I. Os crimes cuja prática é imputada indiciariamente ao recorrente, são punidos com pena superior a 8 anos de prisão, o que determina a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva, sem que tenha ainda havido acusação (como é o caso), para 6 meses (vide artº 215 nº1 al. a) e nº2, do C.P.Penal).
II. É jurisprudência pacífica deste STJ que é a partir do momento em que é prolatado o despacho judicial que aplica ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, que se contam os prazos máximos desta medida, no que se reporta à fase pré-acusatória, e não do momento da detenção que o tenha precedido.
III. A pretensão que funda o pedido de habeas corpus – invalidade do despacho que declarou a excepcional complexidade dos presentes autos – é matéria que terá de ser tratada em sede própria, designadamente tem de ser suscitadas junto do tribunal “a quo” e, eventualmente, vir a ser alvo de apreciação, em sede de recurso, pelo competente Tribunal da Relação, não podendo ser apreciada, nesta sede, neste STJ.
IV. Mostrando-se o arguido sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, por determinação da entidade competente para tal, motivada por facto pelo qual a lei a permite e não se mostrando ainda decorrido o período máximo da duração dessa medida, é evidente que se mostram por preencher todos os requisitos impostos pelo artº 222 nº2 do C.P.Penal.
*
I – relatório
1. O arguido AA, no âmbito do processo acima referenciado, veio interpor a presente providência de habeas corpus, alegando para tanto o seguinte:
1.º Por Despacho proferido, a 20/09/2024, pelo Meritíssimo J.I.C., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi, nos termos e com os fundamentos, aí, vertidos, decidido o seguinte:
•“Submeter, nos termos do art. 202 n.° 1 al. c), art. 204 n.° 1 al. c), e 193 do C.P.P., (…) AA (…) por agora em prisão preventiva por se mostrar fortemente indiciada a sua realização como autores de urn crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto no artigo 21 n.° 1 e artigo 24 als. b) e c) do DL 15/93 e de urn crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes previsto no artigo 28 do mesmo diploma.”;
2.º Sendo que, não se conformando com tal Despacho, o arguido, a 24/10/2024, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 219.º, n.º 1, e 399.º e seguintes, do C.P.P., dele interpôs, para o Tribunal da Relação de Coimbra, competente Recurso, aí pugnando, nos termos e com os fundamentos, aí, vertidos, o seguinte:
• “Nestes termos, e, nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, deve o despacho proferido a 20/09/2024, pelo tribunal a quo, ser, justa, curial e, devidamente, revogado, e, de resto, proferida, competente, decisão, que:
• Revogando a Decisão que lhe aplicou a medida coactiva de prisão preventiva, aplique ao arguido, ora recorrente, qualquer outra(s) medida(s) coactiva(s), que, in casu, se tenha(m) por necessária(s), adequada(s) e proporcional(ais);”;
3.º Sendo que, posteriormente, por Despacho proferido, a 20/12/2024, pela Meritíssima J.I.C., foi, nos termos e com os fundamentos, aí, vertidos, decidido o seguinte:
•“Uma vez que não se surpreende a ocorrência de qualquer alteração favorável dos pressupostos de facto e de direito que determinaram, em sede de primeiro interrogatório judicial, a sujeição dos arguidos às respectivas medidas de coação, pressupostos esses que, aliás, surgem confirmados e reforçados pela prova indiciária recolhida e pela restante investigação entretanto levada a cabo (cfr.,artigos 191º, 192.º, 193º, 194.º, n.ºs 1 e 2, 196º, 201º e 202º, n.º 1, al. a) e d) e 204º, al.b) e c), todos do Código de Processo Penal), determino que os arguidos: - (…) AA, (…) continuem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos, para além do TIR, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prisão preventiva;”;
4.º Sendo que, subsequentemente, por Acórdão proferido, a 19/02/2025, pelos Colendos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, foi, relativamente ao Recurso interposto, a 24/10/2024, pelo arguido, decidido, nos termos e com os fundamentos, aí, vertidos, o seguinte:
• “Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se o despacho recorrido.”;
5.º Sendo que, ulteriormente, por Despacho proferido, a 19/03/2025, pela Meritíssima J.I.C., foi, nos termos e com os fundamentos, aí, vertidos, decidido o seguinte:
• “(…)
Os arguidos AA (…), encontram-se, igualmente, desde o dia 20.09.2024, sujeitos às medidas de coacção de prisão preventiva, aplicadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Encontram-se quase decorridos três meses desde que tais medidas de coacção foram reexaminadas, as quais foram mantidas na íntegra. Impõe-se, agora, a sua reapreciação nos termos do disposto no artigo 213º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal. Nesta data ainda não se encontram concluídas as investigações do presente inquérito – ao qual foi atribuída a excepcional complexidade, o que, para além do mais, eleva os prazos da Prisão preventiva para um ano (cfr. art. 215º, n.º3, do Código de Processo Penal) - , sendo certo que os indícios estão ainda mais reforçados. Assim, e sendo certo que se encontram respeitados os prazos contemplados no artigo 215º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, determino que os arguidos: - (…) AA (…) continuem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos, para além do TIR, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prisão preventiva
(…).”;
6.º No seguimento do que, o arguido se encontra, desde o dia 20/09/2024, e até à presente data, sujeito à medida coactiva de prisão preventiva.
