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FALTA CULPOSA DE PAGAMENTO PONTUAL DA RETRIBUIÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
CADUCIDADE
FACTO CONTINUADO
Sumário
A letra da lei não consente a interpretação de que, atento tratar-se de um facto continuado, o não pagamento pontual da retribuição, mesmo por período superior a 60 dias, pode sempre ser invocado pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho desde que respeitado o prazo de 30 dias a contar da cessação desse incumprimento, estipulando claramente no n.º 2 do art. 395.º do CT que o prazo, de 30 dias, para comunicar a resolução do contrato, se começa a contar, quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por 60 dias a partir do termo desse período de 60 dias.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
Apelante: AA
Apelado: EMP01..., Lda.
I – RELATÓRIO
AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., Lda., também nos autos melhor identificada, pedindo:
“A) Declarar-se válida e concretizada com justa causa a resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor, com fundamento na falta de pagamento pontual de maio, junho, agosto e setembro do ano de 2022, do subsídio de Natal referente ao ano de 2021 e do subsídio de férias que lhe deveria ter sido pago no ano de 2022.
B) Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de €32.447,89 (trinta e dois mil, quatrocentos e quarenta e sete euros e oitenta e nove cêntimos), relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida dos juros legais vincendos, sobre as referidas quantias, a contar desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
C) Ser a Ré condenada no pagamento de custas, procuradoria e demais legal.”
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que a ré admitiu o autor, mediante contrato de trabalho, em 15/02/2005, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de assistente administrativo, sendo que em julho de 2022 o autor recebia a retribuição mensal ilíquida de €805,00, acrescido de 5,12 a título de subsídio de alimentação diário.
No dia 28 de Dezembro de 2022, a ré encontrava-se em falta no pagamento pontual da retribuição referente aos meses de Maio, Junho, Agosto e Setembro do ano de 2022, do subsídio de Natal referente ao ano de 2021 e do subsídio de férias que lhe deveria ter sido pago no ano de 2022, deixando o autor de obter o rendimento para fazer face às despesas do dia-a-dia.
Em virtude dessa situação, o autor, no dia 28 de Dezembro de 2022, comunicou, por carta registada com aviso de receção, à ré, a resolução do contrato por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam.
A ré - tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação - apresentou contestação, defendendo-se por excepção - caducidade do direito do autor de resolver o contrato de trabalho com o fundamento que invocou - e por impugnação, dando uma diferente versão dos factos, nomeadamente o pagamento das retribuições que o autor alegou estarem em dívida.
O autor apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial.
Prosseguindo os autos, veio a proferir-se saneador, em cujo âmbito se decidiu o seguinte:
“Tendo em conta o alegado na petição e na contestação, e ainda na resposta, a propósito da arguida caducidade do direito do autor, em face da posição das partes quanto à matéria de facto subjacente a tal excepção peremptória, nada impede que se avance de imediato para a sua apreciação.
*
- Da caducidade do direito do autor, por inobservância do prazo do art. 395.º do Cód. do Trabalho: Na contestação apresentada a 3.06.2024 a ré invocou, nos arts. 1.º a 4.º, que se mostrava caducado o direito do autor à eventual resolução do contrato, por justa causa, uma vez que a 3.01.2023, data em que recebeu a carta que é o doc. 6 da petição – com a comunicação da resolução do contrato, com alegação de justa causa, por iniciativa do autor/trabalhador – já tinha decorrido o prazo de trinta dias, a contar do termo do período de sessentas dias de atraso no pagamento de cada uma das retribuições cuja falta culposa de pagamento pontual o autor alega. De facto, por considerar que a comunicação da resolução do contrato é uma declaração receptícia, embora a mesma esteja datada de 28.12.2022, só tendo a mesma chegado ao seu conhecimento a 3.01.2023, só produziu efeitos nesse dia. Na resposta apresentada a 27.06.2023, o autor alega que a lei apenas impõe que a comunicação da resolução seja feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, independentemente da data em que a mesma chega ao conhecimento do empregador, pelo que não caducou o seu direito. Cumpre decidir. Preceitua o art. 395.º do Cód. do Trabalho, sob a epígrafe de «Procedimento para resolução do contrato pelo trabalhador»: “1. O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato de trabalho ao empregador por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. 2. No caso a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador. 3 - Se o fundamento da resolução for o referido na alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, a comunicação deve ser feita logo que possível. 