REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DIREITO DE VISITA
RESIDÊNCIA
PROVA PERICIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
VIOLAÇÃO DE LEI
Sumário


I - Nos processos de jurisdição voluntária, o recurso de revista é admissível, se a impugnação não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.
II - A prova pericial será sempre livremente apreciada em conjugação com as restantes provas que forem produzidas no processo, num duplo sentido: por um lado, o juiz pode controlar as perícias e afastar-se delas se as reputar incorretas, desde que o faça de forma fundamentada; por outro lado, o juiz não é obrigado a ordenar avaliações psicológicas ou relatórios, nem a basear as suas decisões em recomendações técnicas de outros profissionais.
III - Dado o seu estatuto constitucional de órgão de soberania independente, o juiz é “o perito dos peritos”, a quem cabe proferir a decisão final do caso.

Texto Integral


Proc. nº 14352/16.7 T8LRS-A.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA intentou contra BB a presente ação para alteração das responsabilidades parentais relativas ao filho menor de ambos, CC, nascido a ...-07-2011, mais concretamente, que se fixe uma residência alternada.

Alega, com relevância para a decisão de tal diferendo, que a progenitora é excessivamente controladora e protetora da criança, o que prejudica o seu desenvolvimento, toma decisões sobre a educação da criança sem levar em conta a posição do progenitor, obstaculiza aos convívios da criança com o pai e demais família paterna, além de instrumentalizar a criança contra o pai, escolhe sempre as férias de verão na mesma altura para inviabilizar o convívio entre os irmãos, considerando que o CC beneficiaria por ter o pai mais presente na sua vida.

2. Respondeu a requerida, opondo-se à proposta do requerente, uma vez que o CC se mostra instável nos períodos em que está com o progenitor, com acessos de choro, por não ter conseguido estabelecer uma relação securizante com o mesmo. Além do mais, afirma que o CC é vítima de violência física e psicológica na casa do pai. Conclui no sentido de ser indeferida a pretensão do progenitor e reposta a situação que existia previamente à alteração acordada entre ambos e que alarga o período de permanência do menor com o progenitor.

3. Foram realizados exames periciais aos progenitores e ao filho.

4. Procedeu-se à audição da criança.

5. Foi realizada audiência de discussão e julgamento em simultâneo com o apenso F.

6. Foi então proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, indefiro o pedido de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais para o regime da residência alternada, decidindo, porém, alterar o regime de convívios do menor com o progenitor nos seguintes termos:

“- O menor passará com o Pai fins de semana alternados, indo buscá-lo ao Colégio na sexta-feira após as atividades escolares e entregar o mesmo na segunda-feira imediatamente subsequentes também no Colégio.

– Nos fins-de-semana em que o menor passa com o Pai, se a sexta-feira for um dia feriado, o Pai irá buscar o menor à residência da mãe, à hora que iria buscar se o menor estivesse no estabelecimento de ensino, indo entregar o mesmo na segunda-feira imediatamente subsequente no Colégio.

– Nos fins-de-semana em que o menor passa com o Pai, se a segunda-feira for um dia feriado, o Pai irá entregar o menor a casa da Mãe, à hora que iria entregar no Colégio.

- Se o menor não estiver em atividades escolares, o Pai irá buscar o menor a casa de sua Mãe ás 10,00 horas de sexta-feira e entregar o mesmo, no mesmo local, até ás 10,00 horas de segunda-feira.

- O menor passará de forma alternada com cada um dos progenitores, a véspera de Natal, o dia de Natal, a véspera do Ano Novo e o dia de Ano Novo. Naqueles dias o Pai irá buscar o menor a casa da Mãe às 10:00h do próprio dia, entregará o menor a casa de sua Mãe, às 10,00 horas do dia seguinte, no caso da véspera de Natal e da véspera do Ano Novo, e entregará o menor na casa de sua Mãe às 21:00h do mesmo dia, no caso do dia de Natal e do dia de Ano Novo.

- Nos restantes dias de feriado, nacionais e locais, cabe a cada um dos progenitores, alternadamente, a escolha, sendo que a mesma escolha, em caso de desacordo, caberá nos anos ímpares à mãe e nos anos pares ao pai.

- O menor passará com o Pai o dia do Pai e o dia do aniversário deste, e com a Mãe o dia da Mãe e o dia de aniversário da Mãe, podendo pernoitar com o progenitor respetivo.

- No dia de aniversário do menor, este tomará uma refeição de almoço ou de jantar com cada um dos progenitores, de forma alternada ou, não sendo aquela possível em consequência das obrigações escolares, poderá estar com um dos progenitores desde o fim das atividades escolares até às 20,00 horas e jantará com o outro, pernoitando com o progenitor com quem janta nesse ano, naquela data.

- No período de férias do menor, este passará duas semanas de férias de Verão com o Pai, alternadas, e duas semanas de férias de Verão com a Mãe, alternadas, podendo ser seguidas com o acordo dos Pais, os quais se comprometem a acordar, previamente, por escrito, o período de férias antes do seu agendamento. Em caso de sobreposição dos dias de férias, caberá à Mãe a escolha nos anos pares e ao Pai nos anos ímpares.

Custas pelo requerente.

Valor da causa: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

Registe e notifique.”

5. Inconformado, veio o requerente intentar recurso de apelação, peticionando a alteração da matéria de facto provada e não provada e a revogação da sentença.

