal que o Autor e os Réus acordaram que pagariam ao casal DD a quantia de 31.000,00 € e metade do valor de honorários à Mandatária, no valor de 1.500,00 €. Desde logo, como acima se referiu não existiu nenhuma constituição de uma obrigação de pagamento, já que o texto apenas titula a quitação desse valor.
AA. Depois, embora o Tribunal reconheça que a regra nas obrigações plurais civis seja a da conjunção e que a solidariedade só existe caso resulte da lei ou seja convencionada pelas partes (artigo 513º do CC) considera que o comportamento dos Réus lhe permite, “sem margem para dúvidas”, concluir pela solidariedade da obrigação, porque ambos os Réus declararam, tal como o Autor, que pagavam a um terceiro a quantia de 31.000,00 € e acordaram que pagariam metade do valor dos honorários à Ilustre Advogada.
BB. Ora essa declaração não existiu nem foi provada, como se demonstrou.
CC. O Tribunal considerou que não tendo os Réus se oposto a esse pagamento e tendo tirado proveito da declaração do casal DD, no sentido de que nada mais lhe é devido e de que nada mais pode exigir a eles e ao Autor, com esse comportamento configuram uma convenção (tácita) de solidariedade.
DD. O preceito acima referido (513º do Código Civil) afasta a ideia de bastam indícios comportamentais dos obrigados (apesar de tudo muito insuficientes e baseados numa inação – não oposição) para que uma obrigação conjunta civil seja solidária.
EE. Como bem tem decidido a Jurisprudência a solidariedade nas obrigações plurais civis tem de ser expressa ou resultar de forma inequívoca da relação jurídica existente entre os obrigados.
FF. O Autor e o Réu Varão estão unidos numa relação porque ambos são herdeiros do prédio que estava onerado com uma ocupação decidida pela mãe de ambos. Essa relação é de natureza civil e tem regras especificas no domínio da administração da herança (era um encargo).
GG. Tendo o pagamento da totalidade do valor sido feito para “libertar um prédio da herança de um ónus” (a ocupação que o casal DD e EE fazia de uma parcela) as contas entre os beneficiados (herdeiros) com a atitude do A. (ter devolvido a quantia) devem colocar-se ao nível da administração da herança (artigos 2068º, 2074º, 2079º 2087º n.º 1 e 2090º do Código Civil) e não no regime das obrigações solidárias.
Concluem assim os Réus pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença proferida, assim se absolvendo os Réus do pedido.
Notificado da interposição de recurso pelos Réus, veio o Autor responder, apresentando as suas contra-alegações, as quais terminam com as seguintes conclusões:
1. Começamos por referir que os Recorrentes não dão cumprimento à exigência prevista na al. a) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC.
2. Quanto à matéria de facto, a mesma resultou da prova documental e testemunhal produzida, sendo de notar que os factos dados como provados correspondem, realmente, à prova que foi feita.
3. Para a eventualidade de assim se não entender, e atentando então na impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida, há que ter presente a ausência da indicação das concretas passagens da gravação que reproduzam os meios de prova em que os Recorrentes criticamente baseiam a sua pretensão, devendo, desde logo e no que concerne à impugnação da matéria de facto, ser o recurso liminarmente rejeitado;
4. Em boa verdade, a atividade dos Recorrentes resume-se a submeter o tribunal ad quem à compulsão de reexaminar o depoimento da testemunha DD (que transcrevem na íntegra sem indicação exata das passagens da gravação em que o recurso se funda) e das declarações de parte do A. e do depoimento de parte do R. marido (que nem sequer transcrevem), sem respeito pelo que está estabelecido no n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
5. A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se, entre o mais, se ocorrer a falta de indicação exata das passagens da gravação em que o recorrente se funda, podendo o apelante proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
6. Trata-se de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça.
7. Se o apelante no cumprimento do ónus processual da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos se limita, à referência da gravação toda de cada um daqueles atos processuais, porque o tribunal ad quem não tem ele próprio o poder-dever no confronto com o ónus processual de parte apelante, de ouvir todos os depoimentos a fim de neles descortinar o juízo valorativo de depoimento a que o apelante chegou, nos termos dos artigos 640.º, n.º 1 e 652.º, n.º 1, al. b) do CPC, não é de conhecer da impugnação da decisão de facto, por falta de cumprimento do ónus.
8. Mas ainda que assim se não entenda, e tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal a quo e a impugnação deduzida pelos Recorrentes, o que resulta da análise da prova produzida, é que da mesma não é possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de qualquer erro de apreciação relativamente aos referidos pontos de facto impugnados.
9. A exposição dos motivos que levou o tribunal a quo a decidir pela não verificação da factualidade ora impugnada pelos Recorrentes é bastante completa, seguindo sempre um raciocínio bastante consistente e estruturado.
10. O enunciado relativo às razões/propósito/intenção que levaram as partes a outorgar o acordo escrito (cessação da exploração de um prédio rústico pela testemunha DD e esposa mediante o pagamento de uma contrapartida por A. e RR.) reveste, tal como o enunciado relativo à vontade e intenção real dos outorgantes do acordo escrito (ponto 14 dos factos provado e pontos B) e C) dos factos não provados), a natureza de proposições de facto, integrantes de factos essenciais ou nucleares, já que incidem sobre a intenção, vontade, propósito das partes – como acima foi salientado, a intenção/vontade/propósito das partes (factos psicológicos) no âmbito da outorga de concreto negócio formal, integra, em rigor, matéria de facto, nada obstando, pois, que, em sede deste processo (no qual o acordo de repartição de responsabilidades, em partes iguais entre A. e RR., pelo pagamento da quantia de 31.000,00 € à testemunha DD e esposa, e da quantia de 1.500,00 € (valor alegado no artigo 15.º da petição inicial que os RR. expressamente aceitam no artigo 33.º da respetiva contestação) à Sra. Dra Advogada (a quem os RR. reconhecem ter sido confiada a elaboração do escrito em causa), integra o thema probanduum), sejam enunciadas na matéria de facto intenções e vontades, como única forma de se alcançar uma solução jurídica através de conceitos que podem não ser de puro facto.
11. Por outras palavras, as afirmações enunciadas nos pontos ora em análise encerram somente proposições de facto, e não afirmações ou juízos conclusivos ou genéricos e não refletem, indevidamente, qualquer apreciação de direito por envolverem uma «qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica» – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág.
12. Quanto ao «pagamento dos honorários da Sra. Dra Advogada», o que é certo é que no artigo 35.º da respetiva contestação os RR. alegam que «foram pagos honorários à advogada a quem foi confiado a elaboração do (documento? acordo escrito?)» pagamento esse efectuado pelo A., tendo o R. marido assinado, conjuntamente com o A., uma declaração por este manuscrita – cfr. doc. n.º 4 junto à petição inicial - com o teor «Pagamento ao “KK (alcunha por que é conhecido o Sr. DD)” e advogada Terreno de Santana ao pé da .... Tomamos conhecimento do pagamento feito pelo CC.», documento este cuja genuinidade, autenticidade, teor, letra e assinaturas os RR. não impugnaram na contestação que apresentaram.
13. Não tendo sido impugnadas, as assinaturas constantes do documento em questão, consideram-se verdadeiras.
14. Atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 376.º do CC, encontrando-se reconhecida a autoria do referido documento particular, ou seja, a sua subscrição por A. e R. marido, e não tendo sido validamente arguida e provada a falsidade do mesmo ou provada factualidade que conduzisse à sua nulidade, tal escrito faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e subscritores, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
15. Tratando-se de prova vinculada não pode ser afastada por qualquer outro meio de prova, porquanto do acervo documental junto aos autos, emergem os factos essenciais que, por si só, bastam para a apreciação do respetivo mérito, os quais não podem deixar de ser considerados na sentença.
16. A matéria de facto que está dada como provada deve manter-se, até por corresponder rigorosamente à prova documental e testemunhal produzida no tribunal a quo.
17. Do que vai dito, a douta sentença recorrida encontra-se, na parte impugnada pelos Recorrentes, bem estruturada e fundamentada, por nela se fazer uma correta interpretação / aplicação do direito aos factos tidos como provados e por não violar / contradizer qualquer normal legal.
