I – A insatisfação do vencido não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).
II – Havendo os RR. nas presentes alegações de reclamação por arguição de nulidades contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça suscitado agora a tempestividade do seu (rejeitado) recurso, tal significa ser igualmente extemporânea essa tardia invocação, não podendo sequer o Supremo Tribunal de Justiça, por esse mesmo motivo, dela conhecer.
III – A circunstância de os RR., devidamente notificados, não terem reagido contra o despacho de não admissão do seu recurso de revista por extemporaneidade, aceitando-a passivamente, teve como consequência o trânsito em julgado das questões decididas em 2ª instâncias e não impugnadas pela parte interessada, o que lhe é naturalmente imputável.
IV – Para além de que a matéria desenvolvida em sede de arguição de nulidades reveste claramente natureza substantiva, não configurando qualquer tipo de vício de natureza processual de que cumpra conhecer, extrapolando manifestamente o âmbito do disposto no artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil.
V – Inexiste o lapso manifesto apontado e fundamento do pedido de reforma deduzido pelos arguentes na medida em que uma escritura pública, enquanto documento que serve finalidades probatórias, não constitui, por si só, elemento bastante para prejudicar ou afastar as considerações jurídicas que se desenvolveram a propósito da não verificação da excepção da autoridade de caso julgado.
VI – Não se verifica omissão de pronúncia enquadrável na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil a propósito da inadmissibilidade, por intempestiva, da interposição do recurso de revista por parte dos RR. quando os mesmos, confrontados com a sua rejeição e seus fundamentos, claros e certeiros, a aceitaram tranquila e passivamente, nenhuma questão tendo suscitado, nesse momento processual, a tal respeito.
VII – Pelo que a presente arguição de nulidades e o pedido de reforma são naturalmente desatendidos, não passando de uma prolixa manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao substantivamente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer).
Por acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 13 de Fevereiro de 2025 foi concedida a revista interposta pelos recorrentes e, em consequência, foi revogado o acórdão recorrido e repristinado o decidido em 1ª instância.
Vieram os recorridos invocar a sua nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil e formular o seu pedido de reforma, ao abrigo do disposto no artigo 616º, nº 2, alínea a), do mesmo diploma legal, nos seguintes termos:
I- O acórdão do STJ, de que ora se reclama, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a revogação do anterior acórdão da Relação quanto ao período de tempo a considerar para a quantificação dos lucros cessantes, alterando o que fora decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e repristinando o período de 20 anos decidido na 1º Instância.
II- Efectivamente, nos termos do artigo 564º, do Código Civil tornava-se necessário especificar que danos futuros, seriam previsivelmente causados à firma insolvente, por única influência da acção dos Réus, sendo certo, que houve outras causas (mesmo que se entendam como virtuais) que também ocorreram desde 2018, com influência decisiva na continuação da actividade da empresa insolvente, como o trânsito em julgado condenação na acção de reivindicação nº 1446/18.3..., ou a epidemia do COVID, de conhecimento público e geral, e também do Douto Tribunal, que, nos anos de 2020 e 2012, fustigou Portugal e o resto do mundo e levou ao fecho, ou à redução da actividade de milhares de empresas.
III- Entendem os RR. que não basta referir como fazem os Venerandos Conselheiros que “A decisão judicial a ordenar a entrega à sua proprietária do imóvel onde estiveram instalados os viveiros não significa só por si o encerramento da actividade comercial da sociedade respectiva, pela razão óbvia de que a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável (tratando-se de um direito privado, de natureza disponível, pode fazê-lo ou não), pelo que o decidido em tal aresto não constitui pressuposto lógico necessário daquilo que foi julgado na acção em que teve lugar a condenação no pagamento da dita indemnização”.
IV- Forçoso se tornava explicar, à luz do invocado preceito legal, mesmo considerando o direito da reivindicante de dar à execução uma decisão que lhe era favorável, um direito de natureza disponível, (o poder exercê-lo ou não), ou tratando-se de um termo incerto quanto ao momento da sua efectivação, se o tivesse exercido (e só não o exerceu, porque entretanto a empresa foi declarada insolvente), porque é que essa execução não teria de ocorrer forçosamente num prazo breve, como é normal acontecer segundo as regras da experiência comum e pela própria natureza das coisas.
