AÇÃO ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICTUDE DO DESPEDIMENTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
QUESTÃO CONTROVERTIDA DE SABER SE A COMUNICAÇÃO DO DESPEDIMENTO ASSUMIU A FORMA ESCRITA
Sumário

I – A ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente como tal e individual, comunicado por escrito, e nas seguintes circunstâncias: (i) por facto que seja imputável a um concreto trabalhador; (ii) por extinção do seu posto de trabalho ou (iii) por inadaptação (cfr. alíneas c), e) e f) do artigo 340º do Código do Trabalho), sendo que «todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º1 do artigo 337.º do Código do Trabalho» (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009).
II – Nessa ação especial o despedimento deverá estar demonstrado, tendo por base uma comunicação/declaração inequívoca de despedimento e que tem, necessariamente, que assumir a forma escrita, pelo que será já de aplicar o processo comum quando é controvertida a questão do momento e forma de cessação do contrato (em que não está assente que haja despedimento assumido formalmente como tal).
III - O despedimento traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um ato de caráter recetício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador.
IV – Quando não está assente, antes sendo controvertido, que a comunicação do despedimento tenha sido feita pela entidade empregadora à trabalhadora por forma escrita, tendo sido invocado que em data anterior à cessação do contrato nunca tinha sido recebida pela trabalhadora comunicação escrita nesse sentido, para impugnar o despedimento deve o trabalhador lançar mão do processo comum, por ser o meio processual adequado.

Texto Integral

Apelação/Processo nº 2496/23.3T8VNG-C.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 1

4ª Secção
Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Rita Romeira
2ºAdjunto: António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou ação de processo comum contra A..., Lda. (Ré), formulando o seguinte pedido:
“(…) deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência:
A) Ser declarado que o contrato celebrado entre Autor e Ré é um contrato sem termo por ter sido celebrado de forma verbal;
B) Ser declarado que a Ré despediu ilicitamente a Autora já que o despedimento da Autora não foi precedido de qualquer prévio processo disciplinar e/ou prévio processo com vista à extinção do posto de trabalho;
C) Condenar a R. a reconhecer a ilicitude do despedimento e condenar a R. pagar à Autora uma indemnização por antiguidade, em substituição da reintegração, nunca inferior a trinta dias de retribuição base por cada ano e fração de antiguidade;
D) Condenar a R. a emitir e entregar à A. declaração de tempo de serviço prestado, com discriminação dos anos completos de serviço e com menção discriminada do tempo de serviço prestado a crianças da faixa etária dos 03 a 5 anos, assim como menção aos anos letivos, data de início e termo de cada ano letivo, horas letivas semanais e dias de férias, com cominação de valor de multa diário por cada dia de atraso na entrega da declaração;
E) Condenar a R. a pagar à Autora uma indemnização por danos morais, em valor não inferior a € 1000,00;
F) Condenar a R. a pagar à A. juros de mora sobre as quantias supra indicadas e contados desde a citação, à taxa legal civil, e até efetivo e integral pagamento; e
G) Condenar a R. no pagamento das custas e demais encargos do processo.”
Fundamentou o peticionado, alegando, em síntese, o seguinte: a Autora foi admitida ao serviço da Ré para lhe prestar trabalho sob as suas ordens, direção e fiscalização, através de contrato de trabalho verbal, com início de funções em 5-09-2011 e a categoria de educadora de infância; em data que não consegue precisar, mas seguramente em data posterior à constante da missiva, foi comunicado pela Ré à Autora da decisão de proceder ao despedimento da Autora com data de 30-04-2022, em consequência da necessidade de extinguir o posto de trabalho, conforme decorre do documento junto e cujo conteúdo deu como integralmente reproduzido (doc. 7); no dia 3-05-2022, a Ré entregou à Autora o modelo para fundo de desemprego; na data da cessação do contrato, em 30-04-2022, a Autora auferia uma retribuição base de € 947,27; em 30-04-2022, a Ré apenas pagou à Autora a quantia de € 2.311,22 referente a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal; aquando da cessação do contrato de trabalho e pese embora a solicitação da Autora nesse sentido, a Ré não lhe entregou qualquer declaração do tempo de serviço.
Sustentou, em substância, que o despedimento da Autora configura um despedimento ilícito já que não foi precedido de qualquer processo disciplinar e não se encontram observados os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para o despedimento por extinção do posto de trabalho.
O documento junto com a petição inicial como documento 7, ao qual a Autora alude e dá como reproduzido, tem o seguinte teor:


Na diligência de audiência de partes (refª citius 447312867), sem obtenção de acordo, o Tribunal a quo proferiu decisão com o seguinte teor:
“Nos presentes autos peticiona a A., AA, a condenação da R A..., Ld.ª, no pagamento de indemnização por despedimento ilícito e de créditos salariais.
Alegou para tanto, em suma, que a R. lhe comunicou, por escrito datado de 1 de fevereiro de 2022, o seu despedimento.
Dispõe o art.º 98.º-C do C. P. do Trabalho que, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento.
Regula o Código de Processo de Trabalho, nos art.ºs 98º-B e seguintes, a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, à qual cumpre lançar mão sempre que se verifique que a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, é comunicada por escrito.
No caso dos presentes autos, alega a A. um despedimento comunicado por escrito, pelo que a forma do processo a seguir é o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, e não o processo comum.
O uso duma forma processual quando a lei prevê outra determina erro na forma de processo (art.º 193.º do C. P. Civil), o qual implica apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que sejam estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma legal.
Atento o princípio da adequação formal previsto no art.º 547.º do C. P. Civil, e uma vez que a petição inicial contém todos os elementos que a apresentação do requerimento em formulário deve conter, entendemos que, ainda que verificado o erro na forma de processo, é possível convolar este último para a forma que devia ter sido utilizada, sem que tal diminua as garantias de defesa da R.
Pelo exposto, determino que a presente ação passe a seguir os termos do processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
Em consequência, descarregue da primeira espécie e carregue na segunda das mencionadas no art.º 21.º do C. P. do Trabalho.
Autue em conformidade.
Fica a Empregadora notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado motivador do despedimento e juntar os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas para o despedimento, sob pena de ser imediatamente declarada a ilicitude do despedimento (…).”

Não se conformando com o decidido, a Autora interpôs recurso de tal decisão, que subiu em separado e deu origem ao apenso B (processo 2496/23.3T8VNG-B.P1).
Também a Ré interpôs recurso da referida decisão proferida na audiência de partes, na parte em que decidiu aproveitar a petição inicial e convolar a ação de processo comum instaurada para a forma especial, pugnando nesse recurso a Ré pela nulidade de todo o processado com a respetiva absolvição da instância. Tal recurso deu origem ao apenso A (processo 2496/23.3T8VNG-A.P1).

A Ré/Empregadora apresentou articulado refª citius 35472042.
A Autora/Trabalhadora apresentou contestação (refª citius 35611922) ao referido articulado.

Os recursos de apelação, entretanto, foram admitidos e subiram em separado e com efeito meramente devolutivo.

Por despacho com a refª citius 450886632 foi fixado o valor da causa em € 5.000,01.

No recurso de apelação que subiu em separado no apenso B, foi proferido Acórdão transitado em julgado, no qual foi considerado que a decisão recorrida estava ferida de nulidade e se impunha a sua anulação, “com as consequências que desta resulta para atos que tenham sido praticados posteriormente, devendo ser dado adequado cumprimento prévio ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, assegurando-se às partes o direito ao contraditório, em termos de poderem alegar, se o entenderem, o que tiverem por pertinente, sendo que só depois, cumprido que tenha sido esse contraditório, deve ser proferida nova decisão, a respeito da questão do erro na forma de processo, com as questões que daí possam resultar”.
Nessa decorrência, foi decidido no Acórdão em referência o seguinte:
“Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em anular a decisão recorrida, para que o Tribunal de 1.ª instância dê adequado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, assegurando às partes o direito ao contraditório, nos termos mencionados no presente acórdão, devendo ser proferida, depois, então sim, nova decisão.”.