18. Daqui resulta, em suma, que os Recorrentes não levam ao tribunal ad quem qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal a quo quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que deve, por isso, manter-se inalterável, face à prova produzida.
19. Improcedem por isso as conclusões F. a W. do recurso.
20. Quanto à subsunção dos factos ao direito aplicável, nenhuma dúvida subsiste que as declarações constantes do acordo outorgado, e de modo concreto as que aí constam no ponto «Quarto: Em contrapartida, os Primeiros pagam aos Segundos, na presente data, a quantia de € 31.000,00 (trinta e um mil euros), através do cheque nominativo n.º ...893 sacado em 18/01/2010, sobre o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., e da qual os Segundos através do presente escrito, dão a competente quitação.», valem inter-partes ou seja, entre A. e RR..
21. De uma forma, senão expressa, pelo menos tácita, os RR. obrigaram-se perante o A. a cumprir, de forma solidária, as obrigações resultantes do acordo que celebraram e outorgaram por escrito.
22. Assim, pode afirmar-se que os próprios RR., por vontade pelo menos tácita, consagraram a regra da solidariedade, indo ao encontro da permissão estabelecida no artigo 513.º do CC, sendo que o mesmo é dizer que afastaram voluntariamente a regra da responsabilidade conjunta, do regime supletivo da lei civil.
23. Face à dita vontade, senão expressa pelo menos tácita, os RR., DD e mulher EE tinham o direito de exigir a prestação integral de qualquer dos devedores (leia-se, do A. ou dos RR.), sendo que a prestação efetuada por um destes os libera a ambos perante aquela - cfr. artigo 512.º, n.º 1, do CC.
24. A obrigação é, desta forma, solidária nas relações entre os devedores e o credor, mas não nas relações internas entre estes; pagando a totalidade, o devedor só tem direito de regresso pela parte que pertença a cada um dos devedores.
25. O direito de regresso não foi afastado por qualquer convenção escrita posteriormente outorgada entre A. e RR.
26. No caso vertente, tendo sido o A. quem pagou a DD e mulher EE a integralidade do valor acordado de 31.000,00 €, e à Exm.ª Snr.ª Dr.ª FF o valor de 1.500,00 €, tem o direito de regresso sobre os RR. por efeito do disposto no artigo 524.º do CC.
27. Configurando o teor do clausulado do acordo, solidariedade resultante da vontade dos próprios devedores, e tendo o pagamento das quantias em causa sido concretizado apenas pelo A., tem este o direito de regresso contra os RR., na parte que a estes compete, ou seja, metade dos montantes pagos ao Snr. DD e mulher, e à Senhora Advogada, quantia esta acrescida de acrescida de juros.
28. Improcedem assim as conclusões X. a GG. do recurso.
Concluem, assim, pela rejeição do recurso ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do mesmo e consequente confirmação da sentença.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (arts. 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim apreciar no caso concreto:
a) Impugnação da matéria de facto:
- inserção do teor do facto 14 na matéria de facto não provada;
- e inserção na matéria de facto provada das alíneas B) e C) dos factos não provados.
b) Impugnação do enquadramento jurídico da condenação dos Réus: obrigações conjuntas /plurais e solidariedade e direito de regresso
*
II. Fundamentação:
Na primeira instância foram considerados os seguintes
Factos provados
1- O Autor CC e o Réu AA são irmãos, ambos filhos de GG e de JJ.
2- Têm duas outras irmãs.
3- Os ascendentes falecidos deixaram um conjunto de bens de que todos herdaram, incluindo o imóvel que era explorado pelo Sr. DD..
4- Faz parte do acervo hereditário de GG um prédio rustico, com a área de 4550 metros quadrados, situado em ..., freguesia e concelho de Santana, registado sob o número ... na competente Conservatória do Registo Predial e inscrito na matiz respetiva sob o artigo ....
5- Junto a esse prédio, separado por uma via, existe um outro da propriedade exclusiva do Autor e do Réu que é de natureza mista com a área de 8040 metros quadrados inscrito na matriz predial sob os artigos ..., registado na mesma Conservatória sob o número ....
6- Os prédios são contíguos.
7- O Sr. DD e EE, por acordo celebrado com a mãe do Autor e primeiro Réu, desenvolvia uma atividade agrícola num dos prédios/terrenos propriedade da mesma.
8- Quando a mãe do Réu faleceu, o Sr. DD procurou entrar em contacto com o Autor para continuar a explorar o prédio.
9- Em 15 de junho de 2009 a Direção Regional do Património notificou o Réu da tentativa de aquisição pela via do direito privado de uma parcela do terreno com 2189 metros quadrados para a obra de construção da praça central de Santana e acessos.
10- Em 23 de novembro de 2009 a Direção Regional do Património notificou o Réu, Autor e outros irmãos para esclarecem algumas questões colocadas pelos proprietários e onde se distinguem as duas parcelas envolvidas na obra: 64 A com a área de 590 m2 e 64 B- com a área de 1536 m2, apresentado proposta de aquisição relativamente a cada uma dela.
11- Em 12 de janeiro de 2010 onde a mesma Direção Regional notificou os Réus para outros esclarecimentos prestados pela Secretaria Regional do Equipamento Social e colocou à concordância dos visados o valor indemnizatório a pagar pela aquisição de cada uma das parcelas.
12- No dia 18 de Janeiro de 2010, por documento escrito, no qual foram outorgantes o Autor e os Réus., nele designados por «Primeiros» e DD e mulher EE, aí designados por «Segundos» foi estabelecido o seguinte acordo que se subordina ao seguinte: “Primeiro: Os Primeiros são donos e legítimos proprietários do imóvel, localizado ao sítio do ..., freguesia e concelho de Santana, confronta a norte com herdeiros de LL, Sul com Herdeiros de CC, Leste com Herdeiros de DD e Oeste com ..., omissa a parte rústica na matriz mas anteriormente inscrito sob parte do artigo ...e as partes urbanas sob os artigos ... descrito na Conservatória do Registo Predial de Santana sob o n.º .... Segundo: Os Segundos têm vindo a cultivar, com autorização dos Primeiros, uma parcela de terreno integrante do imóvel referido no Primeiro Ponto do presente acordo, identificada a verde no mapa anexo a este acordo, e que assinado por todos, dele faz parte integrante. Terceiro: Os Segundos comprometem-se perante os Primeiros, e desde a presente data, a não mais cultivar nem colher quaisquer frutos da referida parcela identificada a verde, entregando-a pelo presente acordo a eles, Primeiros, nos exatos termos em que se encontra. Quarto: Em contrapartida, os Primeiros pagam aos Segundos, na presente data, a quantia de € 31.000,00 (trinta e um mil euros), através do cheque nominativo n.º ...893 sacado em 18/01/2010, sobre o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., e da qual os Segundos através do presente escrito, dão a competente quitação. Quinto: Os Segundos declaram que se encontram ressarcidos na sua totalidade, que mais nada têm a exigir aos Primeiros, seja a que título for, libertando assim a referida parcela para que os seus legítimos proprietários lhe possam dar a utilização que melhor lhes aprouver. Santana, no dia dezoito do mês de Janeiro do ano dois mil e dez”.
13- Este acordo foi certificado por Ilustre Mandatária e assinado pelo Autor e por ambos os Réus.
14- O Autor e os Réus acordaram ainda em pagar em partes iguais os honorários devidos pelos serviços prestados pela Exm.ª Sr.ª Dr.ª FF, os quais importaram em 1.500,00 €.
15- No mesmo dia, o Autor concretizou o pagamento do valor de 31.000,00 €, pela entrega aos referidos DD e mulher EE, do cheque n.º ...893, com a data de 18.01.2010 sacado sobre a conta com o NIB ...128 do BANIF – Banco Internacional do Funchal.
16- Nesse mesmo dia, o Autor concretizou o pagamento do valor de 1.500,00 € a título de honorários, pela entrega à Ilustre Mandatária que certificou o acordo, de cheque sacado sobre a conta com o NIB ...128 do BANIF – Banco Internacional do Funchal.
17- Essa conta com o NIB ...128 do BANIF – Banco Internacional do Funchal sempre foi exclusivamente movimentada pelo Autor a débito e a crédito.
18- DD e mulher EE deram a quitação do pagamento, declarando-se ressarcidos na sua totalidade.
