I – Para que possa ter aplicação o regime previsto pelo n.º 1 do art.º 11.º da LAT, tem de resultar cumulativamente dos factos provados que: i) o sinistrado padecia de anomalia no seu organismo que o tornava propenso a determinadas doenças, lesões ou perturbações funcionais; ii) ocorreu um dado acidente causalmente desencadeador de uma daquelas doenças, lesões ou perturbações funcionais que, não fora aquela anomalia, não se teriam produzido.
II - Para que seja aplicável o n.º 2 da mesma disposição legal tem de resultar dos factos provados uma de duas situações: i) que a lesão ou a doença consecutiva ao acidente, foi agravada por lesão ou doença anterior ao acidente; ii) que a lesão ou doença anterior ao acidente foi agravada por via da lesão ou doença consecutiva a este.
Frustrada a conciliação na fase conciliatória dos presentes autos, AA deu início à fase contenciosa, apresentando petição inicial, na qual demandou a A..., SA pedindo a condenação desta no pagamento de pensão anual e obrigatoriamente remível, devida desde o dia seguinte ao da alta, a calcular com base no salário anual total do autor e o coeficiente global de incapacidade (IPP) que lhe vier a ser atribuído; no pagamento de indemnização do período de ITP que vier a ser fixado; no pagamento da importância de 20,00 € a título de despesas de deslocação ao Tribunal e ao INML do Porto e no pagamento das despesas que suportou desde a data do acidente de trabalho com consultas, exames médicos, tratamentos, medicamentos e acessórios ortopédicos; no pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acidente até à data do efetivo pagamento.
Alegou que no dia 13/04/2023, pelas 10h00, enquanto exercia as funções de operador de resíduos sob as ordens, direção e fiscalização da “B..., Lda.”, na empresa utilizadora “C..., Lda”, ao descarregar a quarta carga de um camião carregado de sacos de resíduos com cerca de 100 Kgs cada um, a dado momento sofreu uma entorse da coluna lombar, tendo nesse momento sentido uma dor muito violenta na zona atingida.
Alegou ainda que à data auferia o salário anual total de 12.486,46€ o qual se encontrava integralmente transferido para a Companhia de Seguros, que o INML lhe atribuiu 30 dias de ITA, e IPP de 2% desde 13/05/2023 e que despendeu a quantia de 20,00€ em deslocações a este Tribunal e ao INML do Porto.
Regularmente citada, a ré contestou não aceitando a ocorrência de qualquer acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre o evento descrito pelo autor e as lesões e sequelas constantes do relatório do INML junto aos autos, bem como as conclusões desse mesmo relatório, nomeadamente no que diz respeito aos períodos de incapacidade.
Foi proferido despacho saneador e, identificado o objeto do litígio, foram enunciados os temas da prova.
Procedeu-se ao desdobramento do processo, tendo sido realizada junta médica, que concluiu que do evento resultou entorse dorso-lombar em sinistrado com evidência de patologia degenerativa prévia, pelo que ficou afetado de ITA de 14/04/2023 a 13/05/2023, não tendo resultado consequências permanentes objetiváveis, pelo que ficou curado sem sequelas desde 14/05/2023 (dia seguinte à data da alta).
Procedeu-se a julgamento, na sequência do qual foi proferida sentença que decidiu o seguinte:
“(…) declaro que, em virtude do acidente de trabalho objeto dos presentes autos, o sinistrado AA ficou afectado de ITA de 14-4-2023 a 13-5-2023, encontrando-se curado sem sequelas desde 14-5-2023 (dia seguinte à data da alta), pelo que em consequência, condeno a entidade responsável A..., S.A. no pagamento ao sinistrado das seguintes quantias:
i) a indemnização por incapacidades temporárias no valor de 718,40€ (setecentos e dezoito euros e quarenta cêntimos) acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde o fim do mês em que cada uma das parcelas deveria ter sido liquidada e até efetivo e integral pagamento;
ii) as despesas de transportes no valor de 20,00€ (vinte euros), acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação, 9-2-2024, até integral e efetivo pagamento.”