SUCEDE QUE…
7.º A 25/02/2025 – e, portanto, antes, mesmo, de ser proferido este último Despacho de 19/03/2025 – foi remetida, via citius, ao Advogado do arguido, ora signatário, competente notificação (Ref.ª citius ...65), notificando-o, por essa forma e meio, do seguinte Despacho proferido, nessa, mesma, data, de 25/02/2025, pela Meritíssima J.I.C.:
•“Ouçam-se os arguidos acerca do promovido pelo M.P., para os termos e efeitos previstos no n.º 4 do art.º 215º do C.P.P.
Prazo: 5 dias.”;
8.º Sendo que, subsequentemente, a 27/02/2025, foi, ainda, remetida, via citius, ao Advogado do arguido, ora signatário, competente notificação (Ref.ª citius ...00), notificando-o, por essa forma e meio, quer do seguinte Despacho proferido, nessa, mesma, data, de 27/02/2025, pela Meritíssima J.I.C.:
• “A fim de poder ser exercido cabalmente o contraditório, deverá a secção notificar aos arguidos a promoção em causa (ref.ª ...16).”,
9.º Quer, também, da Promoção apresentada pelo M.P.;
10.º Notificação esta que, considerando-se, ex vi do preceituado no art.º 113.º, n.º 12, do C.P.P., presumivelmente, efectuada, no “(…) terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”,
11.º Se deve ter, in casu, como, presumivelmente, efectuada, somente, no dia 03/03/2025;
12.º Podendo o Advogado do arguido, ora signatário, por conseguinte, atento o prazo de 5 (cinco) dias fixado, judicialmente, pela Meritíssima J.I.C., ex vi do disposto no art.º 138.º, n.º 2, do C.P.C., aplicável ex vi do preceituado no art.º 4.º, do C.P.P., exercer, até ao dia 10/03/2025, o direito de audição previsto no art.º 215.º, n.º 4, do C.P.P.,
13.º Ou, no limite, e, de resto, ao abrigo do disposto no art.º 139.º, n.º 5, do C.P.C., aplicável ex vi do preceituado no art.º 107.º-A, do C.P.P., exercer, tal direito de audição, até ao dia 13/03/2025, mediante o pagamento da, respectiva, multa processual aplicável.
14.º Sucede que, antes deste, mesmo, dia 13/03/2025,
15.º E, mais precisamente, no dia 12/03/2025,
16.º E, portanto, antes, mesmo, de esgotados os 3 (três) dias úteis previstos no art.º 139.º, n.º 5, do C.P.C., aplicável ex vi do preceituado no art.º 107.º-A, do C.P.P.,
17.º Durante os quais, de resto – como vem dito – o Advogado do arguido, ora signatário, mediante o pagamento da, respectiva, multa processual aplicável, podia, ainda, exercer o direito de audição previsto no art.º 215.º, n.º 4, do C.P.P.,
18.º Entendeu a Meritíssima J.I.C. proferir, nos termos e com os fundamentos, aí, vertidos, Despacho a declarar “(…) os presentes autos de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.”
19.º Assim inviabilizando/impedindo, por conseguinte, que, antes, mesmo, de ser declarada a excepcional complexidade do processo requerida pelo M.P., o arguido fosse, sobre tal matéria – como, aliás, era e é seu direito, e como, de resto, tinha por intenção fazê-lo –, devida e, efectivamente, ouvido,
20.º Com a consequente violação do disposto:
• Quer no art.º 215.º, n.º 4, do C.P.P.,
• Quer no art.º 61.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.;
21.º Termos em que, consubstanciando o, assim, sucedido e decidido, pela Meritíssima J.I.C., nos termos e para os efeitos do disposto no art.ºs 120.º, n.ºs 1, 2, al. d), e 3, al. c), e 122.º, do C.P.P., “nulidade”…
22.º Ou, no mínimo, nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 123.º, do C.P.P., “irregularidade”…
23.º O Advogado do arguido, ora signatário, no dia 20/03/2025, remeteu, aos autos, quer através do portal citius, quer por correio registado, competente Requerimento, a arguir essa, mesma, nulidade, ou, no mínimo, a título subsidiário, essa, mesma, irregularidade, peticionado, in fine, o seguinte:
• “(…)
Nestes termos e, nos melhores de direito, requer-se a v. Ex.ª se digne declarar:
1. Como oportuna e, devidamente, arguida, e, efectivamente, verificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.ºs 120.º, n.ºs 1, 2, al. d), e 3, al. c), e 122.º, do C.P.P., a “nulidade” decorrente da violação do disposto nos art.º 215.º, n.º 4, e 61.º, n.º 1, al. b), do C.P.P., ou, subsidiariamente, para o caso de, assim, não se entender,
2. Como oportuna e, devidamente, arguida, e, efectivamente, verificada, nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 123.º, do C.P.P., a “irregularidade” decorrente da violação do disposto nos art.º 215.º, n.º 4, e 61.º, n.º 1, al. b), do C.P.P..