19- O reconhecimento das assinaturas do acordo foi registado no dia 18.01.2010 pelas 14h26m, com o n.º 395M/27, e tem o seguinte teor: “Eu, FF, advogada, portadora da cédula profissional número 395-M, com escritório à ..., reconheço presencialmente as assinaturas apostas no documento em anexo composto de três folhas, de AA, casado, natural da freguesia de s. Gonçalo, concelho do Funchal, titular do bilhete de identidade número .../.../2005 emitido pelos Serviços de Identificação Civil do Funchal; de BB, casada, natural da freguesia do Monte, concelho do Funchal, titular do bilhete de identidade número .../.../2001, emitido pelos Serviços de Identificação Civil do Funchal; de CC, casado, natural da freguesia de S. Gonçalo, concelho do Funchal, titular do bilhete de identidade numero .../.../2005 emitido pelos Serviços de Identificação Civil do Funchal; de DD, casado, natural da freguesia e concelho de Santana, titular do cartão de cidadão número ... ZZ2, válido até .../.../2014, emitido pela República Portuguesa e de EE, casada, natural da freguesia e concelho de santana, titular do cartão de cidadão número ... ZZ6, válido até .../.../2013, emitido pela República Portuguesa”.
20- No dia 04 de Julho de 2017 da Direção Regional do Património e de Gestão dos Serviços Partilhados em que notificou o Réu da Resolução n.º 339/2016 de 23 de junho do Governo Regional informando da desistência da expropriação da parcela 64 A.
21- Os Réus não entregaram ao Autor a quantia de 16.250,00 €.
Factos Não provados
A) O Autor depositou numa conta bancaria só por ele gerida o produto da venda e as indemnizações de diversos terrenos, nunca tendo feito contas com o irmão.
B) Os Réus nunca se comprometeram a pagar 50% do valor acordado com o Sr. DD, nem 50% do valor de honorários da Ilustre Mandatária.
C) O Autor efetuou o pagamento ao Sr. DD e à Ilustre Mandatária por sua conta e risco.
D) Os Réus e o Autor acordaram que os montantes seriam acertados quando fosse recebido o valor pela expropriação.
E) Em data interior à da propositura da presente ação, o Autor interpelou o Réu para pagamento da quantia de 16.250,00 €.
III. O Direito: Impugnação da matéria de facto – generalidades e pressupostos
Dispõe o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil:
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287.
O actual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava, ficando claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
Sobre o ónus a cargo do(s) recorrente(s) que impugne(m) a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- A decisão alternativa que é pretendida.
A este respeito cumpre recordar duas restrições a uma leitura literal e formal destes ónus processuais inerentes ao exercício da faculdade de impugnação da matéria de facto.
Deverá ter-se em atenção a tendência consolidada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640.º do CPC e de realçar a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “dando prevalência aos aspectos de ordem material”, na expressão de Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 171 (nota 279) e 174.
Em primeiro lugar, apenas se mostra vinculativa a identificação dos pontos de facto impugnados nas conclusões recursórias; as respostas alternativas propostas pelo recorrente, os fundamentos da impugnação e a enumeração dos meios probatórios que sustentam uma decisão diferente, podem ser explicitados no segmento da motivação, entendendo-se como cumprido o ónus de impugnação nesses termos.
No que tange à decisão alternativa, tenha-se em atenção o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I, de 14/11/2023, com o seguinte dispositivo:
Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Quanto aos restantes requisitos, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal, de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes), de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado), de 19/2/2015 (Tomé Gomes); de 22/09/2015 (Pinto de Almeida), de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados, citando-se o primeiro:
«(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»
Em segundo lugar, cumpre distinguir, quanto às explicitações exigidas ao impugnante e no que se refere à eficácia impeditiva do seu incumprimento, para a apreciação da impugnação, dois graus de desvalor.
Se o incumprimento dos ónus processuais previstos no nº 1 do citado art. 640º implica a imediata rejeição da impugnação, já o incumprimento dos ónus exigidos no nº 2 do mesmo preceito (…indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso…) tem visto essa eficácia limitada aos casos em que essa omissão dificulte gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária ou o exame pelo tribunal de recurso, pela complexidade dos facos controvertidos, extensão dos meios de prova produzidos ou ausência de transcrição dos trechos relevantes.
A esse respeito, veja-se o Acórdão de 11/02/2021 (Maria da Graça Trigo) consultável em www.dgsi.pt:
I. O respeito pelas exigências do n.º 1 do art. 640.º do CPC tem de ser feito à luz do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4 da Constituição.
II. No caso dos autos, afigura-se que o fundamento de rejeição da impugnação de facto é excessivamente formal, já que a substância do juízo probatório impugnado se afigura susceptível de ser apreendida, tendo sido, aliás, efectivamente apreendida pelos apelados ao exercerem o contraditório de forma especificada.
III. Trata-se de uma acção relativamente simples, com um reduzido número de factos provados e de factos não provados, em que a pretensão dos réus justificantes é facilmente apreensível e reconduzível aos factos por si alegados para demonstrarem a usucapião e que encontram evidente ou imediato reflexo nos factos não provados que pretendem que sejam reapreciados, factos esses correspondentes, em grande medida, à matéria objecto da escritura de justificação.
De igual modo decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 29/10/2015 (Lopes do Rego), consultável em www.dgsi.pt:
1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) .
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso.
Veja-se, também do Supremo Tribunal, o Acórdão de 21/03/2019 (Rosa Tching), disponível em www.dgsi.pt:
«I. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º e 662.°, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, impõe- se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º l do citado artigo 640°, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n° 2 do mesmo artigo 640°, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640.°, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º l, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640.° implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o n° 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexactidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640°, n° 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.».
No mesmo sentido, o Acórdão de 19/1/2016 (Sebastião Póvoas), disponível na mesma base de dados:
“ (…)
5) A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.”
Por outro lado, há ainda que ter em atenção que qualquer alteração pretendida pressupõe em comum a relevância da alteração para o mérito da demanda.
A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo.
Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt:
“O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no art. 611.º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no art. 608.º, n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
Por uma questão metodológica – e porque os recorrentes observaram os ónus que sobre si recaiam, neste particular – apreciar-se-á a impugnação da matéria de facto dos Réus/Recorrentes, tendo em atenção as considerações supra referidas.
a.1) Passagem dos pontos B) e C) dos Factos Não provados para o elenco dos Factos Provados
É o seguinte o teor dos pontos B) e C) dos Factos Não provados
B) Os Réus nunca se comprometeram a pagar 50% do valor acordado com o Sr. DD, nem 50% do valor de honorários da Ilustre Mandatária.
C) O Autor efetuou o pagamento ao Sr. DD e à Ilustre Mandatária por sua conta e risco.
Sem necessidade de grandes considerandos quanto aos mesmos, urge dizer que estes factos são perfeitamente espúrios, sendo que – em nosso entender – não deveriam sequer ter sido levados à matéria de facto não provada.
Dizemos isto por duas ordens de razões: Quanto ao Ponto B) dos Factos não provados:
- o ponto B é, em termos mais abrangentes, a versão negativa do facto 14 (na medida em que este último respeita apenas ao acordo no pagamento dos honorários e aquele refere-se à inexistência de acordo quer quanto aos honorários quer quanto ao pagamento a DD).
- No que respeita ao acordo quanto ao pagamento dos honorários, o ónus da prova da existência de um mútuo cabia ao Autor, nos termos do disposto no art. 342.º do CC, enquanto facto constitutivo do direito que se arrogava.
Com efeito, quando o autor exige o cumprimento de uma obrigação, tem o ónus de alegação da existência dessa obrigação. Basta para tanto que o Autor não prove a fonte da obrigação – acordo celebrado com os Réus – para que improceda esta parte do pedido, não se exigindo aos Réus a prova da inexistência da obrigação ou da sua fonte.
- No que respeita ao pagamento efectuado em cumprimento da obrigação assumida para com DD, o Tribunal não extraiu a responsabilidade dos Réus de qualquer acordo entre Autor e Réus, mas sim da caracterização da obrigação que levou a que o Autor tivesse efectuado o pagamento a que todos eles – Autor e Réus – se obrigaram.
Por isso, é absolutamente indiferente – do ponto de vista da utilidade para a resolução jurídica da causa – a apreciação desta concreta impugnação da matéria de facto – inclusão do Facto B no elenco dos Factos Provados.