6. O Tribunal da Relação indeferiu a impugnação da matéria de facto suscitada pelo apelante, AA, e decidiu pela procedência parcial da apelação em matéria de direito:

«Pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 8ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida na parte em que indefere o pedido de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais para o regime da residência alternada e revogam a decisão recorrida na parte em que altera o regime de convívios do menor com o progenitor.

Custas da apelação pelo apelante e pela apelada, em partes iguais.

As custas devidas em 1ª instância recaem sobre o requerente/ora apelante.

Notifique».

7. A requerida, BB, tendo sido notificada do Acórdão da Relação e não se conformando com a mesmo no segmento em que revoga a decisão do tribunal de 1.ª instância, na parte em que altera o regime de convívios do menor com o progenitor, dele vem interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído do seguinte modo:

«a) Ao determinar como elemento essencial e determinante a existência de pronuncia pericial como meio de realizar uma alteração ao regime de regulação das responsabilidades parentais, o Acórdão recorrido ignora a motivação expedida na sentença proferida em primeira instância que determinou a alteração pela mesma determinada; confere à perícia um peso e valoração que a mesma não detém, em atenção ao disposto no art. 489º do Cod. Proc. Civil;

b) A desejável continuidade, estabilidade (física e emocional) e previsibilidade da vida do menor, em plena adolescência, fase particularmente desafiante da sua vida, não se compaginam com a salvaguarda do seu superior interesse quando a sua invocação gera uma nova alteração das suas rotinas que lhe é notoriamente prejudicial, por comprovadamente geradora de ansiedade e perturbação sensível, contrariando o determinado nos arts. 3º, nº 1, da Convenção de Nova Iorque e 1878º, nº 1, do Cod. Civil;

c) o Acórdão recorrido, salvo melhor opinião, violou os comandos legais convocados nas presentes conclusões de recurso.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido no segmento em que este revoga a alteração do regime de convívios do menor com o progenitor contida na sentença proferida em primeira instância, com as legais consequências, por ser de

JUSTIÇA!»

8. O requerente, AA, apresentou contra-alegações, em que pugna pela não admissibilidade do recurso de revista e, subsidiariamente, pela manutenção do decidido quanto ao regime de convívios.

9. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir, para além da questão prévia de admissibilidade do recurso suscitada pelo recorrido, são as seguintes:

- saber se uma decisão de diminuição de contactos do filho adolescente com o pai sem avaliação técnica viola o artigo 489.º do CPC;

- conformidade do regime amplo de convívios entre o filho adolescente e o pai ao conceito normativo de superior interesse da criança.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

1. O menor nasceu a ...-07-2011, sendo filho do requerente e requerida.

2. A progenitora reside em ... e o progenitor na ....

3. Na sequência da separação ficou estabelecido quanto à criança, por sentença de 06.10.2015, o seguinte regime:

“1 - O menor fica a residir com a Mãe, sendo o exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, exercido por ambos os progenitores.

2 - O menor passará com o Pai fins de semana alternados, indo busca-lo ao Colégio na sexta-feira apos as atividades escolares e entregar o mesmo na segunda-feira imediatamente subsequentes também no Colégio.

3 – Nos fins-de-semana em que o menor passa com o Pai, se a sexta-feira for um dia feriado, o Pai irá buscar o menor à residência da mãe, à hora que iria buscar se o menor estivesse no estabelecimento de ensino, indo entregar o mesmo na segunda-feira imediatamente subsequente no Colégio.

4 – Nos fins-de-semana em que o menor passa com o Pai, se a segunda-feira for um dia feriado, o Pai irá entregar o menor a casa da Mãe, à hora que iria entregar no Colégio.

5 - Todas as quartas-feiras o Pai irá buscar o menor ao Colégio apos as atividades escolares e entregará o mesmo na quinta-feira seguinte também no Colégio.

6 - Se o menor não estiver em atividades escolares, o Pai irá, nos dias referidos em 2 do presente regime, buscar o menor a casa de sua Mãe ás 10,00 horas de sexta-feira e entregar o mesmo, no mesmo local, até ás 10,00 horas de segunda-feira. Nos dias referidos em 5 do presente regime, o Pai irá buscar o menor a casa de sua Mãe ás 10,00 horas de quarta-feira e entregar o mesmo, no mesmo local, até ás 10,00 horas de quinta-feira.

7 - O menor passará de forma alternada com cada um dos progenitores, a véspera de Natal, o dia de Natal, a véspera do Ano Novo e o dia de Ano Novo, sendo que no presente ano de 2015 o menor passará com o Pai a véspera de Natal e o dia de Ano Novo. Naqueles dias o Pai irá buscar o menor a casa da Mãe às 10:00h do próprio dia, entregará o menor a casa de sua Mãe, às 10,00 horas do dia seguinte, no caso da véspera de Natal e da véspera do Ano Novo, e entregará o menor na casa de sua Mãe às 21:00h do mesmo dia, no caso do dia de Natal e do dia de Ano Novo.

8 - Nos restantes dias de feriado, nacionais e locais, cabe a cada um dos progenitores, alternadamente, a escolha, sendo que a mesma escolha, em caso de desacordo, caberá nos anos ímpares à mãe e nos anos pares ao pai.

9 - O menor passará com o Pai o dia do Pai e o dia do aniversário deste, e com a Mãe o dia da Mãe e o dia de aniversário da Mãe, podendo pernoitar com o progenitor respetivo.