(…).”;
24.º Não tendo o Advogado do arguido, ora signatário, sido, todavia, até à presente data, notificado de qualquer Decisão que haja recaído sobre tal Requerimento;
25.º Continuando o arguido – como vem tido – desde o dia 20/09/2024, e até à presente data, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
26.º Sem que, até à presente data, tenha sido deduzida, pelo M.P., qualquer Acusação.
27.º Ora, resulta do disposto no art.º 215.º, n.ºs 1, al. a), 2, ab initio, 3 e 4, do C.P.P., que:
• “A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;” (n.º 1, al. a));
• “Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos (…):” (n.º 2, ab initio);
• “Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.” (n.º 3);
• “A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.” (n.º 4);
28.º Termos em que, ex vi do exposto supra, sempre se dirá que, in casu, o arguido se encontra, desde, pelo menos, o dia 21/03/2025, inclusive, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 222.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do C.P.P., sujeito, ilegalmente, à medida coactiva de prisão preventiva,
29.º Mantendo-se, na verdade, tal medida de coação, “(…) para além dos prazos fixados por lei (…).”;
30.º Em virtude de, não tendo, o arguido, sido, prévia, devida e, efectivamente, ouvido, em obediência ao disposto no art.º 215.º, n.º 4, do C.P.P., sobre a excepcional complexidade do processo requerida pelo M.P.,
31.º Posto que – conforme vem dito –, antes, mesmo, de esgotados os 3 (três) dias úteis previstos no art.º 139.º, n.º 5, do C.P.C., aplicável ex vi do preceituado no art.º 107.º-A, do C.P.P.,
32.º E, portando, antes, mesmo, do dia 13/03/2025, inclusive,
33.º Durante os quais, de resto – como vem dito – o Advogado do arguido, ora signatário, mediante o pagamento da, respectiva, multa processual aplicável, podia, ainda, exercer o direito de audição previsto no art.º 215.º, n.º 4, do C.P.P.,
34.º A Meritíssima J.I.C. entendeu, por bem, proferir, a 12/03/2025 – e, portanto, precipitada e antecipadamente –, Despacho a declarar essa, mesma, excepcional complexidade do processo,
35.º Assim inviabilizando/impedindo – como vem dito –, por conseguinte, que, antes, mesmo, de ser declarada a excepcional complexidade do processo requerida pelo M.P., o arguido fosse, sobre tal matéria – como, aliás, era e é seu direito, e como, de resto, tinha por intenção fazê-lo –, devida e, efectivamente, ouvido,
36.º Assim violando, quer o direito de audição previsto:
• Quer no art.º 215.º, n.º 4, do C.P.P.,
• Quer no art.º 61.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.;
37.º Quer, ainda – num manifesto abuso de poder –, as garantias de defesa previstas no art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P.,
38.º O que configurando, de resto, nulidade, ou, no mínimo, irregularidade, foi, pelo arguido – como vem dito – devida e oportunamente arguido/invocado perante a Meritíssima J.I.C.;
39.º Encontrando-se, assim, o arguido – dizia-se –, desde, pelo menos, o dia 21/03/2025, inclusive, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 222.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do C.P.P., sujeito, ilegalmente, à medida coactiva de prisão preventiva,
40.º Em virtude de, tal medida de coação, se manter, in casu, “(…) para além dos prazos fixados por lei (…).”;
41.º Posto que, a elevação do prazo prevista no n.º 3, do art.º 215.º, do C.P.P.,
42.º Ou seja – para efeitos de extinção da prisão preventiva –, a elevação, para 1 (um) ano, do prazo de 4 (quatro) meses previsto na al. a), do n.º 1, do art.º 215.º, do C.P.P. (ou, se se quiser, melhor dizendo, a elevação, para 1 (um) ano, do prazo de 6 (seis) meses previsto no n.º 2, ab initio, desse, mesmo, art.º 215.º, do C.P.P.), sem que tenha sido deduzida acusação pelo M.P.,
43.º Decorrente, de resto, da excepcional complexidade declarada, pela Meritíssima J.I.C., através do Despacho, por ela, proferido, a 12/03/2025,
44.º Não lhe é, de forma alguma, aplicável!