Relevante poderá ser a devida (ou não) inclusão do facto 14 no elenco dos factos provados. E que analisaremos infra. Quanto ao Ponto C) dos Factos não provados:
O mesmo se diga, relativamente a este facto: o mesmo estar no elenco dos factos provados ou não provados é absolutamente indiferente do ponto de vista jurídico. A motivação do Autor para o pagamento ou a conclusão de que fez o pagamento por sua conta e risco é totalmente conclusiva.
Como já tivemos oportunidade de referir supra, o princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – de actos que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se, como já se referiu, de uma das manifestações do princípio da economia processual, e que deve ser observado, igualmente, no conhecimento da impugnação da decisão fáctica, se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
Por esta razão, não se procederá à reapreciação da matéria de facto B) e C) do elenco dos Factos Não provados – e sua consequente transposição para os Factos Provados – na medida em que os mesmos não são susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às regras do ónus da prova (quanto aos factos constitutivos), de ter relevância jurídica (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.) para a decisão a proferir.
Improcede assim a impugnação da matéria de facto quanto às alíneas B) e C) dos Factos Não Provados.
a.2) Alteração do facto 14, passando o mesmo do elenco dos factos provados para o elenco dos factos não provados
É o seguinte o teor do ponto 14 dos Factos Provados:
14. O Autor e os Réus acordaram ainda em pagar em partes iguais os honorários devidos pelos serviços prestados pela Exm.ª Sr.ª Dr.ª FF, os quais importaram em 1.500,00 €.
Pugnam os Réus/Recorrentes pela alteração desta factualidade provada, defendendo a passagem deste concreto facto para o elenco dos factos não provados.
Começam os Réus /Recorrentes por afirmar que:
- o acordo – nomeadamente quanto ao pagamento de honorários e responsabilidade entre os dois irmãos - não resultou do depoimento testemunhal a que o Tribunal alude;
- o acordo escrito e o depoimento da testemunha não conferem, por si, maior credibilidade às declarações de parte do Autor em detrimento das do Réu, pelo que a valoração ou valorização das declarações de parte do Autor é inadmissível;
- transcreveu parte do depoimento da testemunha, para demonstrar a falta de referência ou conhecimento da mesma quanto aos acordos firmados entre Autor e Réu.
Conclui assim por uma errada valoração da prova.
A este respeito defende o Autor nas suas contra alegações que:
“…as declarações de parte do A. foram relevantes para, em conjugação com o acordo escrito e com o depoimento da testemunha DD, apurar, entre outros, o facto provado no ponto 14 e os factos não provados dos pontos B) e C), ou seja, aqueles que aludem à repartição de responsabilidades, em partes iguais entre A. e RR., pelo pagamento da quantia de 31.000,00 € à testemunha DD e esposa, e da quantia de 1.500,00 € (valor alegado no artigo 15.º da petição inicial que os RR. expressamente aceitam no artigo 33.º da respetiva contestação) à Sra. Dra Advogada (a quem os RR. reconhecem ter sido confiada a elaboração do escrito em causa).
Ao invés, o depoimento de parte que foi prestado pelo R. marido não merece o mesmo grau de crédito, desde logo por se não se afigurar que tenha sido um depoimento totalmente livre, imparcial e isento, mormente quanto aos sobreditos factos relativos à repartição de responsabilidade.
Mas, à parte essa marcada subjetividade em certos pontos, é também um depoimento pouco esclarecido, abstrato, claramente e evasivo, com esquecimentos e justificações, digamos, convenientes, em alguns momentos, e noutros revelando excesso de voluntarismo e comprometido, como se alcança da passagem do seu depoimento gravado no sistema H@bilus Média Studio no dia 17.06.2024 (…),”
Acrescentando adiante que “dada esta falta de consistência do depoimento do R. marido, por contraponto às declarações de parte do A. conjugadas com o acordo escrito e com o depoimento da testemunha DD, não podem deixar de ter-se como provado o facto 14 e como não provados os factos B) e C), como assertivamente decidido pelo Tribunal a quo. (…)”
Vejamos como o Tribunal a quo fundamentou a resposta PROVADO ao seu facto 14.
Na pág. 9 da sentença recorrida – em sede de fundamentação de facto – refere-se:
“No que concerne aos factos 12 a 19, cumpre tecer algumas considerações e conjugar os diversos meios de prova, uma vez que esses factos são essenciais à boa decisão da causa. O Autor e o Réu AA apresentaram duas versões distintas. O Autor declarou em sede de audiência de discussão e julgamento que quando a sua mãe faleceu foi procurado pelo Sr. DD para regularizar a situação de um terreno que estava a ser por si explorado e que pertencia à sua mãe. Explicou que ele e o seu irmão se comprometeram a honrar os compromissos efetuados pela sua mãe e que, nesse sentido, celebraram um acordo com o Sr. DD, em que ambos se comprometeram, em partes iguais, a pagar ao Sr. DD o valor global de 31.000,00 € para que o mesmo desocupasse um terreno que explorava, que havia sido da sua mãe e que passou a pertencer à herança por falecimento da mesma.
Esclareceu que certificaram esse acordo, tendo contratado um Ilustre Advogada para o efeito, tendo sido acordado entre ele e o irmão que o valor dos honorários da Ilustre Advogada, que ascendeu a 1.500,00 €, também seria pago por ambos, em partes iguais.
Acrescentou, ainda, que acabou por efetuar o pagamento do valor global por o seu irmão não estar na posse de cheques e que o seu irmão (1.º Réu) sempre teve consciência de que teria de pagar metade do valor acordado.
Referiu, no mais, que apesar do terreno pertencer também a outros herdeiros foi acordado pelo Autor e pelo Réu que as outras irmãs não entrariam no acordo, uma vez que não tinham possibilidades financeiras para efetuar qualquer pagamento.
Acrescentou que é verdade que o prédio esteve em vias de ser expropriado, tendo sido efetuada uma proposta em 2009, e que iriam receber um valor pelo mesmo, mas a expropriação acabou por não se realizar.
Por seu turno, o Réu apresentou versão, no essencial, diversa da que foi apresentada pelo Autor. O Réu referiu que, efetivamente, o Sr. DD contatou a família para tentar resolver a situação do terreno, tendo entrado em contato com o seu irmão (Autor).
Referiu, no mais, que nunca se comprometeu a efetuar o pagamento de 50% do valor acordado e que foi o seu irmão que acordou esse montante e quis efetuar o pagamento ao Sr. DD.
Acrescentou que aconselhou que o pagamento só fosse efetuado após receber o dinheiro relativo à expropriação, mas que o Autor teve muita pressa de resolver a situação e efetuou o pagamento ao Sr. DD e à Ilustre Avogada por sua conta e risco, para poder receber o dinheiro relativo à expropriação do terreno.
Esclareceu que não é o único dono do terreno juntamente com o seu irmão, existindo outros herdeiros, motivo pelo qual não poderia assumir o pagamento de metade de um valor eventualmente acordado.
Acrescentou, no mais, que assinou o acordo de boa fé, sem se querer comprometer com o pagamento de nenhum valor e que foi a Sra. Advogada que tratou de tudo, não tendo tido qualquer intervenção nas negociações nem se tendo comprometido a efetuar o pagamento de nenhum valor.
Finalizou referindo que o seu irmão nunca lhe pediu dinheiro e a questão só se levantou a partir do momento em que o Governo desistiu da expropriação, frisando que nunca se comprometeu a efetuar qualquer pagamento. De entre as versões supra referidas, manifesta clara credibilidade, atendendo aos restante meios de prova, a versão apresentada pelo Autor.
Como ponto de partida, cumpre frisar que dúvidas não restam que foi efetivamente assinado um “acordo” relativamente a uma parcela que estava a ser explorada pelo Sr. DD, não existindo dúvidas a esse respeito.
O documento 1, junto com a petição inicial, demonstra que, efetivamente, os Réus assinaram um acordo, no dia 18 de Janeiro de 2010, que prevê que quer o Autor quer os Réus “pagam aos Segundos, na presente data, a quantia de € 31.000,00 (trinta e um mil euros), através do cheque nominativo n.º ...893 sacado em 18/01/2010, sobre o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., e da qual os Segundos através do presente escrito, dão a competente quitação”. O documento encontra-se assinado quer pelo Autor quer por ambos os Réus, concluindo-se, assim, que todos se comprometeram com esse pagamento.