4 - O empregador pode exigir que a assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial presencial, devendo, neste caso, mediar um período não superior a 60 dias entre a data do reconhecimento e a da cessação do contrato.». Analisando a carta que o autor enviou à ré para a resolução do contrato de trabalho – que ambas as partes aceitam tratar-se do doc. 6 da petição, datada de 28.12.2022, e cujo registo foi solicitado nos correios de ... de ... a 28.12.2022, cfr. talão junto com a resposta a fls. 67 - verifica-se que a mesma contém a referência expressa aos factos que aquele entende serem justificativos da resolução. Porém, o direito à resolução do contrato de trabalho por justa causa deve ser exercido no prazo de trinta dias a contar do conhecimento dos factos pelo trabalhador ou, quando estiver em causa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongou pelo período de sessenta dias, a contar do final deste período (cfr. art. 395.º, n.º 1 e 2 do Cód. do Trabalho). Está assim em causa um prazo de caducidade que implica a extinção do direito do trabalhador à resolução do contrato de trabalho1. De facto, o prazo de 30 dias a que alude o n.º 1 do art. 395.º do Cód. Do Trabalho, caracteriza-se como um prazo de caducidade atento o disposto no n.º 2 do art. 298.º do Cód. Civil (“Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”). Pelo que, e por força do estatuído nos arts. 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Cód. Civil, a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não pode ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno, o que, no caso, a ré arguiu em sede de contestação. Como é consabido a caducidade justifica-se, primordialmente, por razões de certeza dos direitos e de segurança jurídica, bem como na necessidade de definição, dentro de prazo razoável, das situações jurídicas, evitando-se a tendencial “vinculação perpétua” por parte do obrigado que, caso contrário, poderia ser a todo o tempo interpelado pelo titular para efectivação do seu direito. Assim, a comunicação de resolução do contrato de trabalho por justa causa deve ser feita nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos (independentemente da data em que a comunicação de resolução chega ao conhecimento do empregador). Tendo um destinatário certo, a declaração de resolução é uma declaração receptícia, pelo que só se torna eficaz quando chega ao conhecimento do seu destinatário (n.º 1 do art. 224.º do Cód. Civil), o que constitui uma mera condição da sua eficácia e nada mais. Portanto, no caso, tendo a carta sido expedida a 28.12.2022, é indiferente para a contagem daquele prazo de trinta dias, que só tenha (alegadamente) chegado ao conhecimento da ré a 3.01.2023. No caso, o autor invocou, para a resolução do contrato de trabalho, a falta de pagamento das retribuições meses de maio a setembro de 2022, assim como do subsídio de Natal de 2021 e do subsídio de férias que deveria ter sido pago em 2022. Estabelece o art. 394.º do Cód. do Trabalho, sob a epígrafe justa causa de resolução: “1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. 2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (…) 3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador: c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição. (…) 4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações. 5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”. Além disso, o já citado art. 395.º do Cód. do Trabalho, preceitua, a propósito do procedimento a seguir para a resolução pelo trabalhador, que a comunicação deve ser feita por escrito, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, que, no caso a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, se conta a partir do termo do período de 60 dias ali aludido. Ora, é pacífico que deve ser aplicado, quanto à data de vencimento da retribuição, o disposto no art. 278.º do Cód. do Trabalho, pois que, na falta de outros elementos, se deverá entender como ocorrendo no final de cada mês, no último dia útil. Assim, aquando a comunicação da resolução do contrato, por carta enviada à ré a 28 de Dezembro de 2022, encontravam-se em dívida (porque já vencidas e alegadamente não pagas) as retribuições de maio a setembro de 2022 e os subsídios de Natal de 2022 e de férias de 2022. Ora, equacionando os factos acabados de elencar, em particular os referentes aos salários de maio a agosto de 2022 e subsídios de natal 2021 e de férias de 2022, à luz das normas citadas, e muito em especial do n.º 2 do art. 395.º do CT, afigura-se claro que já havia caducado o direito de o autor resolver o contrato de trabalho com base nos referidos factos – não pagamento da retribuição e subsídios referidos. Mas já não quanto ao não pagamento da retribuição do mês de setembro de 2022. Com efeito, esta última venceu-se em 30 de setembro de 2022, pelo que só a 29 de novembro de 2020 se perfizeram os 60 dias a que alude o n.º 5 do art. 394.º do Cód. do Trabalho (não importando agora cuidar, como se debate, se aí se prevê uma presunção ilidível ou inelidível ou uma ficção jurídica). E, por sua vez, o prazo de 30 dias a que se reportam as disposições conjugadas do art. 395.º n.