«1 - O presente recurso tem por objeto a sentença proferida nos autos que julgou parcialmente procedente a ação com processo especial emergente de acidente de trabalho intentada pelo Recorrente AA contra a A..., S.A. na parte em que julgou que o Sinistrado, em virtude do acidente de trabalho que sofreu no dia 13/04/2023, pelas 10h00, quando se encontrava nas instalações da empresa utilizador C..., não ficou afetado de Incapacidade Permanente (IPP), mais julgando não ser de lhe atribuir a correspondente reparação (pensão).
2 - Na presente apelação o Recorrente invoca erro de apreciação da prova, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, apenas e só na parte em que o Tribunal a quo considerou como provado no final do ponto 9 da fundamentação de facto da sentença que do acidente não resultaram para o Sinistrado consequências permanentes objetiváveis, assim concluindo que ficou curado sem sequelas desde 14/05/2025 (dia seguinte à data da alta) e em que deu como não provados os três factos identificados em i), ii) e iii) da factualidade não provada da douta sentença.
3 - Os concretos meios de prova produzidos nos autos e no apenso de verificação da incapacidade impunham a tomada de uma decisão diversa da recorrida sobre estes pontos da matéria de facto.
4 - Deveriam ter conduzido à consideração, como provados, dos factos elencados em i) e ii) da factualidade não provada, julgando que desde a data da alta o Sinistrado continua a sofrer dores fortes na região lombar, que constituem consequências permanentes do acidente de trabalho que sofreu no dia 13/04/2023.
5 - E, em consequência, levar ao reconhecimento de que daquele evento infortunístico resultaram sequelas permanentes para o Autor, perfeitamente objetiváveis, que são passíveis de reparação nos termos do direito.
6 - O Autor/Recorrente logrou provar a sintomatologia e a dor que ainda hoje persiste perante o Colégio de Médicos que elaborou o exame pericial (é o que resulta da resposta que estes médicos deram aos quesitos I) e K) do auto de junta médica).
7 – As testemunhas BB e CC também lograram prová-la no seu depoimento.
8 – Sendo de destacar que nenhum meio e prova foi produzido em contrário.
9 - Impõe-se que o Tribunal ad quem retire os factos i) e ii) do elenco da factualidade não provada e os coloque no elenco dos factos provados, o que desde já se requer, e que daí extraia as consequências respetivas, que são a do reconhecimento da incapacidade permanente do Recorrente com o arbitramento da respetiva pensão, em função do grau de IPP que lhe for atribuído.
10 - A parte final do ponto 9 da matéria de facto não se sustentou em nenhum elemento probatório produzido nos autos e contrariou toda a prova documental, pericial e testemunhal produzida no processo.
11 – Deve o ponto 9 do elenco dos factos provados passar a ter a seguinte redação: “9. Do evento resultou entorse dorso-lombar em sinistrado com evidência de patologia degenerativa prévia, pelo que ficou afectado de ITA de 14-4-2023 a 13-5-2023.”
12 - Ainda assim, mesmo com a factualidade que a douta decisão recorrida qualifica como provada, impunha-se a tomada de uma decisão de direito diversa da que foi proferida.
13 - A sentença recorrida fez uma inadequada aplicação do direito, violando o disposto no artigo 11º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.
14 - O artigo 11º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro prevê que a predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral. Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão.
15 - Ou seja, por via da aplicação deste regime, o Tribunal a quo deveria ter reconhecido a incapacidade permanente parcial que do acidente resultou para o Recorrente, bem como deveria ter garantido a reparação dos danos permanentes daí resultantes.
16 - A predisposição patológica apenas exclui o direito à reparação integral quando tenha sido causa única da lesão verificada. O que não sucedeu nem decorre da factualidade provada que o Tribunal a quo considerou na douta decisão recorrida.
