I. O arguido foi condenado, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão, pedindo a diminuição dessa pena e a sua suspensão.
II. Na determinação da pena, rege o princípio da pessoalidade, que impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo actuativo.
III. Neste tipo de crime as exigências de prevenção geral são fortíssimas, pois o tráfico de estupefacientes é das actividades que mais profundamente corrói e corrompe a sociedade em que vivemos, potenciando o cometimento de numerosos outros tipos de crimes – roubos, furtos, receptações –, tornando um verdadeiro flagelo a vida dos consumidores, das suas famílias, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e de desenquadramento laboral e familiar, que acabam por ser suportados por todos os restantes cidadãos.
IV. Acresce que os chamados correios de droga (categoria na qual a actuação do arguido se inclui), pese embora, por regra, não sejam os donos do produto que transportam e não se dediquem directamente à sua comercialização, são uma peça especialmente relevante na operacionalização do circuito que viabiliza a comercialização de tal produto e a sua chegada ao consumidor final, uma vez que permitem a conexão, precisamente, entre a produção e o consumo, sendo certo que substâncias como as que o arguido transportava – cocaína – não são produzidas em Portugal nem na Europa.
V. Verificam-se também graves necessidades de prevenção especial, pois o arguido agiu movido pela exclusiva procura de obtenção de benefícios económicos rápidos e muito significativos.
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I – relatório
1. Por acórdão de 21 de Novembro de 2024, foi o arguido AA condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
2. Inconformado, veio o arguido apresentar recurso, considerando que a pena imposta deve ser reduzida, devendo ainda ser suspensa na sua execução.
Termina pedindo que se proceda à aplicação de pena mais próxima dos limites mínimos legais, suspensa na sua execução, com regime de prova.
3. O recurso foi admitido.
4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.
5. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto acompanhou as alegações do Ministério Público na 1.ª instância.
6. O recurso, embora inicialmente admitido para o Tribunal da Relação, foi remetido a este Tribunal, por despacho proferido pela Exª Srª Juíza-Desembargadora relatora, sendo o STJ, efectivamente, o competente para a a sua apreciação, nos termos do artigo 432.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, do C.P.Penal.
II – questão a decidir.
Da redução e suspensão da pena imposta.
iii – fundamentação.
1. O tribunal “a quo” deu como assente a seguinte matéria fáctica:
1. No dia 12 de março de 2024, pelas 06h40mn, o arguido AA chegou ao Aeroporto Internacional de Lisboa Humberto Delgado, no voo ...46, proveniente de São Paulo, Guarulhos, Brasil, tendo, nessa altura, sido sujeito a controlo por parte da delegação Aduaneira desse mesmo aeroporto.
2. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido transportava no interior da sua mala, de cor preta, da marca “ProOSCAR”, com a etiqueta n.º ...05, dissimulada na estrutura da mesma cocaína, sendo que o estupefaciente e a mala tinham o peso bruto de 7.768Kg (sete quilos, setecentos e sessenta e oito gramas).
3. Nessa mesma ocasião, o arguido transportava, ainda, no interior da sua mala, de cor azul escura, da marca “ProOSCAR”, com a etiqueta n.º ...06, dissimulada na estrutura da mesma cocaína, sendo que o estupefaciente e a mala tinham o peso bruto de 12.048Kg (dose quilos e quarenta e oito gramas).
4. No total, no interior de ambas as malas, o arguido detinha na sua posse 8.450,0 0g/l (oito mil quatrocentos e cinquenta gramas) de cocaína, com um grau de pureza de 61,3% (sessenta e um vírgula três porcento), quantia esta suficiente para, pelo menos, 172.661 (cento e setenta e duas mil, seiscentos e sessenta e uma doses).
5. O arguido conhecia a natureza e características estupefacientes dos produtos que detinha, bem sabendo que a mera detenção, venda ou cedência de tal produto era proibida e punida por lei.