ºs 1 e 2 do Cód. do Trabalho, esgotou-se em 29 de dezembro de 2022, data em que o autor já havia enviado (pelo menos) a carta que constitui o doc. 6 da petição – carta a comunicar a resolução – além do email que constitui o doc. 7 – embora impugnado pela ré. Pelo que, à data de 28.12.2022 só não havia caducado o direito de efectuar a resolução do contrato com base na falta do (alegado) pagamento da retribuição vencida a 30.09.2022. Pelo exposto, julgo parcialmente verificada a excepção invocada pela ré, declarando a caducidade do direito à resolução, com base na alegada falta de pagamento das retribuições de maio a agosto de 2022, quanto ao subsídio de Natal de 2021 e ao subsídio de férias de 2022. Em consequência, prosseguem os autos para apreciar da existência de justa causa de resolução, com base na (alegada) falta de pagamento da retribuição relativa ao mês de setembro de 2022. Custas a fixar a final.”
Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
[…]
A ré respondeu ao recurso, constando das respectivas conclusões:
[…]
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar:
- Saber se caducou o direito de o autor resolver o contrato de trabalho com base na alegada falta de pagamento das retribuições de Maio a Agosto de 2022, do subsídio de Natal de 2021 e do subsídio de férias de 2022. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que decorrem do relatório supra.
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Na decisão recorrida transcreveram-se as normas legais que importa trazer à colação.
Assim e em primeiro lugar, o art. 394.º do CT, epigrafado de Justa causa de resolução, dispõe:
“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações. 5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”
E o artigo 395.º do mesmo Código, sob a epígrafe Procedimento para resolução de contrato pelo trabalhador, estabelece:
“1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. 2 - No caso a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.
3 - Se o fundamento da resolução for o referido na alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, a comunicação deve ser feita logo que possível.
4 - O empregador pode exigir que a assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial presencial, devendo, neste caso, mediar um período não superior a 60 dias entre a data do reconhecimento e a da cessação do contrato.” (em ambos os casos, negrito nosso)
Para a situação de falta de pagamento pontual da retribuição prevista no n.º 5 do art. 394.º do CT, o n.º 2 do art. 395.º do mesmo Código especifica que o prazo para a resolução começa a contar a partir do termo do prazo de 60 dias (ou da declaração do empregador), articulando-se, assim, o disposto no n.º 1 do mesmo art. 395.º, quanto ao prazo de 30 dias para resolver o contrato, com o período de 60 dias previsto no n.º 5 do art. 394.º.
Ora, tendo presente os factos relevantes – as datas de vencimento das retribuições alegadamente em dívida em contraponto com a data da comunicação da resolução do contrato - e conjugando, em particular, os n.º 2 al. a) e o n.º 5 do citado art. 394.º e o n.º 2 do art. 395.º, podemos adiantar desde já que concordamos com a interpretação que o Tribunal recorrido fez de tais normativos, e com a conclusão a que chegou. Com efeito, é a interpretação que, salvo melhor opinião, melhor se coaduna com as directrizes emanadas do art. 9.º do Código Civil, mormente é a interpretação que não despega da letra da lei, e aceita que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
É que, sufragando o entendimento já expresso no Ac. desta Relação de 03-11-2022 (com o mesmo Relator do presente, e em que a Exma. 1.ª Adjunta também interveio como 2.ª Adjunta), “I – A letra da lei não consente a interpretação de que, atento tratar-se de um facto continuado, o não pagamento pontual da retribuição, mesmo por período superior a 60 dias, pode sempre ser invocado pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho desde que respeitado o prazo de 30 dias a contar da cessação desse incumprimento, estipulando claramente no n.º 2 do art. 395.º do CT que o prazo, de 30 dias, para comunicar a resolução do contrato, se começa a contar, quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por 60 dias a partir do termo desse período de 60 dias. (…)”[1]
E, respigando da fundamentação desse acórdão por manter aqui pertinência, escreveu-se aí:
“Na decisão em recurso apela-se à natureza de facto continuado do não pagamento da retribuição – asserção esta que se não contesta – para chegar a uma diferente solução, defendendo-se que à data de 31.8.2020 o autor ainda estava em tempo para operar a resolução do contrato mesmo quanto aos factos ora em apreço. Discordamos dessa orientação, pois, recorrendo às palavras de Monteiro Fernandes, “não se vê como harmonizá-la com a letra da lei” (7).[2] A letra da lei, com o devido respeito por essa interpretação, não a consente, estipulando claramente no n.º 2 do art. 395.º que o prazo, de 30 dias, para comunicar a resolução do contrato, se começa a contar, quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por 60 dias (como sucede no caso), conta-se a partir do termo do período de 60 dias.”.
