RECURSO DE REVISÃO
CONDIÇÕES PESSOAIS
NOVOS MEIOS DE PROVA
NOVOS FACTOS
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário


I. O artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do C.P.Penal estabelece a possibilidade de revisão de sentença transitada em julgado, como remédio excepcional, admissível apenas quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
II. Os factos que agora se pretende invocar, relativos à situação familiar do recorrente, não constituem nenhuma novidade, pelo menos e seguramente para o próprio, pois tinham forçosamente de ser do conhecimento pessoal do arguido – que era pai, que tinha guarda partilhada, que pagava pensão – à data do seu julgamento e podiam ter sido mencionados no decurso do processo que contra si correu seus termos.
III. Não estamos assim perante factos novos, inéditos, já que factos novos são aqueles que o recorrente desconhece até ao trânsito em julgado da decisão condenatória.
IV. Não invocando o recorrente nenhum motivo atendível, justificado, para, em devido tempo, ter apresentado meios de prova da factualidade que agora invoca e, a ocorrer a mesma, ser esta forçosamente do seu conhecimento pessoal, à época, a matéria em que funda o presente pedido de revisão não é nova, já que a situação pessoal e familiar do recorrente foi devidamente discutida e apurada no decurso do seu julgamento.
V. Para além do mais, os documentos relativos a promessa de trabalho e bom comportamento prisional são irrelevantes nesta sede, já que se não reportam a nenhuma situação que se verificasse à data da prática dos factos ou do momento em que foi julgado; por seu turno, a certidão de nascimento, nada de inovatório aporta, atendendo à circunstância de que se mostra dado como assente, no acórdão condenatório, que o arguido é pai de uma filha e, igualmente, a declaração relativa à invocada guarda partilhada, mostra-se desacompanhada de qualquer elemento probatório que efectivamente a confirme.

Texto Integral


Acordam em conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

*

I – relatório

1. No processo acima identificado foi proferida sentença, transitada em julgado em 01.02.2023, que condenou o arguido AA, nos seguintes termos:

A) Pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 210, n.° 1 e n.° 2, alínea b), por referência ao art. 204.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2, alínea f), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

B) Pela prática de um crime de rapto agravado, p. e p. nos termos do disposto no art. 161.°, n.° 1, alínea a) e n.0 2, alínea a), por referência ao art. 158, n.° 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

C) Pela prática de um crime de burla informática, p. e p. nos termos do disposto no art. 221.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;

D) Pela prática de um crime de extorsão qualificada na forma tentada, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 22.°, 23.° e 223.°, n.° 1 e n.º 3, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

Fixando-lhe a pena única em 9 (nove) anos de prisão.

Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de dez anos.

2. O condenado AA veio interpor recurso de revisão, ao abrigo do disposto no artº 449.º, n.º 1 d) do C.P.Penal, por entender que, atentos os novos meios de prova juntos aos autos, se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, designadamente no que se reporta à pena acessória de expulsão.

Pede que tal pena seja revogada e mantida apenas a pena única de prisão de 9 (nove) anos.

3. O MºPº apresentou resposta, pronunciando-se pela improcedência do pedido de revisão.

4. O Mº Juiz “a quo” lavrou informação sobre o processo, nos seguintes termos:

1. O arguido AA foi condenado nos autos principais, por Acórdão proferido no dia 2/11/ 2021, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/03/2022, transitado em julgado no dia 24/03/2022, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:

- um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º1 e n.º2, alínea b) do Código Penal, por referência ao art. 204.º, n.º1, alínea a) e n.º2, alínea f) todos do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;

- um crime de rapto agravado, previsto e punido pelo art. 161.º, nº1, alínea a) e n.º2, alínea a) do Código Penal, por referência ao art. 158.º, n.º2, alínea b) do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;

- um crime de burla informática, previsto e punido pelo art. 221.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão;

- um crime de extorsão qualificada, na forma tentada, previsto e punido pêlos artigos 22.º, 23.º e 223.º, n.º1 e n.º3, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão.

No identificado Acordão foi, ainda, condenado na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de dez anos.

1.1. Por requerimento apresentado em 4/02/2025, ref. ...14, o arguido veio apresentar Recurso Extraordinário de revisão penal e juntou a respectiva motivação.

Por Despacho de 10/02/2025, foi determinada a notificação dos Sujeitos Processuais directamente afectados com a interposição do recurso de revisão – artº 454º, 411º, nº 4 e 413º, do C.P.Penal -, tendo sido apresentada resposta pelo Ministério Público em 24/02/2025, ref. ...07.

2. O recurso extraordinário de revisão, previsto constitucionalmente no artº 27º, da C.R.P. está por sua vez previsto e regulado nos artsº 449º a 466º, do C.P.Penal.

É configurado como uma válvula de segurança do sistema, sendo que no âmbito do processo penal, o recurso extraordinário de revisão “... pode levar a que uma condenação penal, mesmo com trânsito em julgado, não seja nem deva manter-se, a todo o transe e sobretudo à custa da postergação de direitos fundamentais, ainda que com prejuízo para a certeza e segurança do direito, no dizer do prof. Cavaleiro de Ferreira (...) “ ( cfr. Ac STJ, de 5/05/2010, Pº nº 407/99.4TBBGC-D.S1, in www.DGSI.pt).

O princípio res judicata pro veritate habetur não é absoluto.

No caso concreto o arguido AA invoca - no que diz respeito aos fundamentos previstos no artº 449º, do C.P.Penal, para a admissibilidade do recurso de revisão em relação à condenação que sofreu, o seguinte:

(i) Sob a epígrafe “ MATÉRIA PROVADA”, o arguido disse que “(...) a matéria julgada provada descreve que o Recorrente tem nacionalidade brasileira, não se revelou a inserção do ora Recorrente em meio profissional “digno” em Portugal, visto que a data o Recorrente trabalhava como trabalhador independente e prestava serviços de eletricidade.

Considerou ainda provado o Tribunal “a quo”, que não havia se apurado uma profissão certa e nem um rendimento certo proveniente de actividade lícita e nem enquadramento familiar sustentado, com isso, considerou verificados os pressupostos de que depende a aplicação da pena acessória de expulsão pelo período de dez anos(...)”.

(ii) Sob a epígrafe “OS FUNDAMENTOS DA REVISÃO”, disso o arguido:

“(...) Previsto nos artigos 449º e ss do CPP o Recurso Extraordinário de Revisão é um recurso de uma sentença transitada em julgado e visa determinar se a dita condenação foi justa e se se verifica o nexo de causalidade entre o erro que se pretende corrigir e a injustiça da decisão condenatória.

Assim sendo,


Diferentemente do que se considerou provado, o arguido exercia trabalho lícito à época, trabalhava como trabalhador independente a fazer serviços em obras e reparações eléctricas, a exemplo disso, junta-se declaração de promessa de trabalho emitida pela empresa V..., Lda., a qual o arguido já prestou serviços como eletricista em obras e reparos.


Ainda neste sentido, junta-se também a declaração emitida pela Associação ..., projeto 1 Passo + , o qual terá acompanhamento após a sua saída do Estabelecimento Prisional, para retomar sua vida.


Importa ressaltar ainda, que o arguido tem residência permanente no país, à época nem se quer se encontrava ilegal, sua situação no país é completamente regularizada.