Por sua vez, no recurso de apelação que subiu em separado no apenso A, foi proferido Acórdão transitado em julgado, no qual foi considerado que a exceção de caducidade não é de conhecimento oficioso, dependendo de invocação expressa pela parte interessada, o que só aconteceu no recurso e não previamente ao momento em que foi proferida a decisão recorrida, pelo que o recurso foi julgado totalmente improcedente.

Foi proferida a decisão com a refª citius 454392091 com o seguinte teor:
“Considerando a decisão proferida no apenso B, anulando a decisão proferida 11-4-2023, deverá a forma dos presentes autos ser revertida para ação de processo comum, em conformidade com o indicado na petição inicial que deu origem aos autos.
Mais importa, em conformidade com o doutamente ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do apenso B dos presentes autos, dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, assegurando às partes o direito ao contraditório em termos de poderem alegar, se o entenderem, o que tiverem por pertinente a respeito da questão do erro na forma do processo, o que faremos de seguida.

*
Resulta da consulta dos presentes autos, maxime da petição inicial que deu origem aos mesmos, que a Autora peticiona a condenação da Ré, A..., Ld.ª, no pagamento de indemnização por despedimento ilícito e de créditos salariais.
Fê-lo através de interposição de ação de processo comum.
Invoca no entanto a referida Autora, mais concretamente no ponto 9º da petição que “Em data que não consegue precisar, mas seguramente em data posterior à constante da missiva, foi comunicado pela R. à A. da decisão de proceder ao despedimento da A. com data de 30/04/2022, em consequência da necessidade de extinguir o posto de trabalho, conforme decorre do documento ao diante junto e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (Doc 7)”.
Em função de tal alegação, e considerando o disposto nos arts. 98º-C e 98º-D do CPT, afigura-se, em conformidade com o já comunicado pelo anterior titular dos autos, que estamos aqui perante um erro na forma de processo utilizada pela Autora, pois que tendo sido comunicado o despedimento da Autora por escrito, escrito esse onde se fez menção dum despedimento por extinção de posto de trabalho, o presente processo deveria ter sido interposto sob a forma de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação de formulário processualmente previsto.
Entendemos ainda que apesar de tal erro na forma de processo, é possível convolar este processo para a forma que devia ter sido utilizada, sem que tal diminua as garantias de defesa da Ré.
Não obstante, e antes de mais, importa dar cumprimento ao disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, pelo que determino a notificação das partes quanto ao teor do presente despacho a fim de se pronunciarem quanto ao aqui exposto nos termos que tiverem por convenientes.”

Nessa sequência, a Autora apresentou o requerimento com a refª citius 37496149, referindo que tal como resulta da causa de pedir e do pedido constante da petição inicial, prefigura a ação como ação de processo comum de despedimento ilícito, por não precedida de processo disciplinar e de qualquer processo prévio tendente à extinção do posto de trabalho, sendo que a única carta remetida pela Ré à Autora data de 1-02-2022 mas apenas foi remetida por email dirigido à Autora em 3-06-2022, já após o termo do vínculo laboral, pelo que quando cessa o vínculo laboral a Autora apenas tem um despedimento verbal. Mais sustentou que a carta remetida pela Ré não é a carta de “despedimento” propriamente dita, mas uma mera comunicação prévia sem que haja qualquer sequência, concluindo que quando a Ré em 30-04-2022 faz cessar o vínculo da Autora fá-lo ao abrigo de um despedimento verbal e não ao abrigo de qualquer processo de extinção do posto de trabalho, que inexiste e inexistiu. Sustentou ainda que o pedido de condenação da Ré na emissão e entrega à Autora de declaração de tempo de serviço apenas é possível em sede de ação de processo comum, o que a prosseguir a ação como processo especial se traduziria numa violação de um direito constitucional da Autora.
Terminou pugnando pela inexistência de qualquer erro na forma de processo e, sem prescindir, a entender-se pela sua verificação requereu que o conhecimento da exceção de caducidade fosse relegada para sede de sentença após julgamento e efetivo apuramento se verificou ou não despedimento verbal.

A Ré, por seu turno, apresentou o requerimento refª citius 37496149, no qual referiu aderir ao entendimento no sentido da verificação de erro na forma de processo e aplicação in casu da ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, divergindo já no que respeita à possibilidade de aproveitamento da petição inicial e convolação do processo comum para o processo especial. Argumentou que é inequívoca que está em causa nos autos um despedimento comunicado por escrito que determina a única opção pelo processo especial de impugnação do despedimento e já não o processo comum, o que importa a verificação do erro na forma de processo. Mais defendeu que tal erro determina a nulidade de todo o processado e a absolvição do Réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, como no caso vertente, por não ter sido distribuída no prazo legal de sessenta dias, previsto no artigo 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, a determinar a caducidade, como é o caso dos autos, caducidade essa que refere invocar e pretender ver declarada e não legitima o aproveitamento do articulado.

