JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
EXIGÊNCIA DE QUE SE TORNE IMEDIATA E PRATICAMENTE IMPOSSÍVEL A SUBSISTÊNCIA DA RELAÇÃO DE TRABALHO
Sumário

I - Podendo o contrato de trabalho cessar, para além de outras causas, por despedimento por iniciativa do empregador baseado em justa causa, por facto imputável ao trabalhador, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Trabalho (CT), compete nestes casos ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.
II - A justa causa compreende três elementos: a verificação de um comportamento culposo do trabalhador; que esse seja grave em si mesmo e de consequências danosas; o nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, face àquela gravidade – dito de outro modo, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.
III - Não nos dando o legislador a exata definição sobre qual o comportamento do trabalhador que deve ser considerado como culposo para integração no conceito legal de justa causa, limitando-se a enunciar, de forma exemplificativa, alguns comportamentos do trabalhador que, a ocorrerem, constituem justa causa de despedimento, sempre será, porém, como resulta da lei, de exigir, para o preenchimento do conceito, que o comportamento do trabalhador, para além de culposo, revista uma gravidade e consequências tais que, no caso, em função pois das circunstâncias concretas apuradas, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Texto Integral

Apelação /processo n.º 14803/22.1T8PRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1 Tribunal

Autora: ASSOCIAÇÃO DE INSTRUÇÃO E RECREIO – COLÉGIO ...

Ré: AA

_______

Nélson Fernandes (relator)

Rui Penha

António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. ASSOCIAÇÃO DE INSTRUÇÃO E RECREIO – COLÉGIO ... intentou ação, com processo comum, conta AA peticionando que se reconheça a justa causa para aplicação a esta da sanção de despedimento.

Para o efeito, alegou, em síntese, que: decidiu instaurar procedimento disciplinar, relativamente à Ré, em 14/06/2022, com a intenção de a despedir, estando a mesma grávida nessa data; ao remeter os autos à CITE para obtenção do necessário parecer, veio a mesma entidade pronunciar-se no sentido de inexistir fundamento para a aplicação da referida sanção disciplinar, pelo que emitiu parecer desfavorável; descreve as circunstâncias que verteu na nota de culpa e que, em seu entender, configuram um comportamento inaceitável por parte da Ré, o qual torna inviável a manutenção do seu contrato de trabalho, por violação do dever de lealdade e honestidade que tinha para com a sua entidade empregadora.

Conclui, assim, no sentido de a ação ser julgada procedente e declarar-se a existência de justa causa para a aplicação da sanção disciplinar de despedimento.

Regularmente notificada a Ré veio contestar, deduzindo oposição ao peticionado, invocando, para o efeito e em súmula que: o procedimento disciplinar se encontra ferido de nulidade, decorrente de ter sido ultrapassado o prazo previsto no artigo 329º do Cód. do Trabalho, uma vez que a partir de 07/03/2022 o Autora tinha conhecimento da sua ausência injustificada, tendo apenas recebido a nota de culpa em 15/06/2022; descreve factualidade que, em seu entender, justifica a sua atuação, refutando que tenha, com o seu comportamento, causado qualquer prejuízo, dado ter sempre cumprido os seus deveres profissionais e manifestando a sua intenção de continuar a vigência do seu contrato de trabalho.

Conclui que a ação deverá ser julgada improcedente, sendo absolvida dos pedidos formulados, recusando-se a existência de fundamento para o seu despedimento.

Saneados os autos, foi relegado para final o conhecimento da invocada exceção, identificando-se de seguida o objeto do litígio, fixando-se os factos já assentes e enunciando-se os temas de prova.

Fixou-se, ainda, o valor da ação em €5.000,01.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção improcedente por não provada e em consequência absolve-se a R. do pedido formulado de reconhecimento da existência de justa causa, para a aplicação à mesma da sanção disciplinar de despedimento.

Custas pelo A.

Registe e notifique.”

2. Inconformada, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, apresentando no final das suas alegações as respetivas conclusões, nos termos que agora se transcrevem:

“I- Impugnação da matéria de facto

Existem factos que a sentença recorrida considerou não provados e que a A. entende deveriam ter sido considerados provados. Concretamente:

Primeiro facto que devia ter sido considerado provado, por documento:
- A R. informou que o nascimento do seu filho estava previsto para entre 15 e 18 de Agosto de 2022, não havendo fundamento para a duração da baixa até Outubro.

O documento que comprova este facto é um email da Ré de 11.3.2022, pelas 12h04, dirigido à diretora dos serviços administrativos da A., BB, junto a pgs. 24 do processo disciplinar (e a tradução a pgs. 25) – doc. 2 da p.i., em que a Ré, perguntada se a data de nascimento era 26.10.2022 (como constava do documento da baixa datada de 10.3.2022), informa precisamente que «a data prevista é entre 15 e 18 de Agosto». Portanto, sendo essa data prevista para o nascimento, não havia fundamento para que a baixa apresentada, datada de 10.3.2022, durasse até Outubro, como consta do facto. Portanto, este facto está provado por documento, aceite por ambas as partes (não impugnado), o que revela que a decisão recorrida errou ao considerá-lo não provado.

Segundo facto que devia ter sido considerado provado, por documento e por testemunha:

- Esta declaração evidencia que a R. podia trabalhar, ainda que limitada nas suas funções, tal como fez na sua primeira gravidez e como fazem as suas colegas educadoras grávidas, que podem trabalhar nas suas funções habituais, abstendo-se de pegar nas crianças ao colo, de aulas de ginástica ou outros movimentos de risco.

3ª i) A declaração a que se refere este facto (que radica no artº 17º da p.i.) é uma declaração médica apresentada pela Ré à A., datada de 2.5.2022 (fls. 11 e 27 do PD), segundo a qual, com base na 1ª ecografia de 10.2.2022 (13ª semana), foi declarado «aconselha-se limitações na sua actividade profissional e pessoal (evicção esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo) ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente».

Está provado que a Ré entregou à A. uma declaração médica datada de 2.5.2022 segundo a qual «aconselha-se limitações na sua atividade profissional e pessoal (evicção de esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo), ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente» - fls. 11 e 27 do PD.

A decisão recorrida alheia-se e omite por completo a referência a esta declaração médica, como se ela não existisse nos autos e não tivesse sido ponderada no processo e não devesse sê-lo. É obviamente um erro que não pode aceitar-se, pois que ambas as partes aceitaram que a declaração existe e foi apresentada pela Ré à A. e tem o teor/conteúdo supra transcrito.

Ora, como resulta desta declaração médica, a Ré não estava impossibilitada de trabalhar, ao contrário do que é certificado na 2ª baixa datada de 10.3.2022, mas meramente limitada, nos termos nela referidos. Portanto, é um documento clínico que comprova a primeira parte do facto considerado não provado, isto é, demonstra «que a Ré podia trabalhar, ainda que limitada nas suas funções».

3ª ii) A segunda parte do facto «tal como fez na sua primeira gravidez e como fazem as suas colegas educadoras grávidas, que podem trabalhar nas suas funções habituais, abstendo-se de pegar nas crianças ao colo, de aulas de ginástica ou outros movimentos de risco», encontra-se assente por acordo das partes (artº 17º da p.i. e artº 104º da contestação, na parte em que a Ré reconhece que na primeira gravidez trabalhou) e deve ser considerada provada pelo depoimento da diretora do jardim de infância, CC, no depoimento prestado no dia 20.9.2023, com início às 10h26. Nesse depoimento, do minuto 30:54 ao minuto 36:05, a senhora diretora explicou que no Colégio ... inclusivamente existe uma cadeira de grávidas, para as educadoras exercerem funções nesse estado, e que, não pegando em crianças, até porque têm uma auxiliar para esse efeito, a educadora grávida podia dar aulas em alemão (a roda em alemão, contar histórias, acompanhar as crianças, trabalhos manuais), o que é uma mais valia no ensino da língua ..., além de poder ter funções administrativas (home page, programa de proteção das crianças) e trabalho pedagógico de apoio à diretora, na sala das educadoras e no computador ali existente, tarefas para que a Ré nunca se disponibilizou nem se ofereceu a colaborar. Este depoimento foi erradamente desconsiderado pela decisão recorrida, nesta parte, nem sequer tendo a senhora juiz consignado, na fundamentação de facto, este trecho da maior importância, sem que se perceba o motivo, o que mais estranheza causa.

3ª iii) Portanto, este facto foi erradamente julgado, tendo em conta as provas, documental e testemunhal, referidas, impondo-se que fosse dado como provado e que a Ré entregou à A. uma declaração médica datada de 2.5.2022 segundo a qual «aconselha-se limitações na sua atividade profissional e pessoal (evicção de esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo), ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente» - fls. 11 e 27 do PD.

Terceiros factos que deviam ter sido dados como provados, por força do depoimento da testemunha CC, referido na conclusão 3ª ii):

- As educadoras têm sempre uma auxiliar e outras colegas que ajudam nessas actividades.

- E além disso havia todo um conjunto de funções administrativas (renovar a home page, avaliações, relatórios e protocolos, planeamento, programação de festas, apoio à diretora) e vigilância que qualquer trabalhadora grávida faz e pode fazer, até em teletrabalho, total ou parcial.

- A R. não informou a A. da sua capacidade de trabalho restante, de que manifestamente dispunha, nem a ofereceu, e remeteu-se para a posição errada, que a defesa não logra escamotear, de fazer uma viagem transatlântica de avião, de laser, de entregar um certificado de incapacidade para o trabalho e de permanecer ausente do serviço ao abrigo dessa declaração, que sabia ser inexata.

4ª i) Estes três factos deveriam ter sido considerados provados por força do depoimento da diretora do jardim de infância, CC, prestado no dia 20.9.2023, com início às 10h26, do minuto 30:54 ao minuto 36:05, que, como se referiu no ponto 2º supra, a senhora juiz desconsiderou, sem qualquer justificação, o que foi um erro.