O arguido tem uma filha menor, BB, a qual tem residência habitual em território nacional português, atualmente vive com a mãe, a senhora CC, mas nunca perdeu contacto com o pai, cfr. registo de nascimento que se junta.


AA, sempre foi um excelente pai, sempre ficou com a filha, havendo inclusive momentos em que este ficou sendo o único responsável pela menor.

Arcava e ainda arca com a ajuda de seus pais as despesas em relação com a menor, sendo o principal responsável pela educação da filha, cfr. doc anexo que se junta.


A menor vive em território nacional português, sempre ressalta a sua vontade de ficar com o pai para a sua progenitora, a qual fez uma declaração enquanto estava de férias no Brasil, razão pela qual a certificação vem deste país e não Portugal, que se junta anexo.


Diante do exposto, o artigo 135º da Lei 23/2007 de 04.07, em relação ao arguido não foi corretamente apreciado, visto que o mesmo à época tinha sua filha menor a seu cargo financeiramente e emocionalmente, e ainda tem.


Posto isso, verifica-se que a época infelizmente a defesa do arguido não apresentou devidamente todos os pormenores de sua vida em Portugal, não demonstrou que o arguido tinha e tem residência permanente no país, encontrando-se totalmente legal, também não demonstrou claramente que o arguido tinha a seu cargo a sua filha menor BB, que em razão da sua prisão foi temporariamente para o Brasil mas logo regressou para sua residência em Portugal, desta feita passando a morar somente com a mãe.


E por fim, também deixou a desejar e não demonstrou como deveria ter demonstrado, que o arguido trabalhava de forma lícita e auferia rendimentos lícitos, por lapso poderá ter se esquecido de emitir seus recibos de vencimentos, mas isso não quer dizer para todos os efeitos, que o arguido não exercia nenhuma atividade profissional lícita, porque exercia, tanto que se junta declaração de uma empresa na qual o mesmo já trabalhou e pretende contratá-lo de forma integral.

(...)”, invocando que o arguido se enquadra na alínea c) do n.º 1 da lei 23/2007.

“(...) Ademais, não é de agora que o mesmo se enquadra, o arguido se enquadra neste artigo desde o início do processo, por lapso da defesa à época não foi ressaltado e tão pouco usado a favor do arguido e da sua família.

Face aos novos factos ora descritos e por razões de justiça material, devem ser tomadas as diligências necessárias e oportunas para um efectivo apuramento da verdade(...).

CONCLUSÕES

(...) B. Existe uma nova versão dos factos julgados provados, no que tange a pena acessória de expulsão do território nacional por um período de 10 (dez) anos, a qual permite concluir inequivocamente pela defesa do ora Recorrente, sendo que tal versão não foi apresentada nem apreciada pelas Instâncias e pelo STJ por motivos estranhos ao Recorrente.

C. É um facto que o arguido foi condenado na pena única de prisão de 9 (nove) anos, encontra-se a cumprir atualmente no Estabelecimento Prisional 1.

D. No entanto, deve a pena acessória de expulsão do território nacional aplicada ao arguido ser revogada e mantida apenas a pena única de prisão de 9 (nove) anos, uma vez que o arguido se enquadra no artigo 135º da Lei 23/2007 de 04.07, justificando a sua não aplicação, do contrário, estará afastando permanentemente pai e filha, sendo que a mesma continuará a residir em Portugal e indo ao Brasil apenas nas férias quando for possível, e em Portugal, estará a residir com a mãe e o pai em guarda compartilhada, semana com um e semana com outro.

E. E porque estas provas novas, estes factos, já não podem ser apreciados em sede de recurso ordinário pelo STJ, deverão ser os mesmos apreciados em sede de recurso de revisão(...)”.

Aparenta, assim, o arguido, pretender ver apreciado o seu pedido ao abrigo do disposto no artº 449º, n. 1, al. d), do C.P.Penal.

2.1. Sendo um dos fundamentos do recurso o previsto no artº 449º, nº 1, al. d), do C.P.Penal, nos termos do artº 453º, nº 1 e 2, do C.P.Penal, há que decidir quanto à produção, desde já, de diligências que se revelem indispensáveis para a descoberta da verdade.

E há, também, que dar a informação a que se refere o artº 454º, do C.P.Penal, sendo que o arguido juntou prova documental.

2.2. Sobre o conceito de elemento novo de prova para efeito da revisão, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça “... divide-se entre uma acepção por forma a contemplar mesmo aqueles de que o apresentante tinha conhecimento da sua relevância jurídica já na data da decisão a rever, dominante no passado e outra que começa a alcançar foros de maioritária, por forma a incluir, apenas, os que advieram ao conhecimento do apresentante em data posterior, que não está dispensado de tal alegação, com tradução nos recentes Acs. de 11.2.2009, Pº nº 3930/08-3ª Sec....” ( cfr. Ac STJ, de 5/05/2010, Pº nº 407/99.4TBBGC-D.S1, bold nosso, in www.DGSI.pt).

E continua o Acórdão que temos estado a citar, que “...é imperioso fazer actuar um crivo de exigente verificação sobre os pressuposto de revisão sob pena de esse meio extraordinário encobrir e se converter em meio ordinário, a qualquer momento «permitindo uma verdadeira eternização e discussão de uma mesma causa», nas palavras de Fátima Mata-Mouros...”( cfr. Ac STJ, de 5/05/2010, Pº nº 407/99.4TBBGC-D.S1, in www.DGSI.pt).

Passando a Jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça – a qual acompanhamos de perto e, por isso, reproduzimos parcialmente, dado que, não o fazendo, era dizer com simples alterações de composição de texto o que já foi dito pelo Tribunal Superior, cfr. Ac. STJ, de 7/04/2021, Pº nº 921/12.8TAPTM-J.S1, acessível www.dgsi.pt. -, “(...) o fundamento previsto na al.ª d) do n.º 1 do art. 449º do CPP (invocado pelo requerente...), exige desde logo a descoberta de “novos factos ou meios de prova”.

E exige ainda que os novos factos ou meios de prova, por si sós ou combinados com os que foram apreciados no processo, “suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Norma cuja redação provem e se mantem inalterada desde o texto original, inspirada no artigo 673.º, n.º 4, do Código de Processo Penal de 1929,(...).

Entendia-se então que “a suspeita grave de injustiça da decisão, no sentido da violação da lei substantiva, não podia fundamentar a revisão”.

Sustenta-se na doutrina e tem sido adotado na jurisprudência o entendimento de que a alínea d) “tem um campo de aplicação bastante divergente deste seu antecedente, muito mais amplo, pois enquanto aquele n.º 4 exigia que os novos factos ou elementos de prova constituíssem graves presunção de inocência do condenado, basta agora que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A disposição atual tem, é certo, a limitação do n.º 3, determinante da inadmissibilidade do pedido de revisão com o único fim de corrigir a medida da pena. Mesmo assim, ficam agora a caber no âmbito legal casos que a lei anterior não comportava, como o de posteriormente à condenação se descobrir que o arguido era inimputável ou tinha imputabilidade diminuída à data da condenação (...) e o de diferente enquadramento dos factos.

Entendimento seguido também por G. Marques da Silva, que aponta os mesmos exemplos.