6. O arguido, em tudo, agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei penal.
7. O Arguido não tem antecedentes criminais registados;
8. Do relatório social junto aos autos cujo teor se dá por reproduzido, consta:
a. Na data a que se reportam os factos descritos no despacho de acusação (março de 2024), bem como à data da detenção, o arguido residia com a companheira, BB, de 41 anos de idade e com o filho desta, de 13 anos de idade.
b. O arguido tem dois filhos de um anterior relacionamento, de 26 e 20 anos de idade, sendo que este último coabitava com o agregado familiar em fins-de-semana alternados. Este agregado familiar está constituído há cerca de quatro anos e a dinâmica familiar era funcional.
c. O agregado reside numa moradia de tipologia V2, com condições de habitabilidade, pela qual pagam a renda de €550,00. A casa situa-se na zona urbana, consolidada, da grande Lisboa.
d. O Arguido tem o 12º ano de escolaridade, que concluiu quando se encontrava a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de .... Desde a Pandemia Covid-19 encontrava-se desempregado. Para obter alguns rendimentos fazia trabalhos esporádicos como “segurança”. O arguido tem experiências de trabalho diversas, desde os 15 anos de idade, na biblioteca da IBM, posteriormente, trabalhou como ajudante de projecionista, esteve cinco anos como militar no Exército, trabalhou como vendedor, foi administrativo num centro de abate automóvel e, finalmente, foi empresário, explorando um Centro de Lavagem de automóveis que veio a falir após a pandemia covid-19. Perante a situação de desemprego, afirma que a sua situação económico-financeira era muito precária, sendo as despesas pagas com os rendimentos obtidos pela companheira que explora uma loja de animais de estimação. A precariedade da sua situação financeira foi grave a ponto de ter perdido a casa que estava a pagar com recurso a empréstimo bancário.
e. Ocupava o tempo na procura de emprego, fazia desporto e acompanhava a família. Tem vários amigos, conhecidos ao longo da vida, bem integrados socialmente, com quem convivia regularmente. não consome estupefacientes e só ingere bebidas alcoólicas socialmente. Segundo o visado, recentemente foi-lhe diagnosticado um tumor na carótida (paraganglioma), desconhecendo se o mesmo é benigno ou maligno porque não foi possível fazer biópsia. Contudo, receia uma evolução negativa desta doença uma vez que aumenta substancialmente o risco de AVC.
f. O arguido centra as consequências negativas do presente processo judicial no facto de ter sido detido e privado da liberdade. Em abstrato reconhece o desvalor das condutas descritas no despacho de acusação. Revela uma atitude autocentrada na resolução do seu problema pessoal, como sendo revelador de ser possuidor de pouca capacidade para encontrar formas alternativas de resolver problemas e com défice de pensamento consequencial, revelando ainda dificuldade de análise da situação de risco em que se envolvia.
g. Na presente reclusão, o arguido tem mantido um comportamento adequado ao contexto prisional.
h. Frequenta um curso para habilitação à actividade de ladrilhador. Recebe vistas da companheira, dos filhos e da sobrinha.
2. O tribunal “a quo” fundamentou a dosimetria e a tipologia da pena que aplicou, nos seguintes termos:
De acordo com o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, as penas visam assegurar as necessidades de prevenção geral, isto é, a estabilização das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma violada e a reintegração e socialização do agente na sociedade (prevenção especial), ou seja, por um lado as exigências de prevenção geral positiva, reafirmando a vigência e a validade da norma, e, por outro, as exigências específicas de ressocialização do indivíduo através da aquisição de novas competências e de libertação de vícios.
Por sua vez, o nº2 do artigo 40.º do Código Penal determina que “ em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Concluiu-se, assim, que as penas não possuem uma finalidade de compensação ou retributiva da culpa, funcionando esta com uma dupla dimensão: a culpa é fundamento da pena e limite máximo da mesma.
A culpa do agente traduz-se então num limite inultrapassável, que estabelece o máximo de pena que seja ainda compatível com as exigências de prevenção.
Neste sentido, do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, decorre que a determinação da medida da pena é, dentro dos limites estabelecidos na lei, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, estabelecidas no artigo 40.º do mesmo diploma.