Como se referiu e resulta do citado depoimento da diretora do jardim de infância, CC, apesar de a Ré poder ter atividade profissional, durante a gravidez de risco, ainda que de forma limitada, apenas realizando parte das tarefas, sobretudo aquela que era de mais-valia, que era a de poder falar em alemão com as crianças e de poder estar presente e fazer o acompanhamento (a ligação afetiva com a sua educadora é fundamental para a estabilidade das crianças), demitiu-se de fazê-lo, alheando-se até do Grupo de WhatsApp das educadoras.

4ª ii) Portanto, os factos transcritos devem ser dados como provados por força do depoimento da testemunha CC, que a decisão recorrida desconsiderou erradamente, sem fundamento, tanto mais que não foi posto em causa por qualquer outro meio de prova.
4ª iii) O último facto referido, por ter expressões conclusivas, deve ter a seguinte redação:

- A R. não informou a A. da sua capacidade de trabalho restante, nem a ofereceu, tendo feito uma viagem transatlântica de avião, de laser, e entregue um certificado de incapacidade para o trabalho e permanecido ausente do serviço ao abrigo dessa declaração, que sabia ser inexata.


II- Do direito a) Caducidade do processo disciplinar

A sentença errou ao julgar parcialmente caducado o processo disciplinar.

Não ficou provado que o Conselho de Administração da A., que é quem detém o poder disciplinar, tivesse tido conhecimento dos factos sujeitos a processo disciplinar em momento anterior ao da denúncia da situação pelo email de 19.4.2022 do senhor diretor do Colégio, como consta do despacho de 14.6.2022 de abertura do respetivo procedimento, a fls. 6 do PD.

Tendo o Conselho de Administração da A. tomado conhecimento da situação a 19.4.2022 e a nota de culpa sido notificada a 15.6.2022, cf. fls. 32 do processo disciplinar, não se verifica a caducidade do processo disciplinar, tendo a sentença violado o artº 329º, nº 2, do CT.


b) Justa causa de despedimento

Os factos provados consubstanciam justa causa para despedimento da Ré, nos termos do artº 351º do CT, pelo que ao não decidir neste sentido, a sentença recorrida errou e violou esta norma. Vejamos:

A A. dedica-se ao ensino particular, explorando o estabelecimento de ensino conhecido como «O COLÉGIO ...», e a Ré é educadora de infância, no jardim de infância da empregadora.

10ª Num primeiro momento, provou-se que:
- A Ré apresentou uma 1ª baixa, de 27.1.2022 a 25.2.2022, por motivo de gravidez de risco clínico, podendo apenas ausentar-se do seu domicílio para tratamento e, no período das 11 às 15h e das 18 às 21h, por motivos clínicos.
- No reinício das aulas após a interrupção letiva da semana do Carnaval, no dia 7.3.2022, a Ré não compareceu ao serviço nem comunicou o motivo da sua ausência.
- No dia 9.3.2022, não havendo qualquer informação sobre qual era a situação da Ré e se tinha havido prorrogação da baixa médica, face à necessidade de planeamento do corpo docente, de reorganizar os grupos de crianças e de informar os encarregados de educação, os serviços administrativos entraram em contacto com a Ré.
- Questionada pelos serviços administrativos, a Ré apresentou uma 2ª baixa, datada de 10.3.2022, com efeitos retroativos desde 28.2.2022, até 26.10.2022, por motivo de gravidez de risco clínico, estando autorizada a sair do seu domicílio das 11 às 15h e das 18 às 21h. - Esta 2ª baixa só foi comunicada e entregue à empregadora por email da Ré de

10.3.2022, pelas 20h58.

A Ré informou que o nascimento do seu filho estava previsto para entre 15 e 18 de Agosto de 2022, não havendo fundamento para a duração da baixa até Outubro.
- A ausência da Ré provocou a necessidade de reduzir o jardim de infância de 8 para 7 grupos, com a integração das crianças do grupo da Ré – ... (grupo ..., crianças dos 3 aos 6 anos) – em seis grupos.

- Não foi possível à A. recrutar uma educadora para a substituição da Ré, face ao requisito indispensável do domínio da língua ..., pelo que a presença da Ré ao serviço era fundamental, quanto mais não fosse para a prática e desenvolvimento da língua ... com as crianças e o acompanhamento das atividades, devido ao apego das crianças à «sua» educadora e aos amigos da sua sala (Grupo ...).
- A instabilidade e a necessidade de alteração do grupo súbita e sem planeamento provocou uma reação negativa dos pais (encarregados de educação) e perturbação das crianças.
- Em consequência da ausência, a Ré não integrou o plantão rotativo de educadoras, para vigilância nas férias (da Páscoa), que decorreu de 11 a 22 de Abril.

11ª Estes factos permitem concluir-se que a Ré incorreu em infração disciplinar, por lei qualificada de grave (artº 256º, nº 2, do CT), por não ter comunicado à A., em tempo, a prorrogação da baixa, obrigando os serviços administrativos da A. a saber junto dela o que se passava e provocando toda uma perturbação e instabilidade no jardim de infância e nas crianças que acompanhava, pela situação de dúvida que gerou, de forma desnecessária e desleixada e que nunca devia ter ocorrido, se tivesse um mínimo de cuidado e de consideração pelas crianças e pelo Colégio.

12ª Violou, pois, a Ré, o artº 253º do CT, tornando injustificadas as faltas dos dias 7, 8, 9 e 10 de março de 2022, como expressamente se prevê no nº 5 daquela norma, o que constitui uma infração disciplinar grave, com consequências negativas e danosas para a comunidade escolar e para o Colégio, nos termos descritos.

13ª Num segundo momento, provou-se que:
- A Ré apresentou uma 2ª baixa, datada de 10.3.2022, com efeitos retroativos desde 28.2.2022, até 26.10.2022, por motivo de gravidez de risco clínico, estando autorizada a sair do seu domicílio das 11 às 15h e das 18 às 21h.
- A Ré fez uma viagem de avião para o Brasil, que decorreu de 9 a 18 de Abril.
- No dia 26.4.2022 a R. entregou à empregadora uma declaração da sua médica assistente, de que lhe foi permitido realizar a viagem.
- A Ré não comunicou à empregadora que ia realizar essa viagem ao Brasil.
- A Ré publicou fotografias da sua viagem de férias no Instagram, onde tem 495 seguidores.
- A Ré é seguida no Instagram por colegas, trabalhadores da empregadora, e por pais (encarregados de educação) dos alunos e das crianças que frequentam o Colégio e que tomaram conhecimento da viagem realizada pela Ré, sabendo igualmente que a Ré estava a faltar ao abrigo de baixa médica.
- Foram identificados como tendo visto essa publicação a Dra. DD, sub-diretora do Colégio, o Dr. EE, diretor do Colégio, a Dra. CC, diretora do jardim de infância, a Dra. BB, diretora dos serviços administrativos, bem como outros professores e pais de alunos.
- Para além dessas pessoas houve pelo menos mais 140 pessoas que fizeram like no post. - Não foi possível à A. recrutar uma educadora para a substituição da R., face ao requisito indispensável do domínio da língua ..., pelo que a presença da R. ao serviço era fundamental, quanto mais não fosse para a prática e desenvolvimento da língua ... com as crianças e o acompanhamento das atividades, devido ao apego das crianças à «sua» educadora e aos amigos da sua sala (Grupo ...).
- A instabilidade e a necessidade de alteração do grupo súbita e sem planeamento provocou uma reação negativa dos pais (encarregados de educação) e perturbação das crianças.
- Em consequência da ausência, a R. não integrou o plantão rotativo de educadoras, para vigilância nas férias (da Páscoa), que decorreu de 11 a 22 de Abril.

A Ré entregou à A. uma declaração médica datada de 2.5.2022 segundo a qual «aconselha-se limitações na sua atividade profissional e pessoal (evicção de esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo), ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente» - fls. 27 do PD.

14ª Deste segundo grupo de factos pode concluir-se que a Ré, não obstante estar ausente ao abrigo de um certificado de incapacidade temporária para o trabalho que só lhe permitia ausentar-se do domicílio no período das 11 às 15 e das 18 às 21 horas, como dele consta (fls. 23 do PD), fez uma viagem transatlântica de avião ao Brasil, de laser, que não comunicou à A..

15ª Pode também concluir-se que a A., que pensava que a Ré estava no recato do seu lar em situação de impedimento para o trabalho por causa de um risco clínico que a impossibilitava de exercer funções, como é suposto por essa licença (artº 37º, nº 1, do CT), foi surpreendida com a publicação de fotografias da viagem, no Instagram da Ré, o que foi obviamente um choque! 16ª Confrontada com a situação, a Ré entregou à A. uma declaração médica de 2.5.2022, nos termos da qual «aconselha-se limitações na sua actividade profissional e pessoal (evicção esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo) ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente».

17ª Esta segunda declaração médica põe em causa o certificado de baixa anteriormente empregue, pois evidencia que afinal a Ré não estava incapacitada totalmente para o trabalho, ou seja, evidencia que afinal a licença de risco clínico entregue pela Ré não era impeditiva do exercício de funções, todas elas, como era pressuposto (artº 37º, nº 1, do CT): A Ré apenas foi aconselhada a limitar a sua atividade profissional a determinadas tarefas.

18ª Portanto, o certificado de baixa foi posto em causa pela própria Ré e por médica consultada pela Ré e cedeu face a documento médico de igual valor e a própria Ré, com a sua postura de se deslocar para o Brasil, numa viagem de avião, durante uma semana, se encarregou de mais contribuir para pôr em causa o impedimento invocado e a declaração que entregou para justificar a sua ausência, pois não é minimamente aceitável que o risco clínico que invocou a obrigava a permanecer no domicílio por estar impedida de exercer as suas funções, todas elas, e não de fazer uma viagem transatlântica de avião.

19ª A 2ª baixa, como declaração justificativa de faltas, é falsa, pois não é compatível com a declaração médica de 2.5.2022, segundo a qual a Ré está apenas limitada funcional e profissionalmente, nem é congruente com a autorização para a submissão a uma viagem transatlântica de férias.