Na sequência da sobredita pronúncia das partes, foi proferida a decisão refª citius 455459260 com o seguinte teor:
“Do compulsar dos autos resulta que a Autora peticiona a condenação da Ré, A..., Ld.ª, no pagamento de indemnização por despedimento ilícito e de créditos salariais.
Fê-lo através de interposição de ação de processo comum.
Pelos fundamentos constantes do despacho que antecede, e na sequência do ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto, foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto a eventual erro na forma do processo por força do uso de tal forma processual ao invés de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação de formulário processualmente previsto.
Pronunciaram-se ambas as partes.
Cumpre apreciar e decidir.
Ora, mantém este Tribunal o entendimento que a petição inicial apresentada inquina os autos de erro na forma de processo, porquanto a causa de pedir que é por si configurada em tal articulado – e que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, é aquela que tem de valer para fixar a forma processual aplicável, por ali se conformar a causa de pedir, não podendo ser dado sem efeito o ali referido em requerimentos ou articulados posteriores.
Como já se referiu invoca a Autora no ponto 9º da petição inicial que “Em data que não consegue precisar, mas seguramente em data posterior à constante da missiva, foi comunicado pela R. à A. da decisão de proceder ao despedimento da A. com data de 30/04/2022, em consequência da necessidade de extinguir o posto de trabalho, conforme decorre do documento ao diante junto e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (Doc 7)”.
Dos demais factos alegados na petição inicial não decorre que o despedimento tenha sido meramente verbal, pois que se no ponto 18º da petição inicial é referido que “o despedimento do A. configura um despedimento ilícito já que não foi precedido de qualquer processo disciplinar e não se encontram observados os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para o despedimento por extinção do posto de trabalho”, tal não significa que o despedimento operado tenha sido meramente verbal, mas tão só que não foi formalmente válido (o que pode ser invocado em ação de impugnação
judicial da regularidade e licitude do despedimento).
Tanto assim é que no ponto seguinte da petição inicial a Autora volta a alicerçar o despedimento na carta mencionado no ponto 9º, referindo que “decorre da carta remetida pela Ré que esta justifica a cessação do contrato de trabalho por necessidade de extinção do posto de trabalho da A.”.
Ou seja, toda a petição inicial conforma o despedimento operado como um despedimento por extinção de posto de trabalho por escrito, comunicado por via da missiva junta como doc. 7, e não como um despedimento verbal.
A menção a despedimento verbal anterior surge apenas depois, em requerimentos e articulados osteriores à decisão proferida por este Tribunal a 11-4-2023.
Pelo que conformada a ação na petição inicial como uma ação fundada num despedimento por escrito fundado em extinção de posto de trabalho, se impunha e impõe que os presentes autos corram termos sob a forma de processo de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos dos art. 98º-C e 98º-D do CPT.
E a mesma solução impunha-se e impõe-se mesmo a entender-se e a provar-se a existência dum despedimento verbal no período temporal agora indicado pela Autora.
Perante um eventual despedimento verbal em data anterior à missiva junta como doc. 7 à petição inicial, como alegado pela Autora, sempre o envio posterior do email em apreço, com cópia da missiva, que configura, validamente ou não, uma efetiva declaração de despedimento efetivo por escrito dirigida à Autora, envio esse anterior à interposição da presente ação, assumiria preponderância face ao despedimento verbal anterior, convolando-o em despedimento por escrito, e, como tal, sujeito a forma especial.
Ou seja, ainda que se comprove, como referido pela Autora, que a mesma foi despedida verbalmente antes da data de receção de tal email – por si invocada como correspondendo a 3-6-2022 – sempre a receção do mesmo antes da entrada em juízo da presente ação, a 21-3-2023, determinaria, em qualquer caso, a imposição de forma especial ao presente processo, considerando o disposto nos arts. 98º-C e 98º-D do CPT.
Afigura-se assim, em conformidade com o já comunicado pelo anterior titular dos autos, que estamos perante um erro na forma de processo utilizada pela Autora, pois que tendo sido comunicado o despedimento da Autora por escrito, escrito esse onde se fez menção dum despedimento por extinção de posto de trabalho, o presente processo deveria ter sido interposto sob a forma de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação de formulário processualmente previsto, e isto ainda que se considerasse que em data anterior a tal escrito havia sido comunicado de forma meramente verbal o despedimento da Autora.
Ocorre assim um erro na forma de processo conferida pela Autora à ação, nos termos do art. 193º do CPC, o qual implica apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que sejam estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma legal.
Atento o princípio da adequação formal previsto no art.º 547.º do C. P. Civil, e uma vez que a petição inicial contém todos os elementos que a apresentação do requerimento em formulário deve conter, entendemos que, ainda que verificado o erro na forma de processo, é possível convolar este último para a forma que devia ter sido utilizada, sem que tal diminua as garantias de defesa da Ré.
Consignando-se que a questão referente à caducidade ou não dos direitos que a Autora pretende fazer valer é questão que apenas em sede de despacho saneador sentença – se os autos contiverem já os elementos necessários para o efeito – ou em sede de sentença – se tal questão carecer da produção de prova - pode ser apreciada.
Mais é certo que tal questão depende também da determinação definitiva da forma de processo aplicável aos presentes autos, que ainda não ocorreu, pelo que sempre se impõe aguardar pelo trânsito em julgado do presente despacho antes de retirar quaisquer outras consequências da forma processual que foi aqui dada aos mesmos – e que pode eventualmente ser revertida por Tribunal superior.
Pelo exposto, determino que a presente ação siga os termos de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
De forma a evitar a prática de atos processuais inúteis - ou até contrários à justa composição do litígio -, atenta a importância que a forma processual dos autos assume para decisão dalgumas das questões invocadas nos articulados apresentados, determino que o processo aguarde, antes de mais, pelo trânsito em julgado do presente despacho, aferindo-se após das diligências posteriores a encetar nos mesmos.
Notifique.”.

Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação (refª citius 37935934), formulando as seguintes CONCLUSÕES [que se transcrevem[1] - consigna-se que se procede à transcrição das conclusões aperfeiçoadas apresentadas no requerimento com a refª citius 390543 na sequência do convite formulado pela Relatora no despacho com a refª citius 18068223]:

“1ª -Vem o presente recurso impugnar o despacho proferido aos 08/01/2024, com a referência 455459260, pelo qual o Mmº Juiz a quo decidiu determinar “… que a presente ação siga os termos de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.”.

2ª - São três as questões em que se alicerça a discordância da apelante com o despacho identificado em 1º supra, ora impugnado: a) incorreta apreciação da causa de pedir e dos diversos pedidos formulados pela recorrente em sede de PI, sendo que perante os mesmos a forma de processo a seguir deveria ser a comum; b) incorreta valoração e apreciação da missiva remetida pela entidade empregadora (missiva datada de 01-02-2022 mas apenas enviada em 03-06-2022) e, inerente, incorreta qualificação do tipo de despedimento levado a cabo pela entidade empregadora; e c) incorreta aplicação da lei, ao considerar que toda e qualquer missiva, ainda que posterior, derroga prévio despedimento verbal.

3ª - Tal como resulta da causa de pedir e pedido constante da PI, a A. prefigura a ação como ação de processo comum de despedimento ilícito, por não precedida de processo disciplinar e/ou não precedida de qualquer processo prévio tendente à extinção do posto de trabalho (Cfr, artº 30º da PI e pedido constante da al. D) do Pedido de PI.

4ª - A única peça remetida pela R. à A. foi enviada em 03-06-2022, apesar de datada de 01-02- 2022, por email dirigido à A. (isto é: já após termo do vínculo laboral), conforme resulta do documento n.º 7 do Requerimento da A. junto aos autos em 12/05/2023, requerimento cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

5ª - Desde logo, refira-se que a missiva entregue à A. como doc 7 junto com a PI não é sequer uma qualquer decisão final, no sentido de culminar de um processo prévio com cumprimento, pelo menos parcial, do iter próprio do processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, inadaptação ou disciplinar, já que da mesma consta que in fine "Mais informamos que poderá emitir parecer fundamentado no prazo de 10 dias a contar da presente comunicação.".

6ª - Portanto mesmo que a carta tivesse sido entregue na data aposta – o que não sucedeu e apenas se coloca por mera hipótese de raciocínio - nunca poderia uma comunicação inicial com vista à pronúncia da trabalhadora, ser vista como comunicação de decisão final de um processo de extinção do posto de trabalho, tanto mais nunca cumpriria o aviso prévio legalmente exigido, no caso de 75 dias, atenta a antiguidade da trabalhadora (nos termos do art 363º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho).

7ª - Sendo que, segundo António Monteiro Fernandes, in Direito do trabalho, Almedina, 2012 (16ª Edição), pág. 512 "O vínculo só cessa quando todo o prazo se esgote".

8ª - Portanto, no dia 30-04-2022, mesmo que a carta tivesse sido entregue na data aposta – que não foi – sempre teríamos um despedimento verbal ilícito porque não precedido de processo disciplinar, face à inexistência de comunicação final nos termos do art 371º do Código do Trabalho;

9ª - A missiva entregue à A. como doc 7 junto com a PI visou apenas dar simples aparência formal da realização da comunicação imposta pelo art 369º do CT, o que equivale à sua omissão/falta, facto que gera a inexistência de qualquer comunicação válida e fere de nulidade qualquer despedimento, nulidade que deve ser conhecida ex officio pelo Mmo Tribunal, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos;

10ª - Por outro lado, como se alegou no artigo 14º do requerimento apresentado pela A., em 12/05/2023, "… na data da cessação do contrato (30/04/2022), a trabalhadora não tinha qualquer documento que fundamenta-se a extinção do contrato por extinção de posto de trabalho, o que não é de estranhar, atento se tratar de despedimento verbal.";

11ª - Pelo que nunca a ação poderia ser de impugnação da licitude e regularidade de despedimento, já que por facto imputável à R. aquando do termo do contrato, a A. nada podia juntar nessa ação por só ter tido acesso a missiva escrita, aliás meramente para efeitos do art 369º do CT, em 03/06/2022.