45.º Sendo, na verdade, tal declaração de excepcional complexidade, quanto a ele, arguido, totalmente, irrelevante!
47.º Encontrando-se o arguido, destarte, e, de resto, como vem dito, desde, pelo menos, o dia 21/03/2025, inclusive, mantido, ilegalmente, em prisão preventiva,
48.º Porquanto, encontrando-se, o mesmo, sujeito a tal mediada coactiva, desde o dia 20/09/2024,
49.º E sendo-lhe aplicável, apenas e, tão só – para efeitos de extinção da prisão preventiva que lhe foi aplicada –, nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 215.º, n.º 2, ab initio, do C.P.P., a elevação, para 6 (seis) meses, do prazo de 4 (quatro) meses previsto na al. a), do n.º 1, desse, mesmo, art.º 215.º, do C.P.P., sem que tenha sido deduzida acusação pelo M.P.,
50.º Tal medida, face ao facto de, até às 24 (vinte e quatro) horas do dia 20/03/2025, não ter sido deduzida qualquer acusação pelo M.P.,
51.º Extinguiu-se, ex vi do preceituado no art.º 215.º, n.ºs 1, al. a), e 2, ab initio, do C.P.P., às 0 (zero) horas do dia, imediatamente, seguinte, como seja, às 0 (zero) horas do dia 21/03/2025,
52.º Sem que o arguido, contudo, haja sido, em tal data, restituído, como devia e se impunha, à liberdade;
53.º Encontrando-se, assim, o arguido, por conseguinte, desde esta data, inclusive, ilegalmente, preso preventivamente!
54.º Em virtude de tal medida coactiva se manter para além do prazo fixado por Lei!
55.º E, mais precisamente, em virtude de tal medida coactiva se manter para além do prazo de 6 (seis) meses fixado no n.º 2, do art.º 215.º, do C.P.P.!
56.º Tudo na senda, quer do mui douto Ac. do S.T.J., de 12/11/2009, Proc.º n.º 45/08.2JELSB-H.S1, disponível in www.dgsi.pt, onde, de resto, resulta sumariado o seguinte:
• “I - A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – arts. 27.º, n.º 1, e 31.º, n.º 1, da CRP –, sendo que visa pôr termo de modo imediato e urgente – incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e de outras formas comuns de impugnação – à privação arbitrária da liberdade ou à manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade que deve configurar-se como violação directa, imediata, patente e grosseira, integrante de um dos pressupostos constantes do art. 222.º, n.º 2, do CPP.
II - A lei adjectiva penal estabelece no n.º 4 do art. 215.º do CPP que a excepcional complexidade do processo seja declarada, apenas, após a audição do arguido e do assistente.
III - Trata-se de dispositivo consagrador de direito integrante das garantias de defesa asseguradas ao arguido pela CRP, no n.º 1 do art. 32.º, traduzido na observância do princípio da audiência, que implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do tribunal (concepção “carismática” do processo), mas tenha de ser tarefa de todos, de acordo com a posição e funções processuais que cada um assume.
IV - No caso vertente, conquanto se tenha ordenado a notificação dos peticionantes para se pronunciarem sobre a eventual declaração de especial complexidade do processo, a verdade é que não se permitiu aos peticionantes o exercício do seu direito de audição.
V - No dia em que a lei presume aqueles foram notificados para exercer aquele seu direito, o tribunal entendeu proferir decisão a declarar a especial complexidade do processo, precludindo, assim, a possibilidade de os peticionantes se poderem pronunciar, o que equivale por dizer ter sido violado o seu direito de audição, a significar que relativamente aos peticionantes se haverá de considerar irrelevante aquela declaração de especial complexidade.
VI - Sendo certo que o prazo da medida de coacção de prisão preventiva a que os peticionantes se encontram submetidos é de 10 meses, há que concluir que os mesmos se mostram ilegalmente presos, razão pela qual deverão ser restituídos à liberdade, sem embargo de o tribunal poder vir a declarar, de forma legal, a excepcional complexidade do processo e a reavaliar a medida de coacção aplicada, o que pressupõe a audição prévia dos peticionantes, de modo a que os mesmos se possam validamente pronunciar sobre aquela declaração.”;
56.º Quer, também, do mui sábio Ac. do S.T.J., de 09/09/2015, Proc.º n.º 98/11.6GACDV-B.S1, disponível in www.dgsi.pt, onde, de resto, constam as seguintes passagens:
• “(…)
Perante isto há que afirmar:
- não havendo expressamente a indicação de qualquer prazo no art. 215.º, n.º 4, do CPP, e nada estando referido no despacho que promove a declaração de especial complexidade do processo, vigora o prazo supletivo — de 10 (dez) dias — estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP;
- porém, aquando da prolação do despacho, pode ser estabelecido prazo diferente, dada a eventual urgência;
- em qualquer dos casos, a declaração de especial complexidade do processo não pode ser prolatada antes de expirado aquele prazo, sob pena de ser irregular, por ter violado o direito de audição do arguido, assim se violando a garantia de defesa constitucionalmente protegida pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP.