A prevenção geral, enquanto defesa da ordem jurídico-penal, é a primeira finalidade que se prossegue no quadro da moldura penal abstrata. Neste sentido, dever-se-á definir uma moldura legal em que o limite mínimo corresponde, em concreto, ao imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma, assim, satisfazendo as necessidades de prevenção geral, de integração e de consciencialização jurídica comunitária na validade da norma e o máximo que a culpa do agente permite.
Encontrada a moldura da pena, fixada, como dissemos, em função das exigências de prevenção geral positiva e da culpa, entre esses limites, devem então funcionar as exigências de prevenção especial positiva ou de socialização para determinar a medida concreta da pena, que, como referido, nunca pode a pena exceder a medida da culpa do agente.
Neste sentido, na determinação da medida da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, depuserem a favor do agente ou contra ele, de acordo com o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente: «a) O grau de ilicitude do facto, seu modo de execução e gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d)
As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando for destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».
O crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21º do Decreto-lei 15/93, de 22.01, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Em termos de prevenção geral, como já referimos anteriormente, as exigências são acentuadas, tendo em conta ainda que o comportamento do Arguido se insere numa prática que se concretiza na cooperação com o tráfico internacional de estupefacientes.
As necessidades de prevenção especial, não seriam elevadas, tendo em conta que o Arguido não tem antecedentes criminais registados. No entanto, em concreto, o Arguido dispôs-se a fazer um transporte de quantidade elevada de estupefaciente e revela facilidade em viajar, pelo que são acrescidas as probabilidades de reiterar na actividade criminosa caso não seja devidamente dissuadida pela pena.
No que toca o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente:
a) releva, essencialmente, o peso muito relevante do produto estupefaciente transportado, 8,450 kg (8450.000 g), sendo por isso de realçar o carácter nocivo do produto transportado pelo Arguido e o facto de esta colaborar numa operação de âmbito internacional e a natureza do estupefaciente em causa – cocaína – (com um grau de danosidade acrescido); releva, ainda, a posição do Arguido - “correio de droga” - uma peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva;
b) a intensidade do dolo que foi directo e intenso;
c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram - obtenção de dinheiro, inerente às actividades de tráfico;
d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica:
O Arguido tem uma situação pessoal normalizada nos demais aspectos da sua vida. Beneficia de apoio familiar. No entanto, tal facto não foi dissuasor para a prática deste crime grave.
No estabelecimento prisional apresenta um comportamento adequado e uma postura adaptada, não registando sanções disciplinares e investindo na sua formação.
Tudo ponderado, o Tribunal considera adequado e ajustado condenar o Arguido, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão.
3. Alega o recorrente, em sede de conclusões, o seguinte:
A) O arguido AA foi condenado pelo tribunal” a quo” pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. artigo 21º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro; na pena 6 anos de prisão.
B) A pena privativa de prisão de 6 anos aplicada é exagerada gera uma patologia cuja principal característica irá ser a regressão, do arguido, aqui Recorrente, levando, mesmo o Recorrente a condições de vida que nada tem a ver com a prevenção, demonstrando que a regressão acaba por atingir o próprio condenado.
C) É um facto que o arguido na função de "correio de droga” procedeu ao transporte de 8,450 g/l de cocaína através de via aérea Brasil/Portugal.
D) O Tribunal “a quo” não atendeu ao arrependimento manifestado pelo arguido, aos aspectos pessoais, socio económicos, Tal, circunstância é relevante para efeitos e, fundamentação na aplicação de uma pena mais leve. Poderia ter valorado, não teve em consideração a ausência de antecedentes criminais as condições familiares, e pessoais.
E) É sem sombra de dúvida um comportamento totalmente reprovável que o aqui recorrente tem perfeita consciência e arrependimento, bem como tem presente o aqui Recorrente que a Lei não o poderá deixar ficar impune.
F) O Tribunal a “quo não valorou a conduta do arguido, aferida em momento anterior ao cometimento do facto ilícito.
G) Isto porque, no caso do arguido ora recorrente a pena única de prisão a que foi condenado de 6 anos é demasiado excessiva e desajustada para um correio de droga.
H) O Recorrente em momento algum realizou ou teve conhecimento da quantidade ou da forma como trazia o produto estupefaciente, há um perfeito desvalor da ação.
