CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
RESOLUÇÃO COM JUSTA CAUSA
Sumário


O tribunal da relação só deve alterar a resposta à matéria de facto quando a prova produzida imponha uma decisão diferente.
Improcedendo a matéria de facto, essencial suporte da impugnação da matéria de direito, consequentemente esta também improcede.
Constituiu justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo, a falta de registo do contrato, obrigação essencial e primária a cargo do Clube, que coarta totalmente ao jogador o desempenho da actividade para a qual foi contratado, que lhe anula absolutamente a possibilidade de desempenhar desporto profissional (objecto do contrato) e de progredir na carreira. A que acresce a violação do direito ao treino, bem como a falta de pagamento do vencimento.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

AA, residente na ..., BB no. ... ..., intentou acção declarativa comum, emergente de contrato de trabalho, EMP01..., SDUQ, LDA,  pedindo: que seja reconhecida a justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo; a condenação da Ré no pagamento de indemnização no valor global de €107.000,00 (sendo €102.000 de remunerações + € 5.000 a título de prémio desportivo) decorrente pela cessação do contrato; a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização ao Autor, no valor de € 10.000 (dez mil euros), pelos danos não patrimoniais,  quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos.
Sustenta que: em 15-07-2019, celebrou com a ré contrato de trabalho desportivo, como profissional de futebol; rescindiu o mesmo em 31.08.2019, por justa causa, pelo facto da ré ter violado as suas obrigações, a saber falta de registo do jogador e do respetivo contrato de trabalho desportivo junto da ...; o  incumprimento deste dever de registo impossibilitava em absoluto que o Autor realizasse a prestação de trabalho para a qual havia sido contratado (nº 1 do artigo 33º do RECITJ) implicando uma continuada violação do dever de ocupação efetiva do Autor; o Autor foi colocado a treinar num grupo isolado de alguns jogadores lesionados, como forma de afastamento do grupo principal, nem sequer lhe sendo permitido treinar com os demais colegas;  a falta de registo do jogador junto da ... e da ..., impedindo-o de participar ou ter intenções de participar em qualquer competição oficial em Portugal, vedando totalmente a realização da prestação laboral, não por opção técnica, mas por recusa liminar em conferir essa possibilidade ao Autor, constitui assédio moral; a ré afastou o Autor do restante grupo de trabalho do plantel principal, colocando-o a treinar à parte e forçando-o a realizar treino específico, com os jogadores lesionados, quando este não tinha qualquer lesão, numa clara intenção de isolamento;  a ré igualmente não pagou ao Autor quaisquer retribuições já vencidas ( mês de Julho e de Agosto de 2019), ainda que consciente do contexto de um atleta acabado de chegar de um país estrangeiro, sozinho e sem qualquer outra fonte de rendimento, sem apresentar qualquer espécie de satisfação ao Autor, visando forçar o atleta a tomar a iniciativa da cessação do contrato.
A ré contestou, pronunciando-se pela improcedência da ação, alegando que: o autor resolveu o contrato sem justa causa; o autor não reunia as condições físicas para poder cumprir com o contrato celebrado, conforme estava contratualmente previsto. Os exames médicos efetuados ao Autor evidenciaram uma rotura do menisco do joelho esquerdo, sendo aquela lesão anterior à celebração do contrato de trabalho desportivo, o que, nos termos clausulados no contrato de trabalho desportivo, conferiria à ré a possibilidade de resolução unilateral do contrato sem necessidade de invocar justa causa, lesão que o autor omitiu dolosamente, pelo que o contrato padece de vício da vontade (251º CC), pois caso a ré tivesse conhecimento da lesão não teria celebrado o contrato; os clubes podem afastar o jogador do grupo normal de trabalho, em casos excecionais, por razões de natureza médica ou técnica, como foi o caso; os treinos em separado realizados pelo Autor foram legitimados por motivos de prevenção e reabilitação física e nunca por qualquer tentativa de humilhação e destabilização do jogador; o registo do contrato desportivo dependia de  apresentação da prova da aptidão médico-desportiva do praticante desportivo da qual o A não dispunha; a lesão do Autor foi o motivo determinante e absolutamente impeditivo do registo do contrato de trabalho desportivo do Autor na ... e na Federação ...; o Autor rejeitou a proposta da Ré cessação do contrato de trabalho desportivo por mútuo acordo proposta pela ré; quando o autor resolveu o contrato de trabalho apenas estava em divida e vencida a retribuição de julho de 2019, o que não é suficiente para fundamentar a justa causa; caso se venha a entender que a Ré terá de pagar ao Autor uma indemnização pela resolução do contrato com justa causa, sempre terá de ser deduzida das retribuições auferidas pelo Autor no exercício da mesma atividade, a partir do início da época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu a rescisão e até ao termo previsto para o contrato. Mais deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação do autor no pagamento da quantia de 102.000,00 €, acrescida de juros de mora contados desde, até efectivo e integral pagamento, com fundamento de que o autor procedeu à resolução do contrato de trabalho, sem justa causa.
O autor pronunciou-se pela improcedência do pedido reconvencional.
Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida a sentença - ora recorrida - com seguinte teor:

“Por tudo o exposto, decido julgar parcialmente procedente o pedido e, em consequência, reconheço a existência de justa causa na resolução, em 31/08/2019, pelo autor, do contrato celebrado com a ré, condenando a ré no pagamento ao autor da quantia global de cento e dez mil euros (110.000,00 €), acrescida de juros de mora contados sobre o valor de três mil euros (3.000,00 €), desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.
Mais julgo improcedente o pedido reconvencional, absolvendo o autor do mesmo.
Custas por autor e ré, na proporção do respetivo decaimento.”