Nos presentes autos, foi concedido um prazo de 4 (quatro) dias para que o direito de audição fosse exercido. O despacho foi prolatado a 17.08.2015 e notificado, via fax, no mesmo dia (cf. petição de habeas corpus a fls. 3 e ss, ponto 5). O arguido/requerente tinha até ao dia 21.08.2015 para exercer o seu direito.
O arguido não interveio no processo a não ser a 25.08.2015 (via fax, cf. fls. 147 e ss) quando veio arguir a irregularidade do despacho que lhe concedeu um prazo de apenas 4 dias, e vem requerer a revogação do despacho que decretou a especial complexidade, datado de 24.08.2015 (cf. fls. 139 e ss, destes autos).
Ora, se o prazo era de 4 dias para exercer o direito referido, e tendo sido o arguido notificado a 17.08.2015, o prazo terminaria a 21.08.2015. Todavia, nos termos do art. 145.º, n.ºs 5 a 7, do CPC (atual art. 139.º, do novo CPC) ex vi art. 107.º-A, do CPC, poderia ainda este direito ser exercido nos 3 dias úteis seguintes[2], com pagamento de multa. Ou seja, o arguido ainda poderia exercer o direito de audição até ao dia 26.08.2015, sendo certo, no entanto, que o arguido/requerente veio ao autos em dia anterior (25.08.2014), mas posterior à prolação do despacho.
Já para arguir a irregularidade, nos termos do art. 123.º, do CPP, o prazo era de 3 dias, ou seja, até 20.08.2015, prorrogável até ao 3.º dia útil, de acordo com o estipulado no art. 107.º-A, do CPP, ou seja, prorrogável até 25.08.2015 (“tendo o arguido pago a multa” — decisão de 28.08.2015, cf. fls. 150 destes autos). O prazo para arguir as irregularidades constitui um prazo perentório, dado que uma vez passado o prazo a irregularidade fica sanada. Todavia, nos termos do art. 107.º-A, do CPP, é aplicado o disposto no art. 145.º, n.ºs 5 a 7, do CPC (atual art. 139.º, do novo CPC) com as alterações constantes do art. 107.º-A, do CPP, alterações essas que apenas se referem a um quantitativo distinto da multa a pagar; serve para dizer que o disposto neste normativo (art. 145.º, n.ºs 5 a 7, do CPC, atual art. 139.º, ex vi art. 107.º-A, do CPP) se aplica quer a prazos dilatórios, quer a prazos perentórios tal como determina o CPC.
Ora, perante tudo o exposto, ainda que se afirme que na apreciação do requerimento de habeas corpus não caiba a apreciação das nulidades ou irregularidades processuais existentes, dado que existem meios recursórios próprios para as resolver, certo é que esta providência “tem por objectivo verificar se a prisão é ostensivamente ilegal”, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se se vislumbra ou não que os direitos da defesa tenham sido comprimidos ao ponto de se inviabilizarem, e se aqueles direitos podiam ter sido exercidos em tempo, assim se se respeitando os arts. 18.º, 20.º, n.ºs 4 e 5 e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP.
Ou seja, dos autos tem que ser claro que o arguido teve possibilidade de exercer os seus direitos de defesa, ainda que o prazo estabelecido por despacho tenha sido inferior a 10 dias[4]. Ora, no presente caso verifica-se que o arguido/requerente apenas teve oportunidade de vir a 25.08.2015 e antes do final do prazo, mas já depois de ter sido prolatado o despacho que declarou a especial complexidade, de 24.08.2015; ou seja, foi proferido sem que o arguido pudesse exercer o seu direito de audição, e sem que o prazo para o fazer tivesse expirado.
Na verdade, ainda que tenha já havido decisão a declarar que não há qualquer irregularidade (cf. fls. 150 e ss, destes autos) e não cabendo em sede de habeas corpus uma apreciação daquela decisão, cabe, no entanto, a este Tribunal apreciar se há ou não uma prisão “ostensivamente ilegal”.
Resulta claro para este Supremo Tribunal de Justiça que «Tendo sido proferido o despacho antes de corrido o prazo de audição, constata-se que não foi concedida aos ora requerentes a oportunidade de se pronunciarem sobre o requerimento do MP; por outras palavras, foi-lhes negado o direito de audição de que beneficiavam, nos termos do n.º 4 do art. 215.º do CPP.