20ª A Ré escudou-se numa baixa de risco clínico (não foi a Ré que passou o certificado de baixa, mas foi a Ré que o apresentou à A. e se declarou impedida de exercer as suas funções, quando não era esse o seu estado), para não comparecer ao trabalho, e deu-se como totalmente incapacitada ou impedida de trabalhar, quando essa situação não correspondia à realidade: A Ré não estava totalmente impedida de exercer funções, todas elas, podendo pelo menos exercer uma parte das suas funções (e nomeadamente uma parte essencial, que era a do contacto com as suas crianças, em alemão, contribuindo para a sua estabilidade emocional e fluência da língua estrangeira).

21ª Por outro lado, o comportamento da Ré é altamente desleal para com a A., para não dizer desonesto, ao empreender uma viagem de recreio para o Brasil quando se dizia impedida para o trabalho e obrigada a permanecer em casa na maior parte do dia, por causa do seu risco clínico.

22ª A postura da Ré constitui um péssimo exemplo desmoralizador para todo o Colégio, não só perante os colegas de trabalho e diretores, como também perante os encarregados de educação, dando origem a avaliações negativas e a mal-estar. Revela uma total desconsideração pelo grupo de crianças que lhe estava afeto e pela organização do jardim de infância, recorrente. 23ª A atitude da Ré revela falta de idoneidade e faz quebrar a confiança num comportamento honesto e leal e numa postura profissional, não havendo condições para continuar ao serviço.

24ª Violou, assim, de forma grave e reiterada, o dever de honestidade e de lealdade, o dever de assiduidade, o dever de obediência e de cumprimento do horário de trabalho, previstos no artigo 128º do CT, tornando impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 e das alíneas a), d), f) e g) do nº 2 do artigo 351º do CT.”

Conclui pela procedência do recurso e consequente procedência da ação.

2.1. Contra-alegou a Ré, concluindo pela improcedência do recurso.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso.


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Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) matéria de facto; (2) Dizendo de direito / das questões da caducidade e da existência ou não de justa causa para o despedimento.


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III – Fundamentação

A) De facto

O Tribunal recorrido fez constar da sentença, na pronúncia sobre a matéria de facto, o seguinte:

“FACTOS PROVADOS

Após a discussão da causa, os factos que resultaram provados, são os seguintes:

1) A A. dedica-se ao ensino particular, explorando o estabelecimento de ensino conhecido como «O COLÉGIO ...».

2) A R. foi admitida pela A. para lhe prestar serviço, no âmbito da sua organização e sob a sua autoridade e direção, como educadora de infância, no jardim de infância da empregadora, mediante contrato de trabalho celebrado em 30.8.2016, com efeitos a 1.9.2016.

3) Em 14.6.2022 a A. decidiu instaurar procedimento disciplinar à R., com intenção de despedimento, tendo a demandada sido notificada da nota de culpa em 15/06/2022 (cfr. doc. junto com o articulado inicial). Nessa altura a R. encontrava-se grávida.

4) A R. defendeu-se, no âmbito desse procedimento, e arrolou testemunhas. Concluídas as diligências probatórias requeridas pela R. e a instrução do processo, os autos foram enviados à CITE, para parecer.

5) A CITE deu parecer desfavorável ao despedimento da R. – cfr. doc. nº 3 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

6) A R. apresentou uma 1ª baixa, de 27.1.2022 a 25.2.2022, por motivo de gravidez de risco clínico, podendo apenas ausentar-se do seu domicílio para tratamento e, no período das 11 às 15h e das 18 às 21h, por motivos clínicos.

7) A R. fez uma viagem de avião para o Brasil, que decorreu de 9 a 18 de Abril de 2022.

8) No dia 26.4.2022 a R. entregou à empregadora uma declaração da sua médica assistente, de que lhe foi permitido realizar a viagem.

9) A R. publicou fotografias da sua viagem de férias no Instagram, onde tem 495 seguidores.

10) A R. é seguida no Instagram por colegas, trabalhadores da empregadora, e por pais (encarregados de educação) dos alunos e das crianças que frequentam o Colégio e que tomaram conhecimento da viagem realizada pela R., sabendo igualmente que a R. estava a faltar ao abrigo de baixa médica.

11) No reinício das aulas, após a interrupção pelo Carnaval, em 07/03/2022, a R. não compareceu ao serviço nem comunicou o motivo da sua ausência.

12) No dia 9.3.2022, não havendo qualquer informação sobre qual era a situação da R. e se tinha havido prorrogação da baixa médica, face à necessidade de planeamento do corpo docente, de reorganizar os grupos de crianças e de informar os encarregados de educação, os serviços administrativos entraram em contacto com a R.

13) Questionada pelos serviços administrativos, a R. apresentou uma 2ª baixa, datada de 10.3.2022, com efeitos retroativos desde 28.2.2022, até 26.10.2022, por motivo de gravidez de risco clínico, estando autorizada a sair do seu domicílio das 11 às 15h e das 18 às 21h.

14) Esta 2ª baixa só foi comunicada e entregue à empregadora por email da R. de 10.3.2022, pelas 20h58.

15) A ausência da R. provocou a necessidade de reduzir o jardim de infância de 8 para 7 grupos, com a integração das crianças do grupo da R. – ... (grupo ..., crianças dos 3 aos 6 anos) – em seis grupos.

16) Foram identificados como tendo visto a publicação da aqui A. (referente à viagem ao Brasil) a Dra. DD, sub-diretora do Colégio, o Dr. EE, diretor do Colégio, a Dra. CC, diretora do jardim de infância, a Dra. BB, diretora dos serviços administrativos, bem como outros professores e pais de alunos.

17) Para além dessas pessoas houve pelo menos mais 140 pessoas que fizeram like no post.

18) Não foi possível à A. recrutar uma educadora para a substituição da R., face ao requisito indispensável do domínio da língua ..., pelo que a presença da R. ao serviço era fundamental, quanto mais não fosse para a prática e desenvolvimento da língua ... com as crianças e o acompanhamento das atividades, devido ao apego das crianças à «sua» educadora e aos amigos da sua sala (Grupo ...).

19) A instabilidade e a necessidade de alteração do grupo súbita e sem planeamento provocou uma reação negativa dos pais (encarregados de educação) e perturbação das crianças.

20) Em consequência da ausência, a R. não integrou o plantão rotativo de educadoras, para vigilância nas férias (da Páscoa), que decorreu de 11 a 22 de Abril.

21) A R. não comunicou à empregadora que ia realizar essa viagem ao Brasil.


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FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes:

a) A R. informou que o nascimento do seu filho estava previsto para entre 15 e 18 de Agosto de 2022, não havendo fundamento para a duração da baixa até Outubro.

b) Esta declaração evidencia que a R. podia trabalhar, ainda que limitada nas suas funções, tal como fez na sua primeira gravidez e como fazem as suas colegas educadoras grávidas, que podem trabalhar nas suas funções habituais, abstendo-se de pegar nas crianças ao colo, de aulas de ginástica ou outros movimentos de risco.

c) As educadoras têm sempre uma auxiliar e outras colegas que ajudam nessas actividades.

d) E além disso havia todo um conjunto de funções administrativas (renovar a home page, avaliações, relatórios e protocolos, planeamento, programação de festas, apoio à diretora) e vigilância que qualquer trabalhadora grávida faz e pode fazer, até em teletrabalho, total ou parcial.

e) A R. não informou a A. da sua capacidade de trabalho restante, de que manifestamente dispunha, nem a ofereceu, e remeteu-se para a posição errada, que a defesa não logra escamotear, de fazer uma viagem transatlântica de avião, de laser, de entregar um certificado de incapacidade para o trabalho e de permanecer ausente do serviço ao abrigo dessa declaração, que sabia ser inexata.”

B) Discussão

1. Recurso sobre a matéria de facto

1.1. Dirigindo a Recorrente o recurso à reapreciação da matéria de facto, por termos suficientemente cumpridos os ónus legais, de seguida procederemos à apreciação:

Alíneas a) e b), não provadas:

“a) A R. informou que o nascimento do seu filho estava previsto para entre 15 e 18 de Agosto de 2022, não havendo fundamento para a duração da baixa até Outubro.

b) Esta declaração evidencia que a R. podia trabalhar, ainda que limitada nas suas funções, tal como fez na sua primeira gravidez e como fazem as suas colegas educadoras grávidas, que podem trabalhar nas suas funções habituais, abstendo-se de pegar nas crianças ao colo, de aulas de ginástica ou outros movimentos de risco.”

Sustenta a Recorrente que o teor das citadas alíneas deve transitar para a factualidade provada, aditando-se ainda na segunda: “que a Ré entregou à A. uma declaração médica datada de 2.5.2022 segundo a qual «aconselha-se limitações na sua atividade profissional e pessoal (evicção de esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo), ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente»”.

Indica como prova, para suportar a alteração,

- quanto à alínea a), o teor do email da Ré de 11.3.2022, junto a página 24 do processo disciplinar (e a tradução a página 25) – doc. 2 da PI (documento não impugnado), em que a Ré, perguntada se a data de nascimento era 26.10.2022 (como constava do documento da baixa datada de 10.3.2022), informa precisamente que «a data prevista é entre 15 e 18 de Agosto», razão pela qual, diz, “sendo essa data prevista para o nascimento, não havia fundamento para que a baixa apresentada, datada de 10.3.2022, durasse até outubro, como consta do facto”;

- quanto à alínea b): a declaração médica apresentada pela Ré, datada de 2.5.2022 (fls. 11 e 27 do PD), segundo a qual, com base na 1ª ecografia de 10.2.2022 (13ª semana), foi declarado «aconselha-se limitações na sua actividade profissional e pessoal (evicção esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo) ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente»; referente à segunda parte, por estar assente por acordo das partes “(artº 17º da p.i. e artº 104º da contestação, na parte em que a Ré reconhece que na primeira gravidez trabalhou)” e ainda pelo depoimento da diretora do jardim de infância, CC (“do minuto 30:54 ao minuto 36:05”), que, diz, “foi erradamente desconsiderado pela decisão recorrida”.