17 - Provado que foi que o Sinistrado no dia 13/04/2023, no seu local de trabalho e no exercício das suas funções, ao pegar num saco de cerca de 100 kg de resíduos sofreu uma entorse dorso-lombar que determinou a sua ITA por 30 dias, e que antes dessa data nunca tinha sofrido da coluna, não pode atribuir-se a sintomatologia do mesmo foro que desde então padece exclusivamente à sua propensão para doença degenerativa, uma vez que ocorreu um evento súbito e externo a este sujeito que despoletou/agravou um problema de saúde que até então nunca se havia manifestado e ignorava ter.
18 - A decisão recorrida não aplicou tal norma e contrariou a interpretação que da mesma se impunha e tem vindo a ser aplicada pelos Tribunais.
19 - A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e a Tabela Nacional de Incapacidades protege não só as doenças, mas também as perturbações funcionais permanentes dos trabalhadores que decorram do exercício da sua atividade profissional e que afetem a sua capacidade para continuar a desempenhar, de forma normal, as suas funções.
20 - O Tribunal a quo na decisão que proferiu não teve em consideração nenhum destes aspetos. Ao decidir da forma que decidiu, violou o disposto no artigo 11º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.»
Nenhuma das partes se pronunciou obre o aludido parecer.
Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1 – impugnação da matéria de facto;
2 – se o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 11º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.
Os factos considerados provados em 1.ª instância são os seguintes:
«1. O A. nasceu a ../../1997.
2. Pelo menos desde 13-4-2023 o A. exercia a sua atividade sob a ordens, direção e fiscalização de B... Lda, mediante a retribuição anual de 12.486,46€ (760,00€ x 14 + 167,86€ x 11).
3. No dia 13/04/2023, pelas 10h00, quando o A. se encontrava nas instalações da empresa utilizadora C... Lda., durante o seu período normal de trabalho, e no desempenho das suas funções, ao descarregar a carga de um camião carregado de sacos de resíduos (plástico e papel) com cerca de 100 Kgs cada um, sofreu uma entorse da coluna dorso-lombar, tendo nesse momento sentido uma dor muito violenta na zona atingida.
4. A responsabilidade da B... Lda. por acidentes de trabalho com o A. encontrava-se transferida para a R. empregadora através de contrato de seguro titulado pela apólice ..., mediante a retribuição anual de 12.486,46€ (760,00€ x 14 + 167,86€ x 11).
5. No dia 14-4-2023 o A. foi encaminhado pela GIGP para a Casa de Saúde ..., onde são prestados os serviços de assistência médica da seguradora para a qual aquela empresa havia transferido os riscos emergentes de acidentes de trabalho, onde o A. se apresentou na manhã desse mesmo dia.
6. No dia 17-4-2023 A. apresentou à R. um pedido de análise de recaída.
7. O A. dirigiu-se de seguida ao serviço de urgência do Hospital ..., onde foi admitido à 14h04 e permaneceu em observação até às18h55, tendo-lhe sido prescrito, no momento da alta, “analgesia e relaxante muscular 2 semanas” e a recomendação de que “deve ser reavaliado na companhia de seguros”.
8. O médico de família do A. emitiu-lhe certificado de incapacidade temporária para o trabalho por 10 dias, com início naquele dia 14/04/2023, depois prorrogado por mais 12 dias.
9. Do evento resultou entorse dorso-lombar em sinistrado com evidência de patologia degenerativa prévia, pelo que ficou afectado de ITA de 14-4-2023 a 13-5-2023, não tendo resultado consequências permanentes objectiváveis, pelo que ficou curado sem sequelas desde 14-5-2023 (dia seguinte à data da alta).»