V- É que não se considerando assim, cabe perguntar, com que fundamento entenderam os Venerandos Conselheiros estender até 20 anos de actividade o limite do cálculo dos lucros cessantes? Numa empresa que ficava privada da sua infra-estrutura essencial: o espaço físico dos viveiros, com os respetivos tanques, era previsível que gerasse lucros durante mais 20 anos? Por culpa dos RR? Certamente que não.
VI- No Acórdão em questão os Venerandos Juízes Conselheiros entenderam que a acção nº1446/18.3... de reivindicação interposta contra a firma insolvente CONCHAMAR, em que esta fora condenada a entregar à A. o terreno onde se situavam os viveiros de marisco que aquela firma explorava, “não era pressuposto lógico necessário daquilo que foi julgado na acção em que teve lugar a condenação no pagamento da dita indemnização a quantificar em ulterior liquidação” referindo nomeadamente que: “Com efeito, e como se disse, a decisão judicial a ordenar a entrega do imóvel onde estiveram instalados os viveiros não significa só por si o encerramento da actividade comercial da Conchamar, desde logo, pela razão óbvia de que a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável (tratando-se de um direito privado, de natureza disponível, pode fazê-lo ou não)”.
VII- Ora, foi junto aos autos com o recurso de Apelação que os Réus interpuseram da sentença de 1ª instância, em 27/03/2024 (Refª CITIUS:...92), cópia de escritura notarial, celebrada em 18/03/2024, de compra e venda de um prédio rústico, sito na Avenida ..., no lugar de ..., freguesia da ..., em que são intervenientes AA, como vendedora e BB, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade “F..., S.A.”, como comprador.
Documento esse que foi admitido pelo tribunal de 1ª Instância e que portanto faz parte dos autos.
VIII- Sucede que o terreno em questão era o local onde se encontravam implantados os viveiros da firma Conchamar, Exportações e Importações S.A. (alínea eee dos Factos Provados), cuja actividade é objecto dos presentes autos, e os intervenientes na dita escritura, AA e BB, anteriormente relacionados com o processo 1446/18.3..., que correu termos no Juiz ..., do Juízo Central Cível de ..., também referido no Acórdão de que agora se reclama.
IX- Nessa acção judicial AA, figurava como Autora, sendo Ré a firma Conchamar, e nela se peticionava a devolução do terreno que pela escritura notarial de 18/03/2024, supra referida, acabou vendido a BB, o primitivo A. dos presentes autos, com a particularidade da taxa de justiça da A. ter sido paga por este, apesar de ser administrador da firma Conchamar, que figurava como Ré nesse processo, e aí ter inclusivamente prestado depoimento de parte na qualidade de representante legal dessa empresa.
X- Ora, a referida escritura notarial, anexada supervenientemente aos presentes autos, confirma amplamente, no entender dos RR., a existência de um conluio entre a reivindicante AA na acção 1446/18.3... e o primitivo Autor dos presentes autos BB, que era e é administrador da sociedade insolvente CONCHAMAR, pelo que, se em termos genéricos era possível afirmar como o fazem os venerandos Conselheiros no presente acórdão, que “a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável”, embora seja normal que tal aconteça, pelas regras da experiência comum, no caso concreto era essa a sequência e consequência óbvia do vencimento naquela acção declarativa, não tivesse sobrevindo a declaração de insolvência da empresa, porquanto a intenção, confirmada pela escritura de compra e venda referida, era acabar com a actividade da Conchamar, não fosse assim e o também sócio e administrador da firma insolvente BB teria continuado com a empresa em actividade.
XI- Ora a escritura de compra e venda celebrada posteriormente entre tia e sobrinho (o primitivo autor dos presentes autos), permite perceber de forma imediata que a verdadeira intenção da reivindicante AA, na acção nº 1446/18.3..., não era tolerar por mais tempo a ocupação dos viveiros pela firma CONCHAMAR, ou tê-la a pagar uma renda pela utilização desse espaço, mas afastar a referida firma daquele prédio misto, para o transmitir, livre de ónus e encargos, ao sobrinho BB.