A este propósito não colhe o argumento do Réu de que assinou o documento de boa fé, não se vislumbrando em que sentido é que a boa ou má fé do Réu condiciona a assinatura de um acordo que prevê a obrigação de pagar a quantia de trinta e um mil euros.
A esse meio de prova documental acresce o depoimento da testemunha DD. A testemunha referiu, de forma clara e reiterada, que o acordo foi celebrado entre os três (o próprio, o Autor e o primeiro Réu). Explicou que quer o Autor, quer o primeiro Réu, se comprometeram a assumir os compromissos celebrados pela sua mãe e que resolveram a situação a bem, através da celebração de um acordo, que foi assinado por todos.
Diretamente questionado se o Réu também se comprometeu ao pagamento de alguma quantia, a testemunha não soube precisar, mas indicou que o acordo foi celebrado pelos três.
Conjugando esse depoimento com as declarações de parte do Autor e com o documento 1, junto com a petição inicial, dúvidas não restam ao Tribunal em considerar provados os factos 12 a 19.
(…)” (realces e sublinhados nossos).
Para tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto deste concreto ponto 14. dos Factos Provados ouviu-se integralmente o depoimento da testemunha DD, assim como os depoimentos /declarações de parte de Autor e Réu e analisou-se a documentação junta aos autos.
Começar-se-á por referir que a incidência de apreciação deste ponto 14 se cinge, unicamente, ao acordo no pagamento de honorários à Dra. FF.
Com efeito este facto 14 não faz qualquer referência ao acordo entre Autor e Réu quanto ao pagamento e/ou reembolso do pagamento no âmbito do cumprimento da obrigação que ambos assumiram no documento 1, assinado por todos eles (Autor, Réus e DD) e não impugnado.
Da audição do depoimento desta testemunha DD nada resultou quanto ao acordo entre Autor e Réu, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da quantia em que ambos se obrigaram para consigo, quer quanto à repartição das responsabilidades no pagamento dos honorários à advogada que os acompanhou nas negociações do acordo e respectiva redacção.
Assim, no que a este aspecto diz respeito, resta-nos tão somente o depoimento de parte do Réu (que não confessou tal facto, negando qualquer acordo com o irmão quanto à imputação /responsabilidade nos pagamentos efectuados quer o Sr. DD e Dra. FF) e as declarações de parte do Autor (que referiu expressamente que a negociação foi feita por ambos, tendo sido da lavra do seu irmão deixar as suas irmãs de fora, por falta de condições económicas das mesmas).
A circunstância de o Réu não ter admitido tal facto – em sede de depoimento de parte - não determina “ipso facto” que o Tribunal dê como não provado o mesmo; da mesma forma que a circunstância de o Autor ter afirmado – em sede de declarações de parte - o oposto não acarreta igualmente que, sem mais, se dê o facto como provado.
O Réu foi admitido a prestar depoimento de parte e não confessou. Mas, como é jurisprudência praticamente uniforme, nada obsta a que, nesse depoimento de parte, se valorem factos favoráveis ao depoente que venham a resultar espontaneamente do seu depoimento de parte (neste sentido ver, entre muitos outros, Ac. STJ de 21-06-2022).
Assim, na ausência de confissão por parte do Réu e na ausência de depoimentos testemunhais acerca deste concreto acordo quanto ao pagamento de honorários à Sra. Advogada, restam-nos, apenas e tão somente, as declarações de parte do Autor acerca desta temática, assim como as declarações do Réu, prestadas em sede de depoimento de parte.
Ouvida toda a prova, afigura-se-nos que as declarações de parte do Autor nos merecem maior credibilidade que as declarações do Réu.
Desde logo pelo discurso “redondo” e titubeante do Réu (atente-se particularmente no seu depoimento ao minuto 23), furtando-se a algumas respostas directa e frontalmente efectuadas, num constante apego por aspectos formais referentes ao acordo (a circunstância de o acordo referir textualmente serem os mesmos os proprietários e haver mais co-proprietários do terreno) e a questões de partilha (o seu quinhão hereditário por morte da mãe).
Depois porque de uma banda diz não ter acordado nada, nem se ter comprometido ao pagamento de nada; mas de outra banda assume que havia um pagamento a fazer aquando do recebimento da indemnização pela expropriação. Como compaginar a afirmação de que o mesmo foi alheio a qualquer negociação de pagamentos a fazer ao Sr. DD, com a afirmação seguinte de que o pagamento ia ser feito aquando da divisão da indemnização pela expropriação?
Acresce que referiu o mesmo insistentemente que nada acordou com o Sr. DD ou com o seu irmão, limitando-se a assinar o papel que a Sra. Advogada lhe pôs à frente. Tal depoimento é contrário ao depoimento de parte do Autor. Mas, mais relevante, que a contradição entre as declaração do Réu com as declarações do Autor, é a circunstância das afirmações do Réu serem contrariadas pelo depoimento da testemunha DD, testemunha sem qualquer interesse no desfecho da causa (até porque já recebeu o que tinha a receber e é-lhe, subjectiva e objectivamente, indiferente quem procedeu ao pagamento). Esta testemunha colocou inequivocamente o Réu AA no cenário das tais negociações em que o mesmo nega ter participado. E por mais de uma vez. Identificando-o inclusive como interlocutor, uma vez que o Autor trabalhava e não tinha a mesma disponibilidade de tempo.
Por último, o Réu voltou a contradizer-se, mais uma vez, no seu depoimento quando respondeu negativamente à pergunta que lhe foi feita acerca de saber se resolveram (Autor e Réu) assumir as responsabilidades da mãe. Mas, mais adiante, inquirido sobre se tinham ido falar com o Sr. DD, ou se este tinha vindo falar consigo, refere que, instado pelo Sr. DD lhe disse que “iam respeitar a vontade da mãe”, assumindo as suas responsabilidades no negócio que esta havia apalavrado – sem formalizar por escritura pública – de venda de uma parcela de terreno.
Por todas estas razões, não nos merecem credibilidade as declarações do Réu a este respeito.
E as declarações de parte do Autor?
Poderão as mesmas, por si só e desacompanhadas de qualquer outra prova testemunhal, ser consideradas bastantes para se dar como provado o acordo efectuado entre o Autor e o Réu quanto ao pagamento dos honorários à Advogada.
O nó górdio coloca-se assim, num primeiro momento, num plano teórico.
O Código de Processo Civil de 2013 veio estabelecer no seu art. 466.º, sob a epígrafe “Declarações de parte”, que: “1. As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo. 2. Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior. 3. O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”
Trata-se de uma disposição inovadora que visa um tipo de prova diverso do previsto na Secção anterior que alude à prova por confissão e ao depoimento de parte (arts. 452 a 465 do C.P.C.).
O depoimento de parte continua a constituir o meio probatório através do qual se pretende conseguir que uma parte - o depoente - reconheça a realidade de um facto que lhe é desfavorável (de acordo com o disposto nos arts. 352 e seguintes do C.C. e 452 e seguintes do C.P.C.). Tal resulta do título da Secção onde se inserem os normativos citados do Código do Processo Civil: o depoimento de parte visa a prova por confissão.
Já as declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal quando não constituam confissão (nº 3 do art. 466), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes – neste sentido Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil- Lei nº 41/2013, Anotado”, Junho de 2013, pág. 169.
Em todo o caso, tais declarações devem ser encaradas como qualquer outro momento de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, não se justificando um tratamento diverso, designadamente daquele que têm os depoimentos de parte oficiosamente determinados pelo Tribunal já em sede de julgamento.”
Como aborda João Paulo Remédio Marques, in “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)favoráveis ao Depoente ou à Parte Chamada a Prestar Informações ou Esclarecimentos”, Revista “Julgar”, nº 16, 2012, págs. 137 e ss., este novo meio de prova por declarações de parte instituído no CPC/2013 veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte ainda que sem carácter confessório e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade.