12ª - Ou ainda: segue entendimento da jurisprudência – AC RL PORTO, Processo 2613/16.0T8MTS-A.P1, data: 30-05-2018, Relator: Jerónimo Freitas” que “I - A acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulada no artigo 98.º B e seguintes do CPT, aplica-se apenas aos casos em que o trabalhador vem impugnar uma decisão de despedimento que lhe tenha sido comunicada por escrito e que seja fundada em despedimento disciplinar, inadaptação ou extinção do posto de trabalho (art.º 98.º C/1).”, in DGSI.

13ª - O mero envio de email, tardio e desconforme ao cumprimento do direito laboral, não poderá ter o condão de conferir legalidade ou valor processual a despedimento verbal já realizado, como porém ocorre nos autos … !!!

Refira-se, ainda:

14ª - Do pedido constante da PI decorrem diversos pedidos, designadamente: condenação da R. na emissão e entrega à A. de declaração de tempo de serviço, tudo conforme al. D) do Pedido constante da PI.

15ª - Ora o pedido formulado na al. D) do Pedido, decorrência de uma recusa de emissão, por parte da R., afecta o direito ao trabalho constitucionalmente previsto no art 58º da Constituição da República Portuguesa, já que, a A. em todos os concursos entra como sem anos de experiência, não se podendo (seja no público, seja no provado, seja no social) candidatar a cargos de coordenadora pedagógica, malgrado a experiência de que beneficia e dispõe, antiguidade que em Tribunal ora requer seja reconhecida e declarada, porquanto devida, mas que, mantendo-se despacho sob recurso, ficará por conhecer.

16ª - O peticionado em sede da al. D) da PI, é essencial à A., em sede de candidaturas a emprego, mas trata-se de pedido não cognoscível numa ação de licitude e regularidade de despedimento, pedido que indicia ocorrer obstáculo à coligação, nos termos do art 37º n.º 1 - 1º parte do CPC, caso o processo prossiga como processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

Ainda, sem prescindir, refira-se o seguinte:

17ª - Por outro lado, de acordo com o referido art.º 387º, nsº 1 e 2, a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial, podendo o trabalhador visado opor-se a essa desvinculação contratual mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior.

18ª - Na vertente adjetiva, os arts.º 98º-B e ss. do C.P.T., aditados pelo Dec.-Lei nº 295/2009, de 13/10, vieram regular a tramitação do processo especial que para aquele efeito foi instituído, e que é aplicável nos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto a ele imputável, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação (cfr. art.º 98º-C, nº 1).

19ª - Ora, da missiva junta aos autos decorre inexistir qualquer decisão de despedimento individual, mas apenas e tão somente comunicação tendente a pronúncia da trabalhadora, ie nos termos do art 369º do CT.

20ª - Ou seja: o que há é uma trabalhadora despedida verbalmente.

21ª - Mais, mesmo que se entendesse que a mera comunicação efetuada pela entidade empregadora tinha a virtualidade de constituir decisão final de processo de extinção de posto de trabalho – o que não se admite e apenas se coloca por mera hipótese de raciocínio – atendendo aos pedidos efetuados, em particular o pedido constante da al. D) do Pedido, sempre o processo teria que seguir a forma de processo comum, já que: seja a reclamação dos créditos laborais, seja o reconhecimento de violação de direitos dos trabalhadores e, inerente, condenação da entidade patronal não pode, em caso algum ser afetada, pelo eventual cumprimento (ou não) do prazo de 60 dias, já que não estão sujeitos ao referido prazo de 60 dias previstos no n.º 2 do artigo 388º do C.T., mas ao prazo prescricional de um ano previsto no art.º 337º, nº 1, do C.T.

22ª - Ora, o entendimento sufragado pelo Mmo Juiz a quo no despacho recorrido, em particular ao entender que uma mera comunicação ao abrigo do 369º CT tem a virtualidade de constituir, para efeitos legais, decisão de despedimento de extinção por posto de trabalho e derroga prévio despedimento verbal, viola o princípio da tutela jurisdicional dos direitos, acolhido no art.º 2º, nº 2, do Código de Processo Civil e que é regra estruturante e basilar de um Estado de Direito, além de abrir a caminho a uma “perversão” do sistema laboral e princípios fundamentais, já que abriria caminho a que todas as entidades patronais lograssem sanar despedimentos verbais nulos com o mero envio de uma missiva (contendo aliás qualquer coisa) e, dessa forma, encurtar o prazo de um ano legalmente previsto para impugnar despedimentos verbais para 60 dias.

Uma vez mais e sem prescindir:

23ª - Como bem segue e resulta da doutrina, o processo especial de regularidade e licitude do despedimento "… está vocacionada à impugnação do despedimento individual promovido pelo empregador — seja ele por causa subjectiva (como sucede com o despedimento com fundamento em justa causa) seja ele por causa objectiva (como sucede com o despedimento por extinção do posto de trabalho e com o despedimento por inadaptação) —, o que significa que o seu âmbito de aplicação se mostra delimitado por três factores cumulativos: em primeiro lugar, o carácter laboral do vínculo haverá que revelar-se inequívoco; em segundo lugar, a cessação do vínculo laboral haverá que reconduzir-se ou ser subsumível a qualquer uma das figuras previstas no art. 340.º, als. c), e) e f), do CT 9; finalmente, a comunicação do despedimento tem, necessariamente, que assumir a forma escrita … ", cfr. Susana Cristina Mendes Santos Martins da Silveira, in “A nova ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”, Revista Julgar 15, pp 83 e ss.

24ª - Como anota a supra citada Autora, fica de fora do referido processo especial, o despedimento verbal por inexistência de procedimento válido, como ocorre no caso.

25ª - Na verdade, atendendo a que no último dia de trabalho (30/04/2022) nenhuma missiva havia sido entregue à trabalhadora e, à data da entrada da ação, a inexistência de decisão final, mas apenas e tão somente uma mera comunicação passado mais de um mês, revela estarmos perante um despedimento ilegal, com a natureza de despedimento verbal, a ser como tal tratado e lido, com a devida fixação de indemnização, conforme sucede no caso.

26ª - Nos autos, a conduta da Ré segue tudo menos conclusiva, sendo, crê-se, altamente controversa a forma de cessação, que aliás a A. entende ilegal e violadora de seus direitos.

27ª - Como bem segue exposto in "Acção Impugnação da Regularidade de e Licitude do Despedimento", coleção formação inicial CEJ, pág. 36 e ss a "… ação especial não é forma de processo adequada quando é controvertida a questão do momento e forma de cessação do contrato …";

28ª - O despacho sob recurso viola, entre outros, o previsto nos arts 58º da CRP; as disposições constantes dos arts 363º, nº. 1 al. d); 337 n.º 1; 369º e 371 todos do CT; as processuais previstas no art 2º, nº 2 do CPC.”

Termina dizendo que deve ser julgado procedente o recurso e revogado o despacho recorrido, com as demais consequências legais.

A Ré apresentou resposta, sem formular conclusões, invocando, em síntese: a petição inicial apresentada inquina os autos de erro na forma de processo, porquanto a causa de pedir que é por si configurada em tal articulado é aquela que vale e prevalece para determinar a forma processual adequada e aplicável, por ali se conformar a causa de pedir, não podendo ser dado sem efeito o ali referido em requerimentos ou articulados posteriores, como pretende a Recorrente; toda a petição inicial conforma o despedimento operado como um despedimento por extinção do posto de trabalho por escrito, comunicado por via da missiva junta como documento 7, já não como um despedimento verbal; a falta de cumprimento dos prazos e formalidades legais importa a ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, mas não tem a virtualidade de converter o mesmo num despedimento verbal; quanto ao pedido da alínea d) da petição inicial, o mesmo pode ser feito em reconvenção nos termos do artigo 98.º-L, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho já que emerge do contrato de trabalho e da sua cessação; na consideração que a petição inicial contém todos os elementos que a apresentação do requerimento em formulário deve conter, é possível convolar para a forma que devia ter sido utilizada, sem diminuição das garantias de defesa da Recorrida.