Alguma jurisprudência tem ido no sentido de que naquele fundamento não está apenas em causa a presunção de inocência do arguido, bastando que os novos factos ou documentos suscitem grave dúvida sobre a justiça da condenação.

Mas há também quem entenda que, no essencial, o fundamento em apreço traduz a ideia ventilada pelos autores espanhóis Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, citados por Simas Santos e Leal Henriques no sentido de que a revisão só deve caber quando esteja em causa a relação condenação-absolvição.

Interpretação adotada por este Supremo Tribunal, nomeadamente no Ac. de 13/03/2003 e no Ac. de 20/11/2003.

Para ser admitida a revisão não é suficiente a descoberta de novos factos ou elementos de prova. Exige-se que, por si sós ou conjugados com os factos apurados no julgamento ou as provas aí apreciadas, demonstrem ou indiciem fortemente a inocência do condenado. Interpretação reafirmada no Ac. STJ de 24/01/2018, onde se sustentou: “não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável.

(...). No processo penal, o arguido, para alcançar a revisão da sentença, não tem que demonstrar perante o Tribunal de recurso que não cometeu os factos por que foi condenado ou de que por eles não é responsável. Mas também não é bastante que indique quaisquer novos factos ou novas provas. Pretendendo eliminar ou reverter uma situação judicialmente estabelecida e juridicamente estabilizada no domínio do direito (visando a “desconstituição da condenação decretada, na feliz expressão da jurisprudência dos supremos tribunais brasileiros), enquanto requerente da revisão de uma condenação firme, exige-se-lhe que apresente novos factos ou provas que, por si sós ou conjugadas com outras provas produzidas no julgamento, sejam de molde a infirmar objetivamente os factos provados, a desvaloriza-los completamente ou que tornem manifestamente insuficientes as provas em que se fundou a condenação.

A presunção de inocência cessa com o trânsito em julgado da condenação – art. 32º n.º 2 da Constituição da República. Para readquirir essa presunção, a Constituição e o processual penal, no compromisso imanente com a verdade material das decisões judiciais, não impõem que o condenado prove que os factos não aconteceram ou de que por eles não culpável. Demandam, isso sim, que o condenado apresente novos dados de facto ou meios de prova que demonstram grave insuficiência cognitiva da decisão em matéria de facto.

Tal sucederá quando são levados ao conhecimento do tribunal factos anteriores suficientemente acreditados, que interessando ao objeto da causa e podendo influir no sentido da decisão em matéria de facto, não podia ter conhecido ou meios de prova cuja existência se ignorava e que se revelam com força probatória adequada a infirmar os factos provados que sustentam a condenação.

Não se admitindo, no nosso regime, a revisão com fundamento na injustiça da medida da pena, resta campo limitado para outros substratos factuais ou probatórios que não venham a traduzir-se, in fine, na absolvição do condenado com notório equívoco ou erro palmar e patente ou, ao menos, no regresso à situação jurídica anterior à decisão transitada em julgado (a revogação da suspensão da execução da pena de prisão tem suscitado divergências).

O nosso legislador também não prevê a revisão da decisão judicial com fundamento no erro de julgamento. Nem, fora dos casos expressamente previstos, em vícios do procedimento devido.

Seja como for, inscrevendo-se o direito à revisão extraordinária da condenação no elenco dos direitos fundamentais dos cidadãos injustamente condenados, a segurança e a paz jurídicas devem ceder, excecionalmente, perante a necessidade de, em situações de patente e grave injustiça legalmente catalogadas, reafirmar o valor da justiça de modo a que a sentença transporte para os autos e traduza no processo a realidade da vida.

Nas palavras de M. Cavaleiro de Ferreira, no processo penal, “a justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações. O direito não pode querer e não quer a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade das decisões judiciais, a garantia dum mal invocando prestígio ou infalibilidade do juízo humano, à custa da postergação de direitos fundamentais do cidadão, transformados cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada ... da lei e do direito. Contudo, a relativização do caso julgado, não pode postergar completamente o valor da segurança e a paz jurídica, constitucionalmente garantidos através do instituto do caso julgado(...)”.

Continuando a acompanhar a Jurisprudência que antecede, agora no segmento quanto à abordagem do Tribunal Constitucional, no Acordão nº 376/00 de 13/07/2000, “(...) o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgida no prolongamento da ou das anteriores. O núcleo essencial da ideia que preside à instituição do recurso de revisão, precipitada na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do CPP, reside na necessidade de apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior.

Trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva, ao ponto de banalizar e consequentemente desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endo-processual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação. É nesta ordem de considerações que a Constituição consagra no nº 6 do artigo 29º o direito dos cidadãos injustamente condenados, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença". Esta é a norma constitucional que mais próxima e diretamente disciplina a matéria, (...).

Deste modo, como se assinalou, a abertura e amplitude da revisão da sentença condenatória não pode deixar de ser informada pela ideia de excecionalidade, aplicável apenas a casos de injustiça intolerável ou por gravidade excessiva, Só assim se poderá manter, na medida do possível, o necessário equilíbrio entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança jurídica.

e) novos factos ou meios de prova:

Salientou-se que, com o fundamento em apreço – invocação da al.ª d) - podem sustentar a rescisão da sentença condenatória novos factos ou meios de prova que, necessariamente, infirmem ou modifiquem os factos que motivam a condenação.

Não satisfaz aquele requisito a invocação de quaisquer factos ou de outras provas nem a mera invocação de factos novos, ou tampouco basta a sua hipotética verosimilhança. Ademais da novidade, têm de estar suficientemente acreditados, isto é, resultarem convincentemente demonstrados. No processo penal, os factos adquirem-se através das provas. Aqui, a alegação de factos sem provas, diretas ou indiretas que os demonstrem, - por si só (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo - não tem a potencialidade de elevar ao nível da crise grave (qualificada) a força da res judicata.

(...). Somente fundamentam a rescisão da sentença firme, provas que, ademais da novidade, aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que legitimam a condenação.

Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos é ainda necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da condenação. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; terá de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade”, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida (...).

Como se sustenta no citado Ac. STJ de 26/09/2018:

I - Quanto à novidade dos factos e/ou dos meios de prova, o STJ entendeu, durante anos e de forma pacífica que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado.

II - Porém, nos últimos tempos essa jurisprudência foi sendo abandonada e hoje em dia pode considerar-se solidificada ou, pelo menos, maioritária, uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e, ao fim e ao cabo, à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais. Assim, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.

(...). Por sua vez, no Ac. de 12/5/2005 do Tribunal Constitucional expende-se:

Há-de, pois, tratar-se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto quadro de ato em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.

Não se trata, portanto, de elementos probatórios que permitam novas argumentações a favor da inocência do condenado, mas de autênticas novas provas que desvirtuando totalmente as provas que motivaram a condenação, fazem duvidar gravemente da sua justiça material. Tampouco se trata de uma nova oportunidade para reapreciar os elementos probatórios que o tribunal de instância e/ou de recurso já tiveram em conta.

(...) Em síntese, são, dois e cumulativos os parâmetros da admissibilidade da revisão com fundamento na al.ª d) do n.º 1 do art. 449º do CPP:

- que os factos ou provas apresentados não existiam ou se desconheciam e, portanto, não puderam apresentar-se e, consequentemente, ser tidos em conta na sentença, ainda que preexistentes;

- que por si sós ou conjugados e confrontados com provas produzidas na audiência evidenciem, acima de qualquer dúvida razoável, a grave injustiça da condenação (...)” – Cfr. Ac. STJ, de 7/04/2021, Pº nº 921/12.8TAPTM-J.S1, acessível www.dgsi.pt.