10 - No dia de aniversário do menor, este tomará uma refeição de almoço ou de jantar com cada um dos progenitores, de forma alternada ou, não sendo aquela possível em consequência das obrigações escolares, poderá estar com um dos progenitores desde o fim das atividades escolares até às 20,00 horas e jantará com o outro, pernoitando com o progenitor com quem janta nesse ano, naquela data.

11 - No período de férias do menor, este passará duas semanas de férias de Verão com o Pai, alternadas, e duas semanas de férias de Verão com a Mãe, alternadas, podendo ser seguidas com o acordo dos Pais, os quais se comprometem a acordar, previamente, por escrito, o período de férias antes do seu agendamento. Em caso de sobreposição dos dias de férias, caberá à Mãe a escolha nos anos pares e ao Pai nos anos ímpares.

12 - O Pai pagará a titulo de pensão de alimentos devidos ao menor a quantia mensal de euros 300,00 (trezentos euros), a qual entregará á Mãe até ao dia 1 de cada mês, através de transferência bancaria para uma conta em nome da Mãe.

13 - Cada um dos progenitores suportará metade das despesas medicas e medicamentosas do menor, na parte não comparticipada e mediante apresentação dos respetivos documentos comprovativos.

14 - As despesas médicas e medicamentosas que sejam realizadas fora do Sistema Nacional de Saúde têm de ter a anuência de ambos os progenitores.

15 – A quantia mensal de 300€ paga a título de pensão contempla as atividades extra-curriculares que o Menor frequenta, à data do presente Acordo. Outras actividades extra-curriculares que o menor venha a frequentar serão suportadas em partes iguais, desde que tenham a anuência de ambos os progenitores.

16 - Esta quantia será atualizada e revista de acordo com a aferição mensal dos gastos, em caso de ocorrer uma despesa extraordinária ou de aumento de uma despesa fixa do menor, designadamente de carácter escolar.

17 – Qualquer alteração e mudança de estabelecimento de ensino, deverá ter a anuência de ambos os progenitores.

18 – A deslocação do Pai ou da Mãe com o menor para o estrangeiro, carece de autorização do outro progenitor.

19 - A execução do presente acordo não poderá nunca prejudicar a saúde e atividades escolares do menor.”.

4. Em 16.12.2016, o progenitor deu entrada com um pedido de alteração das responsabilidades parentais para que o regime fosse alterado para uma residência alternada, processo no âmbito do qual o menor foi ouvido, o qual veio a culminar num acordo judicialmente homologado a 04 de fevereiro de 2019, nos seguintes termos:

“1. O menor CC passará com o pai um fim de semana de quinze em quinze dias, indo este buscá-lo, para o efeito, à quinta-feira ao estabelecimento de ensino, após o fim das atividades letivas, entregando-o na segunda-feira da semana seguinte no estabelecimento de ensino até ao início das atividades letivas.

Este regime terá início a 07-02-2019.

2. Na semana em que o menor não passa o fim de semana com o progenitor, o mesmo pernoitará com o pai à quarta-feira, indo este, para o efeito, buscá-lo ao equipamento de ensino, após o fim das atividades escolares, entregando-o no dia seguinte no estabelecimento de ensino até ao início das atividades letivas.

Quando for possível alterar a atividade de piano que o menor frequenta à quinta-feira para outro dia da semana, o menor passará a pernoitar com o pai à quinta-feira ao invés da quarta-feira.

3. O menor passará metade das férias escolares de Natal, de Páscoa e de verão com cada um dos progenitores:

- Relativamente ao Natal, a primeira semana de férias irá desde o primeiro dia de férias escolares até ao dia 25 de dezembro, às 11:00 horas, e a segunda semana de férias será desde o dia 25 de dezembro às 11:00 horas, até ao dia 01 de janeiro às 11:00 horas, sendo que, em 2019, a primeira semana de férias com menor caberá à mãe e a segunda semana de férias caberá ao pai, alternando-se nos anos subsequentes.

- Relativamente à Pascoa, o menor passará com um dos progenitores a semana que antecede o Domingo de Páscoa e passará o restante período de férias com o outro progenitor.

Em 2019, o menor passará a semana que antecede o Domingo de Páscoa com o pai e o restante período de férias de Páscoa com a mãe, alternando-se nos anos subsequentes.

4. O menor passará metade das férias escolares de verão com cada um dos progenitores, em períodos intercalados de uma semana, em termos a combinar entre os pais.

Na ausência de acordo no que concerne a esta matéria, a primeira semana de férias será escolhida pela mãe nos anos ímpares, cabendo ao pai escolher a primeira semana de férias nos anos pares.

5. Nas férias escolares de verão, o menor passará quinze dias das férias pessoais dos pais com cada um dos progenitores, em períodos a combinar entre estes até ao dia 31 de março de cada ano.

No caso de coincidência de períodos de férias, os progenitores dividem o período coincidente em partes iguais.”.

5. Do teor do relatório pericial realizado à progenitora, datado de 12 de junho de 2023, constam as seguintes conclusões:

“6.1. BB mostra-se colaborante durante a avaliação pericial, cumprindo com o solicitado e demonstrando uma postura envolvida. Em avaliação clínica, apresenta-se orientada quanto à identidade pessoal e em termos alopsíquicos (i.e., espaço, tempo e situação).

Manifestou humor eutímico (i.e., normal) e atividade motora adequada à situação. A examinada manteve contato visual com a perita e o seu discurso foi espontâneo, organizado e fluente.

6.2. Da avaliação psicológica realizada sobressai, à data da avaliação, uma organização da Personalidade sem evidência de psicopatologia ou de perturbação da personalidade. Constata-se, ainda, que a examinanda procurou transmitir uma imagem favorável sobre si própria.