XII- Não pode haver dúvida (dúvida razoável) que a referida acção de reivindicação foi o facto decisivo para inviabilizar a firma Conchamar, pois a existência física de viveiros era vital para a actividade que desenvolvia (sendo que o equipamento era sempre passível de ser reposto), impossibilitando-a de continuar a funcionar, e tal facto não podia ser imputado aos réus, ora recorridos, mas única e exclusivamente à empresa declarada insolvente a favor de quem se fixou a indemnização por lucros cessantes, como foi entendido, e bem, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
XIII- Mas mesmo levando a execução da condenação da sociedade insolvente na referida acção nº 1446/18.3..., à conta de causa virtual, em vez de real, sempre a ela teria de atender-se, à luz do Direito e da Justiça, para efeitos de definir o limite do cálculo dos lucros cessantes a atribuir ao recorrente por responsabilização dos recorridos; a relevância de causa virtual sempre foi aceite pela jurisprudência do STJ, por isso a indemnização a atribuir ao Autor não podia ter em consideração os lucros potenciais da exploração, posteriores à data em que a sentença no referido processo transitasse em julgado, por ser expectável que desde essa data a condenação na devolução do terreno fosse executada.
XIV- Porque, na verdade, o não vencimento na referida acção 1446/18, e a consequente obrigação de entrega do terreno dos viveiros, sem direito a qualquer indemnização, determinaria inexoravelmente a impossibilidade de continuação da laboração da firma Insolvente naquele local, ou como refere o acórdão da Relação de Lisboa, recorrido, “a entrega do prédio sempre implicaria a diminuição/cessação da actividade respectiva, pelo menos nos moldes em que vinha sendo exercida, sendo que se impunha o cumprimento dessa decisão aquando do seu trânsito, que ocorreu em16-02-2023”, e esse facto era imputável à firma insolvente e não a acção culposa dos RR.
XV- É que, como também se refere o Acórdão da Relação recorrido “daqui não segue que se justifique, como os apelantes pretendem, excluir a indemnização devida a título de ressarcimento pelos lucros cessantes (…) justificando-se apenas a alteração da decisão quanto ao enquadramento temporal feito na decisão recorrida pois, no contexto apontado, não tem cabimento reportar a medida da indemnização ao momento/período pretendido e indicado na petição inicial (20 anos), como fez a 1ª instância, mas sim a 16-02-2023, data em que a sentença transitou”
(sublinhado nosso).
XVI- Como se refere num conhecido aresto do STJ, na senda da doutrina de Antunes Varela, “A relevância negativa da causa virtual ou hipotética ocorre apenas para efeitos do cálculo da indemnização da responsabilidade por lucros cessantes, mas não já enquanto causa excludente da responsabilidade do causador do dano”.
XVII- Pelo que, ao não especificar os fundamentos de direito e de facto que justificassem ao decisão de alargar o cômputo dos lucros cessantes por um período de 20 anos, violou o presente acórdão do STJ, o artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, sendo portanto nulo nessa parte.
XVIII- E a referida escritura de compra e venda, documento superveniente, que foi admitido, e que consta do processo, só por si implicava decisão diversa da proferida relativamente aos lucros cessantes, por confirmar amplamente a intenção subjacente à referida acção nº 1446/18.3..., de impedir a firma CONCHMAR de continuar a utilizar os viveiros de marisco, sendo a sua desconsideração um lapso manifesto e constituindo fundamento da reforma do acórdão nos termos do artigo 616º, nº 2, alínea b), do CPC, o que se requer.
XIX- Caso o supra mencionado não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre deverá ser invocado o facto de não andar bem o douto Acórdão do STA ao determinar que o recurso apresentado pelos Recorridos foi interposto extemporaneamente, em função da natureza urgente destes autos - invocando para o efeito a menção ao artigo 9.º do CIRE como legitimador da pretensa urgência.
XX- Porém, conforme decorre da melhor jurisprudência, sendo a ação processada como se não se tratasse de um processo urgente, em várias das suas fases processuais, sem que a menção da expressão “urgência” fosse sequer utilizada, é razoável e perfeitamente plausível que os ora recorridos, então recorrentes, admitissem que o entendimento do tribunal fosse realmente aquele e que tivessem actuado em conformidade.
XXI- Tal é o caso dos presentes autos, no qual se destacam os seguintes atos processuais pelo evidente caráter não urgente que imprimiram à presente lide:
-Inadequada resposta a impulsos processuais e requerimentos submetidos pelas partes em linha com um entendimento de que os autos em apreço seriam urgentes:
-Inexistência de verificação de qualquer ato ou diligência judicial em férias;
- Aquando do pedido de prorrogação de prazo pelo recorrente do recurso que motivou o presente acórdão, por despacho proferido em 23/04/2024 (Refª Citius ...45) foi tal pretensão negada tout court, sem que tenha sido invocado preceito legal indicando a natureza urgente do processo, ou utilizada tal expressão.