«i) Desde a data da alta e até hoje, o A. continua a sentir dores na região lombar e a depender diariamente de analgesia.
ii) Em virtude do evento descrito em 3), nunca mais pôde exercer as funções que vinha exercendo na empresa utilizadora até à data do acidente, por implicar a realização de operações de carga e descarga de mercadorias pesadas.
iii) Desde a data do evento descrito em 3), o A. suportou despesas com consultas, exames médicos, tratamentos, medicamentos e acessórios ortopédicos.»
Seguindo a ordem imposta pela precedência lógica (cfr. art.º 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), importa começar a apreciação do recurso pelas questões atinentes à matéria de facto.
Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 Código de Processo Civil «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil.
Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão[1].
Por outro lado, como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, «foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.»
A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[3] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento (…)».
Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[4] - de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto no art.º 662.º, n.º 1 do CPC - de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa - significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão desta Secção de 28/06/2024[5], “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.
No mesmo sentido, que perfilhamos, escreve-se no Ac. RP de 10/07/2024[6] “Deverá ocorrer alteração da decisão da matéria de facto da primeira instância, quando a prova produzida impuser uma diversa decisão. Haverá que proceder a um novo juízo critico da prova de modo a se poder concluir por aquele feito na primeira instância não se poder manter. Ou de outro modo, haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas em primeira instância imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por modo diverso.
Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa (artigo 640.º do Código de Processo Civil), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Com estes pressupostos vejamos se é de alterar a decisão da matéria de facto relativa aos concretos pontos impugnados pela recorrente.
O recorrente impugna a decisão proferida pelo tribunal “a quo” relativa ao ponto 9 dos factos provados e relativa aos pontos i e ii dos factos não provados.
Abrimos aqui um parêntesis para salientar que nas conclusões e apenas nelas, o recorrente refere-se à matéria do ponto iii dos factos não provados, mas só pode tratar-se de um lapso, pois, nada foi invocado nas alegações a esse respeito e mesmo nas conclusões, ao contrário do que acontece quanto aos pontos i e ii, nada mais vem invocado. Ainda que assim não se entendesse, seja porque, relativamente à matéria do ponto iii não se mostra cumprido os ónus a que se refere o art.º 640.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, seja porque não existe nos autos qualquer meio de prova documental que releve em sentido contrário à decisão recorrida, a pretensão do recorrente sempre deveria soçobrar.
Retomando a apreciação da impugnação, relembramos o teor dos pontos 9. dos factos provados e dos pontos i e ii dos factos não provados, os quais constituem o objeto da impugnação que apreciaremos em conjunto dada a evidente conexão da matéria em causa.:
“9. Do evento resultou entorse dorso-lombar em sinistrado com evidência de patologia degenerativa prévia, pelo que ficou afectado de ITA de 14-4-2023 a 13-5-2023, não tendo resultado consequências permanentes objectiváveis, pelo que ficou curado sem sequelas desde 14-5-2023 (dia seguinte à data da alta).”
“i) Desde a data da alta e até hoje, o A. continua a sentir dores na região lombar e a depender diariamente de analgesia.
ii) Em virtude do evento descrito em 3), nunca mais pôde exercer as funções que vinha exercendo na empresa utilizadora até à data do acidente, por implicar a realização de operações de carga e descarga de mercadorias pesadas.”
A recorrente pretende que a matéria dos pontos i e ii seja considerada como provada e que seja eliminado seguinte segmento do ponto 9: “não tendo resultado consequências permanentes objectiváveis, pelo que ficou curado sem sequelas desde 14-5-2023 (dia seguinte à data da alta)”, mantendo-se o mais.
Para o efeito invoca que o tribunal errou na apreciação do auto de junta médica no qual os srs. peritos admitiram que, após a alta, o sinistrado continua a sentir dores fortes na região lombar, as quais lhe trazem limitações funcionais e os depoimentos das testemunhas BB, companheira do sinistrado e CC, mãe do sinistrado, dos quais transcreve os excertos que considera pertinentes.