6.3. Relativamente à sintomatologia psicopatológica, BB não apresenta sintomas com significado clínico de desajustamento emocional ou psicológico, embora se constate que procurou minimizar sinais de desajustamento emocional.

6.4. A análise integrada da informação clínica e dos elementos disponibilizados pelo Douto Tribunal permite concluir que, no âmbito das competências parentais, a examinanda manifesta conseguir projetar-se em função das necessidades do filho numa perspetiva operativa. Mostra-se capaz de identificar, compreender e satisfazer as necessidades psicoafectivas de CC, com capacidade de resposta emocional. Apresenta um modelo educativo positivo e democrático, com um significativo investimento emocional e um estilo de comunicação tendencialmente assertivo e funcional, não se identificando crenças e/ou práticas punitivas ou abusivas.

6.5. Por último, atendendo à avaliação clínica efetuada e ao conflito persistente entre a examinanda e o pai da criança e, caso seja esse o entendimento do Douto Tribunal, considerar-se-ia útil a intervenção junto desta família por equipa com competência em matéria tutelar cível centrada na promoção de uma parentalidade positiva (entendida como comportamento parental baseado no melhor interesse de CC e que assegure a satisfação das suas necessidades), eventualmente baseada num modelo de coparentalidade paralela (relação coparental mais desconectada, em que há redução de conflito, mas também menor há suporte ou, proximidade).”.

6. Do teor do relatório pericial realizado a AA, datado de 29 de março de 2023, constam as seguintes conclusões:

“6.1. AA mostra-se colaborante durante a avaliação pericial, cumprindo com o solicitado e demonstrando uma postura envolvida, apesar de ansiosa, aparentemente reativa à matéria dos autos. Em avaliação clínica, apresenta-se orientado quanto à identidade pessoal e em termos alopsíquicos (i.e., espaço, tempo e situação). Manifesta humor eutímico (i.e., normal) e atividade motora adequada à situação. O examinado mantém contato visual com a perita e o seu discurso foi espontâneo, organizado e fluente.

6.2. Da avaliação psicológica realizada sobressai, à data da avaliação, uma organização da Personalidade marcada por excessiva sensibilidade interpessoal com tendência para interpretar de forma errada as intenções dos outros, com ideias de autorreferência e suspeição. Constata-se, ainda, que o examinando procurou transmitir uma imagem favorável sobre si próprio.

6.3. Relativamente à sintomatologia psicopatológica, AA não apresenta sintomas com significado clínico de desajustamento emocional ou psicológico.

6.4. A análise integrada da informação clínica e dos elementos disponibilizados pelo Douto Tribunal permite concluir que, no âmbito das competências parentais, o examinando manifesta conseguir projetar-se em função das necessidades do filho numa perspetiva operativa. Mostra-se capaz de identificar, compreender e satisfazer a maior parte das necessidades psicoafectivas de CC, embora se identifiquem algumas fragilidades na capacidade de resposta emocional. Apresenta um modelo educativo positivo e democrático, com um significativo investimento emocional e um estilo de comunicação tendencialmente assertivo e funcional, não se identificando crenças e/ou práticas punitivas ou abusivas.”.

7. Do teor do relatório pericial realizado ao menor, datado de 12 de junho de 2023, constam o seguinte:

“Observação clínica

O menor mantém uma interação adequada com a perita, descrevendo de forma adequada aspetos funcionais e emocionais dos contextos familiares que integra. Colabora com empenho e interesse na execução de todas atividades propostas, embora se identifique alguma ansiedade associada aos resultados das provas de avaliação psicológica utilizadas e ao acesso que os pais terão a esses resultados. O contacto é adequado e o seu discurso, espontâneo e adequado à fase de desenvolvimento em que se encontra quando questionado sobre as dinâmicas familiares, vida escolar, relações com pares e atividades de lazer. Humor eutímico. Apresenta-se orientado no tempo e no espaço e demonstra estar adaptado à realidade. Evidencia capacidade simbólica. Não se observam alterações ao nível do pensamento ou da atenção e concentração. A memória a curto e a longo prazo está mantida. Não apresenta alterações no comportamento psicomotor, com motricidade geral e fina harmoniosas.

Avaliação cognitiva

Após a aferição do resultado na prova conclui-se que CC se enquadra no percentil igual ou superior a 75 (Grau II), ou seja, apresenta uma capacidade intelectual acima da média.

Avaliação de sintomatologia

Os resultados obtidos no questionário de capacidades e de dificuldades preenchido por CC permitem concluir que para o total das dificuldades integra a categoria normal (7 pontos)…

As pontuações obtidas são normais em todas as escalas: sintomas emocionais (4 pontos), problemas de comportamento (0 pontos), hiperatividade (2 pontos), problemas de relacionamento com os colegas (1 ponto) e, comportamento pró-social (9 pontos)…

Na prova de inventário de depressão para crianças o resultado obtido pelo examinando é de 4 pontos, o que permite concluir que CC não apresenta sintomatologia depressiva (ponto de corte 15)…

O inventário de medos para crianças fornece um resultado total de medo e o resultado de cinco factores: medo de insucessos e críticas (F1), medo do desconhecido (F=2), medo de acidentes e pequenos animais (F=3), medo de perigo e da morte (F=4) e, medos médicos (F=5). CC obtém a seguintes notas F1=47, F2=26, F3=35, F4=25 e, F5=7. Estes resultados não são clinicamente significativos para as dimensões avaliadas.

