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VÍCIOS DA DECISÃO JUDICIAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO - NULIDADE
ANULAÇÃO (OFICIOSA) DA DECISÃO JUDICIAL
OMISSÃO TOTAL DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Sumário
(i) É deficiente a decisão proferida pela 1.ª instância quando o que foi dado como provado e como não provado não corresponde a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado pelas partes. (ii) O grau máximo dessa deficiência é atingido com a omissão total de fundamentação de facto, justificando a anulação oficiosa da decisão de mérito assim proferida, nos termos do art. 662(2, al. c), do CPC.
Texto Integral
I.[1]
1). AA intentou ação, sob a forma especial de inventário judicial, contra BB, pedindo a partilha do património comum do casal que foi constituído por ambos, na sequência da sua dissolução por divórcio.
Alegou, em síntese, que: Requerente e Requerido celebraram entre si casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia ../../2002; esse casamento foi dissolvido, através de divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença de 20 de dezembro de 2021, transitada em julgado, na ação que correu termos sob o n.º 5774/21....; existem bens comuns a partilhar.
Com o requerimento inicial, apresentou certidão do assento de casamento.
No dia 19 de maio de 2022, foi proferido despacho a nomear o Requerido como cabeça-de-casal e a determinar a sua citação para apresentar a relação de bens.
Citado, o Requerido apresentou a relação de bens, na qual indicou, no ativo, diversos bens móveis e uma fração autónoma em prédio constituído em propriedade horizontal e, no passivo, uma dívida do casal à Banco 1... e quatro dívidas do casal a ele próprio.
Na sequência, a Requerente apresentou reclamação, na qual, para além de colocar em causa a descrição da verba B do passivo e o valor atribuído aos bens relacionados nas verbas do ativo, alegou, sob a epígrafe “Da falta de inclusão de ativos”, que “[n]a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal não foi relacionado qualquer quantitativo em dinheiro, nem qualquer conta bancária, designadamente o saldo das contas bancárias tituladas pelo casal.”
Depois da resposta do requerido, em que pugnou pela improcedência da reclamação com fundamento na sua natureza vaga e genérica e na completude da relação de bens, a Requerente apresentou requerimento no qual, com interesse, afirmou que o cabeça-de-casal “olvidou-se de apresentar os extratos bancários da época da separação com o dinheiro do casal” e apresentou um extrato da conta ...00 alegadamente “comprovando retiradas.” (sic)
Em todos estes requerimentos foram arroladas testemunhas e pedida a prestação de declarações e depoimentos das partes.
No dia 23 de janeiro de 2023, depois de ter consignado que “face ao teor da reclamação de bens deduzida e prova requerida a questão a decidir prende-se com a efetiva, existência ou não, de um bem a partilhar” e que “[e]m relação ao passivo e ao valor dos bens, tal matéria facilmente queda resolvida” (sic), o Tribunal de 1.ª instância agendou uma audiência prévia.
Por requerimento apresentado no dia 19 de maio de 2023, a Requerente apresentou “extratos bancários que comprovam a existência de quantitativo em dinheiro que não integrou a lista de bens do cabeça-de-casal” (sic)e, por requerimento apresentado no dia 15 de junho de 2023, na sequência de convite, explicou que apresentou tais extratos para demonstrar que “na data da separação existia dinheiro na conta corrente que o cabeça-de-casal foi beneficiado com o levantamento de valores.”
No dia 18 de outubro de 2023, “[f]ace ao silêncio da contraparte”, o Tribunal de 1.ª instância admitiu a junção aos autos dos referidos extratos bancários.
Entretanto, no dia 25 de outubro de 2023, realizou-se a audiência prévia, na qual as partes declararam que:
(i) “Não chegaram a acordo sobre o valor do recheio (…) e, bem assim, o valor do imóvel”;
(ii) “Relativamente ao dinheiro e contas bancárias referidas no ponto A da reclamação à relação de bens, não existe acordo.”
Após estas declarações das partes, o Tribunal de 1.ª instância determinou que fosse pedido ao Banco de Portugal informação “sobre quais as instituições bancárias em que as parte[s], à data de 3/09/2021, eram titulares de contas ou aplicações financeiras de qualquer natureza.”