2.3. No caso concreto o arguido alega, como acima decorre das suas Alegações – artº 8 e 9º- e CONCLUSÕES, que:

“(...) verifica-se que à época infelizmente a defesa do arguido não apresentou devidamente todos os pormenores de sua vida em Portugal, não demonstrou que o arguido tinha e tem residência permanente no país, encontrando-se totalmente legal, também não demonstrou claramente que o arguido tinha a seu cargo a sua filha menor BB, que em razão da sua prisão foi temporariamente para o Brasil mas logo regressou para sua residência em Portugal, desta feita passando a morar somente com a mãe.

9ª E por fim, também deixou a desejar e não demonstrou como deveria ter demonstrado, que o arguido trabalhava de forma lícita e auferia rendimentos lícitos, por lapso poderá ter se esquecido de emitir seus recibos de vencimentos, mas isso não quer dizer para todos os efeitos, que o arguido não exercia nenhuma atividade profissional lícita, porque exercia, tanto que se junta declaração de uma empresa na qual o mesmo já trabalhou e pretende contratá-lo de forma integral(...)”.

Põe assim, em causa, a actual Defensora do arguido, a qualidade e suficiente competência da Defesa que o arguido teve durante o julgamento, e que, por isso, “deixou a desejar” e “não demonstrou como deveria ter demonstrado”, que o arguido trabalhava de forma lícita, que auferia rendimentos lícitos.

Alegando a Ilustre Defensora que “... mas isso não quer dizer para todos os efeitos, que o arguido não exercia nenhuma atividade profissional lícita, porque exercia, tanto que se junta declaração de uma empresa na qual o mesmo já trabalhou e pretende contratá-lo de forma integral(...)”, adiantando, ainda que “por lapso poderá ter-se esquecido de emitir seus recibos de vencimentos”.

Alega, assim, que o arguido se enquadra na alínea c), do n.º 1 da lei 23/2007, o que ocorre desde o inicio do processo mas, dizendo mais uma vez, “por lapso da defesa à época não foi ressaltado e tão pouco usado a favor do arguido e da sua família”.

Para concluir que face aos novos factos ora descritos e por razões de justiça material, devem ser tomadas as diligências necessárias e oportunas para um efectivo apuramento da verdade(...).

Em sede de CONCLUSÕES diz que “(...) existe uma nova versão dos factos julgados provados(...)”, no que tange a pena acessória de expulsão do território nacional por um período de 10 (dez) anos, a qual permite concluir inequivocamente pela defesa do ora Recorrente, sendo que tal versão não foi apresentada nem apreciada pelas Instâncias e pelo STJ por motivos estranhos ao Recorrente.

2.3.1. Atento todo o enunciado e o alegado pelo arguido em sede de recurso, incluindo em sede de Conclusões, está em causa a invocação da alínea d), do nº 1, do artº 449º, do C.P.penal.

Tal alínea, como vimos, exige que se verifiquem dois requisitos cumulativos positivos – a novidade (de factos ou meios de prova) e as dúvidas (graves) sobre a justiça da condenação – e um negativo – que o único fim do recurso seja a medida da pena - cfr. nº 3, do artº 449º, do C.P.Penal.

Aparenta-se , contudo, ao Tribunal, que o que o arguido agora alega como “facto novo” é, afinal, uma nova versão dos factos julgados provados, em consequência da actual linha de Defesa do arguido, censurando e sustentando incompetência da anterior Defesa do arguido e pretendendo, assim, apresentar meios complementares de defesa, em relação aos factos sobre os quais o tribunal já se pronunciou.

2.3.2. Passando, então, à matéria de facto dada como provada no acórdão, quanto às condições pessoais do arguido AA – cfr. Ponto 68, dos factos provados – factualidade que o arguido, nos segmentos em que indicou nas suas alegações de recurso, pretenderá infirmar ou modificar, encontramos consignados os seguintes factos provados (destacando-se, a bold, os que se nos afigura estarem, concretamente, a ser postos em causa pelo arguido):

“(...) AA é natural de ..., município brasileiro do estado do Rio de Janeiro, onde residia até aos 11 anos de idade integrado no agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e os dois irmãos mais velhos.

O progenitor manteve consumos de bebidas alcoólicas em excesso até se ter ligado à Igreja Metodista, conseguindo debelar a problemática de adição quando o arguido tinha cerca de 10 anos de idade.

A dinâmica familiar do agregado é descrita como funcional e gratificante embora de baixa condição socioeconómica.

A mãe trabalhava como costureira por conta própria e o pai como operário camarário.

Nem a mudança para ..., outro município do estado do Rio de Janeiro onde existem várias empresas ligadas à extração de petróleo, quando o arguido tinha 11 anos de idade, melhorou a situação financeira do agregado mantendo-se precária e marcada pela elevada contenção.

O percurso escolar de AA foi regular, concluindo o ensino técnico através de um curso de Eletrotec8nia.

A primeira experiência laboral terá ocorrido entre os 16 e os 18 anos através do Programa Jovem Aprendiz, desempenhando funções de auxiliar administrativo, enquanto ainda estudante.

Aos 18 anos, o arguido começou a trabalhar como eletrotécnico na empresa Endesa onde se manteve durante dois anos.

Refere ter trabalhado ainda num navio durante algum tempo.

Aos 14 anos de idade, AA iniciou consumos de bebidas alcoólicas que se vieram a intensificar ao longo do tempo, hábito ligado a actividade de organização de festas e eventos que mantinha durante a adolescência.

Iniciou relação de namoro aos 19 anos e contraiu casamento aos 20 anos, relacionamento do qual resultou o nascimento de uma filha, actualmente com oito anos.

Em 2015, o casal decidiu emigrar para Portugal fixando residência no concelho de ..., inicialmente junto de familiares também cá emigrados conseguindo, pouco depois, arrendar uma habitação no ....

Profissionalmente, exercia funções como eletrotécnico através de serviços prestados a uma empresa de reparações.

Previamente à reclusão, AA residia na zona da ..., na morada constante nos presentes autos, junto de um amigo.

Mantinha contacto regular com a filha, verbalizando que contribuía nas despesas de educação e sustento da mesma.

À DGRSP o arguido menciona que frequentava regularmente discotecas e festas junto da comunidade brasileira e terá sido neste contexto que conheceu os restantes coarguidos e ofendido nos presentes autos.

Relativamente às suas características pessoais, a DGRSP entende estar perante um indivíduo com capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende como adequadas e vantajosas para si embora com algumas lacunas ao nível do pensamento crítico e consequencial, essenciais ao evitamento de comportamentos de risco e o processo de tomada de decisão.

AA deu entrada no Estabelecimento Prisional 2 em 07.10.2020 vindo transferido do Estabelecimento Prisional 3, onde deu entrada em 07.09.2020.

Encontra-se à ordem dos presentes autos, não sendo conhecidos processos pendentes. No estabelecimento prisional tem revelado comportamento adaptado e boa capacidade de integração e adaptação.