Concluindo-se que:

CC mostra-se disponível e recetivo face ao processo de avaliação, mantendo um contacto adequado com a perita e descrevendo as situações significativas vividas no contexto materno e paterno. Executa com adequação todas as tarefas solicitadas, embora se identifique alguma ansiedade associada ao desempenho nas provas de avaliação instrumental e ao acesso dos progenitores aos resultados do exame.

Na dimensão cognitiva apresenta um desempenho intelectual superior ao esperado para o grupo etário.

No que concerne à qualidade das relações, identifica-se vinculação insegura relativamente ao pai e segura em relação à mãe.

Na avaliação de sintomatologia observam-se dificuldades no domínio emocional, comportamental, de relacionamento com os pares e ao nível do comportamento pró-social reportadas pelo progenitor.

Demonstra dificuldade em gerir emocionalmente os comportamentos do progenitor fazendo interpretações negativas sobre as suas intenções, sobretudo nas situações em que o adulto impõe limites (e.g. situações de conflito com o irmão), ainda que se tratem de situações normativas no contexto do exercício da parentalidade.

Atendendo às vulnerabilidades identificadas sugere-se a continuidade da intervenção psicoterapêutica, com o envolvimento de ambos os progenitores, focada na reelaboração adequada das experiências familiares.”

8. A dinâmica relacional de ambos os progenitores é pautada pelo conflito, sendo a comunicação entre ambos atualmente inexistente, e quando estabelecida, é-o com grande dificuldade e originando frequentes desentendimentos.

9. A progenitora efetuou a pré-inscrição do menor no Colégio ..., sem prévio acordo do progenitor, apesar deste ter acabado por dar o seu assentimento à matrícula do menor nesta instituição ainda que preferisse a inscrição do menor numa escola pública.

10. Os progenitores discordaram de quais as atividades extracurriculares que a criança deveria frequentar, como fosse a esgrima, escolhida pela mãe e com o que o pai não concordou, a natação e judo, escolhido pelo pai e com a qual a mãe não concordou, acabando o menor por participar em várias atividades extracurriculares como seja: piano, basquetebol, música, esgrima e natação.

11. O menor foi inscrito na catequese sem que o progenitor tenha sido consultado.

12. O menor apresenta dificuldades a nível emocional, seja na capacidade de compreender o outro e de reagir perante situações que lhe causam desconforto ou medo, seja na gestão do conflito parental em que está envolvido, pois os progenitores são muito diferentes, o que conjugado com vivências familiares distintas, pois na casa do pai tem um irmão e uma madrasta e na casa da mãe vive só com esta, conduz a dinâmicas familiares distintas que o menor tem dificuldade em assimilar.

13. O menor é acompanhado pela psicóloga Dra. DD desde os 9 anos de idade, com melhorias a nível emocional, tendo estabelecido uma relação de confiança terapêutica com a mesma.

14. O menor evidencia sinais de ansiedade por ter que ir passar um dia a meio da semana com o progenitor, com os fins-de-semana alargados, que se iniciam à quinta-feira, e com os períodos de férias alargados.

15. O progenitor penalizou o menor, proibindo-o de ver televisão, por entender que faltou à verdade nas perícias ordenadas pelo Tribunal.

16. O progenitor recorreu a uma psicóloga, sem conhecimento prévio da progenitora.

17. O menor frequenta o 7º ano de escolaridade no Colégio ... com um excelente desempenho, tendo sido eleito pelos pares como delegado de turma.

18. Atualmente o menor frequenta as atividades extracurriculares do piano e da natação, que são suportadas unicamente pela progenitora que é quem assegura a respetiva frequência, por o progenitor afirmar não ter disponibilidade de tempo nem financeira para o efeito.

19. O progenitor tende a desvalorizar os resultados académicos do menor por privilegiar que se dedique a outras valências, como seja dar passeios no exterior ou conviver com os seus pares.

20. O pai não permitiu que o menor frequentasse um curso de inglês do ... nas férias de verão de 2022 que o menor pediu para frequentar porque sentia dificuldades no inglês.

21. O pai não permitiu que o menor fizesse, em 2023, a prova A2 Key for Schools a realizar nas instalações do Colégio para o que fora incentivado pela professora de inglês e apesar dos pedidos do menor, o que muito o entristeceu.

Ficou por demonstrar que:

A. A progenitora prejudica o desenvolvimento do menor por ser controladora e protetora do mesmo.

B. A progenitora fomenta no menor que só ela sabe cuidar dele.

C. A progenitora diz ao filho que apenas a sua casa é a dele e que o pai deixou de gostar dele quando teve outro filho.

D. A progenitora impõe que o menor não toque em animais, não coma doces, use capacete, use protetor solar fora das horas de maior calor o que fazem com que o menor não esteja à vontade na casa do progenitor.

E. O menor não se sente à vontade para pedir à mãe para estar com o pai nem para lhe fazer demonstrações de afeto.

F. A progenitora obstaculiza os contactos do menor com o pai.

G. O menor veste-se sempre com roupas demasiados quentes, desadequadas para a estação do ano.

H. A progenitora não presta informações ao progenitor do percurso escolar do menor.

I. A progenitora escolhe sempre passar a segunda quinzena de agosto com o menor para que este não passe o dia de aniversário do irmão com ele.