Conclui que a decisão recorrida realizou a correta interpretação e aplicação da lei adjetiva e substantiva, a impor que seja negado provimento ao recurso interposto, com a confirmação dessa decisão.


Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87.º, n.º 3, do CPT, no qual consta, além do mais, o seguinte:

“[…]

Na resposta a Recorrente vem dizer que não há erro na forma de processo pois a “a A. prefigura a ação como ação de processo comum de despedimento ilícito, por não precedida de processo disciplinar e não precedida de qualquer processo prévio tendente à extinção do posto de trabalho.

Por outro lado, a única carta remetida pela R. à A. data de 01-02-2022, mas apenas foi remetida em 03-06-2023 por email dirigido à A. (já após termo do vínculo laboral), conforme resulta do documento n.º 7 do Requerimento da A. junto aos autos em 12/05/2023, requerimento cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

A missiva entregue à A. como doc. 7 junto com a PI visa apenas dar simples aparência formal da realização da comunicação imposta pelo art 369º do CT, o que equivale à sua omissão/falta, facto que gera a inexistência de qualquer comunicação válida e fere de nulidade qualquer despedimento.”

E que, “na data da cessação do contrato (30/04/2022), a trabalhadora não tinha qualquer documento que fundamentasse a extinção do contrato por extinção de posto de trabalho, o que não foi de estranhar atento se tratar de despedimento verbal."

4.2. Entende-se que, na verdade, assiste razão à recorrente. Com efeito, como se lê no Preâmbulo do Decreto-Lei 295/2009 de 13 de Outubro, “para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo Código do Trabalho – CT -, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhadora decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT.

E, como, também, citada pela autora, a Doutrina, assim vem entendendo. Como refere Susana Silveira, (in “A nova ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”, Revista Julgar 15, pp 83 e ss.), o processo especial de regularidade e licitude do despedimento "… está vocacionada à impugnação do despedimento individual promovido pelo empregador — seja ele por causa subjectiva (como sucede com o despedimento com fundamento em justa causa) seja ele por causa objectiva (como sucede com o despedimento por extinção do posto de trabalho e com o despedimento por inadaptação) —, o que significa que o seu âmbito de aplicação se mostra delimitado por três factores cumulativos: em primeiro lugar, o carácter laboral do vínculo haverá que revelar-se inequívoco; em segundo lugar, a cessação do vínculo laboral haverá que reconduzir-se ou ser subsumível a qualquer uma das figuras previstas no art. 340.º, als. c), e) e f), do CT 9; finalmente, a comunicação do despedimento tem, necessariamente, que assumir a forma escrita” … "

E ainda, que a Acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, acção com processo especial, não é a forma de processo adequada quando é controvertida a questão do momento e da forma de cessação do contrato – (AIJRLD, CEJ, p. 36 e segs.).

Ora alegando a Recorrente/autora que, apesar da carta junta como doc. 7 estar datada de 01.02.2022, para valer a partir de 30.04.2022, só foi recebida a 03.06.2022, mais de 60 dias depois da data em que deveria ter efeito o despedimento, e alegando que, antes, havia sido já despedida verbalmente, entende-se que na verdade esta forma de processo especial não é, não pode ser aplicável, neste caso, precisamente porque falta um dos requisitos cumulativos que é o de a comunicação do despedimento ter, necessariamente, que assumir a forma escrita.

Também a jurisprudência, assim vem decidindo, como pode ler-se no sumário do acórdão do TRP, de 30.05.2028, Processo n.º 2613/16.0T8MTS-A.P1, “A acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulada no artigo 98.º B e seguintes do CPT, aplica-se apenas aos casos em que o trabalhador vem impugnar uma decisão de despedimento que lhe tenha sido comunicada por escrito e que seja fundada em despedimento disciplinar, inadaptação ou extinção do posto de trabalho (art.º 98.º C/1).”

4.3. Não é verdade, nem faz, também, sentido que se diga que “perante um eventual despedimento verbal em data anterior à missiva junta como Doc. 7 à petição inicial, como alegado pela Autora, sempre o envio posterior do email em apreço, com cópia da missiva, que configura, validamente, ou não, uma efectiva declaração de despedimento efectivo por escrito dirigido à Autora, envio esse anterior à interposição da presente acção, assumiria preponderância face ao despedimento verbal anterior, convolando-o em despedimento por escrito, e, como tal, sujeito a forma especial.”

O despedimento verbal e o despedimento por escrito e em datas distintas são formas diferentes de despedimento, ainda que a entidade empregadora invoque, em ambas, o mesmo motivo.

Podia até a Autora/recorrente ser despedida verbalmente pela Recorrida alegando a extinção do posto de trabalho, não o fazendo por escrito, não se verifica este requisito cumulativo.

Só o fazendo mais tarde, passados mais de 60 dias da data em faria efeito, a data de cessação do contrato, e aceitando como boa e válida esta comunicação, então ficava aberto o caminho aos empregadores para invocar sempre a caducidade da acção que, por via disso só podia ser iniciada decorridos mais de 60 dias sobre a data de cessação do contrato.

Em caso semelhante, bem se concluiu, também, no Ac. do TRP, de 25.06.2012, processo n.º 247/11.4TTGMR.P1, “O CPT2010 criou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que segue os termos do processo especial previsto no artigo 98º-B a artigo 98.º-P, todos do Código de Processo do Trabalho. O processo especial é aplicável aos casos em que o despedimento tenha sido comunicado ao trabalhador, por escrito - Art.º 98.º-C, n.º 1 do mesmo diploma. Se o empregador despediu o trabalhador verbalmente e, posteriormente, declarou despedi-lo através de carta, o despedimento ocorreu com a declaração verbal. Por isso, nestas circunstâncias, para impugnar o despedimento, deve o trabalhador lançar mão do processo comum, por ser o meio processual adequado.


*

5. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer, no sentido de ser dado provimento ao recurso da Autora.”


A Autora apresentou resposta ao dito parecer, dando conta da sua adesão integral ao mesmo.
A Ré apresentou resposta, em que manifesta a sua divergência em relação ao parecer emitido, reiterando no essencial a posição sufragada na resposta ao recurso da Autora.

Procedeu-se a exame preliminar, tendo sido proferido despacho a convidar a Recorrente a reformular as suas conclusões.
Nessa sequência, a Recorrente apresentou novas conclusões (já acima transcritas – refª citius 390543.
A Ré veio responder, dizendo entender não satisfeito o convite o que em seu entender tem como consequência a rejeição e não conhecimento do recurso à luz do disposto no artigo 693.º, n.º 3, in fine, do Código de Processo Civil. Sem prescindir, posicionou-se sobre as conclusões apresentadas, pugnando para que seja negado provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

*
II – Questão prévia - da existência de causa para o não conhecimento/rejeição do recurso [questão suscitada na resposta apresentada pela Ré].
Refere a Recorrida/Ré que, cotejadas as novas conclusões apresentadas pela Recorrente, subsiste a sua convicção de que as mesmas não observam o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do CPC, continuando prolixas e não satisfazendo o despacho que a convidou a sintetizar aquelas, pelo que não tendo o convite sido satisfeito tem como consequência a rejeição e o não conhecimento do recurso à luz do disposto no artigo 639.º, n.º 3, in fine do CPC.