O despacho que declarou a especial complexidade assentou, pois, na negação aos peticionantes desse direito de audição, que constitui uma garantia fundamental da defesa do arguido (art. 32.º, n.º 1 da Constituição), abrangendo todas as decisões que possam pessoalmente afectá-lo, e que assume especial relevância naquela situação, uma vez que a declaração de especial complexidade determina a prorrogação do prazo de prisão preventiva.
A negação do direito de audição, violando o núcleo das garantias de defesa do arguido, constitui um abuso de poder, que invalida o despacho que declarou a especial complexidade do processo.» (acórdão do STJ, de 12.nov.2009, proc. n.º 45/08.2JELSB-I.S1, relator: Cons. Maia Costa, in www.dgsi.pt).
Por outras palavras, “1. A legalidade formal do despacho que decretou a especial complexidade, pode ser apreciado em “habeas corpus” face aos efeitos do mesmo decorrentes para a privação da liberdade, atenta aliás a ratio do n.º 2 do art. 219.º do CPP (após revisão de 2007) e o teor do n.º 4 do art. 215.º do CPP. 2. A inobservância do prazo de audição durante o qual é possível ser exercido o direito de audição, configura-se como omissão de garantia de defesa, nos termos do art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o que torna inconstitucional a interpretação do art. 215.º, n.º 4, do CPP, da forma em que foi interpretado na produção do dito despacho”).» (declaração do Senhor Juiz Conselheiro adjunto no mesmo processo).
(…).”;
57.º E sempre se dizendo, de resto, e, por último, que, qualquer interpretação, singular ou conjugada, do disposto nos n.ºs 3 e 4, do art.º 215.º, do C.P.P., no sentido de que a declaração de excepcional complexidade do processo prevista no n.º 4, não depende da prévia audição do arguido, podendo, tal declaração, ser prolatada, sem que ao arguido tenha sido concedido o direito a ser, dentro de determinado prazo, previamente, ouvido, ou antes, mesmo, de esgotado o prazo determinado para ser, previamente, ouvido, importando a prolação de tal declaração, em tais casos, a elevação dos prazos previstos no n.º 3, desse, mesmo, art.º 215.º, do C.P.P., sempre se afigurará inconstitucional, por violação do disposto no art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P..
Nestes termos e, nos melhores de direito, peticiona-se, mui humildemente, a v. Ex.ªs, venerandos juízes-conselheiros, se dignem declarar, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 223.º, n.º 4, al. D), do c.p.p.,
A ilegalidade da medida coactiva de prisão preventiva em que arguido, hodiernamente, se encontra, ordenando a sua, imediata, libertação,
Assim se fazendo a premente justiça!
2. A Mª juíza “a quo” prestou a seguinte informação:
Remeta imediatamente a petição ao Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes informações:
- foi aplicada ao arguido a medida de coação de prisão preventiva em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no dia 18 de setembro de 2024, encontrando-se indiciado, para além do mais, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto no artigo 21 n.º 1 e artigo 24 als. b) e c) do DL 15/93 e de um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes previsto no artigo 28º do mesmo diploma;
- decisão que foi confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no transacto dia 12.02.2025;
- A revisão da medida de coação foi efectuada por despacho de 19.03.2025 (vide ref.ª ...30);
- o prazo máximo da prisão preventiva será de dois anos, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 215º do CPP.
- a declaração de excepcional complexidade (despacho de 12.03.25) não contende sequer com os prazos em curso pois ainda são os legalmente previstos para os crimes que se encontram indiciados.
Assim sendo, mantenho a medida de coação de prisão preventiva por não se ter ultrapassado qualquer prazo legal e por se manterem todos os pressupostos que a determinaram e posteriormente a mantiveram.
Instrua o correspondente apenso de habeas corpus e remeta de imediato ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 223º do CPP (com o despacho que aplicou a medida de coação, a sua revisão, a douta decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que a manteve, a petição de habeas corpus e o presente despacho).
Assim sendo, mantenho a medida de coação de prisão preventiva por não se ter ultrapassado qualquer prazo legal e por se manterem todos os pressupostos que a determinaram e posteriormente a mantiveram.
Instrua o correspondente apenso de habeas corpus e remeta de imediato ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 223º do CPP (com o despacho que aplicou a medida de coação, a sua revisão, a douta decisão do Tribunal da Relação que a manteve, a petição de habeas corpus e o presente despacho).
3. Procedeu-se à consulta dos autos principais via Citius.
4. Teve lugar a audiência pública, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3 e 435.º, ambos do C.P.Penal.
II – questão a decidir.
O arguido mantém-se preso para além do prazo judicialmente fixado?
iii – fundamentação.