Não se encontra integrado em qualquer atividade.

Não constam sanções averbadas no seu registo disciplinar.

A família continua a mostrar-se solidária com o arguido apoiando-o incondicionalmente, durante e após a reclusão.

Recebe visitas regulares no estabelecimento prisional por parte das irmãs e de alguns amigos(...)”.

Passando aos documentos que apresentou com o seu requerimento de recurso, com vista a infirmar, modificar os factos que foram dados como provados ou fazer prova de “factos novos” eles são:

(i) Fotocópia de um documento identificado como Certidão de nascimento de BB, Cartório ..., Republica Federativa do Brasil, onde consta a filiação da criança;

(ii) Um escrito intitulado DECLARAÇÃO, subscrito por CC, na qualidade de mãe da menor, em que está aposta a morada Rua ..., e em que faz declarações quanto á participação de AA, entre o mais, nas despesas da criança BB, quanto a guarda partilhada e ao relacionamento do pai com a criança; documento que tem aposto, antes da assinatura “Lisboa, 03 de junho de 2024”, e que se encontra com reconhecimento da assinatura feito em 26/07/2024, pelo cartório notarial de ..., sito em ...;

(iii) Um escrito intitulado DECLARAÇÃO, identificado como emitido por V..., Lda., sem data e subscrito por DD, como gerente da empresa, declarando que “vou contratar o Sr. AA como profissional electricista.

Com base na minha experiencia e conhecimento sobre as suas habilidades posso garantir que ele é qualificado e confiável para realizar o trabalho com competência...”;

(iv) Um escrito intitulado DECLARAÇÃO, identificado como emitido por “Projecto 1 Passo +”, datado de 20/05/2024, constando, entre o mais, a declaração quanto à integração do arguido, como recluso nº ..., no projecto, participação semanal nas actividades realizadas em contexto prisional, objectivos da Associação e acompanhamento dado aos reclusos e objectivos;

2.3.3. Ponderando tudo o que antecede e que o presente momento não contende com aquele expressamente previsto no artº 459º, nº 2, do C.P.Penal, e convocado todo o enquadramento Juridico e Jurisprudencial acima feito, começando pelo primeiro documento juntado pelo arguido, a certidão de nascimento da filha do arguido, não se nos afigura que estejamos perante um meio de prova “novo” ou de “facto novo”, com o sentido que a lei e a Jurisprudência consideram com o passível de sustentar a revisão da Decisão.

Estamos perante um meio de prova de que o arguido já tinha conhecimento na data em que foi julgado, que não juntou e que nada o impedia de ter feito.

Por outro lado e quanto aos demais documentos juntados pelo arguido, o meio de prova “novo” – a existir - deve configurar um peso tal que permita fazer crer, seriamente, que irá alterar o sentido da decisão.

Ora analisando a matéria de facto dada como provada - e no que agora releva-, constante do Acórdão proferido pelo Tribunal de primeira instância e que foi confirmado pelo Tribunal da Relação - e que evidenciámos a bold -, foi dado como provado que o arguido

“...contraiu casamento aos 20 anos, relacionamento do qual resultou o nascimento de uma filha, actualmente com oito anos.

Em 2015, o casal decidiu emigrar para Portugal fixando residência no concelho em 2015, o casal decidiu emigrar para Portugal fixando residência no concelho de ..., inicialmente junto de familiares também cá emigrados conseguindo, pouco depois, arrendar uma habitação no ....

Previamente à reclusão, AA residia na zona da ..., na morada constante nos presentes autos, junto de um amigo.

Mantinha contacto regular com a filha, verbalizando que contribuía nas despesas de educação e sustento da mesma....”.

Deu, assim, o Tribunal como provado, por ter sido produzida prova nos autos sobre tais factos, que o arguido casou-se aos 20 anos, relacionamento do qual resultou o nascimento de uma filha, actualmente com oito anos.

Em 2015, o casal decidiu emigrar para Portugal fixando residência no concelho de ..., inicialmente junto de familiares também cá emigrados conseguindo, pouco depois, arrendar uma habitação no ....

Temos, por conseguinte, que foi produzida prova que o arguido tinha uma filha, “actualmente” com oito anos, a qual residiu em Portugal, inicialmente – atentos os factos dados como provados -, com os pais em coabitação, sendo que, previamente à reclusão, AA residia na zona da ..., na morada constante nos presentes autos, junto de um amigo, isto é, o arguido já não residia no mesmo agregado com a filha.

Mas resultou provado que mantinha contacto regular com a filha, verbalizando que contribuía nas despesas de educação e sustento da mesma.

Salvo melhor entendimento, a certidão de nascimento, em sede de fundamento de revisão, nada aporta de novo.

Quanto aos demais documentos juntados pelo arguido aos autos, as “Declarações”, entendemos que os identificados em “(ii)”, “(iii)” e “(iv)”, reconduzem-se, salvo melhor entendimento, a depoimento por escrito, o que, atento o disposto nos artºs 128º a 139º, do C.P.Penal, apenas é processualmente admissível nas situações previstas pelo artº 139º, do C.P.Penal, que não é o caso.

Ora, da análise que fazemos em sede da presente informação, considerando que, como acima transcrevemos, somente fundamentam a rescisão da sentença firme, provas que, ademais da novidade, aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que legitimam a condenação, não se nos afigura que preencham tal requisito.

Assim, quanto à declaração subscrita pela progenitora da filha, diz o arguido que a mesma refere factos novos, quanto a, entre o mais, uma guarda partilhada da criança, o tipo de suporte financeira que o arguido prestaria à filha e o concreto relacionamento com a filha.

Da declaração resulta que os progenitores não têm vivencia em comum, não são factos que, na globalidade, se possa dizer que sejam uma novidade no processo, conforme o que já dissemos quanto á factualidade que resultou provada neste segmento.

Quanto ao demais constante da Declaração, afigura-se-nos que o que o arguido pretende fazer é uma ampliação dos factos quanto às suas condições pessoais, em relação à prova que produziu no julgamento, factos que, a terem ocorrido – e por dizerem respeito, de acordo com o que alega, a actos de relacionamento com a filha ou do exercício, por si, das responsabilidades parentais - o Arguido, necessariamente, tinha que ter conhecimento dos mesmos à data do julgamento, bem como o tinha que ter quanto ao que (agora) alega em relação à filha, no recurso de revisão, que a criança, “... em razão da sua prisão foi temporariamente para o Brasil mas logo regressou para sua residência em Portugal, desta feita passando a morar somente com a mãe....”.

O arguido, dizendo e admitindo em sede do presente recurso, que á data em que foi preso a criança foi para o Brasil, não juntou qualquer documento – por exemplo, passaporte, inscrição na escola – que pudesse sustentar a data em que a criança regressou (ou tinha ido), pois a factualidade dada como provada foi que o pai “...mantinha contacto regular com a filha...”, não estando especificado que tipo de contacto.

O arguido faz e justifica, agora, tal alegação, por considerar existir “...uma nova versão dos factos julgados provados...”, isto é, uma nova linha de defesa, argumentando que “...à época, infelizmente a defesa do arguido não apresentou devidamente os pormenores de sua vida em Portugal...”.