J. O menor não ajuda na execução de tarefas domésticas, como seja, fazer a cama, dobrar o pijama, arrumar o quarto, nem consegue realizar tarefas simples como limpar a areia dos pés na praia, dobrar a toalha, limpar-se com papel higiénico quando vai à casa de banho, calçar as meias, abrir e fechar recipientes, etc.).

K. O menor apenas realiza os seus trabalhos escolares na casa da progenitora.

L. O progenitor e a madrasta do menor usam de violência física (ou seja, batem-lhe na cara, arrastam-no pelo braço para a casa e banho, atiram objetos para o chão, partiram-lhe o telemóvel, atiram-no com força para a cama), verbal (isto é, já o apelidaram de “arrogante de merda”, “miúdo de merda”, “olha para a frente caralho” e psicológica (ao humilharem-no e desqualificarem-no) em relação ao menor.

B – O Direito

1. Questão prévia da admissibilidade do recurso

Em primeiro lugar, importa esclarecer que não se tornou necessário notificar as partes para se pronunciarem sobre esta questão prévia, ao abrigo do artigo 655.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), na medida em que ambas as partes, nas respetivas alegações de recurso, desenvolveram a sua argumentação jurídica em torno da questão da admissibilidade do recurso.

Sustentou o recorrido que o recurso de revista não é admissível por estar em causa uma decisão de oportunidade ou conveniência proferida num processo de jurisdição voluntária, que, nos termos do artigo 988.º, n.º 2, do CPC, não admite recurso de revista, por se reportar apenas a um juízo de adequação às circunstâncias e particularidades do caso concreto.

Já a recorrente entendeu que o acórdão recorrido incorre em violação de lei, por exigir uma perícia como elemento determinante, obrigatório e indispensável para a escolha da medida que preenche, de forma concreta e direta, o superior interesse da criança. Sustenta que estando a prova pericial sujeita à livre apreciação pelas instâncias, cabe apenas a estas, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos dos artigos 389º do Código Civil e 489º do CPC, concluindo que «Assim, da mesma forma que o tribunal pode discordar da pronúncia contida em exame pericial, também não pode ser censurada uma decisão, bem motivada, por a mesma não estar suportada em indicação proveniente de relatório pericial».

No presente processo, está em causa a metodologia usada pelo acórdão recorrido para densificar o conceito aberto e indeterminado de interesse da criança: um método baseado na recomendação dos relatórios periciais como se o perito fosse a entidade com capacidade para “autorizar” o tribunal a proceder a uma alteração do regime das responsabilidades parentais (in casu, uma diminuição de contactos entre pai e filho) ou o chamado método da pluralidade das circunstâncias, em que o papel do julgador na ponderação dos factos do caso à luz das normas jurídicas aplicáveis é insubstituível.

O critério para determinar se o recurso de revista é ou não admissível tem de ser ponderado de forma casuística, e não decorre, sem mais, da natureza do processo de regulação das responsabilidades parentais como processo de jurisdição voluntária. Neste sentido, afirmam Abrantes Geraldes /Pimenta, Paulo/Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 439): “Assim, haverá que ajuizar de forma casuística sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das deci­sões proferidas nos processos de jurisdição voluntária, em função dos respeti­vos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata da resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.

Também a jurisprudência tem admitido que não há uma resposta única para a questão da admissibilidade do recurso de revista nos processos de jurisdição voluntária, tudo dependendo de estarmos perante uma questão de legalidade ou uma questão de oportunidade (vide STJ 30-05-19, proc. n.º 5189/17; STJ 16-11-17, proc. n.º 212/15; STJ 25-05-17, proc. n.º 945/13; STJ 16-03-17, proc. n.º 12303/12 ; STJ 21-10-10, 327/08). Veja-se, por exemplo, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-05-2019 (proc. nº 5184/17):

«I. Nos processos de jurisdição voluntária, o predomínio da oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, justifica a supressão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça estabelecida no artigo 988º, nº 2, do CPC, vocacionado como está, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674º do CPC.

II. No entanto, na interpre­tação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.

III. Assim, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntá­ria de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de “resolução tomada segundo critérios de conveniên­cia ou de oportunidade”.»

2. Ora, no caso vertente, a questão enunciada pela recorrente consiste numa questão de legalidade que justifica a admissibilidade do recurso de revista, na medida em que contende com o valor da prova pericial e com a relação entre os peritos e o juiz, colocando em destaque a natureza e a função dos tribunais à luz do artigo 202.º e 203.º da CRP, em confronto com o peso dos relatórios periciais no processo de tomada da decisão judicial.

Assim, admite-se o recurso por estar em causa uma decisão de legalidade e não de mera conveniência ou oportunidade.

Decidindo:

3. A relação entre o papel do juiz e a prova pericial na determinação do interesse da criança

Está em causa a questão de saber se o Tribunal da Relação andou bem ao revogar o entendimento da 1.ª instância quanto ao regime de visitas.

O tribunal de 1.ª instância decidiu, no presente processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, indeferir o pedido de residência alternada e restringir o regime de convívios do filho com o pai, com fundamento, entre outros, no facto provado n.º 14, que o Tribunal da Relação de Lisboa não alterou e que dispõe o seguinte: «O menor evidencia sinais de ansiedade por ter que ir passar um dia a meio da semana com o progenitor, com os fins-de-semana alargados, que se iniciam à quinta-feira, e com os períodos de férias alargados».

A sentença concluiu, a este propósito, que «o regime de visitas atualmente vigente não está a ser gratificante para o CC, causando-lhe mal-estar e ansiedade, pelo que se impõe reverter a alteração que ocorreu em 2016 e eliminar o convívio que ocorre às quartas-feiras que precedem o fim-de-semana em que não está com o progenitor».