Defende a Apelada o julgado, referindo, designadamente: quanto à alínea a), que o que a sentença quis considerar como não provado foi a conclusão ínsita no “facto” constante da petição inicial, “até porque a informação da trabalhadora (designada Ré) sobre a previsão do nascimento do filho está documentalmente comprovada nos autos, e aceite pela mesma”; sobre a alínea b), sobre a declaração médica a que alude a Recorrente, que da mesma “resulta evidente que a trabalhadora não podia desempenhar a sua atividade profissional”, acrescentando, ainda, o que diz resultar do depoimento de FF, sua médica assistente (indicando e localizando, no registo de gravação, passagens desse depoimento).

Consta da motivação constante da sentença (transcrição):

“O Tribunal baseou a sua convicção na prova documental junta aos autos, nomeadamente, nas impressões das publicações efectuadas pela demandada, nos certificados de incapacidade apresentados pela mesma, no email remetido à direcção do A. reportando a publicação efectuada pela R. na sua página de Instagram, na nota de culpa emitida pelo A. e subscrita pela demandada de 15/06/2022 e nas comunicações remetidas ao A., pelos representantes dos pais das crianças que ali frequentavam o jardim de infância, dando conta do impacto que a ausência da R. teve na sua via escolar. Acrescem ainda os documentos remetidos aos autos pelos serviços sociais competentes quanto às prestações sociais auferidas pela R. durante o período da sua ausência por gravidez de risco.

No mais, consideraram-se os depoimentos das seguintes testemunhas:

- CC, disse ser directora do aqui demandante desde 1994 e afirmou que a demandada exercia funções como educadora de infância, na sala designada dos “...” com 18 alunos; disse ainda que em Janeiro de 2022 a R. lhe enviou uma mensagem a comunicar que estava no Hospital e que lhe tinha sido dito que tinha uma gravidez de risco, tendo-lhe entregue uma primeira baixa médica em 25/02/2022; descreveu ainda os motivos pelos quais não tinham ninguém para a substituírem e que os pais dos alunos daquela mesma sala ficaram insatisfeitos com a necessidade dos seus filhos terem de ser redistribuídos por outras salas; acrescentou ainda que, como a primeira baixa cessava antes do intervalo lectivo para Carnaval, ficaram a aguardar que a R. lhes comunicasse se iria regressar ou manter-se de baixa, o que apenas lhes foi transmitido em inícios de Março, com a nova baixa médica até finais de Outubro desse mesmo ano, confirmando que a ausência da demandada impediu que a mesma fosse integrada nos programas de férias da Páscoa de 2022 o que sobrecarregou as outras educadoras; confirmou ainda que a R. se disponibilizou para preencher as fichas de avaliação dos alunos, apesar de estar de baixa e remetê-las ao A.;

- EE, disse ser director do aqui A. desde há 4 anos, afirmou que desconhecia qualquer viagem da R. ao Brasil, tendo ainda confirmado o teor dos documentos juntos aos autos relativos à comunicação da conduta da R. e à decisão de instauração de procedimento disciplinar à mesma;

- DD, disse ser professora do A. há cerca de 29 anos, tendo confirmado que se realizaram reuniões da direcção do demandante nas quais foram indicadas queixas dos pais dos alunos, provocadas pela ausência da demandada; disse ainda que tinha acesso à página de Instagram da R., mas ficou surpreendida com a publicação em questão nos presentes autos, porque a viagem não se coadunava com a gravidez de risco que tinha sido comunicada, tendo dado conhecimento, de imediato, ao director do A.;

- BB, disse ser directora dos serviços administrativos do A. desde Junho de 2017 e afirmou que recebeu a baixa médica da R. nos serviços administrativos e fez o processamento dos salários, tendo confirmado que no início de Março de 2022 a R. ainda não tinha comunicado se iria regressar ou não ao seu posto de trabalho, pelo que lhe endereçou um email a pedir o envio de nova baixa, tendo recebido novo certificado com indicação de gravidez de risco clínico; acrescentou que recebeu um email do conselho de administração do A. em Abril de 2022 informando-a que a R. se encontrava ausente no Brasil;

- GG, disse ter sido representante dos pais de todas as turmas do A. de Setembro de 2019 a Março de 2023 e confirmou que soube um primeiro período de baixa médica da R., tendo tido depois conhecimento de que a mesma se tinha ausentado para o estrangeiro; descreveu ainda a preocupação que os pais sentiram, quanto à substituição da R., até que decidiram dividir os alunos que frequentavam a sala da mesma, por outras salas, o que suscitou um descontentamento grande dos pais, porque consideravam que os filhos estavam a ser prejudicados no ensino da língua ...;

- HH, disse ser sogro da aqui R. e descreveu as circunstâncias em que surgiu a viagem que a família (aqui incluído o seu filho e a demandada) fez ao Brasil na Páscoa de 2022, bem como os cuidados médicos que a R. observou nessa mesma viagem;

- II, disse ser médica, sendo tia por afinidade da aqui R. e afirmou que acompanhou a família na viagem em causa nos autos, ao Brasil, descrevendo os cuidados que a demandada tinha de ter, atenta a gravidez de risco que lhe foi diagnosticada e a ocorrência dum anterior parto por cesariana;

- JJ, disse ter filhos que frequentam o estabelecimento de ensino aqui demandante, e descreveu as circunstâncias em que tomaram conhecimento da ausência da R., bem como as soluções que aquele estabelecimento foi adoptando para a sua substituição;

- KK, disse ter filhos a frequentar o estabelecimento de ensino aqui demandante e afirmou que já havia uma outra educadora de infância ausente e depois foi a R. que ficou de baixa, confirmando que os alunos da sua sala foram distribuídos pelas outras salas, tendo as crianças perdido a sua referência na sala que costumavam frequentar o que as perturbou;

- LL, disse ter filhos a frequentar o estabelecimento de ensino aqui demandante e afirmou que, após a ausência da demandada, as crianças da sua sala ficaram cerca de 3 semanas apenas com a auxiliar e sem acompanhamento da língua ..., pelo que foi pedida uma reunião à directora do jardim de infância e no seguimento da mesma, as crianças foram separadas por salas, tendo os pais ficado desagrados com a falta de comunicação por parte do A.; confirmou ainda que realizou uma reunião via zoom com a ora R., enquanto a mesma se encontrava de baixa, para resolver algumas questões referentes ao seu filho;

- MM, disse que tem filhos a frequentar, desde 2016, o estabelecimento de ensino aqui demandante e afirmou que na primeira gravidez a R. esteve a trabalhar até Janeiro de 2021 e que na segunda receberam uma comunicação do A. dando-lhes conta que a R. estaria ausente, sendo que as crianças ficavam apenas com uma auxiliar e uma outra educadora dava um apoio de cerca de 15 minutos, pelo que se queixaram pela falta de havia na prática da língua ... e acabaram por ser divididos pelas outras salas;

- FF, disse ser médica obstetra, prestando assistência clínica à aqui R. em ambas as gravidezes; descreveu ainda as circunstâncias que antecederam a baixa médica da R. por gravidez de risco, justificando o segundo certificado de incapacidade que subscreveu, por considerar que a R. deveria permanecer em repouso, evitando as deslocações entre o trabalho e a sua casa e o cumprimento das suas tarefas profissionais; explicou também a testemunha como lhe foi relatado pela R., a necessidade de se deslocar ao Brasil e a autorização que lhe concedeu para o efeito, tendo-lhe explicado o risco que corria e os cuidados que tinha de ter nessa deslocação.

Em sede de declarações de parte, o legal representante do aqui A. afirmou que exerce funções neste estabelecimento de ensino, como responsável pela área dos recursos humanos e acrescentou que recebeu um email do director do colégio, de 19/04/2022, com uma foto duma rede social, tendo aí tomado conhecimento de que a R. se havia ausentado para o Brasil; foi então, realizada uma reunião com a mesma que confirmou a viagem e no seguimento deste encontro, a R. juntou uma outra declaração médica (cfr. doc. nº 7, junto com a contestação, subscrito pela médica FF).

Já a aqui demandada descreveu de que forma lhe foi diagnosticada a gravidez de risco em finais de Janeiro de 2022, tendo-lhe sido dito que deveria ficar em repouso absoluto, pelo que avisou telefonicamente a directora do jardim de infância do A. da sua situação e remeteu o primeiro certificado de incapacidade; depois passou a ser vista pela sua médica assistente, a aqui testemunha FF, de 15 em 15 dias, tendo dito, ao aqui A., que era provável que permanecesse de baixa toda a gravidez; acrescentou que não recebeu dos pais das crianças da sua sala, qualquer mensagem demonstrando desagrado pela sua ausência e explicou os motivos da viagem que realizou ao Brasil, considerando que nessa ocasião se encontrava de férias (período da Páscoa).”