De seguida, as partes declararam “acordar que o acervo a partilhar é o seguinte: 1. O imóvel acima identificado; 2. O recheio da casa de morada da família acima identificado; 3. O valor das contas bancárias que se vierem a apurar e, desde já, o da Banco 1..., conta ...00, com saldo, a 3/09/2021, do montante de € 2 099,66”, tudo conforme consta da ata da audiência prévia.
No dia 14 de dezembro de 2023, foi junto ofício do Banco de Portugal com a identificação das “contas abertas e tituladas pelos inventariados, à data de 3.09.2021.”
Por despacho datado de 19 de junho de 2024, foi determinado que as entidades bancárias identificadas pelo Banco de Portugal informassem “as contas bancárias ou aplicações financeiras detidas em nome da interessada 26.10.2021 e o respetivo saldo” (sic).
No dia 14 de janeiro de 2025, a Requerente apresentou requerimento do seguinte teor:
“1.- No que respeita aos saldos bancários – e sem prejuízo daqueles que eventualmente ainda venham a ser comunicados aos autos pelas entidades bancárias notificadas para o efeito e que ainda não responderam –, deve o cabeça de casal aditar à relação de bens o montante de € 40.019,90,
2.- que corresponde ao valor que movimentou da conta do casal com o n.º ...00, da Banco 1..., da seguinte forma: a) transferiu € 20.019,90; e b) levantou ainda €20.000,00, em numerário. Cfr. requerimento e despacho referenciados, transitados em julgado.
3.- O indicado valor, unilateralmente subtraído da conta do casal e agora assim detido exclusivamente pelo cabeça de casal, integra os bens comuns do dissolvido casal e deve ser relacionado.”
Concluiu pedindo o aditamento à Relação de Bens da quantia de € 40 019,90, com a expressa menção que tal verba está em poder do Requerido.
Na resposta, o Requerido disse que o requerimento foi apresentado quando já estava esgotado o prazo de reclamação contra a relação de bens, sendo, por isso, intempestivo. Acrescentou, “por mera cautela de patrocínio”, que os valores alegados pela Requerente não existiam na conta bancária de ambos no momento do decretamento do divórcio e que “muito menos se pode considerar que os valores gastos na constância do matrimonio e em benefício comum constituem um acréscimo ao património comum do casal e, portanto, não devem ser incluídos na relação de bens.”
No dia 30 de janeiro de 2025, sob a ref. ...69, foi proferido despacho com o seguinte teor: “O ora requerido pela interessada apenas será tido em conta na medida que resulte da informação prestada pela informação bancária e reportada à data de 3.09.2021. No mais, indefere-se o requerido.” (sic)
O despacho acabado de transcrever foi notificado aos mandatários de Requerente e Requerido, através de termo eletrónico elaborado na aplicação informática de apoio à atividade dos tribunais, na data em que foi proferido (30 de janeiro de 2025).
***
2). Por requerimento apresentado no dia 18 de fevereiro de 2025, a Requerente (daqui em diante, Recorrente), “não se conformando com o douto despacho que não admitiu na relação dos bens a partilhar nestes autos a quantia de € 40 019,90, por as informações prestadas pelas entidades bancárias deverem ser tidas em conta à data de 03/09/2021 (ref.ª ...69)”, veio interpor recurso, juntando as respetivas alegações e conclusões, estas do seguinte teor, na parte que (transcrição):
“I.- A recorrente entende que deve ser atribuído o efeito suspensivo a esta apelação, nos termos do art.º 1123.º, n.º 3 do CPC, uma vez que a efetivação da conferência de interessados, já designada, e execução da decisão proferida no despacho em crise (ref.ª ...81) irá afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados, pois versa sobre uma questão determinante relativamente aos bens a partilhar, com influência na conferência e na economia da partilha.
II.- O prosseguimento dos autos nos termos definidos no despacho em crise, nomeadamente a realização da Conferência de Interessados, causará um prejuízo considerável à recorrente, por não ser atendida nestes autos de Inventário, para partilha, como impõe a Lei, uma quantia pertencente ao casal e depositada em conta do casal, subtraída unilateralmente pelo cabeça de casal através de um levantamento e de uma transferência.
III.- Atenta a não oposição do cabeça de casal à requerida relacionação e aos documentos (extratos) que também a sustentam, não se entende e merece censura a decisão proferida no despacho (ref.ª ...81) que determinou que “O ora requerido pela interessada apenas será tido em conta na medida que resulte da informação prestada pela informação bancária e reportada à data de 3.9.2021. No mais, indefere-se o requerido”.