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ –CONCLUSÕES APERFEIÇOADAS:
[…]
CONTRA-ALEGAÇÃO E IMPUGNAÇÃO (AMPLIAÇÃO) DA MATÉRIA DE FACTO A TÍTULO SUBSIDIÁRIO - 636º, 2, CPC
[…]

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se que os recursos não merecem provimento.
Em resposta ao parecer, a ré reitera os fundamentos da apelação.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR[1]: nulidade de sentença; impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e sua repercussão na matéria de direito.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS
PROVADOS:
1. Autor e Ré outorgaram, em 15/07/2019, um escrito denominado de “contrato de trabalho desportivo”;
2. O Autor remeteu à ré, em 31/08/2019, um escrito em que resolveu o aludido contrato de trabalho, alegando justa causa;
3. Onde alegava, para além do mais, a falta de pagamento dos salários dos meses de Julho e Agosto; o
4. E em Setembro de 2019 deu entrada uma queixa junto da Federação ... (“...”);
5. Tendo a queixa sido contestada pela Ré, a ... pronunciou-se a 25-02-2020, declarando-se incompetente para a apreciação da ação, porquanto havia sido convencionado pelas Partes a atribuição da competência ao Tribunal Judicial de Barcelos;
6. O Autor é um jogador profissional de futebol, que, em 2020, estava vinculado ao EMP02... (“EMP02...”), e internacional por diversas vezes pelas camadas jovens da ....
7. Em junho de 2019, o EMP01... (“EMP01...”) demonstrou interesse na contratação do Autor para a época desportiva 2019/2020, tendo este interesse chegado ao seu conhecimento através do seu representante, CC, que lhe fez chegar uma proposta de contrato de trabalho desportivo.
8. No dia 13.07.2019, o Autor e o seu pai, DD, juntamente com o representante CC, viajaram para Portugal.
9. No dia 15.07.2019, o Autor integrou logo as sessões de treino da equipa principal do EMP01..., sob o comando de EE.
10. No mesmo dia, durante o intervalo entre sessões de treino, o Autor concluiu as negociações com o clube tendo em vista a celebração de um contrato de trabalho desportivo.
11. Findas as negociações, ficou agendada a assinatura do contrato de trabalho desportivo para as 20h daquele dia (dia 15.07.2019), já com a versão final do texto, traduzido para inglês.;
12. O contrato de trabalho desportivo entre o Autor e a Ré foi celebrado com a duração de dois anos, com início a 15 de julho e termo no final da época desportiva 2020/2021;
13. Ficou também acordado que a Ré ficava com a opção de prorrogar a duração do contrato até ao final da época desportiva 2021/2022 (cláusula décima oitava), opção que deveria ser exercida e comunicada ao Autor até ao dia ../../2021;
14. Como contrapartida da prestação de atividade desportiva a favor do clube, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor, para a época desportiva de 2019/2020, a remuneração total de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) e, para a época desportiva de 2020/2021, a remuneração total de €54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros);
15. Nos termos da cláusula terceira, ficou acordado que a remuneração devida para a época desportiva de 2019/2020 seria paga em 12 prestações de igual valor, no montante de € 4.000,00 (quatro mil euros) cada, onde se incluiriam, proporcionalmente, os montantes devidos a título de “subsídio de férias e de Natal”.
16. Ainda nos termos da mesma cláusula, relativamente à época desportiva de 2020/2021, ficou acordado que o pagamento seria feito em 12 prestações de igual valor, no montante de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) cada, onde se incluiriam, proporcionalmente, os montantes devidos a título de “subsídio de férias e de Natal;
17. Ficou ainda acordado que, caso a Ré fosse relegado para a segunda divisão nacional, o Autor veria a sua remuneração para a época desportiva de 2020/2021 reduzida em 30 % (cláusula quarta).
18. Caso a Ré exercesse a sua faculdade de prorrogar a duração do contrato até ao final da época desportiva 2021/2022, ao abrigo da cláusula décima oitava do contrato, ficou acordada, para essa época, a remuneração total de € 60.000,00 (sessenta mil euros) (cláusula décima oitava).
19. Estipulou-se, igualmente, que o pagamento seria feito em 12 prestações de igual valor, no montante de €5.000,00 (cinco mil euros) cada, onde se incluiriam, proporcionalmente, os montantes devidos a título de “subsídio de férias e de Natal”;