O acórdão recorrido confirmou a decisão do tribunal de 1.ª instância no sentido de indeferir o pedido do pai de residência alternada, mas revogou a sentença no segmento relativo aos convívios com o progenitor, no que diz respeito às quartas-feiras que antecedem o fim de semana que o filho passa com a mãe.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a diminuição dos contactos entre o menor e o pai, decretada pelo tribunal de 1.ª instância, não tem base técnica, por não ter sido recomendada por nenhuma das avaliações periciais feitas durante o processo.

Como vimos, está em causa o método de determinação do interesse da criança e saber se este método exige uma recomendação pericial a apoiar o processo de tomada de decisão judicial no sentido da diminuição dos convívios do filho adolescente com o pai ou se os relatórios periciais são meramente um fator auxiliar, cujo resultado, não só não vincula o juiz, como também não é imprescindível para que se possa alterar a residência da criança ou, in casu, o regime de convívios com um dos pais.

O que está em causa, diferentemente do afirmado pelo recorrido, não é saber se o Tribunal da Relação avaliou bem ou mal o relatório pericial – questão subtraída aos poderes cognitivos deste Supremo por estar em causa o princípio da livre apreciação da prova – mas tão-só saber se o tribunal de 1.ª instância podia decidir uma diminuição de contactos do filho com o pai, com base nos factos provados relativos ao bem-estar do filho, sem o apoio de uma recomendação pericial resultante de uma avaliação psicológica da criança ou do jovem.

Vejamos:

4. Dispõe a Constituição da república Portuguesa que compete aos tribunais, enquanto órgãos de soberania independentes e apenas sujeitos à lei, administrar a justiça e dirimir conflitos de interesses públicos e privados (artigos 202.º e 203.º da CRP).

Nos processos de regulação das responsabilidades parentais, o critério legal consiste no interesse da criança, que o legislador concretiza no artigo 1906.º do Código Civil. Trata-se de um conceito indeterminado que carece de preenchimento valorativo e que apela, nas palavras do jurista francês Jean Carbonnier (“Les Notions a Contenu Variable dans le Droit Français de la Famille”, in Les Notions a Contenu Variable en Droit, Études publiées par Chaîn Perelman et Raymond Vander Elst, Bruxelles, 1984, p. 110), à “lógica do coração”, isto é, à empatia com os sentimentos da criança.

Dispõe o artigo 1906.º, n.º 5, do Código Civil que «O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro».

O interesse da criança deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais, em que avultam os seguintes aspetos a considerar: a) a segurança e saúde da criança, o seu sustente e educação (artigo 1878º, n.º 1, do Código Civil); b) o desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança (artigo 1885, nº 1, do Código Civil); c) a opinião da criança e o seu grau de autonomia (artigos1878º, nº 2, 2.ª parte e 1901º, nº 3, ambos do Código Civil).

Estes critérios legais têm sido desenvolvidos pela jurisprudência através da análise e ponderação casuística de uma multiplicidade de elementos de facto, entre os quais figuram a relação afetiva da criança com cada um dos pais, a capacidade parental destes, a vontade da criança, as suas necessidades físicas, psicológicas, educativas e intelectuais, a sua idade e patamar de desenvolvimento, os modelos educativos dos pais, o respeito pela autonomia dos jovens e a capacidade de fornecer empatia e apoio emocional aos filhos, etc.

Para obter informações sobre estes elementos e fundamentar as decisões, o tribunal recorre às diligências de instrução previstas no artigo 21.º, n.º 1, als a) a e), da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro (Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis, doravante, RGPTC):

- Toma depoimento às partes, aos familiares e outras pessoas cuja relevância para a causa reconheça, designadamente, pessoas de especial referência afetiva para a criança, ficando os depoimentos documentados em auto;

- Ordena, sempre que entenda conveniente, a audição técnica especializada e ou mediação das partes;

-Toma declarações aos técnicos das equipas multidisciplinares de assessoria técnica, solicitando informações a estas equipas multidisciplinares ou, quando necessário e útil, a entidades externas, públicas ou privadas, podendo também solicitar a elaboração de relatório, por parte da equipa multidisciplinar de assessoria técnica.

No n.º 5 do preceito, a lei dispõe que só há lugar a relatório quando a sua realização se revelar de todo indispensável depois de esgotadas as formas simplificadas de instrução, nomeadamente se forem insuficientes os depoimentos e as informações acima mencionados. Nos termos do n.º 6, o despacho que ordena o relatório deve circunscrever o seu objeto.

Cabe ao juiz verificar se o relatório, enquanto meio de prova de livre apreciação, é inteligível e não apresenta contradições, se obedece às normas deontológicas da profissão do perito e se as técnicas utilizadas foram aplicadas segundo os padrões e normas de qualidade vigentes (cfr. Abrantes Geraldes et al, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina Coimbra, 2020, p. 564-565).

Os relatórios de avaliação psicológica devem ser criteriosamente analisados pelo juiz, que deve ter em conta a diferente linguagem do direito e da psicologia, ponderando o risco de serem adotadas nesses relatórios, de forma explícita ou implícita, teses sobre parentalidade que não reúnem consenso no seio da comunidade científica ou que correspondem a juízos subjetivos não factualizados e, portanto, pouco adaptados ao processo de aplicação do direito.