Está hoje plasmado na lei processual que o tribunal apreciará livremente o depoimento de parte não confessório, podendo as partes requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo, e que também o tribunal o pode determinar oficiosamente – neste sentido Paulo Ramos de Faria, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, Vol. I, pág. 365, e Luís Filipe Pires de Sousa, “As Declarações de Parte. Uma Síntese”, CEJ, Abril de 2017, págs. 4/5.
Como meio de prova que é e sujeita à livre apreciação pelo tribunal, a validade das declarações de parte não pode ser desconsiderada nem antecipadamente nem postumamente.
Tal como se defendeu, aliás, no Ac. do STJ de 07-02-2019, o nº 3 do art. 466 do C.P.C. não dá cobertura à exigência de corroboração por outros meios de prova, resumindo-se no respetivo sumário: “Sendo as declarações de parte de livre apreciação pelo tribunal, podem determinar, por si sós, a convicção do julgador, sem necessidade de corroboração por outros meios de prova.”
Por último, e quanto à valoração das declarações de parte, diz-nos ainda Luís Filipe Pires de Sousa(publicação citada pág. 37): “(…) Num sistema processual civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fáticos trazidos a juízo, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação não pode estar condicionada a máximas abstratas pré-assumidas quanto à sua (pouca ou muita) credibilidade mesmo que se trate das declarações de parte. Se alguma pré-assunção há a fazer é a de que as declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.”
Conforme se refere no Ac. de 26-04-2022, “Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.(…).”
No caso em análise, as declarações de parte do Autor a este respeito foram prestadas de forma objectiva, consentânea com a normalidade dos factos e inclusive com a própria aposição levada a cabo pelo Réu no doc. 4 junto com a p.i. em que afirma tomar conhecimento dos pagamentos levados a cabo pelo Autor, entre os quais o pagamento dos honorários à Advogada que os acompanhou nas negociações (e que já havia acompanhado em negociações anteriores).
Por todas estas razões acompanhamos a apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, relativamente a este facto 14, estando perfeitamente justificada a sua inclusão na matéria de facto provada.
Para além do exposto, é ainda de referir que é jurisprudência consolidada que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha, as declarações de parte, têm de ser conjugados com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – como a prova testemunhal e declarações de parte –, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efectivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância. Ora, nos presentes autos, ouvidos os registos fonográficos, não só não ficou o Tribunal convencido de que houve erro da 1.ª instância na apreciação dos factos, como ficou ainda convencido exactamente do contrário, isto é, que a prova produzida justifica a inclusão do facto 14 no elenco dos factos provados. Por estas razões, improcede na totalidade a impugnação da matéria de facto, pugnada pelos Réus.
*
b) Do Direito
No que respeita à subsunção jurídica dos factos referem os Réus/Recorrentes nas suas alegações o seguinte:
“ (…) O Tribunal a quo para poder condenar os Réus analisou quatro questões:
- A validade do acordo celebrado.
- O direito de regresso e a solidariedade da dívida.
- Figuras subsidiárias.
- Juros.
Não merece discordância a subsunção que o Tribunal fez quanto à primeira e à ultima questão. Reconhecendo-se a imprecisão da titularidade do direito de propriedade em relação ao prédio onde estava a parcela em causa (é um prédio que faz parte do acervo de uma herança onde há 4 herdeiros, descendentes diretos), a verdade é que para a substância da questão resolvida pelo acordo, não é relevante essa matéria! Os dois herdeiros intervieram no exercício de poderes de administração de uma herança, libertando um bem de um ónus e possibilitando a sua prevista expropriação com a consequente indemnização.
Como acima referimos o acordo titula um pagamento feito e constitui uma obrigação para os segundos outorgantes, e nessa matéria não é determinante a legitimidade de todos os proprietários do prédio.
Também não merece especial atenção as considerações feitas a propósito de “figuras subsidiárias” (no caso, o enriquecimento sem causa) que o Tribunal perspetiva, já que elas não foram alegadas pelo Autor nem os seus pressupostos fácticos sequer considerados ao nível dos articulados.
Já quanto à questão do direito de regresso não partilhamos da sentença considerando que se fez uma má aplicação do direito.
Determina o artigo 524º do Código Civil que o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.
Esse direito de regresso só existe no domínio das obrigações solidárias que são, como refere o artigo 513º do Código Civil, a exceção no domínio civil para as obrigações plurais (“A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes”). (…)”.
Assim, o dissenso dos Réus/Recorrentes centra-se na existência de um direito de regresso do Autor sobre aqueles.
Contudo, os Réus/Recorrentes assentam tal discordância no pressuposto da alteração da matéria de facto, na medida em que recorrentemente referem que “(…) embora o Tribunal reconheça que a regra nas obrigações plurais civis seja a da conjunção e que a solidariedade só existe caso resulte da lei ou seja convencionada pelas partes (artigo 513º do CC) considera que o comportamento dos Réus lhe permite, “sem margem para dúvidas”, concluir pela solidariedade da obrigação. Acrescenta que ambos os Réus declararam, tal como o Autor, que pagavam a um terceiro a quantia de 31.000,00 € e acordaram que pagariam metade do valor dos honorários à Ilustre Advogada.
Ora essa declaração não existiu nem foi provada, como se demonstrou.”. Vejamos:
Está em causa a solidariedade no pagamento de duas quantias distintas e com origens diversas:
a. Em primeiro lugar o pagamento efectuado pelo Autor a DD, em cumprimento do acordo em que os Réus também intervieram;
b. Em segundo lugar o pagamento dos honorários à advogada.
Vejamos a primeira situação (al. a):
Cumpre recordar o que a este respeito fundamentou juridicamente o Tribunal a quo: “- O direito de regresso (vertente da solidariedade da dívida).
Aqui chegados, cumpre analisar o direito de regresso do Autor, uma vez que o mesmo exige a quantia ao abrigo dessa figura jurídica.
Estabelece o artigo 524.º do Código Civil:
“O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete” (negrito nosso).
Por seu turno, estatui o artigo 516.º, do mesmo diploma legal:
“Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.
Cumpre frisar que o âmbito de aplicação do regime jurídico do direito de regresso cinge-se às obrigações plurais, que se distinguem entre obrigações conjuntas e obrigações solidárias, sendo certo que a regra no ordenamento jurídico português é a da conjunção das obrigações e que o direito de regresso é apenas reconhecido ao devedor solidário que pagou mais do que correspondia à sua real responsabilidade.
Nesse sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, o teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10 de Dezembro de 2019, processo nº 4853/16.2T8OAZ-A.P1, relatado pela Exma. Desembargadora Alexandra Pelayo (disponível em www.dgsi.pt):
“Nas obrigações plurais, o regime regra é a <> e não a <>, que apenas existe do lado ativo e passivo, se for determinada por lei, ou estipulada pelos interessados (art. 513º do CC), pelo que tem natureza conjunta a obrigação dos co-réus, condenados no acórdão dado á execução, de restituição do sinal, em consequência da anulação do contrato promessa de compra e venda de quota social.
Nas obrigações conjuntas ou parcelares, cada um dos devedores apenas se encontra obrigado á sua parte na prestação total, já que estas obrigações caraterizam-se pela autonomia e independência do vínculo respeitante a cada um dos obrigados de tal modo que os factos relativos a cada um daqueles não produzem qualquer efeito quanto às obrigações dos restantes.
Inexiste por isso titulo executivo se, nas relações internas entre devedores, um deles paga ao credor para além da quota parte da obrigação que lhe corresponde, uma vez que o direito de regresso é apenas reconhecido ao devedor solidário que pagou mais do que correspondia à sua real quota, nos termos gerais dos artº 524º e 516º do Código Civil” (destacado nosso).
Aqui chegados, cumpre então decidir se a obrigação em causa nos presentes autos é uma obrigação conjunta ou solidária.
Entende o presente Tribunal que se trata de uma obrigação solidária.
O Autor e os Réus acordaram que pagariam a terceiro a quantia de 31.000,00 € e metade do valor de honorários à Ilustre Mandatária, no valor de 1.500,00 €.
É certo que a regra é a da conjunção e que a solidariedade só existe caso resulte da lei ou seja convencionada pelas partes; porém, a lei não exige que a convenção de solidariedade seja expressa, podendo ser tácita e resultar do comportamento das partes.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 02 de Junho de 2020, processo nº 1990/19.5T8VIS.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Cravo (disponível em www.dgsi.pt):
“No âmbito do direito civil o regime-regra é o das obrigações conjuntas uma vez que a solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes (cf. art. 513º do C.Civil).