20. Mais ficaram acordados os seguintes prémios desportivos:
a) Caso o clube assegurasse a manutenção na Primeira Liga Portuguesa na época 2019/2020 (o que veio a acontecer), o Autor receberia o montante de € 5.000,00 (cinco mil euros);
b) Caso o clube fosse finalista da Taça de Portugal, na época 2019/2020 e na época 2020/2021, o Autor receberia o montante de € 5.000,00 (cinco mil euros);
c) Caso o clube fosse finalista da Taça da Liga, na época 2019/2020 e na época 2020/2021, o Autor receberia o montante de € 5.000,00 (cinco mil euros);
21. Caso o clube conseguisse assegurar, na época 2020/2021, uma classificação entre o 1º e o 9º lugar na Primeira Liga Portuguesa, o Autor receberia o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
22. Ficaram previstos outros prémios desportivos, atribuíveis caso o contrato fosse prorrogado pela Ré para a época desportiva 2021/2022.
23. Foi também convencionada uma indemnização ao clube para o caso de o Autor denunciar o contrato de trabalho, sem justificação, no valor de € 10.000.000,00 (dez milhões de euros);
24. O EMP01... e o EMP02... chegaram a um acordo relativamente ao pagamento da compensação por formação, depois de a Ré ter apresentado uma proposta ao EMP02... no valor de € 18.000,00 (dezoito mil euros), a ser paga em prestações;
25. A Ré nunca encetou as diligências necessárias para obter o Certificado de Transferência Internacional, nem tampouco diligenciou no sentido de obter o visto de residência e de trabalho do Autor ou qualquer outro documento necessário à instrução do processo de registo do jogador e do contrato de trabalho desportivo junto da ... e ...;
26. Posteriormente, em finais de Julho, a Ré afastou o Autor dos treinos com a equipa principal.
27. Passando o autor a treinar separado da equipa principal, algumas vezes em conjunto com jogadores lesionados, outras vezes sozinho, não tendo treinado ou jogado mais com a equipa principal;
28. Na resposta que a Ré apresentou à resolução do contrato de trabalho desportivo operada pelo Autor, foi alegado que, no âmbito dos tradicionais exames médicos efetuados aos jogadores, designadamente no âmbito de uma ressonância magnética, o Autor havia revelado uma lesão incompatível com a prática do futebol, motivo pelo qual o jogador foi colocado a treinar à parte;
29. Lesão essa que, segundo a ré afirmou, consistia numa rutura no menisco do joelho esquerdo, anterior à conclusão do contrato e altamente condicionante e comprometedora em relação à prática da atividade desportiva;
30. E que, ainda segundo a posição da ré, teria de ser do conhecimento do autor, e era prévia a Julho de 2019;
31. Após Agosto de 2019, o autor tem jogado sempre futebol, como profissional;
32. Em 15 de Agosto de 2019 o Autor solicitou à Ré que, no prazo máximo de 15 dias, (i) diligenciasse no sentido de regularizar a situação da residência do Autor em Portugal; (ii) obtivesse o Certificado Internacional de Transferência (iii) registasse o contrato de trabalho desportivo junto da ...; (iv) procedesse ao pagamento do salário correspondente ao mês de julho, no valor de € 2.000,00 (dois mil euros) e (v) integrasse o Autor nos treinos da equipa principal;
33. A ré não procedeu conforme solicitado pelo autor;
34. Sendo que, na pessoa do seu empresário, a ré propôs ao autor o pagamento da quantia de 16.000,00 €, como forma de resolução amigável do contrato celebrado entre as partes;
35. O autor pretendia cumprir o contrato celebrado com a ré;
36. Em Setembro o autor comunicou à ré o número da conta ... para a qual deveriam ser efetuados os pagamentos das remunerações e prémios previstos no contrato;
37. O autor não conseguiu abrir nenhuma conta bancária em Portugal, pelo facto de não ter nenhuma residência e autorização de residência em Portugal;
38. A ré não pretendia que o autor jogasse por si na época 2019/2020;
39. O autor regressou à equipa que tinha representado em 2018/2019;
40. Não tendo possibilidade de jogar por qualquer outro clube;
41. O autor sentiu-se sozinho em Portugal, sem qualquer apoio por parte da ré;
42. E, quando regressou à ..., sentiu-se envergonhado, até porque esse regresso foi noticiado pelos órgãos de comunicação social do país;