Prevê o artigo 639.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões” que:

“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificidades a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.

(…)”.

Por seu turno, o artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC, estabelece que o requerimento [de interposição de recurso] é indeferido quando não contenha a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.

Tenha-se ainda presente que, nos termos do n.º 4 do artigo 635.º do CPC, nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso.

O Supremo Tribunal de Justiça tem apreciado diversas situações onde se questiona a validade e admissibilidade das conclusões apresentadas, afastando soluções meramente formalistas e apontando para uma aferição casuística, com apelo ao princípio da proporcionalidade, disso sendo exemplo o Acórdão desse Tribunal superior de 16-12-2020[2].

Como se sintetiza no sumário deste último Acórdão:

«I. O ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver.

II. “A falta de conclusões” a que se refere a alínea b), parte final, do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, como fundamento de rejeição do recurso, deve ser interpretada num sentido essencialmente formal e objetivo, independentemente do conteúdo das conclusões formuladas, sob pena de se abrir caminho a interpretações de pendor subjetivo.

III. Assim, a reprodução do corpo das alegações nas conclusões não se traduz na falta destas, impondo-se, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento das mesmas, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC.

IV. De todo o modo, a orientação no sentido de fazer equivaler a reprodução integral do corpo das alegações nas conclusões - que aqui não se acolhe - não deverá prescindir de uma aferição casuística em ordem a ponderar, à luz do principio da proporcionalidade, a repercussão que essa reprodução, mais ou menos integral, possa acarretar, em termos de inteligibilidade das questões suscitadas, em sede do exercício do contraditório e da delimitação do objeto do recurso por parte do tribunal.».

Não vislumbramos razões para nos afastarmos desta orientação, sendo certo que, como se dá nota no mesmo Acórdão, se verifica a nível jurisprudencial uma «tendência expressiva no sentido de considerar que a reprodução no corpo das alegações nas conclusões não se traduz na falta destas, impondo-se, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento das mesmas, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC»[3].

António Santos Abrantes Geraldes[4], a propósito desta temática, refere o seguinte:

«Embora seja claramente errada a reprodução no segmento das conclusões do teor da motivação, tal não corresponde a uma situação de “falta de conclusões”. Mais se ajusta considerar que se trata de conclusões excessivas ou prolixas, dirigindo ao recorrente um despacho de convite ao aperfeiçoamento, sem embargo da aplicação de alguma sanção sustentada na violação clara de um ónus processual. Esta é, aliás, a jurisprudência consistente do Supremo que superintende a aplicação das regras de direito, não se descortinando razões sérias para a afirmação da solução oposta que ainda continua a emergir em alguns arestos das Relações, com manifesta inconsideração dos efeitos negativos que isso determina na celeridade e eficiência dos mecanismos processuais (…)».

Revertendo ao caso dos autos, temos que foi formulado um convite ao aperfeiçoamento nos termos do artigo 639.º, n.º 3, do CPC, para a Recorrente reformular as conclusões no sentido da sua sintetização, sendo que tal convite foi aceite com apresentação de novas conclusões.

As conclusões apresentadas não deixam de cumprir a função de delimitação do objeto do recurso, percebendo-se por forma clara e objetiva as questões suscitadas e os seus fundamentos essenciais. Comparando as anteriores conclusões com as novas conclusões apresentadas, verifica-se que a Recorrente fez um esforço no sentido da sintetização que lhe foi apontada no convite formulado por este Tribunal.

É certo que as novas conclusões não primam, em termos técnicos, pelo rigoroso cumprimento pela Recorrente do ónus de síntese conclusiva dos fundamentos por que pede a revogação da decisão proferida.

No entanto, fazendo a necessária aferição do caso à luz do princípio da proporcionalidade, afigura-se que não ficou dificultada a identificação das questões suscitadas e dos seus fundamentos essenciais, e muito menos o resultado pretendido, em contraposição, com a decisão recorrida. A Recorrida, aliás, em sede de resposta identificou tais questões, rebatendo-as. Não se repercutiu, pois, em termos de inteligibilidade das questões suscitadas, em sede do exercício do contraditório e da delimitação do objeto do recurso por parte do Tribunal.

Pelo exposto, não pode afirmar-se que a Recorrente não logrou dar cumprimento ao convite que lhe foi efetuado nos termos prescritos no n.º 3 do artigo 639.º do CPC, não sendo por isso de rejeitar o recurso e nada obstando ao seu conhecimento.


***
III - OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[5], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[6]].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinam-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Assim, a questão objeto de recurso e a decidir consiste em saber se ocorre erro na forma de processo.

*

IV - FUNDAMENTAÇÃO

1) Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão resultam do relatório supra.


*

2) Apreciação/conhecimento
A questão objeto de recurso e a decidir consiste, como vimos, em saber se ocorre erro na forma de processo.
Na decisão recorrida foi considerado que ocorre erro na forma de processo e determinado que a ação instaurada como ação de processo comum seguisse os termos de processo especial de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com a fundamentação já acima transcrita.
A Recorrente não concorda com essa decisão pelos fundamentos que já resultam das conclusões que se transcreveram, defendendo que não se verifica o apontado erro na forma de processo e que os autos deverão prosseguir os seus termos como ação de processo comum tal como foi instaurada.
A Recorrida defende o julgado com a argumentação constante da sua resposta, já sintetizada no relatório supra.
Por sua vez, o Exmo Senhor Procurador-Geral Adjunto entende que deverá ser dado provimento ao recurso, conforme parecer emitido e já acima transcrito.
Vejamos.

Dispõe o artigo 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro[7] que “o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior …”.

Por sua vez, o CPT na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, dando resposta processual às alterações introduzidas em matéria de despedimento pela reforma do Código do Trabalho operada pelo CT/2009, criou em sede adjetiva uma nova ação declarativa de condenação, sob a forma de processo especial, qual seja a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulada nos artigos 98º-B a 98º-P do CPT.

A propósito desta ação, procurando tornar claras as razões que levaram à solução consagrada, o legislador proclama na exposição de motivos do citado Decreto-Lei o seguinte:

«Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. (…) Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.».

Assim, na concretização desse propósito, dispõe o n.º 1 do artigo 98º-C do CPT, que nos «termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

Tal ação inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento, em formulário que veio a ser aprovado pela Portaria 1460-C/2009, de 31-12, do qual consta a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento e à qual deverá juntar a decisão escrita de despedimento (cfr. artigos 98.º-D e 98.º-E do CPT).

Daqui decorre que, ao contrário do que parecia resultar do CT/2009, nem todos os despedimentos estão sujeitos à nova ação de impugnação de despedimento.

Na verdade, esta nova ação é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente como tal e individual, comunicado por escrito, e nas seguintes circunstâncias: (i) por facto que seja imputável a um concreto trabalhador; (ii) por extinção do seu posto de trabalho ou (iii) por inadaptação (cfr. alíneas c), e) e f) do artigo 340º do Código do Trabalho), sendo que «todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º1 do artigo 337.º do Código do Trabalho» (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009).

Ora, sendo assim um pressuposto da aplicabilidade desta ação de impugnação a existência de um despedimento individual comunicado por escrito, daí decorre que a ocorrência do despedimento não pode ser uma das questões a decidir na ação, devendo o mesmo ser inequívoco[8].

Com efeito, a ação especial em referência é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento “assumido formalmente enquanto tal”, na expressão de Albino Mendes Batista[9].

Também Pedro Furtado Martins[10], disso dá nota, ao dizer que “(…) A decisão a entregar pelo trabalhador juntamente com o formulário tem de conter uma declaração inequívoca de despedimento”.