Também João Leal Amado, em anotação, na Rev. de Legislação e Jurisprudência, ao Ac. da RC de 13.12.2012, e após expor as perplexidades que a interpretação feita nesse aresto das normas acima evidenciadas lhe suscita (e apesar das reservas que o próprio também enuncia), conclui dizendo “Se bem lemos o preceito [n.º 2 do art. 395.º do CT] o que o legislador quis foi outra coisa. Foi assinalar um prazo ao trabalhador para que este, em caso de “salários em atraso”, possa resolver o respectivo contrato, sob pena de, não o fazendo dentro do prazo (grosso modo, 60+30 dias), esse direito caducar.”[3]
Não se olvidando as diferenças de interpretação que estas normas têm suscitado, no sentido que perfilhamos pode ver-se por ex. o Ac. da RL de 12-07-2017, em cujo sumário se lê: “IV – À luz do Código do Trabalho de 2009, em caso de atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 dias, o trabalhador, findo este período, apenas dispõe de mais 30 dias para resolver o contrato, sob pena de caducar o direito de resolução.”
E de cuja fundamentação consta:
“Importa contudo ter presente o disposto no artigo 395.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009 que, de forma inovatória, estabeleceu que, no caso do n.º 5 do artigo 394.º, o prazo de 30 dias para resolver o contrato se conta a partir do termo do período de 60 dias por que se prolongou a falta de pagamento pontual da retribuição. Assim, em caso de atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 dias, o trabalhador, findo este período, dispõe [diremos nós, apenas dispõe] de mais 30 dias para resolver o contrato, sob pena de caducar o direito de resolução[11].”[4]
Com o devido respeito pela posição sufragada pelo recorrente[5], afigura-se-nos que retira todo o efeito útil à norma contida no n.º 2 do art. 395.º do CT, levando a que nunca funcionaria a caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho por falta de pagamento de retribuição por mais de 60 dias, nos termos previstos no art. 394.º n.º 5 do CT.
Nas aludidas disposições legais o legislador instituiu um regime especifico para a resolução do contrato de trabalho para a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, e em que, mais do que estabelecer uma presunção inilidível de que a falta de pagamento é (nessa situação) culposa, “O objectivo da lei é simplesmente o de garantir ao trabalhador, nas circunstâncias objectivas ali descritas, o direito de resolução e de receber indemnização. Na realidade, mais do que presunção ou ficção, trata-se de irrelevância da culpa para além de certo atraso no pagamento das retribuições (…)”[6] (sendo certo que, nos termos do art. 394.º/3 c) do CT, a falta não culposa de pagamento da retribuição também dá direito à resolução do contrato, mas não a indemnização) e, como que em contraponto, estabeleceu um prazo próprio, mais restritivo, para que o trabalhador possa resolver o contrato de trabalho com fundamento nessa falta de pagamento da retribuição (que se prolongue por período de 60 dias).
Daí que se nos afigure excessivo propugnar uma leitura «correctiva» do n.º 2 do art. 395.º do CT, que se insere num mecanismo específico de resolução do contrato, e se é certo que “o decurso do tempo não minora, antes tende a agravar a situação de carência do trabalhador” também o é que, como refere Rita Daniela Silva, o trabalhador “poderá sempre invocar a resolução com justa causa subjetiva até mesmo no 1.º dia após o incumprimento do empregador, pois como vimos, opera aqui uma presunção de culpa para o empregador”[7] (art. 799.º do CC), e o estabelecimento de prazos de caducidade sempre acarreta – em situações do jaez da presente - que se não for praticado dentro do prazo o acto a que a lei atribui efeito impeditivo, caduca o respectivo direito (cf. art. 331.º/1 do CC).