*
FACTOS NÃO PROVADOS:

1. Que o autor não tivesse consciência dos termos das cláusulas constantes do contrato celebrado entre as partes;
2. Que a rutura no menisco do joelho esquerdo que o autor fez, antes da celebração do contrato, condicionasse e comprometesse a prática da atividade desportiva;
3. Que a ré tenha informado o autor da existência de um problema físico que o impedia de jogar antes de 31/08/2019;
***
B ) NULIDADE APONTADA À SENTENÇA:

Refere a recorrente nulidade por omissão de pronúncia em virtude de se ter abstido de se pronunciar sobre questões controvertidas... o Tribunal a quo deixou de se pronunciar, ignorando, a prova produzida em audiência de julgamento e a prova documental junta aos autos”
O vício de nulidade tem os seus fundamentos taxativamente previstos na lei (615º CPC). Abrange apenas aspectos formais e de estrutura da decisão, entre os quais não se encontra a discordância sobre a prova dos factos, nem sobre o direito. Estes respeitam ao recurso.
Segundo a alínea d), 615º, CPC, a sentença é nula quando: “…d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
O excesso ou omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência[2] e acolhido pela doutrina. A expressão “questões” não abrange a retórica ou os motivos invocados pelas partes para alicerçarem a sua pretensão[3]. O tribunal não tem de dissecar todos (por vezes inúmeras) os fundamentos que as partes trazem ao tribunal, sobretudo se irrelevantes, ou impertinentes, devendo, ao invés e ao abrigo da economia processual, centrar-se nos que importam.
No caso, a “questão”, o fundamento da acção, era a justa causa para o autor rescindir o contrato (falta de registo do contrato de trabalho, violação do dever de ocupação efectiva, além de falta de pagamento de salários), o que foi apreciado favoravelmente, implicando a improcedência da reconvenção. A discordância da ré não respeita a vício de nulidade, mas ao mérito da decisão.
Improcede a arguição.
*
A recorrente refere vício “ ultra petita”, na medida em que o Tribunal a quo invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico essencialmente diverso daquele que o Recorrido colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
Segundo a al. e), 615 CPC, a decisão é nula quando:…e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Esta disposição relaciona-se com uma outra, a saber, o artigo 609º/1, CPC, que refere: ”A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”
Estas normas são sobretudo informadas pelo princípio do dispositivo segundo o qual compete às partes escolher a tutela ou providência que pretendem, e não ao juiz.
Tendo em conta o referido, não se vislumbra minimamente como possa ter sido cometida, parecendo-nos que a ré confunde conceitos.
O autor pediu o reconhecimento de justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo e a condenação da Ré no pagamento de indemnização, com fundamento na falta de registo do contrato de trabalho desportivo, o que  o impossibilitou de realizar a prestação para a qual havia sido contratado, tendo sido colocado a treinar num grupo isolado de alguns jogadores lesionados, como forma de afastamento do grupo principal, nem sequer lhe sendo permitido treinar com os demais colegas, além de não lhe terem sido pagos os salários.
Com base em tais fundamentos (igualmente sem qualquer “excesso de pronúncia), o tribunal apreciou e cingiu-se rigorosamente ao que foi pedido pelo autor.
Tal teve como reverso, a improcedência da reconvenção (correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo), a qual pressupunha a cessação ilícita do contrato por parte do autor.
O senhor juiz, a certa altura, argumentou que não relevava a cláusula contratual que conferia o direito de a ré resolver o contrato unilateralmente caso o autor apresentasse lesão que o condicionasse a jogar, quer porque não se provou este último condicionamento, quer porque a ré nunca resolveu o contrato. Ora, além de a afirmação ser uma verdade, tal em nada se relaciona com o vicio de condenação em objecto diverso. Mal seria se o juiz a quo não fosse livre na interpretação e aplicação do direito e não pudesse, a seu modo, redigir e organizar a sentença dentro da factualidade e da causa de pedir congeminada pelas partes.
Improcede a arguição.
*
Refere ainda a recorrente uma evidente falta de fundamentação quanto à apreciação da justa causa para a resolução do contrato. O Tribunal não explicitou devidamente os pressupostos que sustentam a sua decisão...”
Segundo o artigo 615º, nº1, CPC, é nula a sentença quando o juiz: “(…)b) - não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”
A previsão reporta-se a vício de falta de motivação que pode atingir a sentença, exigindo-se que da mesma conste a factualidade que suporta a decisão, bem como a interpretação e aplicação do direito  - 607º, 3, 4, CPC.
Abarcam-se, aqui, os casos de falta de indicação dos meios probatórios e/ou da sua valoração crítica, dos quais o juiz se socorreu para decidir os factos como provados ou não provados. Exigindo-se que o julgador exteriorize o seu percurso lógico de raciocínio probatório, fazendo a ligação entre as provas que o levaram ao juízo probatório sobre os factos essenciais, segundo todas as várias soluções plausíveis de direito. Esta exposição tem dupla função, destinando-se a convencer o destinatário do bem fundado da decisão probatória reforçando a objectividade do julgador e, por outro lado, permite o seu escrutínio pelas partes e tribunal superior, em caso de recurso. Exige-se também que da sentença constem os seus pressupostos jurídicos, isto é, os institutos e normas legais que dão cobertura ao decidido.
Conquanto decorra do referido preceito a necessidade de expor em que se baseia a prova, relembramos que a nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorrerá quando o tribunal omita totalmente a fundamentação de facto e/ou de direito em que ancorou a decisão de mérito proferida nessa sentença[4]. O que se exige é que a decisão demonstre quais são as suas premissas.
Lida a sentença concluiu-se pela inexistência da apontada falta de motivação quer quanto aos factos, quer quanto ao direito.
Ali constam os factos provados e  não provados, os meios de prova e o modo como foram valorizados e/ou desvalorizados, e o enquadramento jurídico onde se concluiu pela existência de justa causa na resolução do contrato, mormente porque “...parece-nos claro que se verifica o incumprimento das obrigações da ré, que podemos considerar como grave, pelo tempo em que perdurou a situação de treino à parte da equipa principal – cerca de 45 dias – ficando ainda provado que o autor sabia que a ré não contava consigo para a época desportiva em causa, para além da falta de registo do jogador e respetivo contrato de trabalho desportivo junto da ..., da obrigação da entidade empregadora, .conforme se retira dos artigos 7º e 11º, da já referida Lei 54/2017, o que, pura a simplesmente, impedia o autor de poder jogar em Portugal.”
Improcede a arguição de nulidade.

C ) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

O tribunal superior deve alterar a materialidade que sustenta o Direito caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente imponham decisão diferente – art. 662º do CPC.
O verbo “impor” é distinto do verbo “admitir ou “possibilitar”. A utilização de tal vocábulo confere um especial grau de exigência imposto à segunda instância, a qual deve apenas modificar a matéria fáctica caso se evidencie, de modo claro, uma errada valoração. É, assim, preciso que na segunda instância se detecte um inquestionável mal julgado. E que não haja qualquer dúvida que a resposta deveria ser indubitavelmente diferente.
O nosso sistema de recurso sobre a matéria de facto está construído de forma exigente, delimitando rigorosamente em que termos se permite o recurso, o qual se destina apenas a uma fiscalização da decisão recorrida nos pontos concreto alegadamente mal julgados e desde que os concretos meios probatórios esgrimidos imponham decisão diferente. Ressalve-se, ainda, que as instâncias superiores, no que se refere a prova gravada, não dispõem de imediação de prova, escapando-lhe aspectos essenciais como as expressões e posturas de quem presta declarações, e que ajudaram a determinar a convicção do tribunal da primeira instância. Também por esta razão, a instância superior não deve interferir, excepto se a prova for manifestamente em sentido diverso e se concluir que o juiz de primeira instância claramente errou. Uma simples dúvida não impõe decisão diferente. Nesta fase é o recorrente que tem o ónus de, com a prova que indica, comprovar o erro da primeira instância, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal.
Exige-se também, sob pena da sua rejeição, que o recorrente cumpra o ónus de impugnação especificada, o qual, cingindo-nos aos aspectos essenciais, requer que a parte indique os pontos de facto concretos que contesta, qual a resposta alternativa que propõe que seja dada e qual o meio de prova concreto que impõe essa alteração na resposta dada à matéria de facto - 640º, 1, CPC.
Dito isto, ao contrário do referido em contra-alegaçoões, a recorrente cumpriu o ónus de impugnação, identificando: (i)  os concretos pontos de facto que impugna, a resposta alternativa e indica os meios de prova; (ii) a impugnação de direito é uma decorrência da impugnação de facto, estando identificados os normativos que se referem à alegada inexistência de fundamento para resolução do contrato com justa causa, partindo do pressuposto que a impugnação de facto procede.
*
Dito isto, analisando a impugnação da matéria de facto:

A Recorrente entende que os factos 25, 26, 32, 33, 38, 40 e 41 foram incorretamente julgados como provados e devem ser julgados não provados e que o facto nº 3 foi indevidamente considerado não provado quando deveria ser provado.

Os factos 25, 32 e 33 têm a seguinte redação:
25- A Ré nunca encetou as diligências necessárias para obter o Certificado de Transferência Internacional, nem tampouco diligenciou no sentido de obter o visto de residência e de trabalho do Autor ou qualquer outro documento necessário à instrução do processo de registo do jogador e do contrato de trabalho desportivo junto da ... e ...; - 51 da pi.
26- Posteriormente, em finais de Julho, a Ré afastou o Autor dos treinos com a equipa principal.”
32- Em 15 de Agosto de 2019 o Autor solicitou à Ré que, no prazo máximo de 15 dias, (i) diligenciasse no sentido de regularizar a situação da residência do Autor em Portugal; (ii) obtivesse o Certificado Internacional de Transferência (iii) registasse o contrato de trabalho desportivo junto da ...; (iv) procedesse ao pagamento do salário correspondente ao mês de julho, no valor de € 2.000,00 (dois mil euros) e (v) integrasse o Autor nos treinos da equipa principal; 71 e 72 da p.i
33- A ré não procedeu conforme solicitado pelo autor; 73 da p.i