O despedimento deverá estar demonstrado, não podendo o mesmo ser fundamento do litígio[11].

Foi, aliás, com esse fundamento que no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-10-2012[12] se decidiu que a ação especial em referência não é forma de processo adequada quando é controvertida a questão do momento e forma de cessação do contrato. De facto, conforme entendimento seguido neste Acórdão, com o qual concordamos, a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento regulada nos artigos 98º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, não é a forma de processo adequada quando é controvertida a questão do momento e forma da cessação do contrato, não estando assente que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal.

No mesmo sentido os Acórdãos desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2011[13] e de 17-04-2023[14].

Em suma, estão abrangidas pela ação especial em referência situações em que o despedimento individual se apresenta como inequívoco, em que a própria ocorrência do despedimento não é uma das questões a decidir na ação (não é fundamento do litígio), tendo sido essa a vontade que o legislador manifestou ao afirmar que a nova ação é aplicável “sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual” e que “todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum”.

A razão de ser desta opção, criando um processo especial destinado a ser aplicável apenas aos casos em que há comunicação escrita do despedimento, assenta no pressuposto de que nestes casos o despedimento é indiscutível, pelo que o que se discutirá é a sua regularidade e licitude, sem que o trabalhador necessite já de fazer prova do despedimento, sendo bastante a junção da comunicação de despedimento por escrito.

Revertendo ao caso dos autos, salvo o devido respeito por opinião divergente, consideramos que a questão do momento e da forma de cessação do contrato não é questão assente perante a petição inicial apresentada e a comunicação escrita que foi junta pela Autora como documento 7.

Importa sublinhar que a decisão de erro na forma de processo teve por base a petição inicial apresentada e a comunicação escrita junta com essa peça processual como documento 7.

Se atentarmos na petição inicial, verificamos que a Autora invocou o seguinte:

- “Em data que não consegue precisar, mas seguramente em data posterior à constante da missiva, foi comunicado pela R. à A. da decisão de proceder ao despedimento da A. com data de 30-04-2022, em consequência da necessidade de extinguir o posto de trabalho, conforme decorre do documento ao diante junto e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (doc 7)” – artigo 9.º.

- “No dia 03 de maio de 2022, a R. entregou à A. modelo para fundo de desemprego” – artigo 10.º;

- “Em 30/04/2022, a R. apenas pagou à A. a quantia de € 2.311,22, referente a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal (Ut. doc. 8) - artigo 13.º;

- “Aquando da cessação do contrato de trabalho e pese embora a solicitação da A. nesse sentido, a R. não entregou à A. qualquer declaração de tempo de serviço (doc. 9) – artigo 14.º;

- “Por carta datada e enviada em 21/10/2022, recebida pela R. em 31/10/2022, a A. interpelou a R. para, no prazo de 08 dias, proceder à emissão e envio de declaração de tempo de serviço da A., conforme decorre do documento ao diante junto e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (doc. 10) – artigo 15.º;

- O despedimento do A. configura um despedimento ilícito já que não foi precedido de qualquer processo disciplinar e não se encontram observados os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para o despedimento por extinção do posto de trabalho” – artigo 17.º;

- “No caso sub judice, na comunicação efetuada pela R. e junta como doc. 7, a R., omite, por completo as menções obrigatórias referenciadas no art. 369.º, n.º 1 do CT, impedindo, assim, por parte da A., a confirmação (porque totalmente omitidos) da veracidade dos fundamentos da extinção do posto de trabalho” – artigo 23.º;

- “ Por outro lado, em data anterior à cessação do contrato de trabalho, nunca foi remetida à Autora carta de decisão com as menções obrigatórias referidas no art. 371º do CT”; – artigo 24.º.

A Autora, para além do mais, peticiona que seja declarado que a Ré despediu ilicitamente a Autora já que o despedimento não foi precedido de qualquer prévio processo disciplinar e/ou prévio processo com vista à extinção do posto de trabalho.

Ora, lida a petição inicial na sua totalidade e o documento escrito junto com a mesma, salvo o devido respeito por opinião divergente, não é inequivoco que a decisão de despedimento lhe tenha sido comunicada pela Ré por escrito, muito menos que tenha sido comunicado por escrito em data anterior à data invocada como data da cessação do contrato de trabalho (30-04-2022).

O documento 7 tem o teor já acima transcrito no relatório, sem que tenha sido junta com a petição inicial qualquer documentação atinente a um qualquer envio dessa comunicação escrita pela Ré à Autora – v.g. por correio, via email –, nem constando de tal comunicação qualquer aposição/menção referente à sua receção por entrega pessoal à Autora e respetiva data.

A petição inicial deixa algumas coisas em aberto, nomeadamente a invocação contida no artigo 9.º quanto à data em que foi comunicado pela Ré à Autora a decisão de proceder ao seu despedimento, sendo certo que, como vimos, invoca ainda que em data anterior à cessação do contrato nunca lhe foi remetida carta de decisão do despedimento.

Daí que se perceba que a Autora em sede de exercício do contraditório antes da prolação da decisão recorrida tenha vindo invocar que a única carta que lhe foi remetida data de 1-02-2022, mas apenas lhe foi remetida em 3-06-2022 por email dirigido à Autora já após termo do vínculo laboral conforme documento que entretanto juntou aos autos em 12-05-2023. Isto porque essa data tinha efetivamente ficado em aberto na petição inicial, ainda que a Autora tenha dito na petição inicial que em data anterior à cessação do contrato nunca lhe foi remetida carta de despedimento.

Do mesmo passo, se compreende a afirmação da Autora, também em sede de exercício do contraditório, de que “na data da cessação do contrato (30/04/2022), a trabalhadora não tinha qualquer documento que fundamentasse a extinção do contrato (…)”.

Sublinhe-se que, não contendo o Código do Trabalho uma definição de despedimento, podemos dizer, segundo a doutrina e a jurisprudência, que o mesmo se traduz na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, ato esse de caráter recetício (ou seja, para ser eficaz deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento do trabalhador)[15]. O efeito extintivo do contrato verifica-se depois de recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida a decisão de despedimento (artigo 224.º do Código Civil), tornando-se tal decisão irrevogável a partir do momento em que é recebida.

Recorrendo às palavras de Pedro Furtado Martins[16], “(…) o despedimento configura-se como uma declaração de vontade, recipienda (ou receptícia), vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de cessar o contrato de trabalho para o futuro”.

O referido documento n.º 7 junto com a petição inicial, salvo melhor opinião, não constitui, por si e sem mais, uma declaração inequívoca de despedimento, nem do mesmo se pode retirar sequer que tal comunicação escrita tenha sido levada ao conhecimento da Autora em data anterior à da invocada cessação do contrato.

Atente-se que tal comunicação, datada de 1-02-2022, tem uma primeira parte em que refere comunicar a decisão de proceder ao despedimento da Autora com data de 30-04-2022, em consequência da necessidade de extinguir o posto de trabalho da Autora, mas também refere logo de seguida que a comunicação é nos termos do artigo 369.º, n.º 1, do CT/2009.

Este último normativo refere-se às comunicações a efetuar em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho, entre as quais figura a comunicação ao trabalhador envolvido da necessidade de extinguir o posto de trabalho e da necessidade de despedir o trabalhador afeto ao posto de trabalho a extinguir, sendo que nos dez dias posteriores a tal comunicação o trabalhador envolvido pode transmitir ao empregador o seu parecer fundamentado, nomeadamente sobre os motivos invocados, os requisitos previstos no artigo 368.º, n.º 1, do CT/2009 ou os critérios a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, bem como as alternativas que permitam atenuar os efeitos do despedimento (artigo 370.º, n.º 1, do CT/2009).