I) A pena deve ter por limite a culpa do arguido e pautar-se por princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação.
J) Portanto, podia e devia ter sido aplicada ao arguido uma pena mais baixa que em abstracto a lei permitia:
K) Pelo que, se mostraria razoável a aplicação de uma pena próximo do mínimo quanto a este tipo de crime realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pois, nada sugere o cometimento de futuros crimes deste tipo, sendo desnecessária a prevenção desse cometimento.
K) O Tribunal “ a quo “ condena o arguido ora recorrente numa pena excessiva de 6 anos de prisão, quando o poderia condenar em pena manifestamente inferior á pena aplicada, entre 4 a 5 anos e 6 meses de prisão,
L) Pelo que, o acórdão recorrido interpretou erradamente os artigos 40º, 71º 72º, 73º, e 77º do C.P., aplicados na determinação e escolha da pena porquanto, no crime em questão.
4. Da redução e suspensão da pena imposta.
Comecemos pela primeira questão proposta, que se reporta ao pedido de alteração da dosimetria da pena imposta, pugnando o arguido pela imposição de pena não superior a 5 anos de prisão.
Pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, foi o arguido condenado na pena de 6 anos de prisão.
A moldura penal prevista para este ilícito é a de 4 a 12 anos de prisão.
5. Em primeira sede cabe realçar que, a respeito da determinação da pena, rege o princípio da pessoalidade. Tal princípio impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo actuativo. A pessoalidade e individualização da pena são uma consequência do princípio da culpa e valem para qualquer sanção penal.
6. No que concerne à dosimetria da pena imposta, como afirma o Prof. Cavaleiro de Ferreira (in Direito Penal Português, II, Lisboa, 1982, pgs. 309 e 310), procurando conciliar a natureza repressiva da pena e a sua justiça, com a reintegração social do agente do crime, a pena não constitui intrinsecamente um mal. Enquanto restringe a esfera jurídica dos condenados, é castigo e como tal deve ser sentida. O castigo, porém, na sua essência, está na reprovação do crime pela condenação.
A pena, na sua aplicação e execução, deve ao invés apontar para a redenção da culpa (repressão), através da readaptação social. A pena não será, portanto, um mal ou sofrimento equivalente ao mal cometido ou sofrimento causado; mas o meio adequado a suscitar a restituição à sociedade pelo delinquente do bem equivalente ao mal cometido, presuntivamente correspondente à extinção da culpa, a qual reage à pena.
7. Importa pois, desde logo, para além dos fins de repressão e de reintegração, atender ainda às exigências de prevenção geral e especial, que regem igualmente os fins das penas.
Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas, – prevenção geral positiva. Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade.
8. Apreciemos, então, o caso presente.
Neste tipo de crime as exigências de prevenção geral são fortíssimas, pois o tráfico de estupefacientes é das actividades que mais profundamente corrói e corrompe a sociedade em que vivemos, potenciando o cometimento de numerosos outros tipos de crimes – roubos, furtos, receptações –, tornando um verdadeiro flagelo a vida dos consumidores, das suas famílias, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e de desenquadramento laboral e familiar, que acabam por ser suportados por todos os restantes cidadãos.
Assim, na fixação da pena a impor, em casos como o presente, haverá que sopesar as necessidades de estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime, que reforçam ainda mais os imperativos de prevenção geral e especial, no sentido de a dosimetria penal não frustrar, não desacreditar, as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada. Lembremo-nos que Portugal, através dos seus aeroportos ou linha costeira é, infelizmente, um local de entrada de estupefacientes, vindos dos países produtores, quer para o mercado nacional, quer para a Europa.
Acresce que os chamados correios de droga (categoria na qual a actuação do arguido se inclui), pese embora, por regra, não sejam os donos do produto que transportam e não se dediquem directamente à sua comercialização, são uma peça especialmente relevante na operacionalização do circuito que viabiliza a comercialização de tal produto e a sua chegada ao consumidor final, uma vez que permitem a conexão, precisamente, entre a produção e o consumo, sendo certo que substâncias como as que o arguido transportava – cocaína – não são produzidas em Portugal nem na Europa.