XXII- Tal corresponde de igual modo a uma omissão da apreciação de sobre questões que este douto tribunal deveria ter apreciado, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, sendo a sua desconsideração uma omissão da apreciação de uma questão que este douto tribunal deveria ter apreciado, violação do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, sendo portanto nulo nessa parte
XXIII- Termos em que deve a presente Reclamação ser admitida e julgadas procedentes por V. Exas., Venerandos Desembargadores, as nulidades invocadas, com as legais consequências, e também considerando relevante o documento junto com o recurso de apelação dos RR., supra referenciado, procedendo à reforma do presente Acórdão no sentido de ser alterado o prazo de 20 anos para efeitos de cálculo pela indemnização por lucros cessantes da responsabilidade dos RR., mantendo o que foi doutamente decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Apreciando:
O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça abordou, decidindo, todas as questões pertinentes que se colocavam no âmbito da revista, baseando-se rigorosamente nos factos que constavam do processo e obedecendo escrupulosamente à delimitação do objecto do recurso que resultava, de forma confinada, das (únicas) alegações/conclusões que deviam ser tomadas em consideração, bem como ao trânsito em julgado que se formou quanto às questões anteriormente decididas pelo Tribunal da Relação de Lisboa e relativamente às quais não foi validamente interposto recurso de revista pelos RR, ora arguentes.
Sucede agora que estes, cientes de que não lhes restava outra instância de recurso, vieram por esta via manifestar a sua discordância substantiva em relação ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a qual (discordância) é, em si, perfeitamente legítima e mesmo compreensível.
Contudo, como é sabido, tal notória insatisfação não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).
Bem pode mesmo dizer-se que a peça processual agora apresentada constitui, no fundo e materialmente, uma espécie de novo, atípico e paradoxal “recurso de revista” contra uma decisão final proferida pelo Tribunal de cúpula do sistema judiciário, buscando que esta entidade, esgotado que se encontra o seu poder jurisdicional, desdiga o que antes fundadamente afirmou.
E a esta propósito, cumpre relembrar o que essencialmente se deixou consignado no acórdão ora em reclamação:
“(…) a decisão judicial a ordenar a entrega do imóvel onde estiveram instalados os viveiros não significa só por si o encerramento da actividade comercial da Conchamar, desde logo, pela razão óbvia de que a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável (tratando-se de um direito privado, de natureza disponível, pode fazê-lo ou não).
Por outro lado, e como se disse, encontramo-nos face à pretensa oposição de um direito de natureza real (o direito de propriedade) e de um direito de cariz obrigacional (o direito indemnizatório por lucros cessantes), reconhecido pelo tribunal em virtude da prática de actos ilícitos que ocorreram anteriormente, de que são titulares sujeitos diversos e que emergem de relações jurídicas perfeitamente distintas e autónomas, que não se prejudicam nem condicionam.
A decisão judicial a ordenar a entrega à sua proprietária do imóvel onde estiveram instalados os viveiros não significa só por si o encerramento da actividade comercial da sociedade respectiva, pela razão óbvia de que a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável (tratando-se de um direito privado, de natureza disponível, pode fazê-lo ou não), pelo que o decidido em tal aresto não constitui pressuposto lógico necessário daquilo que foi julgado na acção em que teve lugar a condenação no pagamento da dita indemnização a quantificar em ulterior liquidação.
Neste particular, assume ainda especial relevância a circunstância de os RR. terem interpostos os seus recursos de revista fora do prazo legalmente destinado para o efeito, sendo por isso mesmo rejeitados.
O que não permite agora ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar sequer o mérito dos termos em que teve lugar a sua condenação em fase ulterior de liquidação (mormente o citado prazo mínimo de vinte anos que norteará a liquidação a operar).
A sentença só foi alterada pelo Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento na verificação da autoridade de caso julgado; afastada a existência desta e na ausência de impugnação por parte dos recorridos para o Supremo Tribunal de Justiça (que lhes é exclusivamente imputável) na parte restante – que o acórdão recorrido não modificou, antes confirmou – resta julgar procede a presente revista, repristinando-se o decidido neste tocante em 1ª instância.
A revista é concedida nestes termos”.