Afirma a ré que os tais factos devem ser não provados, na medida em que a Recorrida se encontrar impossibilitada de requerer a emissão do Certificado de Transferência Internacional, de diligenciar no sentido de obter o visto de residência e trabalho do Recorrido, de registar o contrato de trabalho junta da ..., bem como de o integrar nos treinos da equipa principal, pelo facto de o jogador ter reprovado nos exames médicos, o que impediu a Recorrida de solicitar a emissão ou diligenciar no sentido de obtenção de tais documentos ou registo dos mesmo.
Mais refere que é “evidente que todas as dificuldades enfrentadas pela Recorrente resultaram exclusivamente da sua condição clínica pré-existente e não de qualquer falha imputável a esta.”
Refere os documentos 7 e 8 juntos com a PI e os depoimentos das testemunhas FF e GG. Em especial quanto ao ponto 26 refere, ainda, a ré, mais uma vez, que tal “... foi uma medida necessária e legalmente fundamentada.”, em razão da sua condição física” e que ““Desta feita, o afastamento da equipa principal ocorreu exclusivamente por razões médicas, sem qualquer intenção de prejudicar o jogador ou forçá-lo a resolver o contrato.” e cita em abono deste ponto também o depoimento de HH.
Como se assinala nas contra-alegações, a recorrente não nega - nem nunca negou- a veracidade da matéria provada sob estes itens. Apenas refere uma explicação para tal ter acontecido, ou seja, sustenta que se encontrava impedida de cumprir as obrigações em resultado de uma lesão no menisco do joelho esquerdo do Autor e de uma suposta inaptidão física deste para a prática desportiva, assim procurando afastar a justa causa para a resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor/Recorrido.
A explicação que refere não contende (e extravasa) a matéria dos pontos provados (que correspondem aos artigos 51, 71 a 73 da p.i.). Ademais, tal matéria não ficou provada (conforme retomaremos a propósito do ponto 3 não provado), mas, repisa-se, ainda que tivesse tal não contendia com os fatos provados, por serem realidades diversas.
Sempre se diga que:
O doc. nº 10 junto à p.i. comprova a comunicação/interpelação do autor à ré (não negada por esta, insiste-se), ponto provado 32.
O ponto 26 (afastamento do plantel principal) harmoniza-se com o ponto 27 não impugnado (“Passando o autor a treinar separado da equipa principal, algumas vezes em conjunto com jogadores lesionados, outras vezes sozinho, não tendo treinado ou jogado mais com a equipa principal”).
As testemunhas GG, ortopedista e director de departamento médico da ré em regime de prestação de serviços, e FF, na altura dos factos director desportivo, confirmaram o que consta dos pontos provados, havendo um consenso generalizado de que a ré não efectuou o registo do contrato de trabalho e demais documentação e que o autor disso reclamou, bem como que o autor em final de julho foi afastado do plantel principal. A discordância não reside nestas questões. Também HH, trabalhou em 2019/2020 para a ré como treinador-adjunto para a ré, e confirmou que o autor iniciou os treinos com o plantel principal e depois deixou de o integrar a partir do inicio de agosto.
Assim, as testemunhas não deixaram de confirmar a matéria dos pontos provados, embora acrescentando matéria que a eles não respeita e que neles não cabe, referindo-se antes a factos não provados que mais à frente analisaremos.
Os documentos 7 e 8 (relatório médico de ressonância magnética datado de 26-07-2019, e informação médica emitida pelo Dr. GG sem qualquer data) não respeitam à matéria em causa, mas sim à condição física do autor.
É de manter os pontos.
*
Ponto provado 38-“A ré não pretendia que o autor jogasse por si na época 2019/2020;”
A matéria ficou provada através de vários meios de prova.
Desde logo prova documental: doc. 17 emitido pela ré e datado de 31-07-2019 dirigido a ao agente do autor (CC) onde consta:
“O EMP01... expressa por este meio a sua vontade de resolver a questão relativa ao atleta AA. Gostaríamos, antes de mais, de elogiar a atitude profissional por este demonstrada até hoje ao serviço do nosso Clube. No entanto, por razões técnicas e regulamentares, devido ao limite de inscrições imposto pelos regulamentos da Liga Portuguesa, pretendemos dispensar os serviços do atleta AA.
Neste sentido, estamos totalmente disponíveis para o ajudar a encontrar a melhor solução para o atleta com vista à resolução do contrato.
Ficamos a aguardar notícias da sua parte.“
 Este documento, sendo objectivo, prevalece sobre as tentativas de lhe dar um sentido diferente pela testemunha FF, director desportivo, que reconheceu que o conteúdo é da sua autoria, embora lhe procurasse dar uma explicação diferente.
Também a troca de emails com vista a chegar a um acordo para cessar o contrato (que a ré não nega que partiram da sua iniciativa, dado que o autor queria jogar) demonstram que a ré não pretendia mais que o autor continuasse vinculado ao clube - mormente email de 15-08-2019, em que FF, dirigindo-se ao agente do autor, propõe que o Clube pague 3 salários e despesas de viagem de 3.000€ para cessar o contrato (para “poder por ponto final nesta situação”)- doc. 11.
No mesmo sentido vai o depoimento de GG, ortopedista (este embora sob a explicação de que o autor apresentava uma lesão física e por isso o Clube não podia assumir o jogador, nem o seguro iria custear despesas). Que o Clube também não queria continuar vinculado ao trabalhador também resulta do invocado depoimento de HH, treinador-adjunto (depois de o autor sair do plantel principal comunicaram-lhe que autor não voltaria, “saiu, por ter problema no joelho. Não ouviu que ele não estava apto, embora esta questão não seja do seu pelouro. Nunca se apercebeu de problema do autor, nem ele se queixou.”).
É de manter o ponto provado.