IV.- A recorrente reclamou oportunamente da relação de bens e juntou extratos bancários aquando do requerimento de 19/05/2023 (ref.ª ...83), tendo o cabeça de casal, ora recorrido, optado pelo mutismo, quer quanto à reclamação, quer quanto aos documentos (extratos), que não foram impugnados e, por isso, admitiu-se a sua junção ao processo, estando assente o seu teor quanto à existência da indicada quantia, ser esta pertencente ao casal e encontrar-se depositada em conta bancária do casal - é um iniludível acquis processual.
V.- Os extratos juntos, como alegado e não impugnado, demonstram que o cabeça de casal/recorrido movimentou unilateralmente a quantia total de € 40.019,90 da conta do casal com o n.º ...00, da Banco 1..., nomeadamente transferiu € 20.019,90 e levantou ainda € 20.000,00, em 02/09/2021, apenas 1 dia antes da saída da recorrente da casa de morada de família.
VI.- No sentido do bem fundado do reclamado e demonstrado pela recorrente existe vasta e firme Jurisprudência, como por exemplo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/02/2018, relatado pelo Des. José Igreja Matos: “Caso se apure que um dado saldo bancário de uma conta comum ao casal foi substancialmente reduzido por força de levantamentos operados por um deles em data próxima da separação devem relacionar-se como bens comuns as quantias em dinheiro correspondentes a tais levantamentos, independentemente do saldo bancário, necessariamente menor, que subsista” .
VII.- Ainda, no mesmo Acórdão: “não se poderá, em caso algum, permitir que qualquer dos cônjuges que previsse a hipótese de se vir a divorciar ou tivesse intenção de o fazer, dissipasse, sem mais, bens que teriam, forçosamente, de integrar o acervo comum do casal, objecto de partilha”.
VIII.- A recorrente já demonstrou assim nos autos que a quantia existia, era do casal, foi movimentada pelo cabeça de casal um dia antes da saída de casa pela recorrente e deve ser relacionada.
IX.- O tribunal a quo já possui assim toda a informação para que tal quantia seja
relacionada como bem comum, na detenção exclusiva do cabeça de casal, é irrelevante que este se tenha apropriado das mesmas nas circunstâncias demonstradas e não a tenha relacionado, atenta a reclamação à relação de bens e a demonstração documental efetuadas pela recorrente nos autos.
X.- Em suma, deverá revogar-se a decisão constante do indicado despacho e deve ordenar-se a relacionação pelo cabeça de casal da quantia de € 40.019,90, agora na sua exclusiva detenção, mas pertencente ao casal e depositada na indicada conta comum, para entrar na economia da partilha.
XI – Por cautela, a considerar-se que ainda não está suficientemente demonstrada que a indicada quantia pertencia ao casal, estava depositada em conta comum do casal e foi unilateralmente apropriada pelo cabeça de casal mediante indicados levantamento e transferência, o que não se concede, sempre deve ordenar-se que a entidade bancária preste as pertinentes informações, mormente por junção aos autos dos extratos com referência ao dia 01/09/2021, ou, pelo menos, 02/09/2021, e, desta forma, uma vez novamente junto este documento, deverá a quantia de € 40.019,90 ser relacionada/aditada na Relação de Bens e entrar na economia da partilha, por estar depositada numa conta bancária do casal e pertencer tal quantia ao casal.
XII – O douto despacho violou, nomeadamente, o estatuído no art.º 1730.º, n.º 1, e no art.º 1689.º, n.º 1, do Código Civil, deve ser revogado e ordenada a relacionação da quantia de € 40.019,90, ou, se assim não se entender, ordenado à instituição bancária que junte aos autos extratos da indicada conta, com data de início a partir de 01/09/2021 ou, pelo menos, 02/09/2021, com subsequente relacionação da quantia em falta, propriedade do casal.”
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3). O Requerido (cabeça-de-casal, daqui em diante, Recorrido) respondeu sustentando: (i) o não conhecimento do recurso, por a Recorrente fazer alusão ao despacho com a ref. ...81, que não corresponde à atribuída ao “despacho recorrido” (sic), o que “inviabiliza a análise objetiva dos fundamentos apresentados, ferindo o princípio da segurança jurídica e o direito de defesa das partes”; e (ii) a improcedência do recurso e confirmação do despacho recorrido.