Refira-se, por conseguinte, que:
1º - Conforme resulta da passagem transcrita a ratio decidendi do acórdão ora em reclamação teve a ver unicamente com a verificação, ou não, da excepção da autoridade de caso julgado entre uma acção de reivindicação julgada procedente e a condenação dos RR. em indemnização por danos futuros resultante da prática de acto ilícito e culposo, assente como demonstrado nos autos.
Nada mais do que isso.
Concretizando: o acórdão do Tribunal da Relação, no ponto que nos interessa, versou apenas sobre a alteração parcial da sentença recorrida, concluindo-se que a decisão proferida no processo de reivindicação nº 11446/18.3... deveria ser tida em consideração nos presentes autos, para efeitos de fixação da medida da indemnização por lucros cessantes a favor da insolvente e a cargo dos réus, em incidente posterior.
A massa insolvente recorrente insurgiu-se no seu recurso de revista afirmando que;
“O Tribunal da Relação de Lisboa andou mal ao decidir que o caso julgado da sentença proferidana ação de reivindicação de impunha nos presentes autos, dado que os sujeitos e o objecto desse e deste processo são distintos. Ao fazê-lo violou o disposto nos artigos 580º e 581º do CPC”.
E foi precisamente no âmbito dessa concreta temática que o Supremo Tribunal de Justiça reapreciou a decisão sobre a excepção da autoridade do caso julgado, concluindo-se que a mesma não ocorria in casu, pelos motivos largamente desenvolvidos no seu acórdão.
Toda a restante matéria permaneceu intocada em resultado da confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa quanto ao decidido em 1ª instância, sem que os recorridos tivessem interposto, dentro do prazo legal destinado para o efeito (face à natureza urgente do processo), o pertinente recurso.
Essa sim é, desde logo, a razão principal e decisiva para que se tivesse tornado inatacável o decidido em 1ª instância sobre a exacta definição dos termos da condenação dos RR. em liquidação, em especial sobre “o citado prazo mínimo de vinte anos que norteará a liquidação a operar” (matéria sobre a qual, nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal de Justiça não poderia sequer pronunciar-se, face ao seu inequívoco trânsito em julgado e sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil).
2º - Acontece também que apenas nas presentes alegações de reclamação contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça vieram finalmente os RR. suscitar a tempestividade do seu (rejeitado) recurso, o que significa que é igualmente extemporânea tal tardia invocação, não podendo sequer o Supremo Tribunal de Justiça, por esse mesmo motivo, dela conhecer.
Note-se a ilustre Juíza Desembargadora relatora dos autos proferiu em 18 de Dezembro de 2024 o seguinte despacho:
“O acórdão foi proferido em 15-10-2024 e notificado, na mesma data, aos intervenientes processuais.
Os presentes autos assumem natureza urgente – art. 9.º, nº1 do CIRE –, pelo que, nos termos do art. 638.º, nº1 do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 17.º, nº1 do CIRE e na falta de regulação específica a este propósito no regime adjetivo da insolvência, o prazo de recurso é de 15 dias.
Acrescente-se que não há qualquer dúvida quanto a essa matéria, desde logo atento o processado dos autos, conforme resulta do recurso de apelação interposto pelos réus apelantes (em 25 dias, ponderando o recurso quanto à matéria de facto, acrescidos dos três dias a que alude o art. 139.º, n.º 5 , alínea c) do CPC, tendo os recorrentes pago a respetiva multa), bem como, quanto à apelada, do despacho proferido em 23-04-2024, retificado na mesma data, que indeferiu à Massa insolvente o pedido de prorrogação do prazo para apresentar resposta ao recurso de apelação interposto pelos requeridos, sendo que tal despacho foi notificado quer aos apelantes quer à apelada, aí se assinalando a natureza urgente do processo.
Assim sendo, atenta a data em que o acórdão proferido foi notificado, o prazo de interposição de recurso de revista terminava no dia 04-11-2024 (segunda-feira), podendo ainda ser em momento posterior com sujeição ao pagamento da multa respetiva.
Ora, compulsando o processo a partir da prolação do acórdão proferido por esta Relação constata-se que:
- O recurso de revista interposto pela Massa insolvente/apelada é tempestivo, porquanto intentado em 07-11-2024, tendo a recorrente, que goza do benefício do apoio judiciário, pago a multa respetiva;
O recurso de revista interposto pelos requeridos/apelantes é intempestivo porquanto o recurso foi interposto em 21-11-2024, ou seja, já depois de expirado o respetivo prazo legal, mesmo com o pagamento da multa.