Apreciando, importa referir, desde já, quanto ao teor da alínea a) não provada, que sobre a sua primeira parte existe, incluindo no presente recurso, acordo das partes, razão pela qual, sem necessidade de maiores considerações, se justifica que, nessa parte, seja aditada à factualidade provada. Já, porém, diversamente, como aliás o salienta, e bem, a Apelada, assim “não havendo fundamento para a duração da baixa até Outubro”, estamos efetivamente perante conteúdo meramente conclusivo, de resto integrando um juízo valorativo quando consta que não existiria fundamento, que, enquanto tal, não deve ter assento em sede de matéria de facto. Isso mesmo ensinava Alberto dos Reis, quando referia que a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”[1]. Manuel de Andrade, por sua vez, sem deixar de afastar o Direito – ou dizer, juízos de direito – não deixava também de considerar como passível de constituir objeto de prova “tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc)», «Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”[2]. Também Anselmo de Castro referia que “toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”, como ainda que “a aplicação da norma pressupõe, assim, primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, que possam enquadrar-se na hipótese legal”, sendo “esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência” que “constituem, respetivamente, o facto e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto” – acrescentando de seguida: “E, segundo, um juízo destinado a determinar se os factos em concreto averiguados cabem ou não efetivamente na situação querida pela norma, típica e abstratamente nela descrita pelos seus caracteres gerais – juízo este já jurídico (o chamado juízo de qualificação ou subsunção), visto pressupor necessariamente interpretação da lei, isto é, do âmbito ou alcance da previsão normativa. Só por este seu diverso conteúdo, facto e direito, juízo de facto e de direito, se distinguem, pois não diferem em estrutura. Para o efeito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal. Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente, ou somente através de regras gerais e abstratas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regras da experiência). Raros, aliás, são os casos em que o conhecimento do facto dispense esses juízos e possa fazer-se apenas na base de puras perceções.”[3] Não obstante, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015[4], importará esclarecer que “A meio caminho entre os puros factos e as questões de direito situam-se os juízos de valor sobre matéria de facto, nos quais deverá distinguir-se entre aqueles para cuja formulação se há-de recorrer a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, e aqueles cuja emissão apela essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista”.

O que antes referimos é, diga-se, também diretamente aplicável ao teor da alínea b), pois que, salvo o devido respeito, se assume, mais uma vez, como meramente conclusivo e valorativo, sendo que, acrescente-se, mesmo que não fosse o caso, em face de toda a prova produzida, limitando-se a Recorrente a assentar a sua convicção na declaração que indica e no depoimento da testemunha CC, no entanto, porém, outra prova foi produzida em audiência, como resulta da motivação antes transcrita, em que se inclui, desde logo, o depoimento da testemunha a que alude a Apelada.

E, sendo deste modo, importa então ter presente que vigora neste âmbito o princípio da livre apreciação da prova, sendo que, no caso, não encontramos razões para ter como infirmada a decisão recorrida, tanto mais que, como dito, não resulta a nosso ver infirmada na alegação da Recorrente.

Assim o dizemos pois que, tendo por base o regime legal aplicável, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[5] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes da parte processual que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos – sem limitar, porém, o segundo grau, ou seja o tribunal de recurso, de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção (não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[6]).

Por decorrência de todo o exposto, improcedendo o recurso no mais nesta parte, adita-se à factualidade o seguinte facto:

“A R. informou que o nascimento do seu filho estava previsto para entre 15 e 18 de Agosto de 2022.”

Alíneas c) a e), não provadas

Defende a Recorrente que deveria ter sido considerado provado:

- Quanto às alíneas c) e d): “- As educadoras têm sempre uma auxiliar e outras colegas que ajudam nessas actividades. - E além disso havia todo um conjunto de funções administrativas (renovar a home page, avaliações, relatórios e protocolos, planeamento, programação de festas, apoio à diretora) e vigilância que qualquer trabalhadora grávida faz e pode fazer, até em teletrabalho, total ou parcial.”

- E, quanto à alínea e), com a redação seguinte:
A R. não informou a A. da sua capacidade de trabalho restante, nem a ofereceu, tendo feito uma viagem transatlântica de avião, de laser, e entregue um certificado de incapacidade para o trabalho e permanecido ausente do serviço ao abrigo dessa declaração, que sabia ser inexata.”

Refere que deveriam ter sido considerados provados por força do depoimento da diretora do jardim de infância, CC, prestado no dia 20.9.2023, com início às 10h26, do minuto 30:54 ao minuto 36:05, que foi desconsiderado sem justificação.
Defendendo a Apelada, mais uma vez, o julgado, relembrando-se o que se fez constar da motivação constante da sentença, antes já citada, valem claramente aqui as considerações que fizemos anteriormente a respeito da circunstância de a Recorrente fazer assentar a convicção que defende apenas em parte da prova produzida, desconsiderando outra, que claramente foi atendida pelo Tribunal recorrido para efeitos da convicção que teria estado na resposta que deu, como ainda sobre o princípio da livre apreciação da prova e, também, sobre o facto de a reapreciação não se bastar com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes, da parte processual que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, o que, no caso, claramente não se verifica.
Improcede assim, também, o recurso nesta parte.

1.2. Pelas razões que anteriormente referimos, o elenco factual a atender para dizermos o Direito do caso é aquele que foi considerado em 1.ª instância, com a alteração a que antes procedemos.

2. O Direito do caso

Partindo também da alteração da matéria de facto por que também pugnou, mas que como vimos apenas parcialmente logrou alcançar, dirige a Recorrente o recurso, no âmbito da aplicação do direito, a duas questões, assim da caducidade parcial do procedimento disciplinar e da existência de justa causa de despedimento.

Pronunciando-se a Ré pela adequação do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público no parecer emitido, de seguida procederemos à apreciação, pela ordem que o foram, das questões colocadas.

2.1. Da caducidade

Invoca a Recorrente, em face das conclusões, que como já o dissemos delimitam o objeto do recurso, que a sentença errou ao julgar parcialmente caducado o processo disciplinar, não tendo ficado provado que o seu Conselho de Administração, que é quem detém o poder disciplinar, tivesse tido conhecimento dos factos sujeitos a processo disciplinar em momento anterior ao da denúncia da situação pelo email de 19.4.2022 do senhor diretor do Colégio, como consta do despacho de 14.6.2022 de abertura do respetivo procedimento, sendo que, acrescenta, tendo o Conselho de Administração tomado conhecimento da situação a 19.4.2022 e a nota de culpa sido notificada a 15.6.2022, não se verifica a caducidade do processo disciplinar, tendo a sentença violado o artigo 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Consta da sentença recorrida, sobre esta questão, o seguinte:

“(…) Ora, fazendo apelo à factualidade acima dada como assente, cumpre, desde já, concluir no sentido de que, quanto aos factos referentes à ausência injustificada da aqui R., no período que mediou entre o final do primeiro certificado de incapacidade, por gravidez de risco – 25/02/2022 – e a entrega do segundo certificado de incapacidade, que terá sido a 10/03/2022 (iniciando-se o mesmo em 28/02/2022), tendo a nota de culpa aqui em apreço, sido entregue à demandada em 15/06/2022, este procedimento disciplinar caducou, por força do estatuído no art. 329º nº2 do Cód. do Trabalho.

Na verdade, estatui esta norma legal que “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 das subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.”. No caso dos autos, temos que a demandante tinha conhecimento da ausência injustificada da R., desde que cessou o período indicado no primeiro certificado de incapacidade, tendo apenas recebido o segundo certificado a 10/03/2022 e, no entanto, apenas comunicou este procedimento disciplinar em 15/06/2022, pelo que, de acordo com o preceituado no art. 353º nº3 do mesmo diploma legal, a contagem do prazo acima indicado, apenas se interromperia nesta data, mas, como resulta claro, já se encontrava esgotado.

Pelo exposto, neste segmento das infracções imputadas à R. na respectiva nota de culpa, considera-se a mesma extinta por caducidade, no seguimento do entendimento unânime entre a jurisprudência, entre a qual se cita, por paradigmático, o Ac. do STJ de 09/02/2017, In, proc. nº 2913/14.3TTLSB.L.S1 quando consignou “Tendo o empregador conhecimento da prática por determinado trabalhador de infrações disciplinares pelas quais o pretende sancionar, terá que iniciar o procedimento disciplinar com a notificação da nota de culpa nos 60 dias posteriores aquele conhecimento, sob pena de caducidade do respetivo direito. (…)”.

Apreciando:

Resulta do artigo 329.º do Código do Trabalho (CT), sobre o procedimento disciplinar e prescrição, o seguinte:

“1. O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime. 2. O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração”.

Como tem sido evidenciado, subjacente ao estabelecimento do prazo de caducidade, a que se refere o n.º 2 do artigo citado, estará a ideia de que a maior ou menor lentidão no desencadeamento do processo disciplinar exprimirá o maior ou menor grau de relevância que é atribuída pelo empregador à conduta do trabalhador.

Como resulta da norma, o prazo inicia-se com o conhecimento da infração pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, importando ainda ter presente que, em face do que se dispõe no n.º 3 do artigo 353.º, do CT, esse interrompe-se com a notificação ao trabalhador da nota de culpa ou, sendo esse o caso, com o início de inquérito prévio[7].

Importa ainda ter presente que, sendo a caducidade uma exceção perentória, o ónus da prova pertence ao trabalhador, competindo a este, pois, provar quando é que o empregador ou o superior hierárquico com poderes disciplinares tiveram conhecimento efetivo da infração[8].

Voltando então ao caso, invocando a Recorrente, para sustentar que não se verifica a caducidade afirmada na sentença, que o Conselho de Administração apenas tomou conhecimento da situação a 19.4.2022 e que a nota de culpa foi notificada a 15.6.2022, o que se constata, salvo o devido respeito, quanto ao invocado conhecimento em 19.04.2022, é que tal facto não resulta da factualidade provada, sendo que, não resultando dessa, é certo, qualquer referência ao conhecimento pelo Conselho de Administração, extrai-se, porém, dos pontos 13.º e 14.º, em que se encontra provado que a 2.ª baixa, que foi apresentada pela Ré – datada de 10.3.2022, com efeitos retroativos desde 28.2.2022, até 26.10.2022, por motivo de gravidez de risco clínico, estando autorizada a sair do seu domicílio das 11 às 15h e das 18 às 21h – foi comunicada e entregue à empregadora, sendo que, esta última expressão (“empregadora”), constante do facto, o qual sequer foi impugnado no presente recurso, traduz a ideia de que o conhecimento chegou a quem tem o poder de apreciação e decisão para efeitos da aplicação do regime estabelecido no artigo 129.º do CT.

Em face do exposto, pelas razões que antes indicámos, não encontramos fundamento para infirmar a solução final a que se chegou em 1.ª instância, com a consequente improcedência do recurso quanto a esta questão.