As exigências de prevenção geral mostram-se, pois, neste contexto, especialmente prementes.
9. Alega o recorrente que o tribunal “a quo” não atendeu ao arrependimento manifestado pelo arguido, aos aspectos pessoais, sócio-económicos, não teve em consideração a ausência de antecedentes criminais e não valorou a conduta do arguido, aferida em momento anterior ao cometimento do facto ilícito.
10. No que toca, desde logo, ao arrependimento, o mesmo mostra-se por demonstrar, não só porque, em sede de audiência, o arguido nem sequer confessou os factos que se vieram a provar, alegando desconhecimento do que transportava, numa 1ª sede e, numa segunda, alegando não ter a noção da quantidade de produto de que era portador, mas ainda porque, como resulta dos factos assentes, nem sequer se mostra presentemente capaz de assumir o desvalor do seu acto.
11. Assim, tendo em atenção as restantes considerações acabadas de enunciar, será que, no caso deste arguido se poderá concluir que as circunstâncias que invoca serão de molde a determinarem imposição de pena mais próxima do limite mínimo do que a fixada pelo tribunal “a quo”?
12. A resposta é claramente negativa, desde logo atentas as fortíssimas exigências em sede de prevenção geral, que supra deixámos expostas. Para além destas, a verdade é que da matéria fáctica apurada não resulta qualquer circunstância de assinalável relevo que determine, que imponha, que induza, ocorrer uma relevante diminuição da sua culpa ou da ilicitude dos seus actos.
13. Efectivamente, a ausência de antecedentes criminais e o seu entorno familiar, foram elementos já tidos em ponderação no momento da determinação da dosimetria da pena.
Para além do mais, o restante circunstancialismo relativo à sua situação pessoal, familiar e profissional, já ocorria no momento em que o arguido praticou os factos, tendo o mesmo sido absolutamente insuficiente para o impedir de os realizar.
14. Assim, não só se verificam fortes exigências de prevenção geral como, igualmente, graves necessidades de prevenção especial, pois o arguido agiu movido pela exclusiva procura de obtenção de benefícios económicos rápidos e muito significativos.
Diga-se, aliás, que uma das razões que justificam e exigem o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e com algum grau de consistência radicam, precisamente, na imperiosa necessidade de se desmotivar o tipo de actuação que o arguido protagonizou, isto é, é absolutamente essencial que seja entendido que o exercício de uma actividade com tão nefastas consequências societárias e que permite obter, com muito pouco esforço, significativas quantias monetárias, não é tolerada.
15. Não fossem as circunstâncias atenuantes que, quer o recorrente, quer o tribunal “a quo” referem, seguramente não lhe teria sido imposta uma pena que foi fixada significativamente abaixo do meio da moldura penal (que rondaria os 8 anos de prisão), já que a ilicitude e a culpa se mostram na mediania, como bem realça o tribunal “a quo”.
Na verdade, a quantidade de produto estupefaciente que o arguido detinha e transportava – cerca de 8,500 quilos - , bem como a natureza do mesmo (cocaína), são elementos em si mais do que suficientes para se ter de entender revelar o facto um grau de ilicitude média, sendo certo que o dolo com que actuou se situa igualmente nesse grau.
16. Face a tudo o que se deixa dito, conclui-se que na fixação da pena foram atendidas e sopesadas todas as circunstâncias legalmente previstas, incluindo as de natureza atenuante, mostrando-se a mesma adequada e proporcional, pelo que não nos merece censura o seu quantum, razão pela qual deve ser mantida. Não ocorreu, pois, violação dos dispositivos legais que o recorrente invoca.
17. Tendo em atenção o disposto no artº 50 do C. Penal, é manifesto que o pedido de suspensão da pena se mostra prejudicado.
iv – decisão.
Pelo exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 5 UC. .
Dê imediato conhecimento ao tribunal “a quo” do teor deste acórdão, advertindo que a decisão ainda se não mostra transitada em julgado.
Lisboa, 2 de Abril de 2025
Maria Margarida Almeida (Relatora)
José Carreto
Antero Luís