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4). O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito suspensivo do processo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
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5). Realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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II.
1). Como se constata, o Recorrido suscita a questão da rejeição do recurso com fundamento no facto de a Recorrente identificar o despacho recorrido, nas conclusões, através de uma referência errada.
Não há muito a dizer sobre esta questão, que carece em absoluto de razão de ser.
É inequívoco que a Recorrente, na conclusão III., identificou o despacho recorrido através da ref. ...81, a qual não corresponde a nenhuma peça do presente processo.
Afigura-se, porém, que isso em nada obstava – como não obstou – à correta identificação do despacho recorrido: em primeiro lugar, no requerimento de interposição do recurso, a Recorrente indicou a ref. correta; em segundo, transcreveu o despacho, não apenas no requerimento de interposição do recurso, mas também nas alegações e nas conclusões; em terceiro lugar, os fundamentos que aduziu em suporte da pretensão recursiva são esclarecedores quanto ao respetivo objeto.
Deste modo, entendemos que não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à identificação do despacho recorrido. A demonstrá-lo está o facto de o próprio Recorrido, não obstante suscitar esta questão, não ter tido qualquer dificuldade em identificá-lo como sendo o despacho datado de 30 de janeiro de 2025 – paradoxalmente, refere-se mesmo a este como “despacho recorrido” –, nem em aduzir os argumentos que considerou adequados para sustentar o adrede decidido, assim evidenciando a inocuidade do erro de escrita cometido pela Recorrente.
Sem necessidade de outras considerações, improcede esta questão prévia.
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2). Prosseguindo, importa agora dizer que, como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final,ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo Recorrente ou pelo Recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC).
Tendo presente o que antecede, a questão que se coloca no presente recurso consiste em saber se o despacho recorrido padece de erro de direito no que tange à interpretação do disposto nos arts. 1730/1 e 1689/1 do Código Civil.
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III.
1).2. Definido o objeto do recurso, há que começar por dizer que aquilo que mais impressiona no despacho recorrido é a total ausência de fundamentação, seja de facto, seja de direito.
Na verdade, ele contém – e contém apenas – a decisão de indeferimento da questão suscitada pela Recorrente no dia 14 de janeiro de 2025, com ressalva do que “resulte da informação prestada pela informação bancária e reportada à data de 3.09.2021.”
Diz o art. 154/1 do CPC, na sequência do disposto no art. 205/1 da CRP, que “[a]s decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”
Trata-se de um corolário do princípio do processo equitativo (art. 20/4 da CRP), o que bem se compreende: a decisão judicial não pode ser vista como o resultado de uma misteriosa intuição individual do juiz, mas de um procedimento cognoscitivo articulado e verificável de maneira intersubjetiva. Por isso, o juiz tem o dever de expor os fundamentos da decisão e de articular os argumentos – rectius, as razões –, que a justificam à luz da prova produzida e do direito aplicável.
Isto tem, desde logo, uma função endoprocessual que consiste em facilitar a impugnação, que é condição de um processo participado, a que acresce uma função extraprocessual: no dizer de Michele Taruffo (“Verdad, prueba e motivación en la decisión sobre los hechos”, Cuadernos de Divulgación de la Justicia Electoral, n.º 20, México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2013, p. 101[2], p. 104), “a motivação representa (…) a garantia do controlo do exercício do poder judicial fora do contexto processual por quivis de populo e pela opinião pública em geral”, o que, como o autor nota, “deriva de uma conceção democrática do poder, segundo a qual o exercício deste tem de ser controlado sempre de fora.” No mesmo sentido, no Acórdão n.º 55/85, do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1985), escreve-se que “a fundamentação dos actos jurisdicionais (decisões judiciais), em geral, cumpre duas funções: (i) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permite às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; (ii) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a transparência do processo e da decisão.”
De acordo com a lição de Miguel Teixeira de Sousa (Código Civil Online CPC: art. 130.º a 361.º, Versão de 2024/09, p. 34), deve distinguir-se entre a fundamentação interna (relativa à coerência entre as premissas e a decisão) e a fundamentação externa (respeitante à aquisição das premissas). Nesta dupla perspectiva, a fundamentação da decisão abrange tanto a matéria de direito, como a matéria de facto. Assim, quanto à matéria de direito, a fundamentação deve justificar a aplicação de determinado regime jurídico; quanto à matéria facto, a fundamentação é mais complexa, dado que há, pelo menos, que justificar por que motivo determinada matéria se considera assente (art. 607/4, 2.ª parte) e por que razão outra matéria se considera controvertida e, dentro desta, por que motivo alguma desta se julga provada e outra não provada (art. 607/4, 1.ª parte).