Ora o arguido não juntou, por exemplo, qualquer certidão de um regime de regulação do exercido das responsabilidades que, à data do julgamento ou após a separação dos progenitores, tivesse sido homologado pelo tribunal ou na Conservatória do registo civil, não juntou qualquer documento comprovativo de pagamentos de pensão de alimentos, despesas de saúde, despesas escolares ou outras da filha e que pudessem, pela sua novidade em relação à data em que decorreu o julgamento e pelo seu conteúdo e autenticidade, suscitar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.

Olhando, também, por sua vez, para a fundamentação do acórdão quanto à formação da convicção do Tribunal e a análise crítica da prova feita, quanto ao núcleo de factos ora em causa, em sede de análise critica da prova consta que o arguido veio a prestar declarações após a audição das testemunhas da acusação, não resulta que o tribunal tivesse limitada de alguma forma a sua prestação de declarações, arrolou testemunhas de defesa que foram ouvidas, as quais, como decorre da referida análise critica da prova (prima e irmãs do arguido), falaram quanto às circunstâncias de vida do arguido à data dos factos (aspecto profissional e quanto à sua filha, com oito anos), não se retirando dos documentos constantes dos autos, que tivesse sido limitada a instância das testemunhas que o arguido apresentou, quanto aos factos que pudesse ter a ver com o relacionamento do arguido com a filha ou com o âmbito do exercício das responsabilidades parentais.

Resulta, assim, que o Tribunal deu como provada matéria de facto com base, entre o mais, nas declarações do arguido e no depoimento das testemunhas que arrolou e que foram apresentas ouvidas em julgamento, pela Defesa do arguido, depoimentos que o tribunal fez constar ter avaliado em sede de análise crita da prova e motivação de facto.

Passando aos factos relativos à actividade profissional do arguido, o Tribunal deu como provado, por ter sido produzida prova nos autos sobre tais factos, que o arguido profissionalmente, exercia funções como eletrotécnico através de serviços prestados a uma empresa de reparações.

Quanto a este segmento, o arguido invocou que “diferentemente do que se considerou provado, o arguido exercia trabalho lícito à época, trabalhava como trabalhador independente a fazer serviços em obras e reparações eléctricas”, sendo que, da leitura que fazemos dos factos provados, não podemos acompanhar o entendimento quanto à divergência que o arguido aponta existir na matéria de facto que foi dada como provada.

Para este segmento dos factos, juntou o arguido um documento relativo a uma (eventual) proposta (num futuro, após reclusão) de trabalho, documento que não está datado e, do seu teor, também não se pode extrair, sem mais, que é um trabalho, um emprego que está à sua espera, não se nos afigurando que, face á matéria que o tribunal deu como provada, tal documento, só por si ou mesmo conjugado com os demais que juntou, levasse a infirmar ou modificar a factualidade que motivou a condenação, por patentear grave injustiça da decisão, susceptível de levar à sua revisão.

Quanto ao terceiro documento, a declaração da associação, como referimos está datado de 2024, diz respeito a situação de envolvimento do arguido que ocorreu após a sua reclusão, pensamos que pouco mais, considerando o objecto do presente recurso, poderá acrescer, não se nos afigurando, tal como no anterior, que fosse documento que pudesse patentear situação de grave injustiça da decisão, susceptível de levar à sua revisão.

3. Face ao exposto, atento todo o que antecede, enquadramento jurídico feito pelo Tribunal e ponderação da documentação apresentada pelo arguido, em função da alegação na qual sustentou a apresentação do recurso de revisão, não se nos afigura que, tendo em atenção a alínea invocada pelo arguido Recorrente para fundamentar o recurso extraordinário – concretamente o artº 449º, nº 1, al. d), do C.P.Penal, mas também nem em relação a qualquer outra –, os documentos juntados pelo arguido cumpram os requisitos e, consequentemente, tenham a capacidade de, só por si, suscitarem dúvidas sérias sobre a justiça da manutenção da condenação e sustentar a revisão da decisão.

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o ilustre PGA emitiu parecer subscrevendo a posição assumida pelo MºPº e pela Mª Juíza “a quo”.

6. Mostrando-se o recurso instruído com os pertinentes elementos, face aos elementos já constantes nos autos e nada obstando ao seu conhecimento, colhidos os vistos foi o processo remetido à Conferência (artigo 455º, nºs 2 e 3, do CPPenal).

II – questão a decidir.

Mostram-se preenchidos os requisitos legais consignados no artigo 449.º, n.º 1, al.d), do C.P.Penal, que tonam admissível a revisão de sentença transitada em julgado?

iii – fundamentação.

1. Alega o recorrente, em sede de conclusões, o seguinte:

A. Foi o ora Recorrente condenado pela prática de um crime de roubo agravado, um crime de rapto agravado, um crime de burla informática e um crime de extorsão qualificada na forma tentada, na pena única de prisão de 9 (nove) anos, também foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional por um período de 10 (dez) anos.

B. Existe uma nova versão dos factos julgados provados, no que tange a pena acessória de expulsão do território nacional por um período de 10 (dez) anos, a qual permite concluir inequivocamente pela defesa do ora Recorrente, sendo que tal versão não foi apresentada nem apreciada pelas Instâncias e pelo STJ por motivos estranhos ao Recorrente.

C. É um facto que o arguido foi condenado na pena única de prisão de 9 (nove) anos, encontra-se a cumprir atualmente no Estabelecimento Prisional 1.

D. No entanto, deve a pena acessória de expulsão do território nacional aplicada ao arguido ser revogada e mantida apenas a pena única de prisão de 9 (nove) anos, uma vez que o arguido se enquadra no artigo 135º da Lei 23/2007 de 04.07, justificando a sua não aplicação, do contrário, estará afastando permanentemente pai e filha, sendo que a mesma continuará a residir em Portugal e indo ao Brasil apenas nas férias quando for possível, e em Portugal, estará a residir com a mãe e o pai em guarda compartilhada, semana com um e semana com outro.

E. E porque estas provas novas, estes factos, já não podem ser apreciados em sede de recurso ordinário pelo STJ, deverão ser os mesmos apreciados em sede de recurso de revisão.

2. Resulta do processo e da certidão junta (bem como da consulta dos autos, via Citius), a seguinte matéria de facto, relevante para a decisão:

a. Por acórdão proferido no dia 2 de Novembro de 2021, o arguido AA foi condenado, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:

- um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º1 e n.º2, alínea b) do Código Penal, por referência ao art. 204.º, n.º1, alínea a) e n.º2, alínea f) todos do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;

- um crime de rapto agravado, previsto e punido pelo art. 161.º, nº1, alínea a) e n.º2, alínea a) do Código Penal, por referência ao art. 158.º, n.º2, alínea b) do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;

- um crime de burla informática, previsto e punido pelo art. 221.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão;

- um crime de extorsão qualificada, na forma tentada, previsto e punido pêlos artigos 22.º, 23.º e 223.º, n.º1 e n.º3, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão.

Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de dez anos.

b. Esta condenação foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Março de 2022, que transitou em julgado em 24 de Março de 2022.

c. Nessa decisão, no que concerne às suas circunstâncias pessoais, familiares e profissionais, foi dado como provado que:

“(...) AA é natural de ..., município brasileiro do estado do Rio de Janeiro, onde residia até aos 11 anos de idade integrado no agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e os dois irmãos mais velhos.