Mas se o legislador não arvorou a solidariedade como regra, também não foi ao ponto de exigir, para a sua estipulação entre as partes, uma declaração expressa, contentando-se, na falta de qualquer exigência especial da lei, com qualquer forma de declaração, expressa ou tácita.
É patente no caso ajuizado a existência de acordo no sentido da solidariedade, desde logo porque os valores mutuados pela Autora foram solicitados por ambos os RR., sendo que os referidos valores deviam ser liquidados por força dos valores depositados em conta titulada pelos mesmos RR., ou seja, as quantias mutuadas foram-no sem descriminação de partes, sem quaisquer diferenças de conteúdo quanto aos montantes que caberia a cada um dos RR. por virtude do negócio celebrado com a., isto é, estes facta concludentia permitem concluir que, de uma forma tácita, os RR. se obrigaram perante a. a cumprir, de forma solidária, as obrigações resultantes do contrato de mútuo que celebraram.
Assim sendo, a obrigação de restituição pelos mutuários da quantia mutuada, consiste numa obrigação solidária, pelo que os RR. respondem solidariamente pela totalidade do valor emprestado, tendo a. o direito de exigir a prestação integral de qualquer dos devedores (os RR.), sendo que a prestação efetuada por um destes os libera a ambos perante aquela (artigo 512º, nº 1, do C.Civil)” (destacado nosso).
Aqui chegados, é entendimento do presente Tribunal que o comportamento dos Réus permite concluir, sem margem para dúvidas, pela solidariedade da obrigação.
Ambos os Réus declararam, tal como o Autor, que pagavam a um terceiro a quantia de 31.000,00 € e acordaram que pagariam metade do valor dos honorários à Ilustre Advogada.
Após os Réus e o Autor declararem que pagavam a quantia de 31.000,00 €, no mesmo dia, o Autor efetua o pagamento, por cheque, no valor de 31.000,00 € e efetua outro pagamento no valor de 1.500,00 € relativo aos honorários.
Perante esse pagamento, o terceiro (Sr. DD) declara-se ressarcido e declara nada mais ter a exigir.
Perante esse pagamento, os Réus nada fazem. Não se opõem ao pagamento e tiram proveito da declaração do terceiro (Sr. DD), no sentido de que nada mais lhe é devido e de que nada mais pode exigir aos Réus (e ao Autor).
Todos esses comportamentos configuram uma convenção (tácita) de solidariedade.
O Autor ao entregar o cheque está, no fundo, a declarar que aceita ser responsável pelo pagamento da totalidade do montante.
Os Réus, ao aceitarem que o Autor efetue o pagamento e que nada mais é devido ou exigido pelo terceiro estão, no fundo, a aceitar que o Autor efetue o pagamento por inteiro para que nada mais seja devido.
O terceiro, ao receber o cheque está a aceitar que seja o Autor a efetuar o pagamento, por inteiro, da obrigação.
No mais, reforça-se que os Réus declararam que “pagam ao terceiro a quantia de 31.000,00 €”, ou seja, emitem uma declaração como se tivessem também efetuado um pagamento.
Entendemos, assim, que a obrigação em causa é uma obrigação solidária.
Sendo uma obrigação solidária, a regra é a de que compete a cada uma das partes (Autor por um lado e Réus por outro) o pagamento do montante de uma vez que se presume que os devedores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito (cfr. artigo 516.º do Código Civil).
À luz do referido, compete condenar os Réus ao pagamento de 50% do valor liquidado pelo Autor, a título de direito de regresso.
Pelo exposto, serão os Réus condenados, solidariamente (pelas mesmas razões referidas supra), ao pagamento do montante de 16.250,00 € (15.500,00 € pelo valor pago ao Sr. DD e 750,00 € pelo valor pago à Ilustre Advogada).”(…)
Cumpre assim apreciar o Direito de Regresso, seus pressupostos e aplicação ao caso dos presentes autos:
Estipulando acerca do direito de regresso no âmbito das obrigações solidárias (solidariedade entre devedores), prescreve o art. 524.º, do CC que “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.
Anteriormente – art. 516º, do mesmo diploma -, regulando acerca da participação nas dívidas e nos créditos, refere-se que “nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.
Como refere Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código Civil”, Vol. II, Lisboa, 1988, pág. 329), este normativo estabelece, entre os devedores solidários, “um vínculo legal de reembolso, por virtude do qual cada devedor solidário está obrigado a custear a parte que lhe competir na dívida”, fundando-se “no vínculo de solidariedade que une os condevedores mas não pode efectivar-se enquanto um dos devedores não tenha satisfeito o direito do credor, não bastando, para esse efeito, que o credor reclame dele a prestação por inteiro”.
A obrigação é, desta forma, “solidária nas relações entre os devedores e o credor, mas não nas relações internas entre estes; pagando a totalidade, o devedor só tem direito de regresso pela parte que pertença a cada um dos devedores”.
Desta forma, o direito de regresso “tem por conteúdo, em relação a cada um dos condevedores, a parte da sua responsabilidade no crédito”, sendo normalmente iguais as suas quotas, e só excepcionalmente diferenciadas.
Todavia, para que aquele direito nasça, é necessário, conforme legal imposição, “que o devedor satisfaça o direito do credor, não bastando que tenha sido interpelado para cumprir ou que haja mesmo constituído qualquer garantia especial a favor do credor” (neste sentido ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 538 e 539).
Desta forma, o devedor solidário que satisfaça o direito do credor tem direito de regresso relativamente a cada um dos condevedores pela quota respectiva, podendo estes, todavia, aquando do exercício do direito de regresso, invocar “os meios de defesa que lhes seria lícito opor ao credor”. Podem, assim, os condevedores “afastar o direito de regresso com fundamento, não só nos meios pessoais de defesa (…), como nos meios comuns, ainda que o devedor que cumpriu os não tenha oposto, sem culpa sua, ao credor (…)”.
Relativamente à natureza jurídica da solidariedade e justificação do direito de regresso, referencia o mesmo Antunes Varela que este é “um verdadeiro direito de compensação concedido ex vi legis ao condevedor que satisfaz o direito do credor”, cujas raízes provêm “do momento constitutivo da obrigação solidária”.
Efectivamente, ”embora cada um dos devedores, em face do credor, para tutela especial dos interesses deste, fique obrigado ao cumprimento de toda a prestação, também é certo que cada um deles, em regra, se obriga a concorrer com a sua quota parte para a totalidade da prestação devida. Nesse traço fundamental reside a distinção entre a obrigação solidária (plural) e a obrigação singular que, com o mesmo objecto, recaísse sobre um dos devedores”.
Todavia, apesar daquele momento constitutivo da obrigação solidária, o direito de regresso “só nasce no preciso momento em que o condevedor satisfaz o direito do credor para além da sua quota”.
O direito de regresso surge, deste modo, como “um direito novo, que se constitui na esfera do devedor solidário por efeito da satisfação, por cumprimento ou por outra causa, do direito do credor além da parte que internamente lhe competia. Este direito vincula os outros devedores solidários, que vêem constituir-se na sua esfera a correspondente obrigação de regresso” – neste sentido Margarida Lima Rego, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Almedina, 2017, pág. 687.
Por esta razão, para aferir da solidariedade temos de remontar ao momento constitutivo da obrigação.
E o momento constitutivo da obrigação foi o acordo celebrado entre Autor, Réus e DD.
Exposto o enquadramento jurídico, analisemos acerca da reclamada aplicabilidade do instituto do direito de regresso, tendo fundamentalmente em análise o acordo celebrado entre Autor, Réus e DD, e que consta dos pontos 12, 13, 15, 18 e 19, com base no qual o Autor fundamenta a demanda.
Provou-se que Autor e Réus acordaram com DD o que consta do acordo junto aos autos, como doc. 1 junto com a petição inicial e que não foi, nem vem impugnado.
Provou-se ainda que a obrigação que desse acordo decorria para Autor e Réus foi integralmente satisfeita pelo primeiro, à custa do seu património.
Ora, relativamente ao presente acordo, Autor e Réus figuram como condevedores.
Poderemos qualificar a sua responsabilidade como solidária?