1. Mostra-se assente nos presentes autos, a seguinte factualidade, atenta a certidão junta, a informação prestada pelo Mº Juiz “a quo” e a consulta, via Citius, do processo principal:
a. No dia 18 de Setembro de 2024, foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por se ter entendido mostrar-se indiciada, para além do mais, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto no artigo 21 n.º 1 e artigo 24 als. b) e c) do DL 15/93 e e um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 28º do mesmo diploma;
b. Interposto recurso de tal decisão, foi o mesmo julgado improcedente e, como tal, mantida a medida coactiva imposta, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no dia 12.02.2025;
c. A revisão da medida de coacção foi efectuada por despacho de 19.03.2025 (vide ref.ª ...30);
d. Por despacho de 12 de Março de 2025, foram declarados os presentes autos de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
2. Apreciando.
O Habeas Corpus é uma providência de carácter excepcional, destinada a proteger a liberdade individual nos casos em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade, como se afirma no Ac. do TC n° 423/03, de 24.09.2003.
Constitui um mecanismo expedito, que visa pôr termo imediato a situações de prisão manifestamente ilegais, sendo a ilegalidade directamente verificável a partir dos factos provados e documentados.
Para o deferimento de tal providência, exige a lei a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- Que ocorra uma situação de abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos;
- Que essa detenção ou prisão seja ilegal.
Preenchendo tais conceitos, determina o art. 222.º, n.º 2 do C.P.Penal, que tal ilegalidade deve resultar de aquela prisão:
a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
3. No caso presente, entende o requerente que a prisão é ilegal, por se manter para além dos prazos legalmente fixados, designadamente defende que o despacho que declarou a excepcional complexidade não será válido, por ter sido proferido antes de lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre tal questão e, como tal, daí decorreria que se mantém preso para além do prazo legal previsto no artº 215 do C.P.Penal.
4. Vejamos então.
Manifestamente e face aos requisitos legais relativos à providência de habeas corpus, é patente que a pretensão do requerente terá de improceder.
De facto, ao arguido foi imposta a medida coactiva de prisão preventiva, em 18 de Setembro de 2024, mantendo-se presentemente na mesma situação.
Esta medida de coacção foi mantida, por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
5. Os crimes cuja prática é imputada indiciariamente ao recorrente, são punidos com pena superior a 8 anos de prisão, o que determina a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva, sem que tenha ainda havido acusação (como é o caso), para 6 meses (vide artº 215 nº1 al. a) e nº2, do C.P.Penal).
Temos, pois, que o prazo máximo de detenção em prisão preventiva não corresponde a 2 anos, como se afirma na informação judicial supratranscrita.
Efectivamente, o prazo de 2 anos a que aí se alude apenas relevará nos casos em que, tendo havido lugar a condenação em 1ª instância, esta não se mostre ainda transitada em julgado
6. É jurisprudência pacífica deste STJ que é a partir do momento em que é prolatado o despacho judicial que aplica ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, que se contam os prazos máximos desta medida, no que se reporta à fase pré-acusatória, e não do momento da detenção que o tenha precedido (vide, neste sentido, Acs. deste STJ, de 19.07.2019, proferido no processo n.º 12/17.5JBLSB-L.S1, de 08.04.2020, de 11.11.2021, proc. 869/18.2JACBR-G.S1, de 20.12.021, proferido no processo n.º 543/19.2PALGS-D.S1 e 26.06.2024, proferido no proc. n.º 1529/23.8PFLRS-A.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt)
Tem sido, igualmente, jurisprudência pacífica deste STJ, o entendimento de que, para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva previsto no artigo 215.º, n.º 1, al. a), do CPP, é relevante a data de dedução da acusação e não a notificação desta ao arguido (vide, entre muitos, os acórdãos de 17.05.2023, proferido no proc. 3233/21.2T9VNF-J.S1; de 29.06.2023, proferido no proc. 787/22.0PBMTA-B.S1, e de 31.08.2023, proferido no proc. 442/23.3JABRG-B.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), bem como em sede do Tribunal Constitucional (vide acórdão nº 530/2022, processo n.º 678/22, 3.ª Secção, de 27.07.2022, consultável in www.tribunalconstitucional.pt).
7. Do que se deixa dito decorre que o prazo de 6 meses a que supra aludimos, terminaria no dia 18 de Março de 2025.
Sucede, todavia, que em 12 de Março de 2025 – isto é, antes de tal prazo se mostrar decorrido – foi proferido despacho determinando a excepcional complexidade do processo, o que implica que o prazo de detenção, em sede de medida cautelar de prisão preventiva, passa a ser de um ano, até à prolação de acusação.
8. Pretende o recorrente discutir, em sede da presente providência, a regularidade da prolação de tal despacho, bem como a sua putativa ineficácia.