O tribunal “quo” fundamentou a decisão relativa aos pontos da matéria de facto em causa, nos seguintes termos:
“Tendo em conta o parecer unânime dos Exmos. Senhores Peritos intervenientes na junta médica, as respostas aos quesitos e respectiva fundamentação, nada há que habilite o Tribunal a discordar da conclusão a que aqueles chegaram, sendo de subscrever as suas conclusões, quanto às incapacidades temporárias, data da alta e ausência de sequelas.
(…)
Relativamente à demais factualidade dada como não provada, tal ficou a dever-se a não ter sido realizada prova cabal da verificação da mesma, mormente não resultando das declarações prestadas em sede de audiência ou dos documentos juntos aos autos analisados individual ou conjuntamente.”
Ora, analisada a prova produzida, não se vislumbra qualquer fundamento para alterar a decisão do tribunal.
A matéria não provada em i e ii tem de ser entendida como reportada ao acidente sofrido pelo sinistrado e à lesão consequente, ou seja, o entorse da coluna lombar. É esse o sentido do alegado nos arts. 23.º e 24.º da petição inicial, com base nos quais aquela matéria não provada foi levada à decisão.
Nessa medida, analisado o auto de junta médica, nenhuma dúvida pode existir quanto ao acerto da decisão do tribunal, pois o que naquele é unanimemente afirmado é que as dores que o sinistrado refere ter à data da juta médica (realizada em 09/09/2024, ou seja, mais de um ano um depois do acidente que ocorreu em 13/04/2023 e da cura clínica que ocorreu em 13/05/2023), são imputáveis à doença prévia.
Com efeito vejamos as respostas unânimes dos srs. peritos aos quesitos formulados pelo sinistrado para serem respondidos pela junta médica:
A) A descarga manual de mercadoria com cerca de 100 kgs é suscetível de causar ao trabalhador que a execute uma entorse dorso-lombar? A resposta foi: Sim, é.
B) Que tipo de lesões sofreu o A. na sequência da descarga de mercadoria que realizou no seu local de trabalho no dia 13/04/2023? A resposta foi: Entorse da coluna dorso-lombar, sem lesões traumáticas agudas documentadas.
H) Lesões como as descritas são suscetíveis de causar dores fortes na região lombar? A resposta foi: É de admitir que sim, no período de IT.
I) O A. sente atualmente dor na região lombar? A resposta foi: Sim, segundo refere, sem nexo de causalidade com o evento dos Autos e em relação com os antecedentes de patologia degenerativa.
J) Lesões como as descritas são suscetíveis de causar limitações funcionais? A resposta foi: É de admitir que sim, no período de IT.
K) O A. padece atualmente de limitações funcionais? A resposta foi: Sim, segundo refere, sem nexo de causalidade com o evento dos Autos e em relação com os antecedentes de patologia degenerativa.
M) Encontra-se o A. dependente de cuidados médicos e/ou medicamentosos, bem como ajudas técnicas (por exemplo, fisioterapia, cintas) para minimizar as sequelas de que ficou portador? A resposta foi: Não, por motivos relacionados com o evento dos Autos.
O) Do acidente dos autos resultou alguma sequela incapacitante nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais? A resposta foi: Prejudicado.
Importa ainda ter em conta, que aquelas respostas foram antecedidas da seguinte afirmação: “A Junta Médica, por unanimidade, após observação clínica do sinistrado e consulta dos Autos, considera que do evento resultou entorse dorso-lombar, em sinistrado com evidência de patologia degenerativa prévia ao evento em apreço, não tendo resultado quaisquer consequências permanentes objetiváveis na presente data”.