Neste quadro, as recomendações, juízos, pareceres ou opiniões dos peritos expressas nos relatórios ou nas avaliações psicológicas constituem um fator a ter em conta pelos tribunais nas suas decisões, mas não vinculam o juiz, que pode desviar-se dessas recomendações ou avaliações.

O juiz permanece, pois, dado o seu estatuto constitucional de órgão de soberania independente, como “o perito dos peritos”, a quem cabe proferir a decisão final do caso.

A prova pericial será sempre livremente apreciada em conjugação com as restantes provas que forem produzidas no processo, num duplo sentido: por um lado, o juiz pode controlar as perícias e afastar-se delas se as reputar incorretas, desde que o faça de forma fundamentada; por outro lado, o juiz não é obrigado a ordenar avaliações psicológicas ou relatórios, nem a basear as suas decisões em recomendações técnicas de outros profissionais.

O julgador, não só não está obrigado a adotar a posição dos peritos, como também não carece de basear a sua decisão numa recomendação pericial ou numa avaliação técnica, procedendo, se assim o entender, à reconstituição e apreciação das situações da vida em causa, utilizando a prova testemunhal, o depoimento de parte dos pais e a audição da criança, tendo em vista que o objetivo do processo é a verdade material.

O reconhecimento da natureza interdisciplinar das questões relativas à guarda de crianças, que cruzam o direito com a psicologia e outras ciências, não pode ter como consequência que o juiz delegue a sua competência e função decisória nos profissionais que elaboram as perícias no processo, seguindo, de forma acrítica, as orientações ou recomendações contidas nas perícias.

A função judicial não pode consistir numa delegação dos poderes judiciários nos técnicos que elaboram os relatórios periciais, que assumem meramente uma função meramente auxiliar, de coadjuvação do tribunal.

Num Estado de Direito, por força do estatuto constitucional dos juízes e da imparcialidade e simbolismo que lhe são reconhecidos, são os tribunais que resolvem os conflitos de interesses e protegem os direitos, liberdade e garantias dos cidadãos, com especial acuidade quando estão em causa os interesses e direitos fundamentais das crianças e dos jovens, assumindo o tribunal a função e a responsabilidade de proferir decisões baseadas em critérios jurídicos.

A especificidade da função judiciária reside no processo de fixação da matéria de facto, com recurso a todos os meios de prova apresentados pelas partes e a outros que o tribunal, no uso dos seus poderes inquisitórios típicos de um processo de jurisdição voluntária, queira recorrer. A decisão final deriva de um processo interpretação e de aplicação das normas jurídicas, aos factos do caso concreto, que é único e insubstituível.

5. Assim sendo, e diferentemente do que entendeu o acórdão recorrido, nada impedia o tribunal de 1.ª instância de decidir com base nos factos provados (e independentemente de qualquer recomendação pericial nesse sentido) a cessação do convívio entre pai e filho, a meio da semana.

Recordemos os factos provados relevantes para a decisão:

«14. O menor evidencia sinais de ansiedade por ter que ir passar um dia a meio da semana com o progenitor, com os fins-de-semana alargados, que se iniciam à quinta-feira, e com os períodos de férias alargados.

15. O progenitor penalizou o menor, proibindo-o de ver televisão, por entender que faltou à verdade nas perícias ordenadas pelo Tribunal.

(…)

20. O pai não permitiu que o menor frequentasse um curso de inglês do ... nas férias de verão de 2022 que o menor pediu para frequentar porque sentia dificuldades no inglês.

21. O pai não permitiu que o menor fizesse, em 2023, a prova A2 Key for Schools a realizar nas instalações do Colégio para o que fora incentivado pela professora de inglês e apesar dos pedidos do menor, o que muito o entristeceu».

Por tudo isto, com especial destaque para o facto provado n.º 14, bem andou o tribunal de 1.ª instância em decidir cessar as visitas quinzenais às quartas-feiras, por ser esta a decisão que melhor respeita as orientações da lei quanto à determinação do conceito de interesse da criança: a promoção das necessidades educativas e do desenvolvimento intelectual e psicológico do jovem, bem como a proteção da sua saúde psíquica e autonomia, a que indiscutivelmente tem direito enquanto jovem hoje já com 14 anos de idade (artigos 1878.º, n.º 1 e n.º 2, 2.ª parte, 1885.º e 1901.º, n.º 3, todos do Código Civil).

6. Em consequência, revoga-se o acórdão da Relação e repristina-se a sentença do tribunal de 1.ª instância.

7. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I – Nos processos de jurisdição voluntária, o recurso de revista é admissível, se a impugnação não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.

II – A prova pericial será sempre livremente apreciada em conjugação com as restantes provas que forem produzidas no processo, num duplo sentido: por um lado, o juiz pode controlar as perícias e afastar-se delas se as reputar incorretas, desde que o faça de forma fundamentada; por outro lado, o juiz não é obrigado a ordenar avaliações psicológicas ou relatórios, nem a basear as suas decisões em recomendações técnicas de outros profissionais.

III – Dado o seu estatuto constitucional de órgão de soberania independente, o juiz é “o perito dos peritos”, a quem cabe proferir a decisão final do caso.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Admitir o recurso de revista;

2. Conceder a revista e revogar o acórdão recorrido;

3. Repristinar a sentença do tribunal de 1.ª instância.

Custas da revista pelo recorrido.

Lisboa, 29 de abril de 2025


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Nelson Borges Carneiro (1.º Adjunto)

António Magalhães (2.º Adjunto)