É exactamente este o nó górdio da questão que se suscita nos presentes autos, na medida em que, conforme bem refere a sentença recorrida, (i) nas obrigações conjuntas ou parcelares, cada um dos devedores apenas se encontra obrigado á sua parte na prestação total, já que estas obrigações caraterizam-se pela autonomia e independência do vínculo respeitante a cada um dos obrigados de tal modo que os factos relativos a cada um daqueles não produzem qualquer efeito quanto às obrigações dos restantes, (ii) o direito de regresso apenas é reconhecido ao devedor solidário que pagou mais do que correspondia à sua real quota, sendo solidária a sua responsabilidade.
A solidariedade pressupõe:
i. A pluralidade de sujeitos de um ou de ambos os lados da relação obrigacional e
ii. o direito de exigir toda a prestação de qualquer devedor (no caso de solidariedade passiva) ou o direito a toda a prestação por parte dos credores (no caso de solidariedade activa), extinguindo-se a obrigação do credor em relação a todos os devedores solidários com o cumprimento da obrigação ao credor por um dos devedores solidários (no caso de solidariedade passiva) ou com o cumprimento pelo devedor de toda a obrigação assumida perante os credores solidários a um desses credores (no caso de solidariedade activa).
No caso dos autos a pluralidade de sujeitos resulta do texto do acordo subjacente ao pagamento efectuado pelo Autor a DD.
E o direito de exigir a prestação de qualquer devedor? Certo é que a questão não se coloca – e nunca se colocou - nos presentes autos, na medida em que o pagamento foi simultâneo e foi de imediato dada quitação da obrigação em que os 1.ºs outorgantes (aqui Autor e Réus) se constituíram.
Mas se assim é, a forma como expressamente resulta do acordo que ocorreu o pagamento não pode deixar de ser convocada para, na falta de previsão, se interpretar a vontade e a intenção das partes.
Com efeito, e seguindo a posição assumida no Ac. da R.G. de 03-05-2018, os elementos úteis para se operar aquela interpretação têm de ser buscados no plano externo e como aí se processavam as relações entre, por um lado, os primeiros Outorgantes (Autor e Réus) e 2.ºs Outorgantes (DD e mulher).
Conforme se refere no supra citado acórdão, “Se estiver acordado entre apelante, Ré e “Y” que a primeira podia exigir a totalidade da dívida a qualquer uma das segundas (à Ré ou à “Y”) ou se a apelante exigia efetivamente à Ré ou à “Y” o pagamento da totalidade da dívida, ou então a Ré ou a “Y” pagou a totalidade da dívida à apelante (evidenciando estas duas hipótese a existência de acordo entre apelante, Ré e “Y” no sentido da solidariedade, acordo esse que pode ser expresso ou tácito – art. 217º do CC) – ou seja, estamos sempre no plano externo -, as obrigações de Ré e “Y” para com a apelante são solidárias.”
Ora esta última situação é exactamente a situação dos presentes autos! O Autor, através de um cheque seu, pagou a totalidade da dívida a DD e Mulher (não obstante não ser o único obrigado, pelo contrato, para o efeito e os segundos outorgantes consideram-se pagos e ressarcidos de toda a dívida, com o pagamento efectuado apenas por um dos obrigados.
Deste modo, evidenciado está o acordo quanto à solidariedade, acordo esse que pode ser expresso ou tácito, nos termos do art. 217.º do CC.
Foi exactamente este o percurso argumentativo da 1.ª instância com o qual concordamos
Por conseguinte, não estava vedado ao tribunal a quo o recurso aos indícios a que recorreu para interpretar o contrato.
Pelo contrário, pressupondo o regime da solidariedade, que no plano externo, Autor e Réus fossem solidariamente responsáveis pela totalidade da dívida perante DD e mulher, podendo estes exigir a cada um daqueles a satisfação da totalidade dessa dívida, o pagamento da mesma apenas por um dos devedores, com conhecimento e intervenção dos restantes, bem como a declaração de quitação dos credores constituí, antes, um fortíssimo e decisivo índice de que a obrigação por Autor e Réus assumida era solidária.
a. Uma última referência à al. b) - pagamento dos honorários à advogada.
Retomamos aqui as considerações efectuadas supra.
Dispondo o art. 513º, do CC, que “A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulta de lei ou da vontade das partes”, tal equivale a dizer que, no nosso direito civil, o regime-regra que vigora é o das obrigações conjuntas - “obrigações plurais cuja prestação é fixada globalmente, mas em que a cada um dos sujeitos compete uma parte do débito ou do crédito comum “.
Porém, se é ponto assente que a nossa lei se não arvorou a solidariedade como regra, nem no lado passivo nem no lado activo, também não foi ao ponto de exigir, para a sua estipulação entre as partes, uma declaração expressa, contentando-se, na falta de qualquer exigência especial da lei, com qualquer forma de declaração, expressa ou tácita.
Resultando dos autos que no âmbito dos diversos serviços prestados a Autor e Réus por uma única advogada por todos contratada (para estes e outros serviços), não existiam quaisquer diferenças - em relação a cada um dos mandantes - nos objectivos e de conteúdo, existindo em relação a todos eles identidade de causa e, ademais, todos os actos jurídicos foram aos RR prestados com vista a atingir o mesmo fim, existindo no essencial e subjacente ao propósito de Autor e Rés uma comunhão de fins e colaborando todos para um interesse coincidente e comum, justifica-se concluir pela existência de uma obrigação solidária relativamente ao pagamento de honorários.
Neste mesmo sentido pode-se chamar à colação o Acórdão da Relação de Lisboa de 09-11-2017, desta mesma secção (Relator António Santos).
Com efeito, não sabemos no âmbito das relações externas, entre mandantes e mandatário, qual o acordo estabelecido no que respeita ao pagamento dos honorários.
Mas sabemos que foi um cheque do Autor que pagou a totalidade dos mesmos, que esse cheque foi entregue pelo Réu marido à Mandatária, pelo que se pode retirar, com toda a probabilidade, a natureza solidária da obrigação, na medida em que com o pagamento efectuado por um dos condevedores (o Autor), através da entrega de um cheque, materializada por outro dos condevedores (o Réu marido), a Dra. FF se considerou paga dos serviços por si prestados no âmbito das negociações que culminaram com celebração do acordo entre Autor, Réus e DD. Por outro lado, nas relações internas aponta no mesmíssimo sentido o facto 14 do elenco da matéria provada.
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Uma última referência à alusão feita na sentença recorrida às figuras subsidiárias.
Refere-se nas alegações de recurso dos Réus/Recorrentes que “Também não merece especial atenção as considerações feitas a propósito de “figuras subsidiárias” (no caso, o enriquecimento sem causa) que o Tribunal perspetiva, já que elas não foram alegadas pelo Autor nem os seus pressupostos fácticos sequer considerados ao nível dos articulados.”
Não podemos estar mais em desacordo com a posição dos Recorrentes: o artigo 5.º, n.º 3, do CPC dá expressão à ideia ou regra conhecida como “iura novit curia”, ou seja, de que o juiz conhece (todo) o direito, não estando circunscrito às alegações das partes no que toca à indagação, à interpretação e à aplicação das regras jurídicas aplicáveis, aos factos alegados.
Por isso, como se refere no Ac. do STJ de 16-02-2023 “Sempre que o enquadramento jurídico realizado pelo tribunal se contenha dentro dos limites da factualidade essencial alegada e seja adequado ao efeito prático-jurídico pretendido, pode o tribunal realizá-lo (…)”
E esta chamada de atenção revestiria toda a pertinência – como bem refere a sentença recorrida – caso o caminho seguido pelo Tribunal não tivesse sido o da solidariedade. E revestiria pertinência tanto para o Tribunal a quo, como para o Tribunal ad quem, caso entendesse que a obrigação de Autor e Réus não era solidária.
Por todo o exposto, improcede a apelação dos Réus.
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Tendo decaído no recurso, são os Réus/Apelantes responsáveis pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
IV. Decisão:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 6.ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação dos Réus, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pelos Réus/Recorrentes – art. 527.º do CPC.
Registe e notifique.
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Lisboa, 24 de Abril de 2025
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Vera Antunes
Nuno Lopes Ribeiro
1. Por opção da Relatora, o acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando, não obstante, nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).