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1).3. A falta de especificação dos fundamentos da decisão constitui um vício que a torna nula (art. 613/ 3 e 615/1, b). Assim, Miguel Teixeira de Sousa (Código Civil Online cit., p. 35) e Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 330).
Em rigor não se trata de uma nulidade, mas de uma anulabilidade, uma vez que o Tribunal não pode conhecer dela ex officio.
Este entendimento – do não conhecimento oficioso das referidas nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 615 do CPC– estriba-se na circunstância de várias disposições legais (arts. 614/1, 615/2 e 4 e 617/1 e 6, todos do CPC) preverem, em determinadas circunstâncias, a possibilidade do seu suprimento oficioso, assim indicando que o conhecimento do vício constituirá a exceção e não a regra e que, em contrapartida, há necessidade de alegação. Neste sentido, STJ 30.11.2021, (1854/13.6TVLSB.L1.S1)[3], Maria da Graça Trigo, RG 1.02.2018 (1806/17.7T8GMR-C.G1), José Amaral, RG 17.05.2018 (2056/14.0TBGMR-A.G1), Maria João Pinto de Matos, RG 19.01.2023 (487/22.0T8VCT-A.G1), José Carlos Pereira Duarte; na doutrina, Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado cit., pp. 735-736, e Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (arts. 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, p. 10. Compreende-se que assim seja: estando em causa uma nulidade intrínseca ou de conteúdo, o tribunal ad quem terá, em regra, condições para decidir o mérito da causa, quando seja procedente a arguição de nulidade (cf. art. 665/1 do CPC), pelo que o seu conhecimento oficioso e afirmação tenderia a ser um ato inútil, por ser o juízo rescindente desnecessário ao juízo rescisório. A propósito, RP de 25.03.2021 (59/21.7T8VCD.P1), Aristides Rodrigues de Almeida.
A nulidade da sentença tem um regime próprio de arguição, previsto no n.º 4 do art. 615. De acordo com este, (a)) se a sentença admitir recurso ordinário, a nulidade deve ser arguida como fundamento autónomo deste, perante o tribunal ad quem; (b)) se a sentença não admitir recurso ordinário, a nulidade deve ser arguida perante o tribunal que proferiu a sentença, através de reclamação.
Conforme se explica em RG 15.02.2024 (548/22.6T8VNF.G1), do presente Relator, na hipótese de a sentença admitir recurso ordinário, interposto o recurso em que é arguida a nulidade, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso (art. 617/1, 1.ª parte).
Nesta sequência, se o juiz indeferir a arguição não cabe recurso dessa decisão, prosseguindo o recurso para apreciação da questão (art. 617/1, 2.ª parte). Já se o juiz suprir a nulidade, considera-se o despacho proferido como complemento ou parte integrante da sentença, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão (art. 617/2). Neste caso, o recorrente pode, em dez dias, desistir do recurso, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração introduzida, permitindo-se que o recorrido responda a tal alteração, em igual prazo (art. 617/3). Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade pretendida (art. 617/4). Como referem Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2019, p. 746), o termo admissibilidade é incorreto: “o tribunal superior pronunciar-se-á, sim, sobre o conteúdo da alteração, isto é, sobre o novo conteúdo da sentença (que a alteração integra) e não sobre se era admissível alterar a sentença.”
Na hipótese de a sentença não admitir recurso ordinário, arguida a nulidade por via de reclamação, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; no entanto, se a alterar, a parte prejudicada com a alteração pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença (art. 617/6, 1.ª parte).
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1).4. Isto dito, das conclusões do recurso, supra transcritas, resulta que a Recorrente não arguiu a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, o que obsta a que este Tribunal da Relação conheça desse vício absolutamente evidente da decisão recorrida.
Seguindo, porém, a linha de raciocínio de RG 7.06.2023 (3096/17.2T8VNF-J.G1), Maria João Pinto de Matos, diremos que, não obstante essa falta de oportuna arguição da nulidade incorrida pelo despacho em apreciação (por vício pertinente à sua elaboração e estruturação), certo é que a dita omissão consubstancia simultaneamente um outro e distinto vício (desta feita, próprio do conteúdo da própria decisão de facto).