O progenitor manteve consumos de bebidas alcoólicas em excesso até se ter ligado à Igreja Metodista, conseguindo debelar a problemática de adição quando o arguido tinha cerca de 10 anos de idade.

A dinâmica familiar do agregado é descrita como funcional e gratificante embora de baixa condição socioeconómica.

A mãe trabalhava como costureira por conta própria e o pai como operário camarário.

Nem a mudança para ..., outro município do estado do Rio de Janeiro onde existem várias empresas ligadas à extração de petróleo, quando o arguido tinha 11 anos de idade, melhorou a situação financeira do agregado mantendo-se precária e marcada pela elevada contenção.

O percurso escolar de AA foi regular, concluindo o ensino técnico através de um curso de Eletrotec8nia.

A primeira experiência laboral terá ocorrido entre os 16 e os 18 anos através do Programa Jovem Aprendiz, desempenhando funções de auxiliar administrativo, enquanto ainda estudante.

Aos 18 anos, o arguido começou a trabalhar como eletrotécnico na empresa Endesa onde se manteve durante dois anos.

Refere ter trabalhado ainda num navio durante algum tempo.

Aos 14 anos de idade, AA iniciou consumos de bebidas alcoólicas que se vieram a intensificar ao longo do tempo, hábito ligado a actividade de organização de festas e eventos que mantinha durante a adolescência.

Iniciou relação de namoro aos 19 anos e contraiu casamento aos 20 anos, relacionamento do qual resultou o nascimento de uma filha, actualmente com oito anos.

Em 2015, o casal decidiu emigrar para Portugal fixando residência no concelho de ..., inicialmente junto de familiares também cá emigrados conseguindo, pouco depois, arrendar uma habitação no ....

Profissionalmente, exercia funções como eletrotécnico através de serviços prestados a uma empresa de reparações.

Previamente à reclusão, AA residia na zona da ..., na morada constante nos presentes autos, junto de um amigo.

Mantinha contacto regular com a filha, verbalizando que contribuía nas despesas de educação e sustento da mesma.

À DGRSP o arguido menciona que frequentava regularmente discotecas e festas junto da comunidade brasileira e terá sido neste contexto que conheceu os restantes coarguidos e ofendido nos presentes autos.

Relativamente às suas características pessoais, a DGRSP entende estar perante um indivíduo com capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende como adequadas e vantajosas para si embora com algumas lacunas ao nível do pensamento crítico e consequencial, essenciais ao evitamento de comportamentos de risco e o processo de tomada de decisão.

AA deu entrada no Estabelecimento Prisional 2 em 07.10.2020 vindo transferido do Estabelecimento Prisional 3, onde deu entrada em 07.09.2020.

Encontra-se à ordem dos presentes autos, não sendo conhecidos processos pendentes. No estabelecimento prisional tem revelado comportamento adaptado e boa capacidade de integração e adaptação.

Não se encontra integrado em qualquer atividade.

Não constam sanções averbadas no seu registo disciplinar.

A família continua a mostrar-se solidária com o arguido apoiando-o incondicionalmente, durante e após a reclusão.

Recebe visitas regulares no estabelecimento prisional por parte das irmãs e de alguns amigos(...)”..

d. No decurso da audiência de julgamento ocorrida no âmbito dos presentes autos, referida em 1., o arguido prestou declarações a propósito das suas circunstâncias pessoais, familiares e profissionais e arrolou testemunhas de defesa, que foram inquiridas a respeito de tais matérias.

e. O recorrente juntou ao presente pedido os seguintes documentos:

(i) Fotocópia de um documento identificado como Certidão de nascimento de BB, Cartório ..., Republica Federativa do Brasil, onde consta a filiação da criança;

(ii) Um escrito intitulado DECLARAÇÃO, subscrito por CC, na qualidade de mãe da menor, em que está aposta a morada Rua ..., e em que faz declarações quanto à participação de AA, entre o mais, nas despesas da criança BB, quanto a guarda partilhada e ao relacionamento do pai com a criança; documento que tem aposto, antes da assinatura “Lisboa, 03 de Junho de 2024”, e que se encontra com reconhecimento da assinatura feito em 26/07/2024, pelo cartório notarial de ..., sito em ...;

(iii) Um escrito intitulado DECLARAÇÃO, identificado como emitido por V..., Lda., sem data e subscrito por DD, como gerente da empresa, declarando que “vou contratar o Sr. AA como profissional electricista. Com base na minha experiência e conhecimento sobre as suas habilidades posso garantir que ele é qualificado e confiável para realizar o trabalho com competência...”;

(iv) Um escrito intitulado DECLARAÇÃO, identificado como emitido por “Projecto 1 Passo +”, datado de 20/05/2024, constando, entre o mais, a declaração quanto à integração do arguido, como recluso nº ..., no projecto, participação semanal nas actividades realizadas em contexto prisional, objectivos da Associação e acompanhamento dado aos reclusos e objectivos.

4. Apreciando.

O artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do C.P.Penal estabelece a possibilidade de revisão de sentença transitada em julgado, como remédio excepcional, admissível apenas quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

É jurisprudência constante que o recurso de revisão não constitui uma terceira instância, nem uma via de correcção de eventuais erros judiciais.

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 482/91.0gbvrm-a.s1, 3ª secção, de 10-03-2011 (consultável em www.dgsi.pt), Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).

Tais limites, em termos da legislação infraconstitucional, são colocados pelos requisitos cumulativos que se mostram exigíveis, constantes da mencionada al. d), designadamente, que ocorra novidade objectiva dos elementos de prova, potencialidade de alteração do iter decisório e gravidade da dúvida gerada.

5. No caso dos autos, e independentemente da verificação ou não dos restantes requisitos, a verdade é que, no que toca ao primeiro dos enunciados – novidade objectiva dos elementos de prova – o mesmo, patentemente, não se mostra presente.

Expliquemos porquê.

6. O pedido formulado pelo arguido é limitado à revisão da decisão que o condenou na pena acessória de expulsão do território nacional.

Assenta o requerente esse pedido, alegando, no essencial que, “por lapso da defesa à época não foi ressaltado e tão pouco usado a favor do arguido e da sua família”, os elementos de prova que ora junta, entendendo que, por via dos mesmos, se poderá agora comprovar que o requerente tem uma filha, com quem compartilha a guarda com a sua progenitora, filha esta que reside em Portugal, assegurando em parte o seu sustento, bem como que o arguido trabalhava de forma lícita e auferia rendimentos lícitos.

Com base em tais alegações e elementos, entende agora o recorrente que estamos perante um novo meio de prova e que, atento o disposto no artigo 135º da Lei 23/2007 de 04.07 (1 - Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efectivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação) a pena acessória de expulsão terá de ser revogada.

7. Independentemente da questão de saber se os documentos juntos pelo recorrente têm sequer a virtualidade de sustentar a factualidade que alega ser nova e ora expõe (e, de facto, não têm, pois os documentos relativos a promessa de trabalho e bom comportamento prisional são irrelevantes nesta sede, já que se não reportam a nenhuma situação que se verificasse à data da prática dos factos ou do momento em que foi julgado; por seu turno, a certidão de nascimento, nada de inovatório aporta, atendendo à circunstância de que se mostra dado como assente, no acórdão condenatório, que o arguido é pai de uma filha e, igualmente, a declaração relativa à invocada guarda partilhada, mostra-se desacompanhada de qualquer elemento probatório que efectivamente a confirme, designadamente decisão judicial, recibos de pagamentos de pensão, etc), o problema coloca-se, precisamente, na circunstância de os factos que agora se pretendem invocar, relativos à situação familiar do recorrente, não constituírem, efectivamente, nenhuma novidade, pelo menos e seguramente para o próprio.