Consideraram, pois, os srs. peritos médicos, após observação do sinistrado e consulta de todos os elementos constantes dos autos, incluindo os documentos juntos pelo sinistrado no início da diligência (relatório de RMN realizada em 13/07/2024 e relatório de TAC realizada em 05/09/2023), que em consequência do acidente o sinistrado sofreu entorse lombar, sem lesões traumáticas agudas documentadas, o qual é suscetível de causar dores, mas apenas temporariamente e que, referindo o sinistrado, na data da junta, ter dores na região lombar, as mesmas não resultam da lesão causada pelo acidente, mas de patologia degenerativa prévia. E consideraram ainda que, a lesão identificada é suscetível de causar limitação funcional, mas apenas temporariamente, inexistindo quaisquer consequências permanentes e que a limitação funcional que o sinistrado referiu tem nexo com os antecedentes de patologia degenerativa e não com a lesão causada pelo acidente.
Nada legitima, pois, a interpretação que o recorrente faz do laudo pericial.
Acresce que os depoimentos das duas testemunhas que o recorrente invoca não são aptos a infirmar o laudo pericial unânime, não sendo incompatíveis com as conclusões ali alcançadas(o facto de o sinistrado se queixar de dores, não significa que as mesmas sejam consequência do entorse da coluna e não da patologia degenerativa da coluna) e não sendo sequer aptos a contrariar o juízo técnico-científico em que o mesmo se traduz.
Na verdade, a decisão relativa à incapacidade (à qual se reconduz, nesta parte o litígio) pressupõe conhecimentos técnico-científicos, motivo pelo qual deverá obrigatoriamente ser submetida a perícia médica [exame médico singular, na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho (art.º 105.º do Código de Processo do Trabalho) e/ou exame por junta médica, na fase contenciosa do mesmo (arts. 139.º e 140.º, ambos do Código de Processo do Trabalho)].
E ainda que os laudos perícias não tenham força vinculativa obrigatória, estando sujeitos à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Código Civil e 489º do CPC), a eventual divergência do juiz relativamente ao laudo pericial tem que ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária.
Com efeito, tal como se refere no Ac. RP de 20/01/2020[7] «na prolação da decisão para fixação da incapacidade o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais. Poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime, mas nesse caso será necessário que esteja sustentado em fundamentos bem precisos e concretos, que tenha entendido serem decisivos para a formação da sua convicção nesse sentido, os quais devem ser expressos na fundamentação.”
Ora, no caso concreto, inexistem quaisquer elementos que impusessem à Mm.ª Juiz “a quo” pôr em causa o dito laudo pericial unânime e, consequentemente decidir de forma diferente.
Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.
Mas, tendo o tribunal “a quo” decidido que, em consequência de tal acidente o recorrente não ficou afetado de incapacidade permanente para o trabalho, tendo apenas estado temporariamente incapacitado para o trabalho, foi questionada a não aplicação pelo tribunal do disposto pelo citado art.º 11.º da LAT, entendendo o recorrente que por via da aplicação do regime ali consagrado, deveria ter sido reconhecido que do acidente resultou também incapacidade permanente parcial.
Nos termos do art.º 11.º/1 da LAT “A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.”.
E nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal “Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.”
Quanto ao âmbito de aplicação do art.º 11.º da LAT, socorremo-nos do Ac. do STJ de 12/09/2013[8], segundo o qual “(…) o número 1 ocupa-se da predisposição patológica que, como escreve DD de Carvalho[1], «…embora constitua um estado mórbido do individuo, não é o mesmo que uma doença. Consiste num estado doentio do organismo humano, produzido por uma anormalidade do metabolismo ou das funções de nutrição e que torna o individuo propenso para certas doenças ou para o agravamento de outras, sob a influência de uma causa ocasional – conhecida medicamente por diátese…» ou, como diz Carlos Alegre[9], «…não é, em si, uma doença ou patologia; é, antes, uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, em prazo mais ou menos largo e segundo graus de várias intensidades, poder vir a sofrer de determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente, ou causa próxima, desencadeador da doença ou lesão».
Quer isto dizer que, no âmbito de aplicação da norma do número 1 do artigo 11º, encontram cabimento todas aquelas situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito.