Com efeito, o art. 662/2, c) e d), contempla as situações em que a fundamentação se apresenta como deficiente, obscura ou contraditória. Em tais situações, a Relação pode, mesmo oficiosamente, anular a decisão quando não tiver à sua disposição todos os meios de prova que lhe permitiriam sanar, por si mesma, a deficiência, obscuridade ou contradição.
Tendo esses meios de prova à sua disposição, a Relação não pode anular a decisão da 1.ª instância, cabendo-lhe sanar ela mesma o vício, exceto se se tratar de falta da “devida” fundamentação, caso em que poderá ordenar à 1.ª instância que acrescente a fundamentação em falta, prosseguindo depois com o conhecimento do objeto do recurso. No dizer de António Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 798), “quando estiver em causa a deficiente fundamentação da decisão da matéria de facto, a devolução do processo [à 1.ª instância] deve ser guardada para casos em que, além de serem efetivamente relevantes, não possam sequer ser remediados através do exercício autónomo do poder de reapreciação dos meios de prova.”
De acordo com a lição de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, IV, Coimbra: Coimbra Editora, 1948, p. 553), a decisão é deficiente quando aquilo que se deu como provado e não provado não corresponde a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado – i. é, não foram considerados todos os pontos de facto controvertidos, ou a totalidade de um facto controvertido; é obscura quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança – i. é, os pontos de facto considerados na sentença são ambíguos ou poucos claros, permitindo várias interpretações; e é contraditória quando pontos concretos que a integram têm um conteúdo logicamente incompatível, não podendo subsistir ambos utilmente – i. é, diversos pontos de facto colidem entre si, de forma inconciliável. Logo, quando se verifique que a decisão sobre a matéria de facto omitiu a “pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, possui uma “natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa”, ou revela “incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”, deve o Tribunal da Relação, oficiosamente, anulá-la, quando não lhe seja possível” suprir tais vícios (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos cit., p. 356-357).
Ora, como se pondera no citado RG 7.06.2023, “se a lei, no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, permite a anulação oficiosa da decisão proferida na 1.ª Instância quando a decisão de facto respetiva seja deficiente, por maioria de razão tê-lo-á que permitir quando a mesma seja absolutamente omissa, por esta omissão total ser o grau máximo daquela deficiência. Assim, na expressão deficiência caberá necessariamente, não só a falta de decisão sobre um facto essencial, como a falta absoluta de decisão sobre todos os factos essenciais.”
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1).5. Neste enquadramento, a questão que se coloca consiste em saber se esta Relação dispõe de elementos bastantes para decidir o requerimento apresentado pela Recorrente sobre o qual recaiu o despacho recorrido.
Segundo nos parece, está em causa a decisão sobre a reclamação à relação de bens apresentada pela Recorrente na ação destinada à partilha do património comum do casal que foi constituído por ambos e que (alegadamente) foi dissolvido por divórcio.
Como é sabido, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento (art. 1688 do Código Civil). O divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei (art. 1788).
Esses efeitos produzem-se com o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio. No que tange às relações patrimoniais entre os cônjuges, retrotraem-se à data da propositura da ação (art. 1789/1). Podem ainda retroagir à data em que se deu a sua separação de facto, desde que esta esteja provada no processo (art. 1789/2). Quanto a esta questão, Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais, III, 6.ª ed., Coimbra: Almedina, 2015, p. 261) defende que “não se afigura que tenha consistência a opinião segundo a qual esta retroação de efeitos ainda possa ter lugar no próprio processo de inventário. Na verdade, não pode ir-se para além do que o próprio preceito estabelece, e é indubitável que a sentença e a prova no processo ali referidas se reportam tão-só à ação de divórcio e não ao processo de inventário (…).” Em sentido diverso, João Espírito Santo, “O divórcio, a fixação da cessação da coabitação conjugal e o critério legal da partilha”, ROA, ano 77, jan.-jun. 2017, pp. 221-239.
Decretado o divórcio por decisão transitada em julgada, abrem-se, então, as portas para proceder à partilha dos bens que faziam parte do acervo do casal.