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Factos provados 40 e 41:
40- Não tendo possibilidade de jogar por qualquer outro clube;
41 - O autor sentiu-se sozinho em Portugal, sem qualquer apoio por parte da ré
A prova que a recorrente invoca não impõe a alteração dos pontos.
Estes foram confirmado pelo agente do autor CC (mormente referiu que, atendendo ao “timing”, o autor só teve hipótese de voltar ao seu clube e que aquele estava e sentiu-se sozinho em Portugal), por II, pai do autor, bem como até pela testemunha HH (quanto ao ponto 41), consolidando as declarações de parte do A.
É de manter os pontos provados.
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Ponto não provados:
3- Que a ré tenha informado o autor da existência de um problema físico que o impedia de jogar antes de 31/08/2019;
Pretende a ré que esta matéria fique provada.
Este ponto não pode deixar de se relacionar com o ponto não provado nº 2 que a recorrida não impugna e que assim se tem por estabilizado (Que a rutura no menisco do joelho esquerdo que o autor fez, antes da celebração do contrato, condicionasse e comprometesse a prática da atividade desportiva;”) coisa que, como se refere na sentença, foi inclusive desmentida pela realidade posterior (o autor jogou nas duas épocas seguintes no seu clube na ..., conforme contratos juntos aos autos).
O que está em causa no ponto 3 é apenas saber se o autor até ../../2019 foi informado de que tinha um problema físico que o impedia de jogar.
Ora, os meios de prova indicados pela recorrente não permitem dar o ponto como provado, sendo a prova contraditória.
Em primeiro lugar o doc 7 constituído pela informação médica prestada pelo Dr. GG, ortopedista da ré, não está datada, pelo que não se pode saber em que momento foi a mesma produzida e até se o foi antes ou depois de se gorarem as tentativas de chegar a acordo para revogação do contrato de trabalho, cuja iniciativa partiu da ré (no que há consenso entre as testemunhas). Depois o próprio documento apenas refere uma lesão no menisco, mas não atesta sequer que o jogador está impedido de jogar.
É certo que do depoimento de GG resulta que terá informado o autor de que tinha um “problema físico”, mas sem precisar a data concreta, nem o que lhe foi comunicado (até por problemas de comunicação no idioma) e muito menos a testemunha afiançou que o problema era de molde a impedir o autor de jogar (“Não recorda as palavras, mas foi-lhe explicada a lesão e os tratamentos que iria ter”). Foi-lhe exibido o doc.  17 (emitido por JJ, diretor desportivo, em 31-07-2019), onde a ré refere a dispensa dos serviços do atleta, mas sem mencionar qualquer explicação médica. A testemunha mostrou desconforto e pouca segurança na explicação quanto ao facto de o documento não conter qualquer menção à lesão e situação médica do autor. Acabou por reconhecer que o documento médico (doc. 7, sem data) foi por si emitido para ser enviado especificamente para o agente do autor depois de lhe ter sido pedido a comprovação do problema físico. Admitiu que no relatório médico não está expresso que o jogador está impedido de jogar, mas diz “que está subentendido”.
Do depoimento do agente do autor, CC, resulta que o clube começou por lhe referir que não pretendiam continuar com o autor por questões de “excesso de jogadores” (doc. 17 já referido), tendo sido um ano de confusão por a ré ter subido de divisão. Só posteriormente lhe foi mencionado “o pretexto”, de forma não comprovada, de um problema físico, nunca lhe foi facultado a ressonância magnética apesar de a solicitar para poder exibir à equipa médica que tem na .... Precisou que KK transmitiu-lhe em 31 de julho que o clube tinha muitos novos trabalhadores e que já não queriam contar com o autor. Pediu que pusessem por escrito, o que o FF fez (doc. 17). A declaração dizia que tinham muitos jogadores, que não queriam dispensar o autor, que queriam que se chegasse a acordo para cessar contrato. A testemunha precisou, por várias vezes, que FF lhe mencionou, só a ele, uma lesão, mas depois de já estarem a fazer propostas para acabar o contrato, e de tentarem arranjar ao autor um clube da 2ª divisão, por isso para ele nunca ficou claro o motivo. Referiu que pediu documentação (... ou isso) e eles nunca enviaram. Continuadamente pediu provas para a testemunha enviar à sua equipa médica em ..., mas isso nunca foi feito. Apenas enviaram depois “uma explicação” do Dr. GG e nada mais.
Perante este quadro é de manter o ponto nº 3 como não provado, pois, de modo algum, a prova impõe decisão diversa.
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Fica prejudicado o conhecimento da ampliação subsidiária do âmbito do recurso apresentado pelo autor/recorrido, em face da improcedência da impugnação da recorrente.
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D) DIREITO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente. As questões de direito que se colocavam estavam totalmente dependentes da alteração da matéria de facto, a saber, e na essência, as relativas à prova da inexistência de fundamentos fácticos que motivaram o autor a resolver o contrato com justa causa, mormente a falta de registo do jogador e do respetivo contrato de trabalho desportivo junto da ..., o não fornecimento do certificado internacional de transferência, falta de registo essa que impossibilitou em absoluto que o Autor realizasse a prestação de trabalho para a qual havia sido contratado, tendo o Autor sido colocado a treinar num grupo isolado de alguns jogadores lesionados, afastado do grupo principal.
A impugnação foi julgada totalmente improcedente (ficando provado os fundamentos fácticos), pelo que inexistindo questões de direito autónomas, mantém-se a fundamentação da sentença para a qual se remete.