A verdade é que a comunicação junta como documento 7 termina nos seguintes termos: “Mais informamos que poderá emitir parecer fundamentado no prazo de 10 dias a contar da data da presente comunicação”.

O que reforça a ideia de comunicação prévia a que alude o artigo 369.º, n.º 1, do CT/2009, e isto independentemente de aferir se tal comunicação cumpre ou não a referência às menções obrigatórias previstas nesse normativo.

Nessa decorrência, nem sequer se pode afirmar que o documento em causa fosse suficiente para, por si só e sem mais, instruir o formulário para instauração da ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

Em conclusão, face à petição inicial apresentada e documentação junta, não pode considerar-se que a presente situação consubstancie uma situação em que o próprio despedimento está demonstrado, uma vez que nos autos não está assente, antes estando controvertido, que a comunicação do despedimento tenha sido feita pela Ré à Autora por forma escrita (atente-se na noção de despedimento atrás enunciada, em que a comunicação do despedimento é uma declaração recetícia).

Assim, e face às considerações atrás tecidas no que respeita ao âmbito de aplicação da ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, considera-se que, na verdade, no presente caso, não é aplicável tal ação com forma de processo especial, antes sendo o processo comum o meio processual adequado. Ou seja, a trabalhadora, a fim de fazer valer os seus direitos emergentes da invocada cessação do seu contrato de trabalho, nomeadamente por cessação ilícita, tinha que ter lançado mão, como lançou, da ação com processo comum.

Por último, importa dizer que não nos revemos minimamente nas considerações tecidas na decisão recorrida quando refere o seguinte:

Perante um eventual despedimento verbal em data anterior à missiva junta como doc. 7 à petição inicial, como alegado pela Autora, sempre o envio posterior do email em apreço, com cópia da missiva, que configura, validamente ou não, uma efetiva declaração de despedimento efetivo por escrito dirigida à Autora, envio esse anterior à interposição da presente ação, assumiria preponderância face ao despedimento verbal anterior, convolando-o em despedimento por escrito, e, como tal, sujeito a forma especial.

Ou seja, ainda que se comprove, como referido pela Autora, que a mesma foi despedida verbalmente antes da receção de tal email – por si invocado como correspondendo a 3-6-2022 – sempre a receção do mesmo antes da entrada em juízo da presente ação, a 21-3-2023, determinaria, em qualquer caso, a imposição de forma especial ao presente processo, considerando o disposto nos arts. 98º-C e 98º-D do CPT.”.

Chamamos aqui à colação as considerações supra efetuadas àcerca da definição do despedimento.

Reitere-se que o despedimento configura uma declaração unilateral e recetícia, tornando-se eficaz, produzindo os seus efeitos, a partir do momento em que é recebida ou se torna cognoscível pelo destinatário, no caso, a trabalhadora, nos termos do artigo 224.º do Código Civil.

No caso de ter sido feita à trabalhadora uma comunicação de despedimento verbal, ou seja, caso a trabalhadora tenha recebido essa comunicação por declaração verbal da Ré, mesmo alegando a extinção do posto de trabalho, essa decisão tornou-se irrevogável com a sua receção/conhecimento pela trabalhadora, acarretando que uma eventual comunicação escrita ulterior da Ré no mesmo sentido seja inócua e despida de eficácia jurídica.

Sobre uma situação semelhante veja-se o Acórdão desta Secção Social de 25-06-2012[17], convocado no parecer do Exmo Procurador-Geral Adjunto, em cujo sumário se pode ler:

“I – O CPT 2010 criou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que segue os termos do processo especial previsto nos Art.ºs 98.º-B a 98.º-P.
II – O processo especial é aplicável aos casos em que o despedimento tenha sido comunicado ao trabalhador, por escrito - Art.º 98.º-C, n.º 1 do mesmo diploma.

III – Se o empregador despediu o trabalhador verbalmente e, posteriormente, declarou despedi-lo através de carta, o despedimento ocorreu com a declaração verbal.

IV – Por isso, nestas circunstâncias, para impugnar o despedimento, deve o trabalhador lançar mão do processo comum, por ser o meio processual adequado.”

Não é, pois, pelo facto de a trabalhadora ter recebido posteriormente à produção de efeitos do despedimento verbal uma comunicação escrita de despedimento, ainda que em momento anterior à instauração da ação em tribunal, que ditaria a imposição da aplicação da ação com processo especial para impugnação do despedimento.

Em síntese, o presente recurso é procedente e a decisão recorrida deve ser revogada com o prosseguimento dos autos na sua normal marcha processual, enquanto processo comum.


***

*


V – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação com a consequente revogação da decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento normal da tramitação dos autos, enquanto processo comum.

Custas do recurso pela Ré/Recorrida.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade da relatora.

Notifique e registe.


(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)
Porto, 7 de abril de 2025
Germana Ferreira Lopes
Rita Romeira
António Luís Carvalhão
________________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Processo n.º 2817/18.0T8PNF.P1.S1, Relator Conselheiro Tomé Gomes, acessível in www.dgsi.pt, local onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[3] Neste sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 5-07-2018 (processo n.º 131/16.5T8MAI-A.P1.S1., Relator Conselheiro Abrantes Geraldes); de 27-11-2018 (processo n.º 28107/15.2T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes); de 19-12-2018 (processo n.º 10776/15.5T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Henrique Araújo); de 2-05-2019 (processo n.º 7907/16.1T8VNG.P1.S1, Relator Conselheiro Bernardino Domingos), de 9-11-2022 (processo n.º 539/22.7T8STS.P1.S1, Relator Luís Espírito Santo) e de 25-06-2024 (processo n.º 197/09.4TYVNG-BI.P1.S1, Relatora Maria Olinda Garcia).
[4] In “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 187, nota de rodapé 321, 2.º parágrafo.
[5] Adiante CPC.
[6] Adiante CPT.
[7] Adiante CT/2009.
[8] Cfr. Paulo Sousa Pinheiro, “Ação da Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento”, in “Direito do Trabalho+Crise=Crise do Direito do Trabalho?”, Coimbra, 2011, pág. 194); Susana Silveira, “Nova Acção da Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento”, in Julgar, nº 15, set-dez 2011, ASJP, Coimbra Editora, págs. 83 e seguintes.
[9] In A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 73.
[10] In Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, págs. 398/399.
[11] Cfr. Acção de Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento, Coleção Formação Inicial, Jurisdição do Trabalho e da Empresa, abril de 2015, Centro de Estudos Judiciários, pág. 36; Almeida, José Eusébio, “A nova acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”, in Prontuário de Direito do Trabalho, nº 85, jan-abr 2010, CEJ/Coimbra Editora, pág. 102-103.
[12] Processo nº 315/11.2TTFIG.C1, relatado pelo hoje Juiz Conselheiro Ramalho Pinto - acessível in www.dgsi.pt, local onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[13] Processo n.º 1078/10.4TTGDM.P1, Relator Desembargador Manuel Joaquim Ferreira da Costa.
[14] Processo n.º 2175/22.9T8PNF.P1, relatado pela hoje Juíza Conselheira Paula Leal de Carvalho.
[15] Cfr., na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de 17-03-2016, processo nº 216/14.2TTVRL.G1.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas e, na doutrina, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, Lisboa, 1996, pág. 478.
[16] In Despedimento ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva, Suplemento de “Direito e Justiça” – Revista da FDUCP, 1992, pág. 37.
[17] Processo n.º 247/11.4TTGMR.P1, Relator Desembargador Manuel Joaquim Ferreira da Costa.