Condicionalismo em que, mesmo que a predisposição patológica haja sido a única causa da lesão, a responsabilidade pela reparação integral do acidente persiste, a não ser que tenha sido ocultada (…).
Por sua vez, o número 2 do referenciado artigo 11º da NLAT ocupa-se do tratamento de duas situações distintas que já nada têm a ver com a predisposição patológica da vitima mas, sim, com: i) a lesão ou a doença consecutiva ao acidente, agravada por lesão ou doença anterior ao acidente (primeiro segmento da norma); ii) o agravamento da lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este (segundo segmento da norma).
Porém, quer numa quer noutra destas situações a incapacidade há-de avaliar-se como se tudo resultasse do acidente, salvo se, por causa da lesão ou doença anteriores, a vítima já estivesse a receber pensão vitalícia ou já tivesse recebido uma indemnização em capital (vulgo remição da pensão)[10], cabendo, em tal caso, à entidade responsável pela reparação o ónus de alegar e comprovar que, pela doença ou lesão anteriores ao acidente, o sinistrado já aufere uma pensão ou já auferiu capital de remição.”
Assim, para que possa ter aplicação o regime previsto pelo n.º 1 do citado art.º 11.º da LAT, tem de resultar dos factos provados que:
i) o sinistrado padecia de anomalia no seu organismo que o tornava propenso a determinadas doenças, lesões ou perturbações funcionais; e
ii) ocorreu um dado acidente causalmente desencadeador de uma daquelas doenças, lesões ou perturbações funcionais que, não fora aquela anomalia, não se teriam produzido.
Já para que seja aplicável o n.º 2 da mesma disposição legal tem de resultar dos factos provados uma de duas situações:
- que a lesão ou a doença consecutiva ao acidente, foi agravada por lesão ou doença anterior ao acidente;
- que a lesão ou doença anterior ao acidente foi agravada por via da lesão ou doença consecutiva a este.
No caso, resulta da matéria de facto provada que o recorrente sofria de patologia degenerativa da coluna lombar prévia ao acidente, pelo que, desconhecendo-se embora qual a concreta patologia, afigura-se-nos que não está em causa uma qualquer predisposição, mas uma doença.
De todo o modo, não há no acervo factual elementos que nos permitam afirmar que a patologia degenerativa tornava o sinistrado propenso a lesões decorrentes do entorse da coluna e que a lesão causada pelo acidente (dor subsequente a entorse da coluna) não se produziria se não existisse aquela anomalia.
No caso, não é, pois, aplicável o n.º 1 do art.º 11.º da LAT.
Mas também não o será o n.º 2, pois como se pode ler no Ac. do TRP de 08/06/2022[11], que acompanhamos “Tal norma não estabelece qualquer presunção, ilidível, de nexo de causalidade, antes impondo ou ficcionando, de forma peremptória e inilidível, que, em tais situações de agravamento (seja da lesão consecutiva ao acidente, seja da lesão anterior ao acidente) e verificado que seja o agravamento, a incapacidade será avaliada globalmente como se, toda ela, fosse imputável ao acidente, o que, aliás, bem se compreende desde logo considerando a dificuldade em estabelecer a fronteira do que é, ou não, imputável, e respectiva medida, exclusivamente à doença anterior e ao agravamento decorrente do acidente. Não obstante, necessário é que do acidente decorra agravamento da patologia pré-existente, sendo que, em tal situação, a incapacidade será avaliada globalmente, como se tudo fosse a ele imputável e não apenas na medida desse agravamento.”
No caso, não existe suporte factual que permita concluir que o entorse da coluna e suas consequências foram agravados pela patologia prévia ou que esta foi agravada por causa do entorse da coluna.
Nesta medida, não cabe no caso aplicar o disposto pelo art.º 11.º da LAT, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida.
Improcede, pois, o recurso.
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.
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