2.2. Da justa causa de despedimento

Invoca a Recorrente, mais uma vez em face das conclusões, o seguinte:

- os factos provados consubstanciam justa causa, nos termos do artigo 351.º do CT, pelo que ao não decidir neste sentido, a sentença recorrida errou e violou esta norma, pois que, diz: os factos provados “permitem concluir que a Ré incorreu em infração disciplinar, por lei qualificada de grave (artº 256º, nº 2, do CT), por não ter comunicado à A., em tempo, a prorrogação da baixa, obrigando os serviços administrativos da A. a saber junto dela o que se passava e provocando toda uma perturbação e instabilidade no jardim de infância e nas crianças que acompanhava, pela situação de dúvida que gerou, de forma desnecessária e desleixada e que nunca devia ter ocorrido, se tivesse um mínimo de cuidado e de consideração pelas crianças e pelo Colégio” – violou a Ré “o artº 253º do CT, tornando injustificadas as faltas dos dias 7, 8, 9 e 10 de março de 2022, como expressamente se prevê no nº 5 daquela norma, o que constitui uma infração disciplinar grave, com consequências negativas e danosas para a comunidade escolar e para o Colégio, nos termos descritos”; num segundo grupo de factos, “pode concluir-se que a Ré, não obstante estar ausente ao abrigo de um certificado de incapacidade temporária para o trabalho que só lhe permitia ausentar-se do domicílio no período das 11 às 15 e das 18 às 21 horas, como dele consta (fls. 23 do PD), fez uma viagem transatlântica de avião ao Brasil, de laser, que não comunicou à A.” – “pode também concluir-se que a A., que pensava que a Ré estava no recato do seu lar em situação de impedimento para o trabalho por causa de um risco clínico que a impossibilitava de exercer funções, como é suposto por essa licença (artº 37º, nº 1, do CT), foi surpreendida com a publicação de fotografias da viagem, no Instagram da Ré, o que foi obviamente um choque”; “confrontada com a situação, a Ré entregou à A. uma declaração médica de 2.5.2022, nos termos da qual «aconselha-se limitações na sua actividade profissional e pessoal (evicção esforços, pegar em pesos, andar de carro em estrada em paralelo) ou seja tudo o que aumente o risco de contratilidade uterina pelo antecedente de cesariana recente», sendo que “esta segunda declaração médica põe em causa o certificado de baixa anteriormente empregue, pois evidencia que afinal a Ré não estava incapacitada totalmente para o trabalho, ou seja, evidencia que afinal a licença de risco clínico entregue pela Ré não era impeditiva do exercício de funções, todas elas, como era pressuposto (artº 37º, nº 1, do CT)” (“A Ré apenas foi aconselhada a limitar a sua atividade profissional a determinadas tarefas”); “o certificado de baixa foi posto em causa pela própria Ré e por médica consultada pela Ré e cedeu face a documento médico de igual valor e a própria Ré, com a sua postura de se deslocar para o Brasil, numa viagem de avião, durante uma semana, se encarregou de mais contribuir para pôr em causa o impedimento invocado e a declaração que entregou para justificar a sua ausência, pois não é minimamente aceitável que o risco clínico que invocou a obrigava a permanecer no domicílio por estar impedida de exercer as suas funções, todas elas, e não de fazer uma viagem transatlântica de avião”; “a 2ª baixa, como declaração justificativa de faltas, é falsa, pois não é compatível com a declaração médica de 2.5.2022, segundo a qual a Ré está apenas limitada funcional e profissionalmente, nem é congruente com a autorização para a submissão a uma viagem transatlântica de férias”; “a Ré escudou-se numa baixa de risco clínico (não foi a Ré que passou o certificado de baixa, mas foi a Ré que o apresentou à A. e se declarou impedida de exercer as suas funções, quando não era esse o seu estado), para não comparecer ao trabalho, e deu-se como totalmente incapacitada ou impedida de trabalhar, quando essa situação não correspondia à realidade: A Ré não estava totalmente impedida de exercer funções, todas elas, podendo pelo menos exercer uma parte das suas funções (e nomeadamente uma parte essencial, que era a do contacto com as suas crianças, em alemão, contribuindo para a sua estabilidade emocional e fluência da língua estrangeira)”; “por outro lado, o comportamento da Ré é altamente desleal para com a A., para não dizer desonesto, ao empreender uma viagem de recreio para o Brasil quando se dizia impedida para o trabalho e obrigada a permanecer em casa na maior parte do dia, por causa do seu risco clínico”; “a postura da Ré constitui um péssimo exemplo desmoralizador para todo o Colégio, não só perante os colegas de trabalho e diretores, como também perante os encarregados de educação, dando origem a avaliações negativas e a mal-estar. Revela uma total desconsideração pelo grupo de crianças que lhe estava afeto e pela organização do jardim de infância, recorrente”; “a atitude da Ré revela falta de idoneidade e faz quebrar a confiança num comportamento honesto e leal e numa postura profissional, não havendo condições para continuar ao serviço”; “violou, assim, de forma grave e reiterada, o dever de honestidade e de lealdade, o dever de assiduidade, o dever de obediência e de cumprimento do horário de trabalho, previstos no artigo 128º do CT, tornando impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 e das alíneas a), d), f) e g) do nº 2 do artigo 351º do CT.”

Defendendo a Recorrida a adequação do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público no parecer que emitiu, para efeitos da nossa apreciação constata-se que resulta da sentença recorrida (transcrição):

“(…) Passamos, então, à apreciação da conduta da R. traduzida na apresentação do segundo certificado de incapacidade e da sua ausência na viagem que realizou ao Brasil.

A legislação laboral tem vindo a ser actualizada, no seguimento da Directiva 92/85/CEE de 19/10/1992, no sentido de proibir o despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, excepto se os motivos do seu despedimento não se relacionar com o estado que determina aquela mesma caracterização. Assim, o art. 36º do Cód. do Trabalho (na sua versão introduzida pela Lei nº 7/2009 de 12/02 define os conceitos das trabalhadoras supra referidos e o art. 37º dos mesmo diploma legal, estatui “1- Em situação de risco clínico para a trabalhadora grávida ou para o nascituro, impeditivo do exercício de funções, independentemente do motivo que determine esse impedimento e esteja este ou não relacionado com as condições de prestação do trabalho, caso o empregador não lhe proporcione o exercício de actividade compatível com o seu estado e categoria profissional, a trabalhadora tem direito a licença, pelo período de tempo que por prescrição médica lhe for considerado necessário para prevenir o risco, sem prejuízo de licença parental inicial.”, no seguimento do igualmente consignado (a título de protecção social) para estas trabalhadoras nos Dec.-Lei nºs 89/2009 de 09/04 e 91/2009 de 09/04.

Temos, pois, que, no caso em apreço, a demandada estando grávida e tendo-lhe sido diagnosticada gravidez de risco, com a emissão do competente certificado de incapacidade, que se prolongaria até ao nascimento do seu filho (momento em que iniciaria o gozo da licença parental inicial), beneficiava do gozo desta licença. Resulta ainda claro, da factualidade acima dada como assente que, o aqui A. não demonstrou ter colocado à disposição da R. o exercício das suas funções, de modo compatível com as limitações que a mesma apresentava, não incumbindo, como se resulta do preceito legal acima transcrito, que esta iniciativa seja da trabalhadora, mas antes da sua entidade empregadora, inexistindo qualquer indicação de comunicação em que lhe fosse proposto o exercício das suas funções, com os limites determinados pela sua gravidez de risco e que a demandada tivesse rejeitado esta mesma proposta. Igualmente, não resultou demonstrado que a R. tivesse apresentado um certificado de incapacidade com conteúdo falso, no sentido de que não tinha, efectivamente, uma gravidez de risco, o que foi categoricamente reiterado pelo depoimento da sua médica assistente, pelo que a demandada não apresentou declaração médica com intuito fraudulento, mas antes um documento atestando a sua gravidez de risco pelo período ali contido.

Estamos, assim, perante um contrato de trabalho que se suspendeu – nos termos do disposto no art. 296º nº1 do Cód. do Trabalho – por incapacidade temporária da trabalhadora superior a um mês, o que determina que a mesma não se encontrava, no seu período de ausência, no gozo de férias, atento o preceituado no art. 244º do mesmo diploma legal.

Como caracterizar, então, a sua ausência para o Brasil? Consideramos que no caso em apreço, a ter existido alguma infracção, a mesma prende-se com os limites da sua ausência do domicílio, determinados no próprio certificado de incapacidade, mas já não quanto ao cumprimento dos seus deveres laborais, que se mantêm, apensar da suspensão do seu contrato de trabalho. Neste sentido, não se considera que a demandada tenha violado qualquer dever de informação, tal como se encontra concretizado no art. 106º do Cód. do Trabalho, já que, estando ausente por baixa médica, não se entende que recaísse sobre a mesma a obrigação de informar a sua entidade empregadora de que se iria ausentar para o Brasil, durante uns dias, já que não estava vinculada ao dever de assiduidade e, mesmo considerando a obrigação genérica de actuação com boa-fé, consignada no art. 126º do mesmo diploma legal, também não se vislumbra que a R. tivesse actuado de má-fé, dado que o A. não demonstrou que houvesse qualquer intuito da parte da demandada de ocultar esta viagem (tanto assim foi que publicou as fotos em apreço nas suas redes sociais, onde sabia que iriam ou poderiam ser vistas por pais dos seus alunos), ou de se sonegar ao cumprimento de obrigações profissionais, dado que, como acima se deixou exposto, era o A. quem deveria ter apresentado à R. uma proposta de adequação do exercício das suas funções compatível com a sua gravidez de risco.

Mas, ainda que se pudesse considerar, por mera hipótese, que a aqui demandada deveria ter alertado a sua entidade empregadora, de que já havia alterado a sua situação clínica, no sentido de que já lhe era possível exercer as suas funções, ainda que de forma limitada, cumpre apreciar se esta sua conduta seria de tal forma grave que determinasse a inviabilidade de se manter o vínculo laboral.