Como é bom de ver, tais são matérias que terão de ser tratadas em sede própria, designadamente têm de ser suscitadas junto do tribunal “a quo” e, eventualmente, virem a ser alvo de apreciação, em sede de recurso, pelo competente Tribunal da Relação, se o recorrente assim o vier a entender.
Seguramente que tal questão não pode é ser tratada no âmbito da presente providência, como se deixou já exarado no acórdão proferido, em sede de habeas corpus, relativamente a um co-arguido do ora recorrente (processo nº 1581/24.9JABRG-K.S1, relatado pelo Colendo Conselheiro, Dr. António Manso, de que a presente relatora foi adjunta):
O pedido de habeas corpus, no sentido da jurisprudência e doutrina, visa reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal e constitui, não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma e com fim cautelar, destinada a pôr termo no mais curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade3. E extraordinária porque singular, com finalidade e processamento próprios ((4) - Eduardo Maia Costa, 2016, p. 48, citado por Tiago Caiado Milheiro in Comentário Judiciário ao CPP, AAVV, Coimbra, Almedina, tomo III, em anotação ao art.º 222º do CPP.).
A providência de habeas corpus, sobretudo no que aqui mais releva, não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei do processo e se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância; trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos arts. 118.º a 123.º, do CPP e por via de recurso para os tribunais superiores (art.º 399.º e ss., do CPP). (- ac. do STJ de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, www.dgsi.pt.)
A concessão do habeas corpus pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que a petição é apreciada ((6) – ac. do STJ de 22.03.2023, Proc. n.º 631/19.5PBVLG-MC.S1, in www.dgsi.pt.), não se admitindo, no nosso regime constitucional e legal, habeas corpus preventivo.
(…)
Além disso, os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, de enumeração taxativa.
Assim, o STJ apenas tem de verificar, (a)se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b)se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c)se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial. ((8) - ac. do STJ de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TD PRT-A.S1, www.dgsi.pt)
E nos casos de abuso de poder, este há de ser facilmente perceptível dos elementos constantes do processo, há de tratar-se de um “erro grosseiro, patente e grave, na aplicação do direito”, em todas situações elencadas nas três alíneas do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, entendimento que tem sido reiterado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça. ((9) – ac. do STJ de 20.11.2019, proc. n.º 185/19.2ZFLSB-A.S1,www.dgsi.pt.)
9. Não cabe pois, nesta sede, proceder à análise das questões que o recorrente avança no sentido da invalidade do despacho que decretou a excepcional complexidade dos autos, pois não é matéria abrangida no âmbito desta providência excepcional.
Assim, e para o que aqui importa, tal despacho mostra-se prolatado por quem tem competência para tal, em data anterior ao termo do prazo de 6 meses acima referido e vigora na ordem jurídica, apenas podendo eventualmente deixar de assim suceder se vier a ser revogado, por decisão a proferir por tribunal competente para o efeito.
Decorrentemente, no que respeita à interpretação materialmente inconstitucional que o recorrente invoca, nesta sede, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal tomar posição quanto à mesma, uma vez que este tribunal não perfilhou (nem, diga-se, deixou de perfilhar…) o entendimento que o recorrente avança, não subsistindo, pois, para este tribunal, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.
10. Atento o que se deixa dito, cumpre agora retirar as devidas ilações.
Constata-se que quando o recorrente deu entrada do requerimento de habeas corpus, não se verificava, como não se verifica presentemente, qualquer motivo para fundamentar o pedido de tal providência, já que o arguido encontra-se sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, por determinação da entidade competente para tal, motivada por facto pelo qual a lei a permite e não se mostra ainda decorrido o período máximo da duração dessa medida, o que só sucederá em 18 de Setembro de 2025, pelo que é evidente que se mostram por preencher todos os requisitos impostos pelo artº 222 nº2 do C.P.Penal, pelo que a pretensão do requerente manifestamente improcede já que, através de uma mera avaliação sumária dos seus fundamentos, é possível concluir, sem margem para dúvidas, que está votada ao insucesso.
iv – decisão.
Face ao exposto, acorda-se em indeferir o pedido de habeas corpus apresentado por AA, julgando-o manifestamente infundado, nos termos do artigo 223.º, n.º 4, al. a), e n.º 6, do C.P.Penal.
Custas pelo requerente, condenando-o no pagamento de 3 UC de taxa de justiça, bem da quantia de 6 UC, nos termos do art.º 223º, n.º 6 do C.P.Penal.
Dê imediato conhecimento do teor deste acórdão ao tribunal “a quo”.
Lisboa, 2 de Abril de 2025
Maria Margarida Almeida (Relatora)
António Augusto Manso
Carlos Campos Lobo