Ainda assim, sempre se repisa o seguinte:
Os fundamentos essenciais de resolução do contrato com justa causa evidenciados pelo autor na comunicação que enviou à ré foram os seguintes:
- ponto 2 da comunicação de resolução mencionada nos factos provados nºs 2 e 3:  
“...até ao dia de hoje, 31 de agosto de 2109, exactamente 45 (quarente e cinco) dias após a assinatura do Contrato, o Clube não cumpriu uma das principais obrigações em relação ao jogador, nomeadamente, a devida inscrição do jogador junto da ... a fim de o jogador se tornar elegível para participar em jogos oficiais do Clube, nem forneceu o certificado internacional de transferência (CIT) do jogador pela Federação ... (ex federação do jogador) a favor da .......
..entre outros direitos fundamentais...se encontra o direito de ser dada ao jogador a possibilidade de competir com os seus companheiros de equipa nos jogos das equipas oficiais, e que ao recusar a inscrição do jogador, um clube está efectivamete a impedir de forma decisiva o potencial acesso desse jogador à competição...o simples facto de não inscrever o jogador, impedindo-o de prestar os serviços ao clube, constitui em si uma grave violação do contrato...Incumbe ao Clube a obrigação de inscrever o jogador junto da Federação, a fim e que este seja elegível para jogar
Ponto 3 da comunicação de resolução: “A actual prática de não permitir que o jogador tenha acesso ao processo de treino regular do Clube manteve-se, infelizmente, por mais de 25 (vinte e cinco dias) e o Jogador foi excluído das sessões de treino da equipa principal e recebeu instruções para treinar com 2 (dois) outros jogadores lesionados…
No ponto 5 da comunicação de resolução refere-se que o Clube não obteve nem iniciou o processo de obtenção de visto de residência e de trabalho, necessários para que este possa desempenhar as suas funções.
No ponto 6 da comunicação de resolução refere-se que até à data o autor não tinha recebido qualquer salário referente ao mês de julho e vencido em 5.08.19.
No ponto 7 da carta de resolução afirma-se que o autor já tinha notificado a ré destes incumprimentos e, no ponto 8, refere-se que, não obstante, até à data não foram sanados.
  Todos estes factos ficaram provados, bem como que o autor comunicou previamente à ré este incumprimento, tendo esta persistido (pontos 32 e 33).
Ora, tal como mencionado na sentença sendo vários os fundamentos invocados, desde logo o incumprimento por parte do clube (ré) da obrigação de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação de futebol é suficientemente grave para determinar a resolução do contrato com justa causa (7º registo 1 - “A participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação...”- Lei 54/2017, de 14 de julho (Regime Jurídico do praticante desportivo, doravante RJPD).
Segundo o art.  11º, a, b, d, do RJPD são deveres da entidade empregadora desportiva, em especial: (i) proceder ao registo do contrato de trabalho desportivo ( nos termos do artigo 7º), (ii) proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva, (iii) Permitir que os praticantes participem nos trabalhos de preparação e integrem as seleções ou representações nacionais”
Ora, face à matéria provada, forçoso é concluir que a ré incumpriu a primeira e vital obrigação de registar o contrato desportivo, o que, por inerência, implicou o incumprimento das obrigações de proporcionar ao jogador as condições de participação desportiva e de integrar seleções ou representações nacionais, dado que sem contrato de trabalho registado na federação o autor não tinha condições legais para exercer tais direitos.
Ademais, note-se que “A falta de registo do contrato ou das cláusulas adicionais presume-se culpa exclusiva da entidade empregadora desportiva, salvo prova em contrário.” - no 5 do citado art. 7º. A ré não conseguiu afastou a presunção de culpa que sobre si impendia, como decorre da matéria provada e não provada.
Diga-se, ademais, que também se comprovou que o autor foi afastado do treino com a equipa principal (o art. 11º, b), RJPC onde se consagra o “direito ao treino”).
O clube desportivo (empregador) está sujeito aos deveres genéricos extensíveis a qualquer empregador constantes da lei geral do trabalho, a que que acrescem deveres específicos próprios das relações de trabalho desportivo. Destaca-se o dever de proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades instrumentais da competição desportiva - 11, b), do RJCTPD. O praticante desportivo tem um direito ao trabalho nesta vertente de participação no desporto, o que quer dizer nos treinos e actividades preparatórias da competição, e de o fazer inserido em igualdade e no normal grupo de trabalho, excepto em casos muito específicos de natureza médica (problemas de saúde do jogador ) ou técnica (decisão da equipa relacionadas com estratégia de jogo ou disciplinar) - 11, b), do RJCTPD, 14º, d), CCT, e no regime geral 129º, 1, b), CT.
Se é certo que o jogador apenas tem direito a treinar e não direito a competir/participar nos jogos oficiais, aquele direito ao treino, para ser efectivo, requer a existência de condições e a participação em treino conjunto com os demais jogadores e treinador. Nisto se concretiza o direito a ser treinado, um direito de ocupação efectiva mitigado por não garantir, nem se estender, ao direito a participar nas competições oficiais.
 João Leal Amaro (Contrato de Trabalho Desportivo, Almedina, 2019, pág. 72 e 73), discorrendo sobre a existência ou não de um verdadeiro direito de ocupação efectiva a cargo do empregador (11, b., do RJCTPD) oscila, referindo que a norma afirma e desmente, em simultâneo, a sua existência. De todo o modo, o autor conclui que aquele não pode ser entendido como direito a participar na competição desportiva, mas abrange o ciclo pré-competitivo, o direito na participação nos treinos e outras actividades preparatórias ou instrumentais da competição.
Ora, no caso verifica-se o incumprimento deste dever, competindo à ré a contraprova da existência de uma razão justificativa, mormente lesão física de tal modo grave que impedisse o autor de jogar ou treinar. A ré não provou essa razão (ademais, como se referiu na fundamentação da matéria de facto, o autor após resolver o contrato voltou para o seu clube e jogou duas épocas desportivas).
O incumprimento resultante da falta de pagamento do salário de julho de 2019 (vencido em 5-07) é apenas coadjuvante dos demais referidos fundamentos para a resolução do contrato.
Constituiu justa causa para a resolução do contrato o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva - 23º, 1, d), 3, RJPD.
É o caso, seguramente, da falta de registo do contrato de trabalho desportivo, obrigação essencial e primária a cargo do Clube, que coarta totalmente ao jogador o desempenho da sua função/actividade para o qual foi contratado, que lhe anula absolutamente a possibilidade de desempenhar desporto profissional (objecto do contrato) e de progredir na carreira. A que acresce a violação do direito ao treino, bem como a falta de pagamento do vencimento, tanto mais que se trata de um jogador estrangeiro apartado do seu meio.
Assim sendo é de manter o decidido, nenhuma outra questão autónoma tendo sido objecto de recurso.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em não conceder provimento ao recurso interposto pela ré, ficando prejudicado a ampliação subsidiária apresentada pelo autor, mantendo-se a decisão recorrida
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
24-04-2025

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.
[3] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437.
[4] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed.p. 435-6.