A este propósito dispõe o art. 351º do Cód. do Trabalho, na sua versão aqui aplicável – aprovada pela Lei nº 7/2009 de 12/02 – “1 – Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

2 – Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; (...)”.

Temos, pois, que o despedimento/sanção aqui em análise tem de cumprir um requisito subjectivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador; um requisito objectivo, correspondente à gravidade e consequências desse despedimento e um nexo causal entre este comportamento e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral – a este propósito vide, Código do Trabalho, Anotado e Comentado, Paula Quintas e Hélder Quintas, pág. 716.

No caso dos autos, temos por um lado que a actuação da aqui R. não se enquadra, salvo melhor entendimento, em nenhuma das situações tipificadas no nº 2 daquela mesma norma legal, dado que, como se viu, inexistiu qualquer falsidade relativamente à justificação da sua ausência, sendo certo que o certificado de incapacidade apresentado se manteve, como válido, até ao terminus da sua gravidez, tendo depois passado ao gozo da licença parental inicial e, mesmo pela previsão do nº1 do mesmo preceito legal, não se considera que a sua viagem, no decurso dessa baixa médica pudesse configurar qualquer motivo suficientemente grave para comprometer a manutenção do seu vínculo laboral. Neste ponto, entende-se ser de realçar que, no que se refere aos “transtornos” causados pela ausência da demandada, quanto à inexistência de educadora fluente na língua ... que a pudesse substituir, ou pela necessidade de repartição dos alunos por outras salas, os mesmos são-lhe totalmente alheios. A partir do momento em que a entidade empregadora tem ao seu serviço, mulheres em idade de serem mães ou mesmo na eventualidade de serem do sexo masculino, na eventualidade de se encontrarem doentes ou de estarem no gozo de licença parental, tem de adoptar mecanismos que lhe permitiam manter a sua actividade, nas suas ausências, já que caso contrário a demandada estaria a ser censurada por ter engravidado ou por ter uma gravidez de risco, o que é de todo não só discriminatório, mas contrário à legislação nacional e europeia que precisamente visa conciliar a vida pessoal e a profissional dos trabalhadores dependentes (vide Directiva UE 2019/1158), recaindo sobre os empregadores a obrigação de se organizarem de modo a poderem acautelar as suas ausências.

Na apreciação do conceito da justa causa, perfilha-se aqui o entendimento expresso por Baptista Machado, In, RLJ, 118º-330 e ss., quando refere “O núcleo mais importante de violações do contrato capazes de fornecer “justa causa” à resolução é constituído por violações do “princípio da leal colaboração” imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais diz-se que se trata de uma quebra de fides ou da “base de confiança do contrato”.

De notar, porém, que estes conceitos de fides ou de confiança se não referem apenas a uma confiança pessoal ou subjectiva. Relações há, sem dúvida, em que a subsistência da confiança pessoal é um elemento condicionante do bom funcionamento da relação ou programa negocial, pelo que a quebra dessa relação de confiança pessoal põe em risco a “finalidade” de tal programa e pode justificar um direito de resolução. Mas na generalidade dos casos deve dizer-se que a referida base de confiança é afectada quando se infringe o dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que subordina o contrato.”.

Os critérios a seguir, na fixação da sanção, são o da gravidade da mesma e o da culpa do infractor. Segundo a doutrina dominante, os conceitos aplicáveis na responsabilidade penal devem ser aqui chamados à liça e citando a obra acima referida (Cód. do Trabalho) – pág. 648 – refere-se a este propósito: “Segundo o princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade (…) a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (…) A gravidade da infracção deve ser avaliada tendo por base o grau de perturbação provocada no vínculo laboral, na organização e imagem empresariais; a afectação (real ou potencial) de interesses da empresa; a possibilidade de reincidência; os efeitos produzidos (presentes e futuros); o comportamento habitual dos restantes trabalhadores, etc. (…)

Na avaliação da culpabilidade do trabalhador, para efeitos de determinação da proporcionalidade da sanção disciplinar, o empregador deverá ter em consideração se o trabalhador actuou com dolo (e qual o tipo de dolo) ou negligência e, por outro lado, ponderar a existência de circunstâncias exteriores e sua influência para a determinação da conduta do agente.”.

Em face dos critérios que acima se deixaram expostos entende-se que a conduta da R., não reveste o grau de gravidade e de culpa que o demandante lhe imputa, pelo que, recorrendo-se novamente aos factos que acima se deram como assentes, no sentido de analisar a proporcionalidade da sanção, por contraposição ao comportamento da trabalhadora, aqui demandada e avaliando-se as circunstâncias acima descritas na factualidade dada como assente, entende-se que o A. não demonstrou a inviabilidade de se manter a relação laboral com a R., sendo certo que, neste aspecto, as queixas apresentadas pelos pais dos alunos se prenderam mais com a falta de comunicação por parte do demandante, do que pela imputaão à R. de qualquer falha no cumprimento da sua profissão.

Os critérios objectivos, aqui a ponderar, para determinar da adequação da sanção disciplinar aplicada, devem estar de acordo com o entendimento exigível a um “bom pai de família” ou de “um empregador normal”.

Tal como se refere no Ac. do STJ de 23/02/2000 (In, ADSTA, Ano XL – 469, pág. 114) “...IV - existência de justa causa de despedimento assenta ainda no conceito de inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho a qual envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.

V – Considerando o elemento marcadamente fiduciário das relações laborais, uma que o contrato de trabalho é celebrado com base numa recíproca confiança entre o empregador e o trabalhador, devendo as futuras relações obedecer aos ditames da boa fé, impõe-se que o comportamento deste não seja susceptível de destruir ou abalar essa confiança de modo a criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta. Consequentemente, verificar-se-á a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho sempre que se esteja perante uma situação de quebra absoluta de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador.”.

Ponderadas todas as circunstâncias acima enumeradas na factualidade assente, e procedendo ao juízo previsto no nº 3 do art. 351º do Cód. do Trabalho, entende-se que a sanção de despedimento não é a adequada ao comportamento da aqui R., pelo que se julga a acção improcedente, não se reconhecendo a existência de justa causa que justificasse a aplicação da sanção disciplinar, à mesma, de despedimento.”

Cumprindo-nos pronúncia, faremos de seguida umas breves considerações, em termos de prévio enquadramento da questão que nos é colocada.

Numa primeira nota, para relembrarmos que o contrato de trabalho pode cessar, para além de outras causas que agora não importam, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Trabalho (CT) –“constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, sendo que, competindo ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu, compreende aquela figura, como é consabido, três elementos, assim, a verificação de um comportamento culposo do trabalhador, que esse seja grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, face àquela gravidade – dito de outro modo, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa[9].

Como o temos afirmado em outras pronúncias[10], não nos dando, é certo, o legislador a exata definição sobre qual o comportamento do trabalhador que deve ser considerado como culposo para integração no conceito legal de justa causa – limitando-se a enunciar, de forma exemplificativa, alguns comportamentos do trabalhador que, a ocorrerem, constituem justa causa de despedimento, o que é a todos os títulos compreensível dada a complexidade e disparidade de comportamentos inerentes à realidade social, tornando-se assim necessária a utilização de conceitos indeterminados com elasticidade suficiente que permitam a integração de comportamentos que, pela sua gravidade, se reconduzam à noção de justa causa –, sempre será, porém, como resulta do preceito legal antes citado, de exigir, para o preenchimento do conceito, que o comportamento do trabalhador, para além de culposo, revista uma gravidade e consequências tais que, em função pois das circunstâncias concretas apuradas no caso, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – como resulta do n.º 3 do preceito, “na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”. Assim o têm afirmado a doutrina e jurisprudência, resultando nomeadamente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2016 que, significando a referência legal à “impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho” que nas circunstâncias concretas aferidas a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, “(…) haverá justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, se conclua pela premência da desvinculação”, “premência justificada, em nosso entender, quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador que seja susceptível de criar no espírito daquele a dúvida objectiva sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador no âmbito das relações laborais existentes e que decorrem do exercício da actividade profissional para que foi contratado”. Mais se afirma, com relevância mais uma vez, que “a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes”, bastando “que o comportamento do trabalhador seja suficientemente grave para que o empregador legitimamente duvide da conduta futura do trabalhador”.»

Por outro lado, dada a situação em que a Ré se encontrava, rege também o regime especialmente estabelecido no artigo 63.º, do CT («Protecção em caso de despedimento»), referente a despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, do qual resulta, em particular, que a lei protege a trabalhadora nessas circunstâncias, no processo de despedimento por facto que lhes seja imputável (despedimento disciplinar)[11] – dessa resultando, para além do mais, no que ao caso importa, que “Se o parecer for desfavorável ao despedimento, o empregador só o pode efectuar após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo, devendo a acção ser intentada nos 30 dias subsequentes à notificação do parecer”, procedimento a que a aqui Autora atendeu.

Pois bem, depois das breves considerações, impondo-se voltar ao caso concreto que aqui se aprecia, cumprindo-nos então verificar se a Autora/empregadora logrou provar, como lhe competia, os comportamentos que imputou à Ré / trabalhadora e se esses integram ou não o conceito de justa causa a que se aludiu – dito de outro modo, se a Ré praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho –, desde já avançamos que a nossa resposta é, quanto a esta última e determinante questão, na nossa ótica negativa, ou seja, afinal no sentido afirmado pela sentença recorrida, que assim acompanhamos.

Assim o dizemos, esclarecendo também, que a fundamentação da sentença, que antes transcrevemos, é já bastante, por si só, para termos por respondidos os argumentos avançados pela Recorrente, sem necessidade de maiores considerações, pois que, em bom rigor, tais argumentos, evidenciando é certo uma clara discordância em relação à fundamentação e sentido decisório daquela sentença, o que lhe é naturalmente legítimo, não permitem, porém, afastar tal decisão.