Como é axiomático, apenas haverá lugar a esta divisão do património quando o casamento tiver sido celebrado segundo um dos regimes de comunhão de bens. No regime de separação não existem bens comuns a partilhar, podendo, todavia, haver bens em que os cônjuges sejam comproprietários, sendo, nessas situações, a ação de divisão de coisa comum o meio adequado a pôr termo à indivisão.
A partilha proceder-se-á de modo a que cada um dos cônjuges receba os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo, ainda, cada um deles, o que dever a este património (art. 1689), obedecendo-se assim à regra da metade – os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso (art. 1730 /1). Em regra, tudo isto se processa de acordo com o regime de bens que vigorou na constância do casamento, guiando-se pelas normas aplicáveis a cada caso, seja comunhão geral, seja comunhão de adquiridos. Sem prejuízo, estabelece-se no art. 1790 que nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.
Quanto ao modo da partilha propriamente dito, os interessados podem optar por uma de duas vias: havendo consenso quanto ao modo como pretendem pôr termo ao património conjugal, seguem pela via administrativa, sendo que, tratando-se de bens imóveis, o meio propenso será a escritura pública ou o documento particular autenticado; caso contrário, não se chegando a acordo entre os cônjuges, terá que se avançar necessariamente a competente ação judicial.
Tal ação segue os termos do processo de inventário “especial” previsto nos arts. 1133 a 1135 do CPC, sendo-lhe ainda aplicáveis as disposições gerais do processo de inventário (arts. 1082 a 1096 do CPC) e, supletivamente, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditário (arts. 1097 a 1130 do CPC).
Neste, cabe ao cabeça-de-casal, por regra o cônjuge mais velho, “relacionar todos os bens comuns, de acordo com o regime da comunhão de adquiridos, as dívidas a terceiros que onerem o património comum, as dívidas entre cônjuges, bem como as compensações de patrimónios.” (Tomé d’Almeida Ramião, O Novo Regime do Processo de Inventário. Notas e Comentários, 2.ª ed., Lisboa: edição, Quid Juris, 2015, p. 205).
No dizer de Cristina Araújo Dias (“A partilha dos bens do casal nos casos de divórcio. A solução do artigo 1790.º do Código Civil”, Lex Familiae - Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 8, n.º 15, jan.-jun. 2011, p. 20, “a partilha em sentido amplo integra três operações: a separação dos bens próprios, a liquidação do património comum (destinada a apurar o valor do ativo comum líquido, calculando as compensações e contabilizando as dívidas a terceiros e entre os cônjuges) e a partilha propriamente dita.” A mesma autora acrescenta que “a separação dos bens próprios é uma operação ideal de exclusão que apenas ganhará importância quando a propriedade sobre um bem se torna objeto de litígio, quando o cabeça de casal inclui no rol dos bens comuns, sujeitos a partilha, um bem que o outro cônjuge, ou os seus herdeiros, consideram como bem próprio.”
Quanto à operação da liquidação, esta “inclui o relacionamento dos bens comuns (os bens e direitos qualificados como comuns pelas regras do regime de bens vigente durante o casamento, com as exceções (…) previstas nos art.º 1719.º e 1790.º), a correção de desequilíbrios pelo mecanismo das compensações e o pagamento de dívidas.”
Por fim, na partilha propriamente dita, só será alvo de partilha o ativo líquido comum, ou seja, aquilo que resulta das operações que antecedem este momento.
Quanto à primeira operação, os bens a ser relacionados são, então, os bens qualificados como bens comuns, nos termos do regime de bens que vigorou na constância do matrimónio.
Deste modo, remetendo para a lei civil, no regime da comunhão de adquiridos, contrariamente ao da comunhão geral de bens, os bens levados para o matrimónio e os bens adquiridos a título gratuito não são comunicáveis. E é por esta regra que terá o cabeça de casal que se guiar no momento em que apresenta a relação de bens.
Serão objeto de partilha, todos os bens considerados comuns, de acordo com o regime da comunhão de adquiridos e existentes à data da cessação das relações patrimoniais.
Importa dizer, por outro lado, que a comunhão de vida que existe entre os cônjuges conduz, inevitavelmente, a uma interpenetração entre os seus patrimónios próprios e, nas situações de comunhão, também com o património comum, o que é causa de desequilíbrios, dando origem a créditos e débitos recíprocos: os patrimónios próprios podem ser credores do comum, este daqueles e o património próprio de cada um dos cônjuges pode ser devedor do património do outro.