- As contra-alegações apresentadas pelos apelantes, em resposta ao recurso de revista interposto pela Massa insolvente, tendo sido apresentadas em 16-12-2024, foram-no manifestamente fora do respetivo prazo legal de resposta (art. 638.º, n.º 5 do CPC).
Conclui-se, pois, como assinalado, que o recurso de revista interposto pelos requeridos/apelantes foi interposto fora do prazo legal respetivo, pelo que deve ser indeferido, nos termos do art. 641.º, nº2, alínea a) do CPC, o mesmo acontecendo com as contra-alegações de recuso.
Nestes termos, decide-se:
1. Admitir o recurso de revista interposto pelas apelada Massa insolvente, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo;
2. Indeferir, por extemporaneidade, o recurso de revista interposto pelos apelantes;
3. Indeferir, por extemporaneidade, as contra-alegações de recurso interpostas pelos apelantes, ao recurso de revista da Massa insolvente;
4. Notifique e, oportunamente, subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.
Os RR., ora arguentes, foram devidamente notificados deste despacho.
Não reagiram contra o seu teor, aceitando passivamente essa mesma decisão de rejeição do seu recurso de revista, que tinha como consequência o trânsito em julgado das questões decididas em 2ª instâncias e não impugnadas pela parte interessada.
Nunca até à notificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça estes RR. invocaram que afinal o seu recurso de revista tinha sido interposto tempestivamente, conforme agora referem na presente reclamação por arguição de nulidades.
Assim sendo, as consequências associadas a essa (devidamente fundamentada) rejeição do seu recurso de revista são-lhe naturalmente imputáveis, só de si próprios se podendo por isso mesmo queixar.
3º - Não faz o menor sentido afirmar que “O acórdão do STJ, de que ora se reclama, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a revogação do anterior acórdão da Relação quanto ao período de tempo a considerar para a quantificação dos lucros cessantes, alterando o que fora decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e repristinando o período de 20 anos decidido na 1º Instância”.
Como se disse, tal matéria não foi objecto de recurso de revista por parte dos interessados, não havendo os RR, nesse ponto específico, apresentado atempadamente o seu recurso de revista (nem sequer contra-alegações).
Logo, se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não especificou essa temática foi precisamente pelo facto de sobre ela se haver formado caso julgado, perante a ausência de impugnação sobre o decidido.
Pelo que todo o restante argumentário desenvolvido pelos arguentes das nulidades a propósito dos termos da fixação dos danos futuros e face ao não atendimento da excepção da autoridade do caso julgado, queda pura e simplesmente inconsequente e inútil.
4º - Para além de que a matéria desenvolvida em sede de arguição de nulidades reveste claramente natureza substantiva, não configurando qualquer tipo de vício de natureza processual de que cumpra conhecer, extrapolando, assim e manifestamente, o âmbito do disposto no artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil.
5º - Inexiste o lapso manifesto apontado pelos arguentes das nulidades e fundamento do seu pedido de reforma do acórdão. É óbvio que uma escritura pública, enquanto documento que serve finalidades probatórias, não constitui, por si só, elemento bastante para prejudicar ou afastar as considerações jurídicas que se desenvolveram a propósito da não verificação da excepção da autoridade de caso julgado, como é óbvio.
6º - Igualmente inexiste qualquer omissão de pronúncia enquadrável na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil a propósito da inadmissibilidade, por intempestiva, da interposição do recurso de revista por parte dos RR. quando os mesmos, confrontados com a sua rejeição e seus fundamentos, claros e certeiros, a aceitaram tranquila e passivamente, nenhuma questão tendo suscitado, nesse momento processual, a tal respeito.
Em suma, não existe qualquer omissão de pronúncia ou falta de fundamentação que inquine a validade do acórdão proferido nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil.
Não há arremedo de fundamento para a pretendia reforma do acórdão recorrido à luz do disposto no artigo 616º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Tudo não passa, no fundo, de uma prolixa manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao que foi substantivamente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer).
Indefere-se assim a arguição de nulidades e o pedido de reforma.
Pelo exposto:
Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, em desatender a arguição de nulidade apresentada pelos arguentes/recorridos, bem como o pedido de reforma solicitado ao abrigo do disposto artigo 616º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Custas pelos arguentes/recorridos, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
Lisboa, 9 de Abril de 2025.
Luís Espírito Santo (Relator)
Luís Correia de Mendonça
Ricardo Costa
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.