Ainda assim, para melhor se perceber a nossa posição, sempre diremos o seguinte:

Em primeiro lugar, quanto à relevância que a Recorrente vê nos factos relacionados com a ausência injustificada da Ré no período que mediou entre o final do primeiro certificado de incapacidade, por gravidez de risco – 25/02/2022 – e a entrega do segundo certificado de incapacidade, que terá sido a 10/03/2022[12], importa deixar claro que, nos termos que antes afirmámos, improcedeu o recurso na parte relacionada com a consideração, constante da sentença, de que se verificou a caducidade, do que decorre que tais factos não podem ser atendidos para efeitos de justificar a justa causa do despedimento.

Importando então analisar os demais factos, são esses – e apenas esses, já não outros, que não constem da factualidade provada – os seguintes (ordenando-se por ordem cronológica):

- 13) (…) a R. apresentou uma 2ª baixa, datada de 10.3.2022, com efeitos retroativos desde 28.2.2022, até 26.10.2022, por motivo de gravidez de risco clínico, estando autorizada a sair do seu domicílio das 11 às 15h e das 18 às 21h.

- 14) Esta 2ª baixa só foi comunicada e entregue à empregadora por email da R. de 10.3.2022, pelas 20h58.

- 15) A ausência da R. provocou a necessidade de reduzir o jardim de infância de 8 para 7 grupos, com a integração das crianças do grupo da R. – ... (grupo ..., crianças dos 3 aos 6 anos) – em seis grupos.

- 7) A R. fez uma viagem de avião para o Brasil, que decorreu de 9 a 18 de Abril de 2022.

- 21) A R. não comunicou à empregadora que ia realizar essa viagem ao Brasil.

- 9) A R. publicou fotografias da sua viagem de férias no Instagram, onde tem 495 seguidores.

- 10) A R. é seguida no Instagram por colegas, trabalhadores da empregadora, e por pais (encarregados de educação) dos alunos e das crianças que frequentam o Colégio e que tomaram conhecimento da viagem realizada pela R., sabendo igualmente que a R. estava a faltar ao abrigo de baixa médica.

- 16) Foram identificados como tendo visto a publicação da aqui A. (referente à viagem ao Brasil) a Dra. DD, sub-diretora do Colégio, o Dr. EE, diretor do Colégio, a Dra. CC, diretora do jardim de infância, a Dra. BB, diretora dos serviços administrativos, bem como outros professores e pais de alunos.

- 17) Para além dessas pessoas houve pelo menos mais 140 pessoas que fizeram like no post.

- 8) No dia 26.4.2022 a R. entregou à empregadora uma declaração da sua médica assistente, de que lhe foi permitido realizar a viagem.

- 18) Não foi possível à A. recrutar uma educadora para a substituição da R., face ao requisito indispensável do domínio da língua ..., pelo que a presença da R. ao serviço era fundamental, quanto mais não fosse para a prática e desenvolvimento da língua ... com as crianças e o acompanhamento das atividades, devido ao apego das crianças à «sua» educadora e aos amigos da sua sala (Grupo ...).

- 19) A instabilidade e a necessidade de alteração do grupo súbita e sem planeamento provocou uma reação negativa dos pais (encarregados de educação) e perturbação das crianças.

- 20) Em consequência da ausência, a R. não integrou o plantão rotativo de educadoras, para vigilância nas férias (da Páscoa), que decorreu de 11 a 22 de Abril.

Em face do aludido quadro factual, a questão essencial passará por saber qual a relevância, em termos de violação de eventuais deveres por parte da Ré e, sendo esse o caso, se tais violações justificarão a aplicação disciplinar da sanção de despedimento por justa causa, que pode assumir o seu comportamento de, encontrando-se num período de baixa, por motivo de gravidez de risco clínico (estando autorizada a sair do seu domicílio das 11 às 15h e das 18 às 21h), a circunstância de ter efetuado, sem sequer o comunicar à Autora / empregadora, uma viagem de avião para férias, no Brasil, que decorreu de 9 a 18 de Abril de 2022 – tendo inclusivamente publicitado fotografias dessa sua viagem na rede social Instagram, onde tem 495 seguidores, em que se incluem colegas, trabalhadores da empregadora, e pais (encarregados de educação) dos alunos e das crianças que frequentam o Colégio e que tomaram conhecimento dessa viagem, sabendo igualmente que a Ré estava a faltar ao abrigo de baixa médica –, sendo que, como também resultou provado, já depois, assim em 26.4.2022, entregou à Empregadora uma declaração da sua médica assistente, de que lhe foi permitido realizar a viagem.

Ora, sendo esse e apenas esse o quadro factual a atender (e não pois, como já dito, aqui se incluindo quaisquer outros facto e afirmações da Recorrente que não encontrem aí suficiente base ou apoio), não encontramos razões para não acompanharmos a sentença recorrida, assim a fundamentação dessa antes transcrita, quando, depois de se considerar que inexiste qualquer falsidade relativamente à justificação da ausência da Ré, desde logo por se ter mantido válido o certificado de incapacidade apresentado até ao terminus da sua gravidez, se afirma, fator que afinal assume aqui especial e determinante relevância, “que a sua viagem, no decurso dessa baixa médica pudesse configurar qualquer motivo suficientemente grave para comprometer a manutenção do seu vínculo laboral”, esclarecendo-se, ainda, e bem, que, no que se refere aos “transtornos” causados pela sua ausência – “quanto à inexistência de educadora fluente na língua ... que a pudesse substituir, ou pela necessidade de repartição dos alunos por outras salas” –, que esses lhe são afinal “totalmente alheios”. De facto, como na sentença também é referido, citando-se de novo, “a partir do momento em que a entidade empregadora tem ao seu serviço mulheres em idade de serem mães ou mesmo na eventualidade de serem do sexo masculino, na eventualidade de se encontrarem doentes ou de estarem no gozo de licença parental, tem de adoptar mecanismos que lhe permitiam manter a sua actividade, nas suas ausências, já que caso contrário a demandada estaria a ser censurada por ter engravidado ou por ter uma gravidez de risco, o que é de todo não só discriminatório, mas contrário à legislação nacional e europeia que precisamente visa conciliar a vida pessoal e a profissional dos trabalhadores dependentes (vide Directiva UE 2019/1158), recaindo sobre os empregadores a obrigação de se organizarem de modo a poderem acautelar as suas ausências”.

Como mais uma vez resulta da sentença, com adequada fundamentação nesse âmbito (incluindo socorrendo-se de adequado suporte na Doutrina e Jurisprudência), ponderadas todas as circunstâncias do caso, procedendo-se ao juízo previsto no n.º 3 do artigo 351.º do CT, a sanção de despedimento não é, no caso, a adequada ao comportamento da Ré.

Ou seja, estando em causa verificar, tal como antes o dissemos, se estamos, como o preenchimento do conceito de justa causa o exige, perante um comportamento da Ré, para além de culposo, que revista uma gravidade e consequências tais que, no caso, em função das circunstâncias concretas apuradas, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – como resulta do n.º 3 do preceito, “na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes” –, a resposta é, também na nossa ótica, negativa, pois que nas circunstâncias concretas aferidas no caso entendemos também que a continuidade da vinculação não representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Dito de outro modo, não estamos perante um caso que se possa fundar a justa causa de despedimento, pois que, ponderados os interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, entendemos, também, como na sentença, e diversamente do defendido pela Recorrente, não ser de concluir pela premência da desvinculação (premência esta justificada quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador que seja suscetível de criar no espírito daquele a dúvida objetiva sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador no âmbito das relações laborais existentes e que decorrem do exercício da atividade profissional para que foi contratado).

Por decorrência do exposto, claudicando os argumentos da Recorrente, improcede o presente recurso.

A responsabilidade pelas custas impende sobre a Autora / apelada (artigo 527.º do CPC).


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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:

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IV – DECISÃO:

Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente na parte dirigida à matéria de facto, com aditamento à factualidade provada de um novo ponto, em declarar no mais improcedente o recurso, confirmando-se, por decorrência, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 17 de março de 2025

(acórdão assinado digitalmente)

Nélson Fernandes

Rui Penha

António Luís Carvalhão


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[1] CPC ANOTADO, III, pág. 212

[2] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Lda, 1993, pág.194.

[3] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra – 1982; pág. 268

[4] Relator Conselheiro Melo Lima, in www.dgsi.pt.

[5] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt

[6] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt

[7] O qual tem de ser iniciado nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares – artigo 352.º do Código do Trabalho.

[8] Entre todos, cfr. Ac. STJ, 30 de março de 2022, Relatora Conselheira Maria Paula Sá Fernandes, in www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, de entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010, 29-09-2010 e 15-09-2016, disponíveis em www.dgsi.pt.
[10] Entre outas, com intervenção deste mesmo relator, o acórdão de 5 de Março de 2018, Apelação 1119/13.3TTPRT.P2, in www.dgsi.pt.[11] Trata-se de proteção que integra, afinal, o âmbito de proteção constitucional, relativa à Família e à Paternidade e Maternidade, visando ainda assegurar a igualdade de tratamento entre os pais e as mães trabalhadoras.
[12] Assim quando argumenta que esse grupo de factos “permitem concluir que a Ré incorreu em infração disciplinar, por lei qualificada de grave (artº 256º, nº 2, do CT), por não ter comunicado à A., em tempo, a prorrogação da baixa, obrigando os serviços administrativos da A. a saber junto dela o que se passava e provocando toda uma perturbação e instabilidade no jardim de infância e nas crianças que acompanhava, pela situação de dúvida que gerou, de forma desnecessária e desleixada e que nunca devia ter ocorrido, se tivesse um mínimo de cuidado e de consideração pelas crianças e pelo Colégio” – violou a Ré “o artº 253º do CT, tornando injustificadas as faltas dos dias 7, 8, 9 e 10 de março de 2022, como expressamente se prevê no nº 5 daquela norma, o que constitui uma infração disciplinar grave, com consequências negativas e danosas para a comunidade escolar e para o Colégio, nos termos descritos”;