Deste modo, o cabeça de casal deve fazer constar da relação de bens os bens comuns do casal, segundo o regime de comunhão que tenha vigorado no casamento, no momento da propositura da ação de divórcio – ou, se estiver provada a separação de facto, no início dessa separação –, as compensações devidas ao património comum pelos patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, isto é, os créditos do património comum sobre os patrimónios próprios (arts. 1689/1 do Código Civil), os créditos do ex-casal sobre terceiros. Deve fazer constar, também, o passivo do património comum do casal, integrado pelas compensações devidas pelo património comum ao património de cada um dos cônjuges, as dívidas comuns dos cônjuges perante terceiros e as dívidas de cada um dos cônjuges perante o outro quando relacionadas com a partilha dos bens comuns, sendo assim, mais propriamente, dívidas da sua meação. Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa et al (O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Coimbra: Almedina, 2020, pp. 158-159).
O outro cônjuge pode reclamar da relação de bens com fundamento na falta de relacionamento de algum daqueles elementos, nos termos previstos nos arts. 1104/1, b), e 2 do CPC.
À resposta do cabeça-de-casal seguem-se as diligências instrutórias que forem consideradas pertinentes, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz (art. 1105 do CPC). Concluídas estas, o juiz deve proferir o despacho de saneamento do processo, nele resolvendo todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar e ordenar a notificação dos interessados para, no prazo de 20 dias, proporem forma à partilha (art. 1100/1 do CPC). Só depois há lugar ao agendamento da conferência de interessados (art. 1110/2 do CPC).
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1).5.1. No caso vertente, constatamos que a Recorrente reclamou, para além do mais, do não relacionamento de dinheiro comum, o que não foi aceite pelo cabeça-de-casal.
À resposta do cabeça-de-casal seguiu-se o agendamento de uma audiência prévia onde as partes não chegaram a acordo quanto àquele ponto da reclamação.
Após a tramitação considerada adequada, na qual se inseriu o requerimento apresentado pela Recorrente no dia 14 de janeiro de 2025, foi proferido o despacho recorrido, que aparentemente indeferiu aquele segmento da reclamação, e agendada a conferência de interessados.
Nesse ínterim, em resultado de uma tramitação errática da ação, não houve, da parte do Tribunal a quo, o cuidado de se pronunciar sobre a totalidade das diligências de prova requeridas pelas partes – as quais não se resumiram ao pedido de informações bancárias. Não houve sequer o cuidado de providenciar (oficiosamente) pela junção aos autos de certidão do processo de divórcio, necessária para prova da data da apresentação em juízo da petição inicial e da sentença que decretou o divórcio e respetivo trânsito em julgado, tudo factos essenciais ao conhecimento da questão colocada.
Como é bom de ver, perante estas insuficiências, não dispomos dos factos que nos permitam suprir a nulidade do despacho recorrido, pelo que se impõe a anulação oficiosa deste para que o Tribunal a quo o fundamente de facto, com expressa discriminação dos enunciados e não provados, e de direito, com expressa indicação das normas ou institutos jurídicos onde alicerce o seu juízo, sem prejuízo de, para esse efeito, realizar as diligências prévias que tiver por adequadas.
Com isto, fica prejudicada a resposta à questão enunciada.
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2). Com a anulação do despacho recorrido, a Recorrente vê ser eliminada uma decisão que lhe havia sido desfavorável. Por contraposição, o Recorrido vê desaparecer uma decisão que lhe havia sido favorável e por cuja confirmação se bateu em sede de resposta.
Pode, portanto, afirmar-se que o Recorrido ficou vencido no recurso, devendo, em conformidade, suportar as custas respetivas: art. 527/1 e 2 do CPC.
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IV.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:
Anular o despacho recorrido, por forma a que seja fundamentado nos termos referidos no ponto 1).5.1. da Parte III. deste Acórdão;
Declarar prejudicado o conhecimento do objeto do recurso de apelação interposto do mesmo despacho pela Recorrente.
Custas pelo Recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi atribuído na modalidade de dispensa de taxa de justiça e encargos.
Notifique.
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Guimarães, 2 de abril de 2025
Os Juízes Desembargadores,
Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães
1.º Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias
2.º Adjunto: João Peres Coelho