DECISÃO SUMÁRIA
Sumário


I - Não é admissível e deve ser rejeitado, o recurso para o STJ de acórdão proferido pelos Tribunais da Relação, em recurso, que confirmaram a condenação da 1º instância em pena de prisão não superior a 8 anos;
II. Tal irrecorribilidade é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica dos factos, a escolha das penas e a respetiva medida.

Texto Integral


Cumpre proceder ao exame preliminar e, sendo caso disso, proferir decisão sumária (artigo 417º, números 1 e 6, do Código de Processo Penal – doravante “CPP”).

Assim, desde logo importa referir que este Supremo Tribunal é competente para apreciar o recurso interposto pelo arguido AA.

O arguido tem legitimidade e interesse em recorrer, tendo-o feito no prazo que a lei lhe concede para o efeito.

Contudo e sendo certo não estarmos vinculados pelo decidido no despacho de admissão do recurso (cf. artigo 414º, nº 3 do CPP), entendemos, pelas razões que, em seguida, exporemos, que o recurso não devia ter sido admitido, por a decisão impugnada ser irrecorrível.


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DECISÃO SUMÁRIA

Sendo a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto irrecorrível, este Alto Tribunal limitar-se-á a especificar, de forma sumária, os fundamentos da sua decisão de rejeição (artigos 417º, nº 6, al. b), 432, nº 1 al. b) (a contrario sensu), 400º, nº 1, al. f) 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Penal).


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I - Relatório

1. A decisão da primeira instância

Por sentença de 27 de junho de 2024, proferida pelo Juízo de Competência Central Criminal ... – Juiz ... e no que ora releva, foi o arguido AA condenado, designadamente, pela prática, como autor material, de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa àquele diploma, na pena de 5 anos e 6 meses1.

2. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

Por acórdão de 2 de janeiro de 2025 esse Venerando Tribunal decidiu o seguinte (transcrição integral do dispositivo):

“a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido

b) Condenar o recorrente nas custas respectivas, cuja taxa de justiça se fixa em 5 (cinco) UC. “

3. O recurso para este Supremo Tribunal de Justiça

Continuando inconformado, vem agora o arguido recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça.

E termina as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição integral):

“1. O Arguido vem condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes.

li. Tal condenação em 1ª formou a sua convicção para dar como provados os factos socorrendo-se das ilações que os factos conhecidos alegadamente lhe permitiram extrair para concluir pela autoria dos mesmos

Ili. Foram assim adquiridos por prova indirecta, e o Tribunal errou na aplicação das regras próprias do silogismo judiciário.

IV. A violação das regras de construção do silogismo judiciário, prova indirecta ou por presunção natural, integra matéria de direito do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, e, também, vício de conhecimento oficioso e importa a aplicação de uma dimensão materialmente inconstitucional do artigo 127.º do CPP.

V. É inconstitucional a norma do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada no acórdão do Tribunal da Relação, segundo a qual as regras da lógica, a correcção de raciocínio e os conhecimentos da vida, tudo se englobando nas ditas regras da experiência comum, são suficientes para adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento. O que vai expressamente arguido.

VI. Deverá o Arguido ser absolvido quanto à autoria do crime de tráfico de estupefacientes, honrando o principio in dúbio pro reo.”

1. A resposta do Ministério Público

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra apresentou resposta - na qual defende a rejeição do recurso ou, caso assim se não entenda, a sua improcedência – a qual termina com as seguintes conclusões (transcrição integral):

“1 – O recurso interposto pelo arguido AA incide apenas sobre matéria de facto;

2–Talrecurso,sobrematériadefacto,nãointegranenhumadasexcepções previstas na lei que conferem competência ao STJ para apreciar matéria de facto

3 – Por conseguinte, por carência de fundamento legal, o recurso não deverá ser admitido;

4 – Sem prejuízo do que atrás se refere, o Acordão recorrido fez uma apreciação da prova com observação de todos os critérios subjacentes ao statuído no art. 127º do Código de Processo Penal;

5 – Encontrando-se no mesmo justificado o uso da prova indirectasem que daí resulte qualquer vício;

6 – Ademais, no art. 127º do Código de Processo Penal estão englobados não só os factos probandos a que se chega por meio de prova directa mas também os indiciários, interlocutórios ou habilitantes, a que se chega por meio de deduções e induções, desde que objectiváveis, e por essa via sindicáveis, e que se traduzem em prova indirecta, tantas vezes essencial para que se consiga perceber a lógica por trás dos acontecimentos traduzidos no thema probadum;

7–Sendo que a lógica desse raciocínio está devida e cabalmente explicitada no acordão recorrido.”

2. O parecer

Neste Supremo Tribunal de Justiça o Digníssimo Procurador-Geral- Adjunto apresentou extenso e douto parecer, no qual, concordando com a resposta anteriormente referida, suscita uma nova questão, nos seguintes termos: (transcrição parcial):

“(…) o recurso não é admissível na parte ou partes que se referem aos crimes e penas parcelares correspondentes inferiores a 8 anos de prisão, irrecorribilidade essa que abrange todas as questões processuais ou substanciais que digam respeito a essa decisão (…)”

3. Contraditório

O arguido foi notificado do parecer do Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto e não apresentou qualquer resposta


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II - Fundamentação

2.1. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).