Ora, se esses factos, que tinham forçosamente de ser do conhecimento pessoal do arguido – que era pai, que tinha guarda partilhada, que pagava pensão – à data do seu julgamento, podiam ter sido mencionados no decurso do processo que contra si correu seus termos, de tal circunstancialismo terá de se retirar que não estamos perante factos novos, inéditos.

8. Neste mesmo sentido, existe entendimento consolidado, a nível deste STJ, como atestam, por exemplo, os seguintes acórdãos:

«Novos» factos ou meios de prova são, em regra, apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdão de 2.5.2018, Proc. n.º 1342/16.9JAPRT-E.S1, citando-se os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt].

9. Como acima se mencionou, o arguido teve ampla oportunidade de fazer prova, no decurso do seu julgamento, dessa factualidade que agora pretende debater e comprovar.

Tanto assim é, que prestou declarações a seu respeito e arrolou testemunhas de defesa e o que resultou provado foi o que acima se mostra definitivamente assente (acentuado a negrito).

Pretende agora defender que a circunstância de tal matéria factual não ter sido referida, em sede de julgamento, se ficou a dever a lapso de defesa.

Pergunta-se – lapso de defesa de quem? Seguramente que do arguido, pois que se pretendia atribui-la ao seu defensor, mostrar-se-ia junto aos autos certidão de competente queixa, apresentada junto da Ordem dos Advogados, a tal respeito, o que, como se constata pela análise dos autos, inexiste.

10. Não obstante, sempre se dirá que ainda que esse lapso tivesse ocorrido, tal não constituiria fundamento de pedido de revisão, como é aliás jurisprudência pacífica deste STJ.

Como bem refere o acórdão do STJ, de 09.01.2013, processo n.º 17/05.9IDSTB-A.S1, Maia Costa, disponível em www.dgsi.pt:

Se o arguido, por inércia ou negligência, não apresenta certos meios de prova em julgamento, ou se por qualquer outra razão opta por ocultá-los, no prosseguimento de uma certa estratégia de defesa, escamoteando-os deliberadamente ao tribunal, para seu proveito, ou seja, com o objectivo de beneficiar processualmente dessa ocultação, não deve obviamente poder valer-se, caso venha a sofrer uma condenação, de um recurso excepcional, que se destinaria afinal, nesse caso, a permitir o suprimento de deficiências, a ele exclusivamente imputáveis, da sua defesa em julgamento.

No mesmo sentido vejam-se ainda os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira)" (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2022, processo 163/14.8PAALM-A.S1, relatado pelo conselheiro José Luís Lopes da Mota, www.dgsi.pt), admitindo-se, no entanto, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento, como decorre, entre outros,

E em sede doutrinária, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1212, a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa.

11. Do que se deixa dito decorre que, não invocando o recorrente nenhum motivo atendível, justificado, para, em devido tempo, ter apresentado meios de prova da factualidade que agora invoca e, a ocorrer a mesma, ser esta forçosamente do seu conhecimento pessoal, à época, a matéria em que funda o presente pedido de revisão não é nova, já que a situação pessoal e familiar do recorrente foi devidamente discutida e apurada no decurso do seu julgamento.

Factos novos são aqueles que o recorrente desconhece até ao trânsito em julgado da decisão condenatória.

Não é seguramente o caso dos autos, pois o que o recorrente pretende é reabrir, reargumentar, apresentando uma nova versão dos factos dados como provados, o que é finalidade que se não mostra contemplada no recurso de revisão, que tem carácter absolutamente excepcional, exigindo que, por um lado, as provas sejam novas e, por outro, que estas desvirtuem manifesta e totalmente, os factos que se julgaram provados e que legitimaram a condenação.

Como se afirma no Acórdão nº 376/00 de 13/07/2000, do Tribunal Constitucional (citado na informação prestada pela Mª Juíza “a quo” – sublinhados nossos):

(...) o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgida no prolongamento da ou das anteriores. O núcleo essencial da ideia que preside à instituição do recurso de revisão, precipitada na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do CPP, reside na necessidade de apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior.

Trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva, ao ponto de banalizar e consequentemente desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endo-processual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação. É nesta ordem de considerações que a Constituição consagra no nº 6 do artigo 29º o direito dos cidadãos injustamente condenados, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença". Esta é a norma constitucional que mais próxima e directamente disciplina a matéria, (...).

Deste modo, como se assinalou, a abertura e amplitude da revisão da sentença condenatória não pode deixar de ser informada pela ideia de excepcionalidade, aplicável apenas a casos de injustiça intolerável ou por gravidade excessiva, Só assim se poderá manter, na medida do possível, o necessário equilíbrio entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança jurídica.

12. O que daqui decorre é simples.

A argumentação em que o recorrente funda a sua discordância quanto à apreciação da prova que foi feita, não integra factos ou meios de prova novos, nem constitui motivo de revisão, antes se reportando a uma tentativa de nova reapreciação de prova, com base no facto de o recorrente discordar da convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, o que se reconduz à tentativa de transformar este recurso extraordinário num recurso ordinário, o que não tem acolhimento legal.

13. Soçobrando um dos requisitos cumulativos previstos na al. d) do nº1 do artº 499 do C.P.Penal, fica prejudicada a averiguação dos restantes pois, ainda que se verificassem, jamais poderia ser procedente a revisão pedida, por uma singela razão:

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 364/20.0PFAMD-A.S1, de 15 de Fevereiro de 2023 (consultável em www.dgsi.pt),

I- Apresenta-se infundado o pedido de revisão formulado ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP quando inexistem novos factos e/ou novas provas a ponderar. Se os factos e/ou as provas têm de ser novos - no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento - tal novidade não pode ocorrer relativamente a factos pessoais (da arguida), o que, a admitir-se, consubstanciaria uma contradição nos próprios fundamentos.

II- A prova oferecida para demonstração de factos que não assumem a qualidade de “novos”, no sentido que releva para a revisão, é prova imprestável e de nula utilidade, já que a prova é por sua natureza instrumental do(s) facto(s) probando(s).

Ora, se tal prova, porque não é nova, é imprestável para efeitos de revisão, de tal circunstância decorrerá que jamais se poderá considerar que a sua apreciação (que não é possível nem admissível), poderia suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

14. Assim sendo, como é, resta concluir pela sucumbência do presente pedido de revisão, sendo manifesta a sua improcedência, atenta a jurisprudência constante que se deixa exposta, o que determina a sua rejeição.

iv – decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto, por manifesta improcedência, em conformidade com o disposto no artº 420º nº 1 al. a), do Código de Processo Penal.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UC (art. 513º nº 1 do Código de Processo Penal), a que acresce o pagamento de 3 UC nos termos do nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal.

Lisboa, 2 de Abril de 2025

Maria Margarida Almeida (Relatora)

Antero Luís

António Augusto Manso