Sustenta ainda o recorrente que o Tribunal a quo violou, com o entendimento perfilhado, o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
O recorrente não densifica porque entende que o alcance interpretativo que o Tribunal recorrido deu às normas do CT questionadas, em particular ao n.º 2 do art. 395.º - e que, como dissemos acima, se nos afigura correcto -, viola as identificadas normas da Constituição.
E, na verdade, não nos parece que seja defensável, não tendo um mínimo de consistência argumentativa, que a aplicação que na decisão recorrida se faz de tais normas legais violam os princípios ínsitos ao art. 1.º da CRP, v.g. o de que Portugal é uma República baseada na dignidade da pessoa humana, ou a proclamação, constante do art. 2.º, de que Portugal é um Estado de direito democrático, ou ainda que saiam beliscados os princípios da paridade na dignidade social e da igualdade perante a lei a que se reporta o art. 13.º da nossa lei fundamental.
Quanto ao art. 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP - Artigo 59.º (Direitos dos trabalhadores) 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; -, a decisão recorrida não coloca minimamente em causa, salvo melhor opinião, o princípio de que o valor da retribuição deve permitir uma existência condigna, ou o princípio «trabalho igual salário igual», não tendo sido apreciadas nem decididas nos autos questões que contendam com tais princípios.
Diga-se ainda que como em acórdão de 09/7/2024 do STJ se defende, “V - O princípio da interpretação da lei em conformidade com a Constituição -- que é um simples princípio interpretativo e não um parâmetro de controlo da constitucionalidade -- só deve intervir no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas, pelo que a interpretação conforme à Constituição só é legítima ou admissível quando existe um espaço de decisão, um espaço aberto a várias propostas interpretativas, umas conformes, a que se deve dar preferência, e outras desconformes com o texto constitucional.”[8] e, como acima procuramos demonstrar, o significado das normas parece-nos claro, não tendo a interpretação que das mesmas faz o recorrente a mínima adesão à letra da lei.
Ante tudo o que se expôs, deve manter-se a decisão recorrida.
V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente.
Notifique.
Guimarães, 24 de Abril de 2025
Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
[1] Ac. RG de 03-11-2022, Proc. 1304/21.4T8BCL.G1, Francisco Sousa Pereira, www.dgsi.pt [2] A referência às palavras de Monteiro Fernandes reporta-se ao artigo Resolução do contrato de trabalho por morada retribuição – prazos e presunções de culpa, Prontuário de Direito do Trabalho, 2017-I, CEJ, págs. 71/72; cf. também, as reservas levantadas por Leal Amado, de jure condito, à posição que rebatemos, em Direito do Trabalho – Relação Individual, João Leal Amado e outros, Almedina, pag. 1120, nota 414. [3] Falta de pagamento da retribuição e resolução do contrato pelo trabalhador: a questão do timing, Rev. de Legislação e Jurisprudência, Ano 145.º, n.º 3996, Jan.-Fev. 2016, pág. 171 (e sem prejuízo do autor, no mesmo local, sustentar também que tal estatuição constitui “uma maldade do legislador” e que o melhor será acabar com a mesma, “eliminando o n.º 2 do art. 395.º do nosso ordenamento jurídico”. [4] Proc. 2043/14.8T8CSC.L1-4, Maria José Costa Pinto, www.dgsi.pt ; ainda no mesmo sentido, Ac. RP de 04-3-2013, Proc. 517/11.1TTGDM.P1, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt [5] E que se nos afigura com respaldo, por ex., no acórdão da RE de 13-7-2022, Emília Ramos Costa, www.dgsi.pt [6] Monteiro Fernandes, Resolução do contrato por mora da retribuição, Tópicos, CEJ, 02.06.2017 [7] Cf. Rita Daniela Gomes Silva, A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, Tese com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito, a págs. 57, in https://run.unl.pt/bitstream/10362/19155/1/GomesSilva_2016.pdf [8] Proc. 2830/18.8T8CSC.L1.S1, Henrique Antunes, www.dgsi.pt