No presente recurso o arguido coloca em causa, apenas, a condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes acima referida, entendendo que o tribunal a quo “errou na aplicação das regras próprias do silogismo judiciário” por ter violado “regras de construção do silogismo judiciário, prova indirecta ou por presunção natural, integra matéria de direito do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, e, também, vício de conhecimento oficioso”.

Por outro lado o recorrente entende ainda que “ É inconstitucional a norma do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada no acórdão do Tribunal da Relação, segundo a qual as regras da lógica, a correcção de raciocínio e os conhecimentos da vida, tudo se englobando nas ditas regras da experiência comum, são suficientes para adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento”.

2.2. A questão prévia

Como já atrás se referiu, o Ministério Público junto deste Alto Tribunal entende que, como a pena aplicada ao arguido pela prática desse crime foi inferior a 8 anos de prisão, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto é irrecorrível, o que constitui questão prévia a que cumpre dar resposta, antes de apreciar as questões colocadas pelo recorrente e que atrás sintetizámos

Assim, e repetindo o atrás consignado:

• na primeira instância o arguido e ora recorrente foi condenado, pela prática do crime tráfico de estupefacientes, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• o Tribunal da Relação do Porto confirmou integralmente a decisão da primeira instância.

Assim e como bem refere o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto, esta última decisão é irrecorrível.

Com efeito, nos termos da al. f) do nº 1 do artigo 400º do CPP, não é admissível recurso:

“e) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem a decisão da 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

E, nos termos do disposto no artigo 432º, nº 1 al. b), do mesmo diploma legal:

Artigo 432.º

Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

(…)

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

Por outro lado, e como já referimos, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 414º do CPP este Supremo Tribunal de Justiça não se encontra vinculado pelo despacho que admitiu o recurso proferido no Tribunal da Relação do porto.

Concluindo e face ao exposto, o recurso apresentado é inadmissível e deve ser rejeitado nos termos dos artigos 420º, nº1, al. b) e 414º, nº 2 do CPP.

E, assim sendo, fica prejudicado o conhecimento das questões colocadas pelo recorrente.

Com efeito, é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que:

“I. Não é recorrível uma decisão da Relação, em recurso, relativamente a todos os crimes cuja pena não seja superior 8 anos, desde que se verifique “dupla conforme”, como é o caso.

II. Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica dos factos, a escolha das penas e a respetiva medida.”

Ac. do STJ de 19 de dezembro de 2023 – Proc 2930/19.7GBABF.E1.S12

2.2. Tributação e sanção processual

Nos termos do disposto nos artigos 513º do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Judiciais e da sua Tabela III anexa, o recorrente deve ser condenado em custas, variando a taxa de justiça entre 5 e 10 unidades de conta (UC).

Face à não complexidade do processo fixa-se essa taxa de justiça em 6 (seis) Unidades de Conta

Por outro lado, a rejeição do requerimento por inadmissibilidade implica ainda a condenação do requerente no pagamento de uma importância entre 3 e 10 UC (que não são meras custas judiciais, tendo antes natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 420º, nºs 1 b) e 3, do Código de Processo Penal.

Com efeito, são cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa, no caso de recurso inadmissível, pois elas visam propósitos diferentes: uma tributa o decaimento num ato processual a que deu causa e a outra censura a apresentação de requerimento sem a prudência ou diligência exigíveis (Salvador da Costa, As custas Processuais, Coimbra: Almedina, 6.ª ed., 2017, p. 86).

Atendendo, por um lado, à pouca complexidade do objeto da decisão e, por outro, à manifesta improcedência do requerimento, considera-se ajustado fixar essa importância em 5 (cinco) unidades de conta.

III – DECISÃO

Face a todo o exposto decide-se:

1. Rejeitar o recurso apresentado pelo arguido AA, dada a sua inadmissibilidade nos termos do disposto nos artigos 400º. nº 1, al f), 414, nº 2, 432º, nº 1, al b) (a contrario sensu) e 420º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Penal;

2. Condenar o mesmo requerente nas custas do processo, nos termos do disposto nos artigos 513º do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Judiciais e da sua Tabela III anexa, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta;

3. Condenar ainda o requerente na sanção processual prevista no artigo 420, nº 3 do Código de Processo Penal, fixando-se o seu quantitativo em 5 (cinco) unidades de conta.

Supremo Tribunal de Justiça, 07-05-2025

O Juiz Conselheiro,

Celso Manata

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1. O dispositivo desse acórdão condenou o arguido pelos seguintes e nas penas adiante referidas:

  1 crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 204.º, n.º 2, al. f), 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em 04-05-2023 (cfr. A., I.), na pena de 6 anos de prisão;

  - 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 204.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. f), 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em 16-05-2023 (cfr. A., II.), na pena de 6 anos de prisão;

  - 1 crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa àquele diploma, cujo último ato ocorreu em 22-05-2023 (cfr. A., IV.), na pena de 5 anos e 6 meses e prisão;

  na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

2. Disponível em www.dgsi.pt